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sábado, 12 de março de 2022

Lançamento do livro “50 Olhares da Crítica Sobre o Cinema Gaúcho” - Coletânea de artigos da ACCIRS


 

E começamos o ano de 2022 com lançamento de livro! E desta vez, não se trata de conto ou ensaio, mas de crítica cinematográfica. O meu tão satisfatório caminho de anos na crítica de cinema se materializa, enfim, em livro, no aguardada primeira obra editada pela Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS) da qual faço parte. Trata-se de “50 Olhares da Crítica Sobre o Cinema Gaúcho”, correalizado pela Opinião Produtora e que tem organização dos colegas e críticos Daniel Feix, Fatimarlei Lunardelli, Ivonete Pinto, Mônica Kanitz e Rafael Valles. O projeto gráfico é de Flávio Ilha, da editora Diadorim, e a apresentação é assinada pela jornalista e crítica Maria do Rosário Caetano.

Este primeiro livro da ACCIRS reúne 50 artigos sobre 50 filmes gaúchos lançados entre as décadas de 1950 e 2020, e cada texto foi escrito por convidados e por um dos membros da associação – entre os quais, yo. Legal que houve a preocupação de não se fazer uma mera eleição dos melhores títulos produzidos no Estado (o que seria, se não impossível, impreciso), mas sim de trazer visões particulares sobre cada obra. Através de perspectivas jornalísticas, ensaísticas e memorialísticas, é possível revisitar títulos famosos da filmografia do Rio Grande do Sul, bem como descobrir projetos esquecidos ou pouco comentados. De aventuras épicas em 35mm a filmes intimistas e de baixíssimo orçamento da era digital, curtas, médias e longas-metragens entraram na seleta que cobre mais de 70 anos do cinema gaúcho.

Não vou dar spoiler  a respeito de qual filme escrevi, até por se tratar agora de um drops e porque, posteriormente ao lançamento - que será no próximo dia 20 - retorno aqui para comentar melhor sobre o livro e também sobre a minha participação da qual tanto me orgulho. Até porque, assim como percebo para com meus colegas de associação, estou curiosíssimo para ler as críticas de todos, bem como saborear (e me surpreender com) cada filme escolhido, cada visão trazida, cada olhar que une a técnica da crítica com um sentimento especial pela obra a qual se está abordando, o que certamente levará a textos muito interessantes - afora, obviamente, a qualidade comprovada da galera no exercício da crítica de cinema. E, claro, também curioso para manusear o volume e ler a mim mesmo, afinal, como disse Chico Buarque certa vez, há o prazer de escrever, mas há também o de ler a si próprio no livro impresso. Se Chico que é Chico confessa isso, sinto-me permitido. Por ora, fico aqui com o serviço para quem quiser prestigiar o evento de lançamento e/ou adquirir a obra, inédita e que valerá muito, afirmo de antemão.

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lançamento do livro “50 Olhares da Crítica sobre o Cinema Gaúcho”
da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS)  
organizadores: Daniel Feix, Fatimarlei Lunardelli, Ivonete Pinto, Mônica Kanitz e Rafael Valles
onde: Sala Radamés Gnattali, Auditório Araújo Vianna (Parque Farroupilha, 685, Porto Alegre).
quando: dia 20/03 (domingo) - 11h
Valor do livro: R$ 50,00*

*Os exemplares poderão ser adquiridos no dia do lançamento e, a partir do dia 21 de março, estarão disponíveis no site da ACCIRS: accirs.com.br


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

"Aquarelas do Brasil ", vários autores, organização de Flávio Moreira da Costa - ed. Nova Fronteira (2018)




"São uma gente à parte - 
quase uma raça distinta das outras. 
Os que amam o Carnaval, como amam todas as outras festas, não são  dignos do nome de carnavalescos. 
O carnavalesco é um homem que nasceu para o Carnaval, que vive para o Carnaval, que conta os anos de vida pelos Carnavais que tem atravessado, e que, na hora da morte, só tem uma tristeza: 
a de sair da vida sem gozar os Carnavais incontáveis que ainda se hão de suceder no Rio de Janeiro pelos séculos sem fim.
(...) Porque o verdadeiro, o legítimo, o autêntico, 
o único tipo de carnavalesco real
 é o carnavalesco do Rio de Janeiro."
Olavo Bilac,
na crônica "Carnavalescos"



"Aquarelas do Brasil" não é exatamente um livro sobre Carnaval, mas os contos sobre a festa mais popular do Brasil, se destacam, em alguns casos até mesmo nos demais capítulos não dedicados aos festejos de Momo. A antologia, organizada pelo pesquisador e também escritor Flávio Moreira da Costa, se propõe a reunir contos de autores brasileiros que, de alguma forma, colocam música na literatura. Assim, o organizador, numa escolha muito criteriosa e feliz, compila episódios musicais narrados por grandes nomes das letras, abordando temas, estilos e festas diferentes, transitando entre o dramático, o trágico e o cômico, em doses certas e oportunas. Há histórias de compositores frustrados, de cantores conquistadores, coristas de baile, músicos sonhadores, passeando entre polcas, jazz, música clássica, bossa nova e, é claro, o samba. O capítulo de Carnaval é, não só o mais numeroso em contos, como também o que apresenta as histórias mais excitantes, como a do funcionário público que passara mal e viria a falecer preocupado com as filhas que não voltaram dos blocos já na quarta-feira de cinzas ("O Bloco das Mimosas Borboletas"); a de um expert na já extinta "guerra" de bexigas com águas-de-cheiros, no conto "O Último Entrudo", de Raul Pompeia; a do crime passional de um compositor ciumento em "A Morte da Porta-Estandarte, de Aníbal Machado; e a sinistra história de uma foliã que se revelaria não tão atraente quanto parecia com a fantasia, em "O Bebê da Tarlatana Rosa", de João do Rio.
Dos capítulos não dedicados especificamente ao Carnaval, alguns contos inevitavelmente se aproximam do tema, seja pelo destaque para determinado instrumento musical, pela menção ao samba, ou mesmo por conta do próprio apelo quase incontrolável que a festa exerce sobre os indivíduos. É o caso de "Quem Cai Na Dança Não Se "Alembra" de Mais Nada", causo popular em que um batalhão do exército cai na folia e os superiores se veem incapazes de punir os soldados pois também se entregam ao folguedo; sobre instrumentos, "O Machete", de Machado de Assis trata sobre um tocador de cavaquinho que rouba a esposa de um violoncelista clássico; e o comovente "O Samba", de Magalhães de Azeredo, de 1900, é uma das primeiras vezes que o termo que dá nome ao conto é referido na literatura brasileira.
Mas, como eu disse, "Aquarelas do Brasil", não é um livro de Carnaval. Tampouco é um livro de samba, ou de polcas, de bolsas ou qualquer outro ritmo ou festa. "Aquarelas..." é  uma celebração à música, à musicalidade do brasileiro, à sua riqueza criativa e à  ligação que tudo isso tem com o nosso cotidiano e com o jeito de viver desse povo. Mas, é claro, tudo isso, a musicalidade, a arte, a tradução do cotidiano, a manifestação popular, acaba, naturalmente, se traduzindo na maior manifestação popular brasileira e, no fim das contas, a brilhante antologia de Flávio Moreira da Costa, acaba sendo, sim, se não um livro sobre Carnaval, uma das boas publicações que temos sobre o tema.


por Cly Reis

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

"O Caso dos Dez Negrinhos" ou "E Não Sobrou Nenhum", de Agatha Christie - ed. Edibolso (1976) - original de 1939



"Dez negrinhos vão jantar enquanto não chove;
Um deles se engasgou e então ficaram nove.
Nove negrinhos sem dormir; não é biscoito!
Um deles cai no sono, e então ficaram oito.
Oito negrinhos vão a Devon de charrete;
Um não quis mais voltar, e então ficaram sete.
Sete negrinhos vão rachar lenha, mas eis
Que um deles se corta, e então ficaram seis.
Seis negrinhos de uma colmeia fazem brinco;
A um pica uma abelha, e então ficaram cinco.
Cinco negrinhos no fotro, a tomar ares;
Um ali foi julgado, e então ficaram dois pares.
Quatro negrinhos no mar; a um tragou de vez
O arenque defumado, e então ficaram três.
Três negrinhos passeando no Zoo. E depois?
O urso abraçou um, e então ficaram dois.
Dois negrinhos brincando ao sol, sem medo algum;
Um deles se queimou, e então ficou só um.
Um negrinho aqui está a sós, apenas um.
Ele então se enforcou,
e não ficou nenhum."
versos do poema 
"Os Dez Negrinhos"



"O Caso dos Dez Negrinhos" título atualizado para "E não sobrou nenhum", por questões antirracistas, é, por certo, um dos romances mais incomuns dentro da bibliografia da mestra da literatura de mistério, Agatha Christie. Embora sempre instigantes e muito bem escritos, a estrutura de suas novelas costumava ser, na maioria das vezes, a de uma breve apresentação de personagens e local, o posterior cometimento de um crime, a introdução de um personagem capaz de desvendar a trama, entrevistas e conversas com suspeitos, algum contratempo ou ameaça durante as investigações e, com alguns despistes, algumas evidências falsas e um certo engodo para o leitor, finalmente a apresentação da solução do crime. Aqui as coisas são diferentes: sete pessoas, aparentemente sem ligação entre si, são convidadas para uma pequena temporada na casa de um anfitrião misterioso, em uma ilha particular, a Ilha do Negro, e lá, depois de serem acusados por meio de uma gravação em um disco fonográfico, de crimes pelos quais saíram impunes, um a
um, os convidados, a secretária do homem misterioso e os dois empregados da casa, vão sendo assassinados de forma muito semelhante à subtração que ocorre nos versos de um conhecido poeminha infantil, enquanto um jogo de dez estatuetas africanas que decora a sala de jantar, vai sendo reduzido, com uma peça retirada misteriosamente, cada vez que uma morte ocorre.
Nas paredes de cada um dos quartos dos visitantes, uma moldura com a inocente quadra infantil aterroriza e os lembra que qualquer um deles pode ser o próximo a morrer.
Aqui, uma vez iniciada a série de mortes e confirmada a ligação com os versos, sabemos que haverá mais vítimas, conhecemos os motivos pelos quais cada um "merece" morrer, temos ciência que o justiceiro é o anfitrião, imaginamos até, pelo poema, como será a próxima morte, mas não sabemos qual deles será o próximo, se o matador é um deles, por quê aquela pessoa se deu ao trabalho de montar toda aquela situação, e, o principal, quem é esse assassino misterioso.
"O Caso dos Dez Negrinhos" talvez seja o mais envolvente livro da Rainha do Mistério, uma vez que não tem tempo para aqueles tradicionais meandros de investigações tradicionais com o detetive Poirot ou Miss. Marple. Tudo é  perigoso, a cada momento alguém pode morrer, qualquer drinque, sono, escada, maçaneta, pode significar um novo crime. O leitor fica grudado o tempo todo e a contagem regressiva de cadáveres e estatuetas é ao mesmo tempo angustiante e eletrizante.
O meu exemplar é velhinho, ruinzinho, rasgado em algumas páginas, tão precário que tive, na época de minha primeira leitura, dificuldade em ler as últimas páginas e saber do inusitado desfecho.
É lógico que não revelarei aqui o final mas o que posso assegurar, a que não leu, é que é bastante surpreendente. Para dar uma ideia do intrincado da questão, me inspirarei na própria quadrinha dos negrinhos que guiou a escritora: dez leitores tentaram desvendar o mistério, mas dos que adivinharam o assassino, não se soube de nenhum.


Cly Reis

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

"Clube da Esquina: Milton Nascimento e Lô Borges", de Paulo Thiago de Mello - coleção "O Livro do Disco" - ed. Cobogó (2018)




"O disco não era tropicalismo ou bossa nova, 
tampouco era canção de protesto, rock, MPB, 
clássica ou pop, como o Secos & Molhados, 
mas englobava a seu modo tudo isso 
de uma forma que soava 
simultaneamente "natural" e moderna. 
A sofisticação da música era perceptível até mesmo 
para uma audiência não especializada."
Paulo Thiago de Mello




Sempre gosto de comentar aqui sobre as publicações da série O Livro do Disco, exatamente por unir dois dos itens mais adorados por nós do blog: música e literatura. A coleção faz o serviço de dar o devido valor e esmiuçar origens, inspirações, trabalho técnico, contextualizações de obras que deixaram sua marca não só na música como mais também na sociedade e no comportamento a partir de sua existência.
Dessa vez tive o prazer de me deliciar com o trabalho do jornalista e pesquisador Paulo Thiago de Mello sobre o clássico álbum "Clube da Esquina", oficialmente de Milton Nascimento e Lô Borges, mas que envolveu muito mais gente talentosa e significativa em sua concepção e acabamento, os verdadeiros integrantes do clube. O livro, além de recuperar essa origem mineira do ponto de encontro dos integrantes para papos intelectuais, no cruzamento das rua Divinópolis com a rua Paraisópolis, examina as influências e formações musicais do time de músicos, de música clássica a Beatles, de jazz a samba, de música latina a rock progressivo; situa a importância e o impacto do disco em meio à ditadura militar, estabelece relações dele com outros álbuns importantes naquele prolífico 1972, de "Transa", "Ben", "Acabou Chorare", e especialmente com a Tropicália que, meio que estabelecia, à época, uma pequena rivalidade com a turma de Minas.
Ainda que considere todas essas facetas, todos esses envolvimentos paralelos, o autor, apaixonado desde sempre pela obra, aborda, como não poderia deixar de ser, a parte musical, especificamente, e dedica um capítulo inteiro especialmente para se debruçar sobre cada uma das 18 canções do disco que, por sinal, era singular até mesmo em seu formato, sendo um dos raros álbuns duplos em sua época.
Uma curiosidade que Paulo Thiago conta é que, embora carregassem o nome da "esquina" de Belo Horizonte e por ela fossem conhecidos, efetivamente, apenas os irmãos Márcio e Lô Borges, e Beto Guedes eram realmente frequentadores assíduos dos barzinhos do local. Milton já vivia no Rio e depois de problemas com os vizinhos em noitadas musicais com os parceiros Fernando Brant e Ronaldo Bastos, num apartamento no bairro do Jardim Botânico, acharam por bem alugar uma casa na praia de Piratininga, em Niterói, que acabou sendo a verdadeira base do clube e o lugar onde houve o maior avanço e desenvolvimento das canções e da ideia geral do disco. Um clube da praia, um clube da cidade, um clube de Minas, um clube do Rio, um clube do boteco, um do apartamento, enfim, de certa forma essa itinerância definia melhor do que qualquer coisa a universalidade do que aquela turma estava fazendo. O clube não era de nenhum lugar e era de todos. Era como aquela música: não era música de Minas, o que aqueles caras faziam era música do mundo. O próprio verso de Brant e Márcio Borges, em "Para Lennon e McCartney", de seu disco anterior quase premonitoriamente já definia o espírito daquele projeto artístico-musical ímpar: "Sou de Minas, sou do mundo".



Cly Reis

terça-feira, 16 de novembro de 2021

"Amoras", de Emicida com ilustrações de Aldo Fabrini - Companhia das Letrinhas (2018)



"As pretinhas são 
o melhor que há."
verso de "Amoras"



Li com minha filha, esses dias, o adorável livro do rapper Emicida, "Amoras", ilustrado graciosamente pelo artista Aldo Fabrício, no qual, de uma maneira poética e singela, o músico, em sua primeira incursão na literatura infantil, faz notar às crianças, especialmente as negras, a sua importância e seu lugar no mundo, numa lição de auto-aceitação e valorização pessoal.

Inspirado pela filha Estela, o artista, conta, brevemente, uma conversa sua com a menina em que, ao mesmo tempo que transmite algo importante e edificante para sua garotinha, recebe de volta também algo muito valioso. E não é assim que devem ser as relações de pais e filhos?

"Amoras", é engajado na causa negra sem ser panfletário. Dá o recado sem ser chato. Um belo e elogiável trabalho desse cara que mostra que não é bom só nas letras musicais mas também manda bem nas letras impressas.

Emicida fala sobre o livro "Amoras"



Cly Reis



domingo, 31 de outubro de 2021

"Salomão Ventura, O Caçador de Lendas nº1 - A Maldição do Saci", de Giorgio Galli - Gico Mix (2011)


"A premissa da HQ é mostrar as lendas do nosso folclore
do jeito que a tradição oral as apresenta,
capturadas pelo mestre Luís da Câmara Cascudo em sua bibliografia.
Em resumo: são histórias de terror feitas para assustar."

"E minha escolha para essa primeira edição 
não poderia ser outra:
quem foi mais descaracterizado e infantilizado
do que o diabrete Saci Pererê?
Que em sua origem, conforme relatado pelo mestre Cascudo,
foi vítima de assassinato, tornou-se alma penada
e tem como objetivo causar morte e dor?
Não é para crianças..."

Giorgio Galli,
prefácio de "A Maldição do Saci"



Na data mais conhecida pela comemoração norte-americana do Halloween, mas que por aqui, simbolizando toda a riqueza de nosso folclore, é simbolizada no Saci, nosso destaque vai para um dos projetos mais legais da cena independente de quadrinhos nacional. É o projeto do artista Giorgio Galli, que, com sua série Salomão Ventura, explora as tradições folclóricas brasileiras, lançando sobre elas um olhar mais sombrio e aterrorizante, transformando lendas e personagens de tradição popular em temíveis criaturas sinistras. Assim, o Curupira e o Saci, por exemplo, têm recuperadas características estudadas por historiadores e folcloristas, e passam a ser, na visão artística de Galli, criaturas sobrenaturais e ameaçadoras que, por mais que tenham justificativas para existirem e demandas legítimas, devem voltar para seus lugares, no mundo do além, longe dos humanos. Para isso, o caçador de assombrações, Salomão Ventura, um misto de Constantine e Van Helsing, sai em busca das aberrações sobrenaturais e, com seus métodos, nada gentis (e nem podia ser diferente) mas muito "convincentes", as captura e manda de volta para o lugar de onde nunca deviam ter saído.
O primeiro número da série do Caçador de Lendas, criado por Galli, é exatamente "A Maldição do Saci", personagem de origem sinistra cujas características foram humanizadas e suavizadas para ficar mais palatável e poder fazer parte dos sítios-dos-pica-paus-amarelos da vida, mas que a bem da verdade, não é nada menos que uma alma-penada vingativa e odiosa, fruto de um brutal assassinato. O moleque tem seus motivos para voltar das trevas para alimentar sua sede de vingança, punir pais e fazer justiça em lares onde crianças são maltratadas como ele foi, só que Salomão Ventura, por mais que compreenda isso, não pode deixá-lo à solta por aí e vai atrás do pretinho endiabrado se valendo da única maneira possível de pegá-lo... (você sabe qual é, não sabe?).
Um projeto que, ao contrário do que muitos pensam, que demoniza personagens da cultura popular, na verdade a resgata e valoriza, levando ao encontro de muitos mergulhados na cultura norte- americana, um pouquinho mais das raízes brasileiras.
Trabalho de muito talento desenvolvido, como o autor mesmo revela no prefácio, ao som de The Cure, The Smiths, Jesus & Mary Chain, Titãs, Cartola, PixiesStone Roses, Kraftwerk e outras coisas mais. Com inspirações dessas, só poderia sai coisa boa, mesmo.

Página da HQ. O início da sina vingativa do Saci.


por Cly Reis



O projeto Salomão Ventura infelizmente, num primeiro momento, não foi muito adiante e ficou só em quatro números, Saci, Curupira, Lobisomem e De Volta Pra Casa, mas ao que parece, o artista resolveu pôr a mão na massa e parece estar produzindo novos episódios do caçador das trevas. Não é tão fácil de se encontrar exemplares mas volta e meia se acha em feiras de quadrinhos e eventos do tipo, além do próprio site do artista (salomaoventura.com.br).

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

"Estorvo", de Chico Buarque - Ed. Companhia das Letras (1991)

 

À esq., capa original, de 1991; à dir.,
nova capa da edição comemorativa de 30 anos da obra
Dias atrás li na postagem de uma amiga de redes sociais a pergunta capciosa de quando Chico Buarque ganharia uma indicação para Nobel de Literatura. O comentário vem em um momento bem apropriado, pois, além do lançamento recente de um novo livro, “Anos de Chumbo”, seu primeiro de contos, a trajetória literária do celebrado autor carioca atinge um marco importante em 2021: os 30 anos de “Estorvo”. Embora não seja o primeiro livro de Chico, homem da música mas também das letras desde os anos 60 (sua primeira peça para teatro, “Roda Viva”, data de 1968), este pequeno romance determina-lhe o começo de uma carreira editorial propriamente dita. Tamanha importância, inclusive, justifica-se no relançamento da obra em caprichada edição comemorativa.

Narrado em primeira pessoa, "Estorvo" é a saga de uma caçada de um homem sem rosto a um homem tolhido por sombras e fantasmas. Uma trajetória obsessiva, constantemente no limite entre o sonho e a vigília, pela qual o protagonista se depara com situações e personagens estranhamente familiares. Através da metáfora de um olho mágico, que distorce a imagem humana, engendra projeções de um desespero subjetivo e uma crônica do cotidiano.

Passadas três décadas de dedicação ora aos livros, ora à música, intercalando projetos entre um universo e outro com domínio incomum, é evidente que Chico evoluiu em termos literários de lá para cá. Seja por berço ou por talento próprio, Chico carrega em si o trato com a palavra, a se ver por toda sua obra. A exatidão do emprego dos verbos, o proveito da musicalidade vocálica e o uso preciso das possibilidades gramaticais e sintáticas infinitas do português lhe são inegáveis, seja na música, no teatro ou no cinema. Depois de “Estorvo”, entre seis discos novos de estúdio, escreveu o mesmo número de obras, entre as quais “Benjamim” (1995), “Budapeste” (2003) e “Leite Derramado” (2009), esta última, uma obra-prima da literatura brasileira do século XXI. Como prêmios, o próprio “Estorvo” levou Jabuti em 1992, feito repetido por “Leite Derramado”, em 2010. Em 2019, pouco antes de lançar “Essa Gente”, nova consagração: o Prêmio Camões, maior reconhecimento dado a um escritor em língua portuguesa.  

Mas o que “Estorvo” trouxe a este exitoso caminho de Chico pelas palavras escritas? A começar que, se houve evolução em seu estilo, muito já estava presente neste primeiro romance. A prosódia machadiana, farta de elementos visuais e psicológicos, e o ritmo e construção narrativos muito bem armados (não raro, de pegada musical) estão ali muito mais conscientes do que em “Fazenda Modelo”, novela escrita nos anos 70, esta sim, o primeiro impulso estritamente literário do artista sem que houvesse alguma relação com o teatro. Outra característica de “Estorvo” amplamente desenvolvida nas obras subsequentes, é o olhar social crítico e o universo imaginário, que coloca o leitor em uma fronteira interessante entre o surrealismo e a vida real. A isso soma-se, ainda, outra peculiaridade da escrita do autor de “Vai Passar”, que é o humor – por vezes, ácido dada a ocasião em que se lhe usa –, o que ajuda tanto a quebrar o estranhamento para com surreal quanto, em igual tamanho, condicionar o leitor à proposta narrativa.

Este trecho de “Estorvo” denota bem esta composição formal muito própria de Chico:

“O porteiro quer porque quer carregar a mala, quer correr para me abrir o elevador, quer me chamar de patrãozinho e diz que o bom filho à casa torna. Negro quase azul, embora perdendo o lustre ultimamente, já tinha a cabeça branca trinta anos atrás. Usa sempre o mesmo colete listradinho, com que fica parecendo escrevo de cinema. Anda num passo miúdo, sofre de artrose, e vive contente da vida. Certa vez comprou um rádio e deu para escutar programas de variedades, desses em que as pessoas falam de todos os assuntos com eco na voz. O aparelhinho era potente, irradiava do hall para o poço do elevador, e daí para o prédio inteiro. Uma noite meu pai foi me buscar na rua, e já desceu impaciente, porque quando chegava em casa queria ver todo mundo lá dentro. "Qualquer dia eu entro e passo o ferrolho na porta!" Arrastou-me de volta pelo pescoço, cruzando o hall pela terceira vez seguida, com o locutor lendo o horóscopo, meu pai mandou o porteiro desligar aquela porcaria. E disse que nunca viu empregado ligar para astrologia, ainda por cima crioulo, que nem signo tem. O porteiro achou aquilo coisa mais engraçada. Vendeu o rádio e passou meses rindo muito e repetindo: "crioulo não tem signo, crioulo não tem signo."

“Estorvo” também tem a importância de ser mais uma obra de Chico levada ao cinema em anos depois de "Ópera do Malandro" e "Pra Viver um Grande Amor" na ousada versão do amigo Ruy Guerra, de 1998, movimento que ocorreria posteriormente com “Benjamim” (Monique Gardenberg, 2003) e “Budapeste” (Walter Carvalho, 2009) e, em certa medida, “O Irmão Alemão” (2014), cujo elemento central é antecipado no documentário “Chico – Artista Brasileiro”, de Miguel Faria Jr. (2013).

filme "Estorvo", de Ruy Guerra (1998)


É natural que Chico tenha aperfeiçoado sua forma literária, assim como, noutro âmbito, ocorrera em sua música. Por esta ótica, “Estorvo” é quase como serviu-lhe a trilogia “Chico Buarque de Hollanda”, gravada por ele entre 1966 e 1968, fundamental para erigir, com maturidade e experiência, os grandes álbuns que legou à discografia nacional a partir de “Construção”, de 1971. Trazendo para a literatura, sem o passo inicial de “Estorvo” não teria este chegado ao prestígio que hoje goza não fosse este livro, que o pôs definitivamente na lida da escrita. Quem sabe, então, agora, um Nobel? Considerando a relativização que os prêmios e instituições literários no mundo todo vem fazendo após a Bob Dylan tornar-se Nobel de Literatura em 2016, abrindo espaço para "não-literatos" mais fortemente ligados à música, por que não pensar num segundo autor de língua portuguesa depois de Saramago? Chico, com mais merecimento do que muitos outros, capacita-se totalmente.


Daniel Rodrigues

terça-feira, 7 de setembro de 2021

“Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011): 51 anos de arte/educação”, de Flávia Leal - Ed. Appris (2021)



Arte em dois tempos

Quando cursei Cerâmica no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre com o mestre do barro e fã de João Bosco e Caetano Veloso, o querido Prof. Cláudio Ely, ouvi dele que uma ideia (ainda mais quando estamos falando em Arte), nunca aparece isoladamente na mente de um artista. O estalo ocorre em muitas pessoas que tem a mesma ideia, mas nem sempre tem a consciência do quanto estão interligadas, então se consideram num primeiro momento únicas e originais. Isso foi comentado numa aula no início dos anos 90, mais precisamente 1992, em que falávamos sobre autoria, originalidade e unicidade de uma obra de Arte. 

Logo depois, ainda na mesma década, vi o mundo iniciar as conexões em rede e aí cada qual foi descobrindo que suas ideias ecoavam ao mesmo tempo em outros cantos do planetinha azul, ainda mais quando se referiam a temas relevantes e universais voltados a coletividade. 

Em maio desse ano, quase 30 anos depois dessa reflexão do Prof. Ely, deparei-me com uma boa surpresa! Na mesma semana em que lancei o site "A Aventura de Criar os 50 anos da Escolinha de Arte do RS", falando sobre a pesquisa, filme e revista dos 50 anos da Escolinha de Arte do RS (1960-2010), outra pesquisadora lançava um livro sobre os 51 anos da mesma Escolinha. Sim, ambas pesquisadoras disponibilizavam em site e livro com um ano de diferença na história da Escolinha e 10 entre a feitura das pesquisas! 

Flávia Leal, a autora da nova pesquisa resultante do seu Mestrado na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), intitulado “Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011): 51 anos de arte/educação”, contatava-me para combinar gentilmente a entrega do seu livro. Recém publicado pela editora Appris, o lançamento seria na mesma semana em um encontro virtual com a sua mediação e a presença dos professores da Escolinha.

lançamento virtual do livro "Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011)"


O mais legal é que, logo no início da sua pesquisa, as únicas monografias com foco na Escolinha de Arte da UFRGS que ela encontrou foram a minha pela Feevale, que vocês já conhecem, e a da Mariana Ramos, pela UFRGS. A pesquisa da Mariana tem foco na prática do professor, pois ela estava cursando Pedagogia e fazia estágio em 2008 no Centro de Desenvolvimento da Expressão (CDE) em Porto Alegre, quando a escreveu. Aliás, é de lá do CDE que nos conhecemos. Já a minha pesquisa tem foco nos 50 anos da Escolinha e na produção da revista, filme e nas entrevistas com professores e alunos da Associação Cultural de Ex-Alunos do Instituto de Artes da UFRGS. A partir da leitura das nossas monografias, Flávia, como ela mesma diz no livro, teve a oportunidade de conhecer os olhares de duas pesquisadoras ligadas à Escolinha com olhares diferentes, uma como aluna e a outra como professora. Ela ressalta como isso foi relevante no seu processo de pesquisa:

“Assim, pude aprender mais sobre 
o objeto de minha pesquisa. A principal diferença 
entre o meu trabalho e o das pesquisadoras 
citadas é que ele se baseia, essencialmente, 
na análise de documentos, propondo-se a contribuir 
com uma perspectiva histórica da Escolinha.”

Acontece que a História da Escolinha não está separada de todos os processos que nela coabitam: a transformação dos alunos, a formação dos professores e a sua renovação e mudança também. A Escolinha é viva, pulsante e segue transcorrendo no decorrer dos anos, os fatos se relacionando em diversas esferas e abrangências, desde um ponto aparentemente isolado em uma cidade do interior do RS, mas altamente ligado à proposta da Escolinha de Arte do Brasil ou a outro país que levou a mesma filosofia adiante através do Movimento de Arte Educação. O que quero dizer é que as três pesquisas se interlaçam, falam entre si mesmas, independentemente do recorte acadêmico e metodologia da pesquisa, porque a Escolinha é esse oásis de oportunidades para o criar e o recriar-se. E isso é bom porque pontos de vista não aprofundados numa pesquisa aparecem mais contemplados noutra, enriquecendo a linha do tempo dessa história.  

O trabalho de Flávia, para fins de metodologia acadêmica, foi baseado em quatro pilares: o Ateliê, as Exposições, o Curso Intensivo de Arte-Educação (CIAE) e o Acervo. Em muitos momentos os depoimentos se repetem aos coletados por mim para o documentário “A Aventura de Criar”, porque a Escolinha marcou a vida dos professores e ex-alunos que por ela passaram e as histórias de cada um deles é única, sem outras versões, mesmo que os entrevistadores mudem. O livro mantém, em muitos momentos, pontos de emoção e de profundo reconhecimento pelo trabalho que as variadas equipes da Escolinha desenvolveram dentro da UFRGS o que é muito bom, já que a própria universidade pelo que eu soube nos relatos que coletei, nem sempre contribuiu muito para que esse espaço fosse mantido desde o seu início, o que gerava um esforço e uma constante luta das equipes que lá trabalharam para continuarem existindo. 

Gostei muito de ler no livro da Flávia outras informações sobre as cartas da pesquisa da simpática baiana Maria Dolores Coni Campos, a quem tive o prazer de visitar em 2009 no Rio de Janeiro. Na época, estava preparando a minha pesquisa para o filme quando pude entrevistá-la como uma das últimas vozes da Escolinha de Arte do Brasil, que conviveu com Augusto e Iara. E de quebra degustei um biju bem a moda baiana - Axé, Dolores! Ela afirmou aos gritos que a Escolinha de Arte do RS foi a que mais entendeu a proposta de Augusto Rodrigues, uma verdade incontestável! 

Curso Intensivo de Arte Educação para Educadoras
da SMED/Porto Alegre: da esquerda para direita
Cecília Machado Bueno, Maria Lúcia Campos Varnieri,
Eneida Moraes, Elton Manganelli, Sussy Possap,
Beatriz Noll e a Diretora da Creche da UFRGS/2011
Somam ainda ao livro de Flávia aspectos do CIAE que se manteve firme e forte até novembro/2011, quando realizamos um curso especial para a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMED), realizado na Creche da UFRGS e com as participação dos professores Maria Lúcia Campos Varnieri, Maria Beatriz Noll, Cecília Machado Bueno, Elton Manganelli e algumas participações de convidados especiais: Sandra Richter, Marília Fitchner e eu. Além disso, reforço o destaque especial à importância que Flávia oportunizou ao Acervo da Escolinha de Arte da UFRGS que serviu de base a sua pesquisa através de 214 documentos consultados no Acervo Histórico do Instituto de Artes da UFRGS e disponível a todos os pesquisadores interessados. 

Ao final do livro Flávia faz menção aos desdobramentos que podem ocorrer estimulando assim outros pesquisadores a seguirem em frente, em novas pesquisas. Entre essas sugestões, destaquei algumas que resultariam num material para a linha de tempo da Escolinha extremamente relevante e que teço alguns comparativos com o que encontrei na minha pesquisa: Analisar o papel de outros professores e áreas da Escolinha, como a música e o teatro, em minha pesquisa ficou notória a participação de áreas como o teatro, a música, a psicologia que dialogavam entre si, desde a criação da Escolinha; Analisar o acervo de 15 mil desenhos e pinturas dos alunos da Escolinha; esse ponto foi enfatizado por Maria Lúcia Varnieri inúmeras vezes, pois é o mapeamento do desenvolvimento de cada aluno em etapas diferenciadas de expressão, possibilitando aos professores compreender quais os avanços ela faz através da sua própria expressão; Pesquisar sobre o Movimento das Escolinhas de Arte no Rio Grande do Sul, estado onde a proposta de Augusto Rodrigues teve maior adesão no país; bem sobre esse ponto já comentei e, sem dúvida é o estado que mais alicerçou a filosofia da Escolinha sonhada por Augusto e desenvolveu parte das ações por ele esboçadas, ainda há muito o que construir. Com certeza serão ótimos temas para seguir completando com outras vozes a História da Escolinha! 

Dez anos após eu escrever a pesquisa "A aventura de criar: 50 anos da Escolinha de Arte do RS" e visitar as mesmas pessoas e ambientes por onde Flávia esteve recentemente, fiquei feliz com a continuidade e o diálogo mesmo sem nos conhecermos promovemos, através da pesquisa e da leitura, uma da outra. A arte se fez em dois tempos, no meu e no dela e quem ganha são os pesquisadores, os educadores e a sociedade em geral. Somamos histórias e reforçamos pontos dentro desse tempo que não vivemos presencialmente, enquanto a maior parte dos fatos acontecia, mas que nos envolveu e nos levou a buscar mais dados com quem os viveu profundamente. A força da Escolinha nos levou a compartilhar com todas as pessoas possíveis os resultados do que escutamos, descobrimos ou nos revelaram. Além disso, compartilhar aquilo que vivemos como indivíduos tocados pela sua proposta. 

Agradeço a Flávia pela consulta e inserção da minha pesquisa em diversos momentos da sua tese e me arrisco a provocar junto com ela, novamente os pesquisadores a buscarem quem sabe um novo olhar sobre a Escolinha. A Escolinha foi “um espaço de desenvolvimento das potencialidades e da liberdade de expressão, com o intuito de formar pessoas mais sensíveis, livres, criadores e críticos”, como afirma Flávia na sua análise final e eu assino embaixo. Então, quem sabe seja interessante escutar também essas pessoas em outras pesquisas? Quem sabe há muitos indivíduos espalhados pelo mundo, pelo nosso país, no nosso bairro,  transformando as vidas de outras pessoas através da filosofia da Escolinha exercendo tudo aquilo que aprenderam em seus variados ofícios? A Escolinha tem na sua essência essa força social e libertadora de promover transformação de cada pessoa, e se isso der em Arte, melhor ainda, mas nunca foi uma condição única.  

Finalizo essa pequena reflexão com um fragmento de uma entrevista de Teresa Poester, que foi minha professora e a quem tenho uma admiração imensa, ao jornal Zero Hora (2005), extraída para o livro de Flávia quando ela fala sobre a filosofia da Escolinha e numa de suas maiores porta-vozes que sempre acreditou no poder transformador da arte, Iara de Mattos Rodrigues (Iarinha, como a chamavam na Escolinha). O que Teresa afirma continua sendo essencial em nossas vidas, em nosso planeta. Ao citar Iarinha, está alertando a cada um de nós sobre a forma com a qual agimos, colaboramos, sentimos e convivemos uns com os outros. O recado é direto e muito atual: 

“Pessoas como Iara são, lamentavelmente, 
cada vez mais raras; não vivemos 
uma época de paixão, mas de um pragmatismo 
crescente. É preciso, pois, aproveitá-las. 
Deixam marcas profundas. São como crianças, 
não sabem mentir. São incômodas, 
malcriadas, ternas e teimosas. Resistem.”  

Vamos seguir em frente somando iniciativas e resistindo sempre juntos! Obrigada Beatriz Noll, Teresa Poester, Marilice Corona, Maria Lúcia Varnieri, Gení Mabília, Jailton Moreira, Élida Tessler, Eneida Moraes, Cecília Bueno e Elton Manganelli (in memoriam) e tantos outros por tudo o que nos oportunizaram nesses 51 anos de Escolinha da UFRGS. Toda a minha, gratidão! 


***************

Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011): 51 anos de arte/educação"
de Flávia Leal
Ed. Appris (2021)
1ª edição
R$49,50 (impresso)
www.editoraappris.com.br 


Leocádia Costa

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

"Mês de Cães Danados", de Moacyr Scliar - L&PM Editores (1977)


"Queres saber da ema fugaz?
Queres? 
Então é muito pouco. 
Queres saber dos bois empalhados? Da tia de Pelotas? 
Da Carta de Punta Del Este? Da queda do cruzeiro? 
Do Banco da Província? 
Do Simca Chambord? Das Cestas de Natal Amaral? 
Do considerável número de populares bradando viva Jânio? 
Queres saber de tudo? 
Queres? 
Então paga."
parágrafo inicial de 
"Mês de Cães Danados"




"Viajante chega a Porto Alegre procedente de São Paulo. Procura na Rua da Ladeira um homem que conta histórias (falarias em mendigo, paulista? Eu não falaria). Mediante (atenção!) pagamento, viajante paulista terá visão, sucinta e não desprovida de interesse, do agosto de 1961 - mês, na expressão do narrador, de cães danados. Paralelamente narrador contará algo de sua vida - interessante infância, batalhas na cidade de Pelotas, aventuras na capital. Mediante pagamento adicional poderá descrever cenas de sexo (sublinha esta palavra, paulista, no original; se for impresso, quero-a em itálico. Ah, ris. Teu nome é Sátiro?). Narrador mencionará ema fugaz, Simca Chambord, Cestas de Natal Amaral, considerável número de populares bradando viva Jânio, muro de Berlim, machine-gun, Bois Empalhados, Letras da Legalidade, Fayacal Khautz (...)"
Este resumo que o próprio narrador do livro repassa com seu interlocutor, já alguns dias após a primeira visita, é exatamente o que precisamos para introduzir o excelente "Mês de Cães Danados", de Moacyr Scliar., livro em que os eventos que antecederam e culminaram na renúncia de Jânio Quadros e na posse de João Goulart, naquele agosto de 1961,  eu que são narrados, mediante uma substancial contribuição em sua lata de doce de Pelotas, por um mendigo tagarela, instalado na ladeira da Rua General Câmara, em Porto Alegre.
Numa confusão de informações, entre lembranças de infância, personagens reais e fantásticos, relatos dispensáveis, slogans publicitários, manchetes de jornais da época, o tresloucado morador de rua vai contando a um curioso, provavelmente paulista pelo sotaque, que chega todos os dias para ouvir dele toda a história de como saiu da condição de um promissor estudante de direito, filho de um latifundiário do Sul do Estado, à situação de miséria, abandonado e esquecido, com uma perna deformada, numa calçada no Centro da cidade, ali pertinho do Palácio do governo do Estado.
Num espaço de duas semanas, desde o início das visitas do paulista, todos os dias, em sua narração atropelada, confusa, o miserável, que se identifica como Mário Picucha, intercalando fatos de sua história pessoal com o contexto político e social daquele momento, vai revelando um pouco mais sobre aqueles dias de 1961, até chegar à data em que, com muito esforço do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, foi garantida a posse de seu genro, o então vice-presidente da República, João Goulart, mesmo diante de uma enorme resistência das elites, de empresários e latifundiários, que temiam por uma ameaça 'comunista'.
Aparentemente a história toda do indigente soa sem pé nem cabeça mas, em meio a todo aquele desvario em que menciona ema fugaz, tordilho doido, machine-gun, bois empalhados, Cavaleiro Rolando, talvez haja algo mais. A cada dia surge um elemento novo, algo mais relevante e, parece que seu assíduo visitante espera exatamente por algo mais consistente na história. Por isso continua indo, por isso vai todos os dias, por isso coloca um dinheiro na lata. O que aquele mendigo tem a contar de tão importante daquele agosto de 1961?
Moacyr Scliar, um dos maiores escritores gaúchos e um dos grandes nomes da literatura nacional, num formato muito livre e despojado, conduz a história com total domínio e precisão mesmo quando, eventualmente, achamos que aquela conversa de maluco não está levando a lugar nenhum ou que há muita informação inútil no que sai da boca de seu personagem narrador. "Mês de Cães Danados" é uma leitura agradabilíssima, contagiante, atraente. O relato do protagonista em primeira pessoa, é ágil, inquietante, e a disposição dos capítulos, em formato diário, no período das idas do misterioso visitante à Rua da Ladeira, garantem uma dinâmica estimulante e um constante interesse do leitor. Um relato de um histórico agosto em uma leitura que dá gosto.



Cly Reis

quinta-feira, 3 de junho de 2021

"Cem Anos de Solidão", de Gabriel Garcia Márquez - ed. Record (1996)

 



"Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento,
o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota
em que seu pai o levou para conhecer o gelo.
Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara,
construídas à margem de um rio de águas diáfanas
que se precipitavam por um lei­to de pedras polidas, brancas e enormes
como ovos pré-históricos.
O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome
e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. (...)"
Frases iniciais de 
"Cem Anos de Solidão"


Me deparei há algum tempo atrás, na Internet, com duas curiosidades a respeito de "Cem Anos de Solidão" que me chamaram atenção e que, de certa forma, tem muito a ver com minha relação com esta obra. Uma delas é que uma pesquisa mostrava que "Cem Anos de Solidão" , publicado originalmente em 1967, era um livros que as pessoas mais mentem sobre terem lido, provavelmente para exibir algum status intelectual, mostrar boa bibliografia ou não sentir-se diminuído em uma discussão, dentro de determinado círculo ou diante de alguém que, eventualmente, venha a pôr à prova sua bagagem cultural.

Diante do resultado da pesquisa, já seria desconfiável se eu dissesse que li uma vez a obra-prima de Gabriel Garcia Márquez,  mas  mesmo correndo o risco de que duvidem de minha afirmação, uma vez que o número ao qual me referirei é, por muitos considerado uma quantia de mentirosos, devo dizer que, não apenas li, como o fiz sete vezes. Verdade! Juro!

Ah, não tem como resistir àquele início, àquelas primeiras frases! O que me leva à segunda curiosidade sobre a obra: outra lista, citava 10 ou 15 melhores, maiores, mais marcantes inícios de livro de todos os tempos. Estava lá o impactante começo de  "A Metamosfose" de Kafka, ("Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha ..."); a inconfundível introdução de "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa ("Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade ..."); e, é claro, entre outros, o de "Cem Anos de Solidão". Se eu pegar esse livro e ler o primeiro parágrafo, eu, praticamente, não tenho como parar. Vou acabar lendo inteiro, de novo. Por sinal, quase aconteceu, de novo, agora, quando o folheei para refrescar a memória sobre algumas passagens e personagens. O que nos leva de volta à primeiro curiosidade.

A edição que tenho em casa, além de tudo,
tem belíssimas ilustrações do artista plástico
platino-brasileiro Carybé
Quem lê uma vez, precisa estar de novo em contato com aqueles personagens, aquele lugar, aqueles acontecimentos, reviver aquelas passagens. O colombiano, Nobel de Literatura, com muita sagacidade, concebe uma alegoria da formação da América Latina utilizando-se com criatividade e sutileza dos elementos intrínsecos aos nossos povos para montar um romance épico familiar inigualável. Estão presentes ali a valentia, a beligerância, o sangue-quente que serve para a batalha mas também para o amor, a sensualidade, a passionalidade, o respeito às tradições, o misticismo, e até a ingenuidade e uma certa inocência que, se fizeram de nós povos solícitos, receptivos,  hospitaleiros, mas também, muitas vezes facilmente engambeláveis. Simbolizada pela família Buendía, cujos nomes dos homens se assemelham, se ramificam e se repetem numa árvore-genealógica labiríntica, as características dos latino-americanos são desenhadas em cada personagem com traços mágicos e apaixonantes como a bravura irrefreável de Aureliano Buendía, persistente até o último  momento, mesmo diante de um pelotão de fuzilamento; a liderança mobilizadora de José Arcadio Segundo; a força e o apetite sexual de José Arcadio; a beleza hipnótica de Remédios, a bela, que levava os homens, literalmente, à loucura e até mesmo à morte, contrastando com sua pureza e inocência infantil; a experiência e sabedoria da anciã Úrsula, que mesmo depois de perder a visão conhecia o lugar de cada coisa na casa, dentre tantos outros pormenores que o autor desenvolve magnificamente, repletos de elementos simbólicos, ao longo da trajetória daquela casta.

Além disso, o autor nos apresenta figuras riquíssimas sobre os elementos de formação e desenvolvimento do continente com a dose certa de teor crítico e potencial reflexivo, tal como as contendas políticas e o surgimento de regimes autoritários; o galeão espanhol descoberto em expedição, muito além dos limites de Macondo, revelando-lhes, quase como uma nave extraterrestre seria para nós, que, para eles, eram os deuses navegadores; ou ainda exploração americana, simbolizada na Companhia Bananeira e na misteriosa chuva torrencial que, convenientemente, começa após a greve e ao massacre de funcionários na estação de trem, e que dura por anos impedindo investigações, persistindo até o fato ser esquecido. Isso tudo sem falar nos elementos "visuais" fascinantes, como as borboletas amarelas do apaixonado Maurício Babilônia, o tapete voador dos ciganos e outras "tecnologias" que encantavam os moradores do povoado; os peixinhos dourados do Coronel Aureliano, os bilhetes com o nome de cada coisa para que as pessoas não esquecessem os mais corriqueiros objetos e suas utilidades, na época da Peste da Insônia; a imagem do patriarca e fundador de Macondo, José Arcadio Buendía, já senil, amarrado a uma árvore atormentado pelo fantasma do homem que matara; e as altamente metafóricas formigas vermelhas que levam o último Buendía, extinguindo a extirpe e aquele povoado. Nessa parte, ainda nas últimas vezes, mesmo já conhecendo o livro de cabo a rabo, e mesmo depois de tantas releituras, não é incomum chegar à última página com os olhos cheios d'água.

Se "Cem Anos de Solidão" figura nestas duas curiosas listas, uma outra na qual é mais comum encontrá-lo, com muita justiça, por sinal, é a de melhores livros de todos os tempos. O que, nesse caso, não representa nenhuma surpresa. Quem já leu, provavelmente, não terá dúvidas em colocá-lo lá. Mas só quem já leu mesmo. Não vale mentir.


Cly Reis 

quarta-feira, 26 de maio de 2021

"Crônicas: volume 1", de Bob Dylan - ed. Planeta (2016)

 


"Eu realmente jamais fui mais do que era
- um cantor de folk que fitava a névoa cinzenta
com os olhos cegos pelas lágrimas
e fazia canções que flutuavam 
em uma neblina luminosa."
Bob Dylan em trecho do livro




Dylan é um deleite! Seja ouvindo, seja lendo, sendo que, no caso dele, em especial, o ouvir normalmente não tem como andar separado da leitura. Prêmio Nobel de literatura, suas letras são, desde sempre, não somente dotadas de um conteúdo relevante, significativo, reflexivo, politizado, como, para isso, escritas com uma qualidade ímpar e quase inigualável dentro do universo da música. Mas, efetivamente, toda essa qualidade fica ainda mais evidenciada quando o texto é escrito, dedicado objetivamente à leitura. "Crônicas: vol.1", parte da autobiografia do cantor norte-americano, é uma leitura absolutamente saborosa e envolvente, desenvolvida com sensibilidade, bom humor, fluidez, ritmo e, por incrível que possa parecer para muitos, com musicalidade. Em alguns momentos, parece que só falta o ritmo porque o que estamos lendo parece ser alguma de suas letras, e se o leitor imaginar alguma melodia na cabeça, pronto, estará lendo uma música de Bob Dylan
Em "Crônicas: vol.1", Dylan narra seus primeiros passos em Nova York, os contatos, como o executivo e caça-talentos John Hammond da Columbia, o empresário Lou Levy; as pessoas interessantes que conheceu, como o cantor folk Dave Van Ronk, a assistente de palco Suze Rotolo, de quem foi namorado; os livros que teve acesso na casa do amigo Ray Gooch, como "A Pele de Onagro", "A Deusa Branca", "As Tentações de Santo Antão"; os autores que passou a admirar por conta disso, como Burroughs, Balzac, Faulkner; os discos com os quais teve contato a partir dessas amizades e as influências musicais que adquiriu a partir dessas audições;  a admiração por Roy Orbison, Johnny Cash, a reverência a Robert Johnson, a devoção por Woody Guthrie; lugares onde começou a se apresentar; as sensações e sentimentos daquela época e daquele momento de sua vida; tudo isso descrito de maneira leve, poética e muito sincera. Dispostos em ordem aleatória cronologicamente, alguns capítulos dão um salto no tempo e tratam de dois álbuns não tão badalados do cantor, "New Morning", de 1970, e "No Mercy", de 1989, sendo que, deste último, chama atenção o tortuoso processo de construção e produção do álbum, ao lado do produtor Daniel Lanois, indicado por Bono Vox, do U2, com idas e vindas, altos e baixos, momentos de inspiração e desânimo, sessões de gravação cansativas, contrastando com outros tempos de sua carreira em que, a rigor, bastava que ele, Dylan, entrasse no estúdio com seu violão, seu suporte de harmônica, algumas páginas de anotações e tínhamos um disco pronto.
Se a música de Bob Dylan é capaz de nos proporcionar um prazer auditivo e sensorial, como um todo, único, seu texto não fica devendo e, inevitavelmente, se funde à sua atividade mais conhecida. Elas são tão gêmeas, tão ligadas que não seria nenhuma loucura dizer que a música de Dylan é luz para os ouvidos e sua escrita, música para os olhos.



Cly Reis
 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

"A Tempestade", de William Shakespeare (1612-13) - Coleção Universidade de Bolso - ed. Ediouro

 




Edição que eu tinha
em casa e que li
pela primeira vez.
"... Assim, por pura gentileza,
sabendo o quanto amava meus livros,
trouxe-me de minha própria biblioteca,
volumes que eu prezava mais
do que meu próprio ducado."
Próspero



Eu comecei com Shakespeare, literalmente, pelo final. Quando começamos a nos interessar, meu irmão e eu, pelo escritor inglês, por causa das versões cinematográficas e referências em músicas, ganhamos um livro que era um estudo da obra do autor, peça por peça, analisando detalhes, frases, passagens e pormenores de cada uma de suas famosas histórias. Acabei ficando, de certa forma, "experiente" em Shakespeare antes mesmo de ler um de seus livros. Mas logo em seguida meu irmão ganhou uma pequena coleção com duas peças em cada número e finalmente tive contato direto com a obra à qual eu já havia dissecado e pela qual só ficara mais curioso. O interessante é que, em relação à sua bibliografia, por acaso, acabei também começando pelo final. A primeira obra de Shakespeare que li foi "A Tempestade", creditada por muitos estudiosos e especialistas como a última escrita pelo Bardo, embora haja controvérsias em relação ao assunto. Mas, o fato é que a peça, de todo modo foi escrita, sim, nos últimos anos de trabalho de Shakespeare e, de fato revela um escritor já experiente, com amplo domínio de sua própria obra, de sua própria escrita, livre e totalmente à vontade com os temas que desejava abordar e como fazê-lo, desenvolvendo um de seus melhores trabalhos, utilizando-se de diversos elementos de seu próprio repertório com maestria e desenvoltura. "A Tempestade" tem a intriga, a traição, o romance, a comédia, a magia, tudo distribuído de forma muita propriedade. O elemento fantástico, metafísico se faz presente de modo significativo e é explorado magnificamente através de um  recurso que faz do texto algo ainda mais especial: livros. Shakespeare eleva os livros a uma condição de poder supremo. Próspero, o duque traído, deposto e exilado numa ilha com a filha Miranda, de poder apenas de seus estimados livros, utiliza-se deles e de suas propriedades mágicas para transformar tudo a seu redor. É um personagem fascinante que cativa e conquista o leitor com sua sabedoria, sua bondade e seu amor pela filha, pela qual zela com o cuidado de uma flor rara. Ele reconhece o amor do outro náufrago, o jovem Ferdinando, pela filha, mas só aceitará entregá-la ao pretendente, a propósito, filho de um dos conspiradores, mediante a prova de intenções puras por parte do rapaz. E Próspero, por suas artes mágicas, manipula os elementos, manipula o tempo, manipula a ilha e, em meio a tudo isso, cria situações e faz com que Ferdinando justifique sua confiança e o amor da filha, neste que é um dos mais belos casos de amor das peças shakesperianas.
A bem da verdade, tudo em "A Tempestade" é  "dos mais": Próspero é dos melhores protagonistas; Miranda é das damas mais adoráveis; a ambientação é das mais originais; o enredo é dos mais envolventes... Se este foi o primeiro, depois já li muitos outros Shakespeare e, embora tenha enorme admiração por outras obras desse mestre da literatura, me renda inevitavelmente, como qualquer outro, à grandeza de seus clássicos como "Macbeth", "Hamlet" e "Otelo", "A Tempestade", por ter sido o primeiro e por toda sua magia, tem lugar cativo no meu coração como um de meus preferidos.  



Cly Reis