Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Martin Scorsese. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Martin Scorsese. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Parede sonora

Dias antes do dia 17, sem saber estar premeditando, rodei no meu programa "Then He Kissed Me", com a The Crystals, autoria de Phil Spector. A música havia estado na minha cabeça durante a semana anterior, e ao reescutar o programa mais uma vez me embasbacava: que coisa magnífica! Em composição, arranjo, timbre, sonoridade. E outra clássica, "Be my Baby", dele com as Ronettes, que Scorsese usou mais de uma vez em seus filmes, como na cena de abertura de "Caminhos Perigosos"?! Música pop na mais precisa - e bem acabada - acepção. O monofásico "wall of sound", que Beach Boys, Beatles, Love, The Zombies, Bruce Springsteen e produtores como Brian Eno Tony Visconti, e Stephen Street souberam se valer tão bem, é revolucionário ainda hoje, era digital, por sua concepção integral de uma obra musical mesmo mais de 60 anos depois de ser inventado. No estúdio mas, principalmente, na mente genial e louca de Phil Spector.

Spector produzindo Lennon
nos anos 70
Se para Spector a genialidade andava junto com a loucura, uma alimentando-se da outra, não raro a segunda vencia a queda de braço. Andar armado no estúdio, a ponto de manter em cárcere privado dentro do estúdio os rapazes dos Ramones ou apontar um revólver para a cabeça de outro produzido, Leonard Cohen (e ao mesmo tempo lhe fazer declarações de amor), era prenúncio de que algo pior uma hora podia acontecer. Como de fato, aconteceu. O assassinato a tiros de sua esposa Lana Clarkson, em 2003, colocou o excêntrico e talentoso, mas também perigoso e intratável Spector, atrás das grades para sempre. De artista a criminoso. Condenação a 19 anos de prisão, que dificilmente seriam completos por alguém já aos 62 anos quando da sentença, como de fato aconteceu no último dia 17 de janeiro, com Phil já a seus 81 de vida.

A obra de Phil Spector é daquelas coisas inesgastáveis assim como as polêmicas em torno de sua conduta não raro paranoica e violenta. desde suas autorias junto aos conjuntos que ajudou a montar e empresariar - e a explorá-los também, no pior sentido do termo - até as produções de discos dos Beatles, de Lennon, dos Ramones, de Harrison. Já o resenhei aqui para o blog com seu essencial "Phil Spector Christmas Album", e certamente falar dele e de sua obra merece muito mais. Inesgastável.

Como disse meu amigo e jornalista Paulo Moreira, com Phil Spector morre uma era do rock 'n' roll. Como algo que se rompe. Como uma grande parede sonora, que rui para sempre na música pop.


PHIL SPECTOR
(1939-2021)


************

Cena de abertura de "Caminhos Perigosos"
de Martin Scorsese, com "Be my Baby",  
da The Ronettes, autoria de Phil Spector

Daniel Rodrigues

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Coluna dEle #52 - Os dez filmes favoritos dEle



Vi que geral tá fazendo essas listinhas de filmes preferidos na rede social aí de vocês  e, como é semana de Oscar, resolvi fazer a minha também. Afinal de contas, Eu também  sou filho de..., digo, Eu sou o Pai do..., Eu sou o... Ah, vocês  entenderam.
Pessoal diz que é só pra postar uma imagem, sem comentar, mas Eu vou comentar, sim, porque Eu que mando nessa bagaça e Eu faço o que Eu bem quiser!
Sendo assim, então, sem maiores enrolações, aí vai a lista dos filmes favoritos dEle (Eu, no caso):



Eu negão é uma honra!
1. "O Todo Poderoso", de Tom Shadyac (2003)
Ah, podem falar o que quiserem mas Eu não podia deixar de falar desse! Eu negão tô demais!!! Ainda mais interpretado pelo Morgan Freeman. Isso sem falar no Jim Carrey que Eu curto pra caramba também. Eu vejo esse filme é fico imaginando o estrago que vocês  fariam se estivessem no Meu lugar. Eu Me livre!





"It's alive! It's alive!"
2. "Frankenstein", de James Whale (1931)
E por falar em vocês querendo se meter nas Minha, no meio de tantos filmes desses do homem querendo brincar de Eu, o "Frankenstein", o antigo, o clássico, não podia ficar fora da Minha lista. É a parada de neguinho querendo ser criador e não somente criatura, saca? Essa sensação de criar uma vida Eu conheço bem. Lembro de quando criei o Adão, a minha reação foi exatamente a mesma do cientista no filme: "Está vivo! Está vivo!".





Ó Eu, aquele foguinho ali,
gravando as leis nas tábuas sagradas.
3. "Os Dez Mandamentos", de Cecil B. de Mille (1956)
Falando em Adão, adoro esses filmes antigos adaptados do Meu livro sagrado tipo "Ben-Hur", "O Manto Sagrado", "Sansão e Dalila" e tal. Mas o Meu preferido mesmo é "Os Dez Mandamentos", que tem o Charlton Heston de Moisés e Eu contracenando com ele como um foguinho escrevendo as dez leis, aquelas que vocês nunca seguem, nas tábuas sagradas.





"Sai, tentação."
4. "A Última Tentação de Cristo", de Martin Scorsese (1988)
Esse é com o Filhão. Outro "bíblico" mas esse já de outra turma. É dos provocativos, dos contestadores. Gosto disso! Não fiz vocês pra serem tudo uns cordeirinhos. Gostei da hipótese do JC ter tido uma vida sem ter que carregar a cruz de ser Meu filho. Scorsese matando a pau!





Estás linda, Maria!
5. "Je Vous Salue, Marie", de Jean-Luc Godard
Outro dos controversos que Eu gosto de montão. E esse é mais sobre a Patroa. Adorei a leitura que o Godard deu pra história do nascimento do JC. Gosto desses caras que tem colhão de mexer com o que é... sagrado. Ah, e adorei aquele anjo Gabriel, todo grosseirão, e que dá umas biabas no tal de José que quer bulir com a Minha mulher.






Bruno agora, sim, virou um anjo.
6. "Asas do Desejo", de Wim Wenders (1997)
Por falar em anjo, um filme que Eu sou apaixonado e que mostra um pouco como é essa coisa de vida de guardião de vocês, é o "Asas do Desejo" do Wenders. Comentei isso, inclusive, com o Bruno, o Bruno Ganz, que acabou de chegar por aqui. E o pior é que a coisa é bem assim, mesmo: Eu mando os Meus funcionários de asas aí pra tomar conta de vocês, ficar na retaguarda e tal e, de vez em quando, um que outro pede pra ser um de vocês e ficar por aí mesmo. Não sei qual a vantagem que eles vêem nisso, mas...






É pra isso que Eu pago
Meus funcionários?
7. "O Sétimo Selo", de Ingmar Bergman (1957)
Sabe que aqui em cima Eu tenho um monte de tipo de gente trabalhando pra Mim e, outro tipo de empregado, que não deixa de ser um anjo, é a tal da Morte. Nesse filme, que pra Mim é obra-prima, esse Meu funcionário tem que ir lá buscar um cavaleiro das Cruzadas que já tá com o nome escrito no Meu livro final, mas o carinha fica enrolando, enrolando esse Meu servidor jogando uma partida de xadrez. Ora, vejam! Foi bom ver pra saber como é que Meu pessoal fica embaçando na hora do trabalho pra chegar o fim do expediente.





"Estamos a serviço do Senhor."
8. "Os Irmãos Cara-de-Pau", de John Landis (1980)
Esses não são Meus empregados mas, como eles dizem no filme, "Estamos a serviço do Senhor". Missão divina, muita perseguição de carro, muita risada e muito som... Baita filme! Já vi zilhões de vezes e não canso. Sem falar naquele pessoal todo que aparece lá: Aretha, Hooker, Ray, o Mr. Dynamite... Já tá todo mundo aqui em cima e de vez em quando rola umas jams por aqui. Comandadas pelo Belushi, é claro. O Jake Blues.





9. "Monthy Python em Busca do Cálice Sagrado", de Terry Gillan e Terry Jones (1975)
Ó Eu, de novo,
agora em animação.
Adoro esses caras! Me mijo de rir com eles! Podia falar aqui do "A Vida de Brian" em que eles zoam direto com o Meu Filhão, mas vou destacar mesmo o "Em Busca do Cálice Sagrado" que, pra Mim, é o melhor deles. O galope de cocos, Os Cavaleiros que dizem Ni, a gruta dos coelhos assassinos, as freiras sedentas por sexo, as andorinhas europeias ou africanas... Meu Eu! Aquilo é impagável! E pra melhorar, nesse Eu faço uma pontinha. Apareço designando a missão pro Rei Arthur e seus Cavaleiros.





O que diabos significa esse monolito?
10. "2001 - Uma Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick (1968)
Esses dias, conversando com o Stanley, por aqui pelos corredores, ele Me disse, "O conceito de Deus está no centro de 2001". Eu não sei se, na verdade, com o filme dele, ele mais me explica ou me complica. Seria Eu o monolito? Estaria confirmando Minha onipresença? Estaria negando minha existência? Só um primata endeusaria um sólido cravado no chão? Seria uma ridicularização da religião? Seria uma exaltação à ciência? Uma contestação da evolução? Uma minimização da Minha importância? Perguntei pra ele o que ele queria dizer com tudo aquilo e ele me disse que a ideia era provocar a interpretação de cada espectador. Ai, Kubrick, assim tu confunde minha cabeça! É demais pra minha capacidade. Mas que é um baita filme, é! Stanley, tu é gênio.


E aí, o que acharam da minha lista?
Qualquer coisa, tipo, críticas, correções, pitacos na lista, indicações de filmes, ingressos cortesia, súplicas, pedidos, orações pro seu filme favorito levar o Oscar...
enviar e-mail para: god@voxdei.gov

Fui, filharada!
Fiquem Comigo e que Eu os acompanhe!

Ele

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Oscar 2024 - Os Indicados




Pronto! Chega de especulações. Depois do Globo de Ouro, Sindicato, Critics Choice, etc., premiações que balizam e meio que alimentam as hipóteses e aumentam as apostas em relação aos indicados ao Oscar, finalmente os temos, oficialmente, os nominados pela Academia. Como era de se esperar, "Oppenheimer", de Christopher Nolan leva um caminhão de indicações (treze); "Barbie", a outra sensação da temporada, também tem bastantes indicações (oito) mas menos do que eu particularmente esperava; por mais que se reclamasse da duração, não tinha como se ignorar "Assassinos da Lua das Flores" que ficou com dez indicações; e o azarão, diante das superproduções badaladas, mas que vem ganhando reconhecimento e força, "Pobres Criaturas", do sempre intenso Yargos Lanthimos, corre por fora concorrendo também para onze categorias.

Devo admitir que, ao contrário da maioria das pessoas, não me surpreendi com a não indicação de Margot Robbie para melhor atriz por "Barbie", um papel meramente competente na minha opinião, mas não estranharia nada se a diretora Greta Gerwig tivesse seu nome entre os indicados para direção. A propósito de diretoras, Justine Triet, vencedora da Palma de Ouro em Cannes, por "Anatomia de uma Queda", é nome forte e também pode surpreender no prêmio principal, quem sabe igualando o recente "Parasita" com uma dobradinha das duas principais premiações do mundo do cinema.
No mais, imaginava que o "Napoleão" de Ridley Scott tivesse mais e melhores indicações, já prevejo histeria e gritaria das/dos leonardetes pelo fato de Leonardo DiCaprio não ter entrado para melhor ator, e celebro a indicação de Lily Gladstone para melhor atriz, a primeira indígena norte-americana a ser indicada para um Oscar.

Fique, abaixo, com todos os indicados ao Oscar 2024:

📹📹📹📹📹📹📹📹

MELHOR FILME

• American Fiction

• Anatomia de uma Queda

• Barbie

• Os Rejeitados

• Assassinos da Lua das Flores

• Maestro

• Oppenheimer

• Vidas Passadas

• Pobres Criaturas

• A Zona de Interesse


MELHOR DIREÇÃO


• Justine Triet, por Anatomia de uma Queda

• Martin Scorsese, por Assassinos da Lua das Flores

• Christopher Nolan, por Oppenheimer

• Yorgos Lanthimos, por Pobres Criaturas

• Jonathan Glazer, por A Zona de Interesse


MELHOR ATOR


• Bradley Cooper, por Maestro

• Colman Domingo, por Rustin

• Paul Giamatti, por Os Rejeitados

• Cillian Murphy, por Oppenheimer

• Jeffrey Wright, por American Fiction



MELHOR ATRIZ

• Annette Bening, por NYAD

• Lily Gladstone, por Assassinos da Lua das Flores

• Sandra Hüller, por Anatomia de uma Queda

• Carey Mulligan, por Maestro

• Emma Stone, por Pobres Criaturas


MELHOR ATOR COADJUVANTE

• Sterling K. Brown, por American Fiction

• Robert De Niro, por Assassinos da Lua das Flores

• Robert Downey Jr., por Oppenheimer

• Ryan Gosling, por Barbie

• Mark Ruffalo, por Pobres Criaturas


MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

• Emily Blunt, por Oppenheimer

• Danielle Brooks, por A Cor Púrpura

• America Ferrera, por Barbie

• Jodie Foster, por NYAD

• Da'Vine Joy Randolph, por Os Rejeitados


MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

• Justine Triet & Arthur Harari, por Anatomia de uma Queda

• David Hemingson, por Os Rejeitados

• Bradley Cooper & Josh Singer, por Maestro

• Sammy Burch, por Segredos de um Escândalo

• Celine Song, por Vidas Passadas


MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

• Cord Jefferson, por American Fiction

• Greta Gerwig & Noah Baumbach, por Barbie

• Christopher Nolan, por Oppenheimer

• Tony McNamara, por Pobres Criaturas

• Jonathan Glazer, por A Zona de Interesse


MELHOR ANIMAÇÃO

• O Menino e a Garça

• Elementos

• Nimona

• Meu Amigo Robô

• Homem-Aranha: Através do Aranhaverso



MELHOR FILME INTERNACIONAL


Io Capitano (Itália)

• Perfect Days (Japão)

• A Sociedade da Neve (Espanha)

• The Teacher's Lounge (Alemanha)

• A Zona de Interesse (Reino Unido)


MELHOR DOCUMENTÁRIO


• Bobi Wine: The People's President

• The Eternal Memory

• Four Daughters

• To Kill a Tiger

• 20 Days in Mariupol


MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM


• The ABCs of Book Banning

• The Barber of Little Rock

• Island in Between

• The Last Repair Shop

• Nai Nai & Wai Po


MELHOR CURTA-METRAGEM


• The After

• Invincible

• Knight of Fortune

• Red, White & Blue

• The Wonderful Story of Henry Sugar


MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO

• Letter to a Pig

• 95 Senses

• Our Uniform

• Pachyderme

• War is Over (inspired by the music of John & Yoko)


MELHOR TRILHA SONORA


• Laura Karpman, por American Fiction

• John Williams, Indiana Jones e a Relíquia do Destino

• Robbie Robertson, por Assassinos da Lua das Flores

• Ludwig Göransson, por Oppenheimer

• Jerskin Fendrix, por Pobres Criaturas


MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

• "The Fire Inside" (Flamin' Hot)

• "I'm Just Ken" (Barbie)

• "It Never Went Away" (American Symphony)

• "Wahzhazhe (A Song for My People)" (Assassinos da Lua das Flores)

• "What Was I Made For?" (Barbie)


MELHOR SOM


• Resistência

• Maestro

• Missão: Impossível - Acerto de Contas

• Oppenheimer

• A Zona de Interesse



MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO

• Sarah Greenwood, por Barbie

• Jack Fisk, por Assassinos da Lua das Flores

• Arthur Max, por Napoleão

• Ruth De Jong, por Oppenheimer

• Shona Heath, por Pobres Criaturas


MELHOR FOTOGRAFIA

• Edward Lachman, por El Conde

• Rodrigo Prieto, por Assassinos da Lua das Flores

• Matthew Libatique, por Maestro

• Hoyte van Hoytema, por Oppenheimer

• Robbie Ryan, por Pobres Criaturas


MELHOR CABELO E MAQUIAGEM


• Golda

• Maestro

• Oppenheimer

• Pobres Criaturas

• A Sociedade da Neve


MELHOR FIGURINO


• Jacqueline Durran, por Barbie

• Jacqueline West, por Assassinos da Lua das Flores

• Janty Yates, por Napoleão

• Ellen Mirojnick, por Oppenheimer

• Holly Waddington, por Pobres Criaturas


MELHOR MONTAGEM


• Laurent Sénéchal, por Anatomia de uma Queda

• Kevin Tent, por Os Rejeitados

• Thelma Schoonmaker, por Assassinos da Lua das Flores

• Jennifer Lame, por Oppenheimer

• Yorgos Mavropsaridis, por Pobres Criaturas


• MELHORES EFEITOS VISUAIS

• Resistência

• Godzilla Minus One

• Guardiões da Galáxia Vol. 3

• Missão: Impossível - Acerto de Contas

• Napoleão


C.R.

sábado, 4 de julho de 2015

Van Morrison - “Into the Music” (1979)




“Quando você escuta a música tocando sua alma/
E sente em seu coração e cresce e cresce/
E vem daquele rock and roll das ruas
e a cura começou” 
da letra de “And the Healing Has Begun”




Tem uma cena do filme “The Last Waltz” (“O Último Concerto de Rock” no Brasil), de Martin Scorsese, que define o irlandês Van Morrison, autor do disco que é um dos favoritos totais aqui da casa: “Into the Music”, de 1979. Após cantar seu sucesso “Caravan” com The Band, o guitarrista do grupo, Robbie Robertson, olha para a plateia e diz: “Van the Man”. É exatamente isso que Van Morrison é: THE MAN! Um irlandês baixinho, arretado, irritado, brigão, xarope, malão mesmo. Mas quando compõe e abre a boca pra cantar, todo mundo esquece estas “qualidades” e se delicia com a música em estado puro que se derrama daquele corpinho. Mas nem sempre foi assim.

Durante os anos 60, ele surgiu liderando o grupo Them, que fez muito sucesso com “Gloria”. Quando o empresário começou a dar palpites, Van partiu pra carreira solo, que começou lá em cima com o cultuado "Astral Weeks", em 1968, e seguiu com "Moondance", dois anos depois  (ambos perfilados aqui no blog como ÁLBUNS FUNDAMENTAIS). Na segunda metade dos anos 70, entretanto, ele passava por um momento de reflexão profunda da sua carreira musical e se voltando – como todo irlandês, aliás – para a religião e o amor a Deus. Após gravar “Veedon Fleece”, em 1974, ficou três anos fora dos estúdios e dos palcos. Ao voltar, fez um disco chamado “A Period of Transition”, que era exatamente isso. No ano seguinte, ensaiou uma volta à velha forma com “Wavelength”, mas ainda não era aquele disco que se esperava de uma figura mítica como ele. Isto só aconteceu em 1979 com “Into the Music”, não por acaso uma brincadeira e trocadilho com uma de suas canções mais conhecidas, “Into the Mystic”. Ao lado de seu fiel escudeiro, o baixista David Hayes, mais a violinista Tony Marcus e a dupla extraordinária Pee Wee Ellis (ex-James Brown) no saxofone e Mark Isham nos trompetes, teclados e arranjos, entre outros, Van reuniu um grupo de canções que louvam a Deus, ao poder curador da música e, é claro, às mulheres, todas embaladas em blues, folk, R&B, soul e muito mais.

Tudo começa com “Bright Side of the Road”, um country com levada R&B, onde brilham a harmônica de Van, o violino de Marcus e os backing vocals de Katie Kissoon. Na letra, Van diz à mulher amada que “Do final escuro da rua/ ao lado iluminado da estrada/ seremos amantes novamente/ no lado iluminado da estrada/ Querida vem comigo/ me ajuda a repartir este peso?”.

Ao começar o disco com um discurso “profano”, Van se retrata com “o homem” em “Full Force Gale” cantando: “Como uma tempestade a toda força/ eu fui erguido novamente/ eu fui erguido pelo Senhor/ E não importa por onde eu ande/ Vou encontrar meu caminho de volta pra casa/ Vou sempre voltar para o Senhor”. Esta letra de entrega à religião é carregada pela slide guitar de Ry Cooder e o naipe de sopros fazendo aquele clima soul music.

Em “Steppin' Out Queen”, Van volta a conversar com uma mulher afirmando que ela pode “Passar seu batom/ se maquiar/ Às vezes você está vivendo num sonho/ e então cai fora rainha”. Na verdade, Van quer convencê-la a “vir para o jardim e olhar as flores”, ao invés de sair pra rua. O naipe de sopros toca um tema irresistível, daqueles de ficar assobiando o dia inteiro.

“Troubadours” traz o penny whistle (flautim irlandês) de Robin Williamson, um dos fundadores da Incredible String Band. Van fala sobre os trovadores e sua música que “trazia as pessoas que vem de longe e vem de perto/ para ouvir os trovadores”. Mais adiante, afirma que “eles vem cantando canções de amor e cavalheirismo dos tempos antigos”. Ellis e Isham também ganham solos nesta canção, que trata do poder curativo da música.

Já “Rolling Hills” traz a influência da música celta que Van ouviu a vida inteira em Belfast. E volta o discurso místico: “Entre as colinas ondulantes/ Eu vivo minha vida com ele/ Oh eu vivo minha vida com ele/ entre as colinas ondulantes/ Eu leio minha Bíblia quieto/ Oh eu leio minha Bíblia quieto/ entre as colinas ondulantes”.

Pra fechar o Lado 1, um exemplo bem claro do que se poderia chamar de soul music na versão de Van Morrison: “You Make Me Feel So Free”. Como as letras são ambíguas durante todo o disco, Van pode estar se referindo a uma mulher ou à música: “Algumas pessoas passam a vida correndo em círculos/ sempre atrás de um pássaro exótico/ eu prefiro gastar meu tempo apenas ouvindo algo muito especial/ que nunca ouvi/ Gosto de ter uma canção nova pra cantar, outro show ou algum lugar totalmente diferente para ficar/ mas baby, você me faz sentir muito livre”. Quem é “baby”? A música, uma mulher, o Deus? Faça sua escolha. O saxofonista Pee Wee Ellis deve ter lembrado dos seus tempos com os JBs, pois seu solo tem todas aquelas características dos melhores trabalhos de James Brown. E o pianista Mark Jordan brinca com o jazz de New Orleans e a sonoridade de Professor Longhair e Dr. John.

Abrindo o lado 2 do LP, mais uma ode, agora explícita, a uma mulher, “Angeliou”, um anjo em forma de fêmea. O encontro aconteceu “no mês de maio/ na cidade de Paris”. Tony Marcus faz misérias com seu mandolin e violino, enquanto Mark Jordan faz um tema ao piano que lembra aquelas peças para cravo de Bach. Ao abrir seu coração para Angeliou, ele afirma que “caminhando numa rua quem poderia imaginar que seria tocado por uma total estranha, não eu/ Mas quando você veio até a mim aquele dia e contou sua história/ Lembrou muito de mim mesmo/ Não foi o que você disse mas a maneira como pareceu a mim/ sobre uma busca e uma jornada como a minha”. Nesta canção, Van faz o que se tornou uma marca registrada de suas interpretações, o ad-lib ou a improvisação em cima da letra e do tema da música, bem ao estilo jazzístico, mudando o andamento e o tempo. À medida que avança, “Angeliou” vai se transformando numa balada R&B.

Este estilo interpretativo chega ao auge na próxima música, “And the Healing Has Begun”. O título diz tudo: “E a cura começou”. A cura através da música. Com a batida de Peter van Hooke beirando a soul music e a violinista Tony Marcus tomando as rédeas dos solos nas suas mãos, Van se transporta a um nirvana musical cantando: “Quando você escuta a música tocando sua alma/ E sente em seu coração e cresce e cresce/ E vem daquele rock and roll das ruas e a cura começou”. E se sua cura não começar ao ouvir esta música, pode crer que está muito doente!

Depois deste orgasmo musical, Van, expert em dinâmica de um disco, baixa a bola. Tudo recomeça com a única música que não foi composta por ele neste disco: “It's All in the Game”, que ganhou letra de Carl Sigman em 1951 em cima de uma melodia composta 40 anos antes por Charles Dawes, que foi vice-presidente dos Estados Unidos. Foi sucesso pop no final dos anos 50 com Tommy Edwards, um cantor de R&B. A curiosidade é que Van usa esta canção como um veículo para desaguar em outra composição sua, “You Know What They're Writing About”. Esta sim explicando a quem porventura não tenha entendido ainda o poder mágico da música e suas curas. Ele abre esta canção sussurrando: “Você sabe sobre o que eles estão compondo/ É uma coisa chamada amor através dos tempos/ Te faz ter vontade de chorar às vezes/ Te faz ter vontade de deitar e morrer às vezes/ Te anima às vezes/ Mas quando tu entendes, te levanta o astral”. No final, os sopros de Pee Wee Ellis e Mark Isham fazem um tema, enquanto Van canta “quero te encontrar/ você está aí?”. O resto da banda se esbalda até a canção ir morrendo aos poucos.

Um final apoteótico para “Into the Music” que, segundo ele, representa a volta à música. Esta busca incessante de Van Morrison pelo amor da musa, por Deus e pela cura dos males através da música continua até hoje. Recentemente, ele lançou um disco cujo título diz absolutamente tudo: “Born to Sing: No Plan B”, ou seja, “Nascido para cantar: sem Plano B”.
*****************

FAIXAS:
1. "Bright Side of the Road" – 3:47
2. "Full Force Gale" – 3:14
3. "Stepping Out Queen" – 5:28
4. "Troubadours" – 4:41
5. "Rolling Hills" – 2:53
6. "You Make Me Feel So Free" – 4:09
7. "Angeliou" – 6:48
8. "And the Healing Has Begun" – 7:59
9. "It's All In The Game" (Charles Dawes/Carl Sigman) – 4:39
10. "You Know What They're Writing About" – 6:10

todas as composições de autoria de Van Morrison, exceto indicada
****************
OUÇA O DISCO:





segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Globo de Ouro 2010 - Premiados



O badalado "Avatar de James Cameron
Saíram ontem os premiados com o Globo de Ouro, que sempre guarda mais expectativa pelo fato de ser considerado prévia dos Oscar do que por si só. Se assim for mesmo "Avatar" entra com tudo na disputa pela estatueta mais cobiçada do meio cinematogáfico. A superprodução de James Cameron (que eu não vi) arrebatou os prêmios de Melhor Filme de Drama e Melhor Direção. Já a veterana e competentíssima Meryl Streep levou mais um pra casa, desta vez o de Melhor atriz de Musical ou Comédia, com "Julie e Julia". E uma pedra que eu já venho cantando, - mas que não é de grande dificuldade em apostar - foi o Globo de Ouro de Ator Coadjuvante para Christoph Waltz, simplesmente incrível em "Bastardos Inglórios". Veja abaixo algumas das categorias pemiadas:



 Melhor filme de drama
Avatar, de James Cameron

Melhor atriz coadjuvante
Mo´Nique, por Preciosa

 Melhor atriz em série de TV (comédia ou musical)
Toni Colette, por United States of Tara

 Melhor ator coadjuvante em série de TV
John Lithgow, por Dexter

 Melhor animação
Up - Altas Aventuras

 Melhor ator em série de TV (drama)
Michael C. Hall, por Dexter

 Melhor atriz em série de TV (drama)
Julianna Margulies, por The Good Wife

 Melhor canção original
The Weary Kind, de T-Bone Burnett e Ryan Bingham, do filme Crazy Heart

 Melhor trilha sonora
Up - Altas Aventuras, de Michael Giacchino

 Melhor minissérie ou filme feito para TV
Grey Gardens

 Melhor atriz de comédia ou musical
Meryl Streep, por Julie & Julia

 Melhor ator em minissérie ou filme para TV
Kevin Bacon, por Taking Chance

 Melhor atriz em minissérie ou filme para TV
Drew Barrymore, por Grey Gardens

 Melhor Roteiro
Jason Reitman e Sheldon Turner, por Amor sem Escalas

 Melhor ator em série de TV comédia ou musical
Alec Baldwin, por 30 Rock

 Melhor filme estrangeiro
A Fita Branca (Alemanha)

 Melhor série de TV drama
Mad Men

 Melhor atriz coadjuvante em série de TV, minissérie ou telefilme
Chlöe Sevigny, por Big Love

 Melhor ator coadjuvante em filme
Christoph Waltz, por Bastardos Inglórios

 Homenagem do ano
Martin Scorsese, pelo conjunto da carreira

 Melhor diretor de cinema
James Cameron, por Avatar

 Melhor série de Tv de comédia ou musical
Glee

 Melhor filme de comédia ou musical
Se Beber Não Case

 Melhor atriz de drama
Sandra Bullock, por O Lado Cego

 Melhor ator de comédia ou musical
Robert Downey Jr., por Sherlock Holmes

 Melhor ator de drama
Jeff Bridges, por Crazy Heart

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Tabelão Clássico é Clássico (e vice-versa) 2023

 



Wes Craven (ao centro), com seus Sádicos.
Sofreu, sofreu, mas manteve a invencibilidade.
Ôpa! Parece que o jogo está virando!

A máxima que o filme original é sempre melhor que a refilmagem parece que começa a ruir definitivamente! 

Pelo segundo ano consecutivo o remakes superam os originais e desta vez com larga vantagem e com placares elásticos em alguns confrontos. Depois de serem surrados impiedosamente nas primeiras temporadas do Clássico e Clássico (e vice-versa), as refilmagens reagiram  e mostraram que existem, sim, produções tão boas quanto, senão melhores que as consagradas feitas anteriormente. 

Nesta temporada, no tradicional confronto "eu vs. eu mesmo", a versão mais nova e mais longa da assombração Babadook, da diretora Jennifer Kent levou a melhor sobre seu filme de origem, grandes nomes como Martin Scorsese e John Carpenter estrearam, e com vitória, no nosso certame, o craque do terror Wes Craven, garantiu sua invencibilidade com um empate sofrido contra o remake de seu "Quadrilha de Sádicos", e o mestre Hitchcock segue imbatível depois de colocar, em 2023, mas uma vitória na conta.

Vamos ver então, brevemente, como foram os confrontos do último ano, e como fica a tabela geral depois desses resultados.

📹📹📹📹📹


Os remakes já haviam vencido no ano passado, mas não por uma diferença tão grande.
Apesar das duas derrotas acachapantes que tiveram, para dois imbatíveis por sinal,
nota-se que as produções do século XXI dão nova energia para os desafiantes.
Será esse o caminho para a virada no placar geral?
Os filmes do novo século contra os medalhões? Pode ser, pode ser...

Originais já começam a ver os remakes pelo retrovisor.
O que será que nos reserva essa disputa para o ano que chega?
Veremos...




C.R.


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Oscar 2020 - Os Vencedores



Bong Joon-Ho, diretor de "Parasita",
o grande vencedor do Oscar 2020.
E ao contrário do que ia se desenhando, de que teríamos uma conciliatória partilha de prêmios entre os principais concorrentes, para que todo mundo saísse bem, sem nenhum destaque acima dos outros, eis que no último prêmio tudo mudou... Esse era bom naquilo, outro era bom em outra coisa, aquele outro era melhor em outra, e as estatuetas foram se pulverizando entre os indicados premiando os principais méritos de cada um, sem maiores contestações: "1917" levando fotografia; "Coringa", levando ator; "Ford vs. Ferrari" faturando os prêmios técnicos de impacto visual e sonoro, tudo no seu devido lugar a não ser, talvez, pela frustração do tricampeonato de roteiro original para Tarantino que era bem cotado na categoria, mas mesmo assim, nenhum absurdo. Mesmo se "1917" ganhasse, ao final a estatueta de melhor filme e se isolasse numericamente à frente, se "Coringa" ou "Era Uma Vez Em... Hollywood" tivessem levado seu terceiro prêmio e causado um tríplice empate, as hierarquias dos prêmios até então distribuídos, não teriam feito de nenhum deles o vencedor absoluto, mesmo com o carimbo de MELHOR FILME. Mas a decisão da categoria principal em favor de "Parasita" deu um significado diferente a tudo isso. Não é a questão de ter ganho quatro e o outro ganho três... Vencendo o Oscar de melhor filme, "Parasita" não deixou margem de dúvidas de que era, dentre aqueles, o melhor em tudo. Se a sua direção é a melhor, se o seu roteiro é o melhor, se já é reconhecido como melhor filme internacional, a aclamação na categoria principal faz do filme um dos vencedores mais incontestáveis dos últimos tempos no Oscar. Ganhar Palma de Ouro e Oscar de filme estrangeiro alguns já conseguiram, ganhar Palma de Ouro e Oscar de melhor filme, só um havia conseguido até hoje, "Marty", de 1955, mas ganhar o prêmio principal de Cannes, o Oscar de filme estrangeiro e a categoria principal da Academia, sem falar em direção e roteiro, é absolutamente inédito e só demonstra o quanto "Parasita" tem méritos que nem a habitual politicagem de Hollywood foi capaz de ignorar.
No mais, a cerimônia teve dois belíssimos números musicais, um com Janelle Monàe, na abertura e outro com Sir. Elton John executando a canção pela qual ganhou o Oscar pelo sua própria cinebiografia, "Rocketman", um discurso forte e inspirado de Joaquin Phoenix ao receber seu prêmio pela atuação em "Coringa", e o belíssimo e humilde reconhecimento do vencedor da categoria de direção, o sul-coreano Bong Joon-Ho, a Martin Scorsese, que pelo menos serviu como consolo pelo fato de  seu filme candidato  em dez categorias "O Irlandês" ter saído de mãos vazias.
Se houve um certa chiadeira pelo fato de mulheres e negros não terem merecido a devida atenção nas indicações, a Academia, ao que parece tentou compensar em premiações como as de "Hair Love", sobre cabelos afro, como curta de animação, e "Learning to sobreviver in a warzone (If you're a girl)", sobre garotas superando barreiras e preconceitos para praticar seu esporte, na categoria documentário em curta-metragem, e, a propósito de documentário, como era esperado, não foi dessa vez que o Brasil, levou um Oscar com o importante porém fraco "Democracia em Vertigem"
"Parasita" fez história! Se em vários anos anteriores a Academia via filmes estrangeiros superiores aos hollywoodianos e não tinha a coragem de dar os dois prêmios para o convidado de fora da festa, fazendo aquela mediazinha, dividindo irmanamente os louros da glória entre "nós" e "vocês", desta vez parece que foi impossível não se render ao que veio de fora. 
Parece que finalmente um corpo estranho que vinha se desenvolvendo invadiu definitivamente o sistema imunológico de Hollywood. Os estrangeiros chagaram e se alojaram por lá. Mas ao contrário de um parasita, não estão ali para tirar. Pelo contrário, tem muito a dar ao cinema americano.


Confira abaixo a lista dos vencedores em todas as categorias:



  • Melhor roteiro original: Parasita
  • Melhor roteiro adaptado: Jojo Rabbit
  • Melhor longa de animação: Toy Story 4
  • Melhor curta-metragem de animação: Hair Love
  • Melhor curta-metragem: The Neighbor's Window
  • Melhor direção de arte: Era Uma Vez em... Hollywood
  • Melhor figurino: Adoráveis Mulheres
  • Melhor documentário: American Factory
  • Melhor documentário em curta-metragem: Learning to sobreviver in a warzone (If you're a girl)
  • Melhor edição de som: Ford vs. Ferrari
  • Melhor mixagem de som: 1917
  • Melhor fotografia: 1917
  • Melhor montagem: Ford vs. Ferrari
  • Melhores efeitos visuais: 1917
  • Melhor maquiagem e penteado: O Escândalo
  • Melhor filme estrangeiro: Parasita
  • Melhor trilha sonora original: Coringa
  • Melhor canção original: (I'm gonne) Leave me again - Rocketman
  • Melhor direção: Bong Joon Ho - Parasita
  • Melhor ator caodjuvante: Brad Pitt (Era Uma Vez em... Hollywood)
  • Melhor ator: Joaquin Phoenix (Coringa)
  • Melhor atriz coadjuvante: Laura Dern (História de um Casamento)
  • Melhor atriz: Renée Zellwegger (Judy)
  • Melhor filme: Parasita

C.R.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

“Adão Negro”, de Jaume Collet-Serra (2022)

 
Semanas atrás Leocádia e eu fomos a uma sessão de pré-estreia no GNC Cinemas do Praia de Belas Shopping do novo sucesso de bilheteria da DC Films, “Adão Negro”, com o astro Dwayne "The Rock" Johnson. Legal? Impossível dizer que não. Cenas de aventura empolgantes, efeitos visuais de alto nível, desenho de som impecável, roteiro eficiente, astros consagrados, trilhas com músicas pop... Tudo embalado para que a coisa funcione. Mas será que "funciona" mesmo? Talvez sim, e talvez seja exatamente este o termo mais adequado: cumprimento de função.

Spin-off de "Shazam!" (2019) e "Shazam!: Fúria dos Deuses" (2022), o filme conta a história se passa após quase cinco mil anos de prisão de Adão Negro, um anti-herói da antiga cidade de Kahndaq, no que seria o Oriente Médio, que é libertado nos tempos modernos. Suas táticas brutais e seu modo de justiça atraem a atenção da Sociedade da Justiça da América (JSA), que tenta impedir sua fúria e ensiná-lo a ser mais um herói. Além disso, Senhor Destino (Pierce Brosnan), Gavião Negro (Aldis Hodge), Esmaga-Átomo (Noah Centineo) e Cyclone (Quintessa Swindell) se unem para impedir uma força maligna mais poderosa que a do próprio Adão.

Filmes de super-heróis são uma verdadeira galinha dos ovos de ouro para o cinema comercial do século XXI. Após mais uma crise da indústria cinematográfica nos anos 90, quando o envelhecimento dos realizadores consagrados do cinema comercial como Spielberg, Lucas e Zemeckis se deparou com a falta de agentes capazes de trazer um novo produto para a permanente necessidade de novidade da sociedade de consumo, o avanço técnico da era digital permitiu que o cinema pudesse concretizar algo que vinha ensaiando há décadas: a transposição dos quadrinhos de heróis para as telas. E a considerar a riqueza temático-simbólica dos HQs, bem como a amazônica quantidade de histórias e personagens a serem explorados, este se tornou o caminho certo para a construção do novo blockbuster.

O Adão Negro do
HQ original da DC
Pujante, a lógica de oferta e procura se estabeleceu. A produção é tamanha que, após duas décadas de produções milionárias e geralmente exitosas em bilheteria, Hollywood criou, claro, um padrão. “Adão Negro”, com todos os seus elementos inerentes à obra original da DC Comics, não foge à regra. Tem as características da história original, mas, de resto é tudo o mesmo formato repetido em novas condições narrativas. E isso é escalonado de forma exemplar, que vai do conceitual - como a prevalência do maniqueísmo e as simplificações morais - aos arranjos narrativos, como as piadas, o impacto de uma música retrô e até o tempo de duração das falas. Pois há, claramente, por mais que a dinâmica do filme amortize essa constatação racional com tantos tiros, estrondos, movimentos rápidos, edição agilíssima e luzes, muitas luzes, percentuais para a quantidade de falas e de não-falas. Por melhor que seja, por mais que funcione, que empolgue o público e cumpra a função de entreter, impossível não sair com a impressão de que não se está vendo imagens, mas estatísticas. 

Nada contra a ideia de blockbusters e nem de exploração do filão graphic novel em audiovisual. O que questiono é: será que esta fórmula funciona de verdade a ponto de se sustentar por mais anos sem desagaste? Continuarão avançando na tática de, igual a Globo aplicava ao humorístico Zorra Total, misturar personagens incansável e indistintamente até nem se saber mais de onde cada um veio? Quentin Tarantino recentemente disse que jamais rodaria para a Marvel, pois considera que filmes deste tipo sejam fruto de uma prática de mercado produtivista a qual ele, ligado ao cinema de autor, não se enquadra. Martin Scorsese, tempo atrás também se manifestou contrário ao declarar que o universo cinematográfico da Marvel está "mais próximo dos parques de diversão do que do cinema". Vindo de dois autores que revolucionaram e mudaram a história do cinema é, no mínimo, de considerar a interrogação quanto ao que se esperar no futuro do “grande cinema”.

The Rock e os atores que fazem os super-heróis da JSA

Ao final, se sai do cinema cativado, pois se fez tudo psicosinestesicamente para que isso aconteça, mas muito mais amortecido do que outra coisa. É tanta superexposição a estímulos sensoriais, que não há como absorver. O script não tem erro, e isso é um defeito: não há espaço para apreciação e nem elaboração. O filme é tão consumível e embalado quanto a pipoca e o refrigerante que se come assistindo.

Não digo que tudo isso seja ruim, e nem que filmes da DC ou Marvel devessem parecer uma obra de Bergman constituída basicamente em diálogos. Mas para poder dizer com segurança que filmes assim como "Adão Negro" convencem, ainda falta algo mais do que simplesmente cumprir uma função. Por mais que a intenção seja ao de tentar me alegrar.

***********

"Adão Negro" - trailer



Daniel Rodrigues