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sábado, 21 de maio de 2022

Djavan - Turnê "Vesúvio" - Teatro Bourbon Country - Porto Alegre/RS (07/05/2022)

 


Que maneira de voltar aos shows! Depois de quase 3 anos sem sair para ir a uma casa de espetáculos e ver um artista presentemente, seja pela pandemia ou pelo período que a antecedeu sem nada que nos mobilizasse fortemente (ah, se soubéssemos o que viria pela frente...), o retorno foi triunfal para conferir um dos monstros sagrados da música brasileira ao qual nunca havíamos assistido ao vivo: Djavan. E não foi qualquer arranjo que fez com que Leocádia e eu tivéssemos essa oportunidade! Minha irmã, Karine, produtora cultural lá no Rio de Janeiro, fez a ponte com um colega seu em Porto Alegre, que nos disponibilizou generosamente duas cortesias para irmos ao Teatro Bourbon Country "djavanear o que é de bom". Uma programação, aliás, que nem sabíamos que ocorreria, visto que os ingressos restavam esgotados desde 2020, quando o show havia sido anunciado, mas precisou ser adiado em razão da pandemia, vindo a ocorrer somente agora. 

Competente do início ao fim, o show foi mais do que somente isso: foi emocionante. Cenário, luz, repertório, qualidade do som, tudo perfeitamente funcionando para que o divino alagoano despejasse seus quase 40 anos de carreira e experiência no palco – recinto o qual, aliás, ele domina como poucos. E que performer! Djavan canta com afinação invejável, dança com graciosidade e suingue, comunica-se com a plateia, toca violão e guitarra (como poucos na MPB), cumprimenta o público do “gargarejo”. Domina o palco. As luzes todas se concentram nele, embora a irretocável banda (Felipe Alves, bateria; Arthur de Palla, baixo; Torcuato Mariano, violão e guitarra; e Renato Fonseca e Paulo Calasans, piano e teclados) acompanhe o altíssimo nível de seu front man.

Ainda um pouco desaquecido no começo, na bela “Viver é Dever” – do repertório do disco “Vesúvio”, seu último e motivo da turnê – e na clássica “Eu te Devoro”, entretanto, mal Djavan sentiu o retorno do público, já se soltou. Os sugestivos versos (“Teus sinais/ Me confundem da cabeça aos pés/ Mas por dentro eu te devoro...”) foram cantados de cabo a rabo por toda a plateia na primeira em que fez o teatro vir abaixo. Isso por que depois desta vieram muitos hits. Muito bem montado, o set list não deixou de apresentar consistentemente o trabalho novo, reservando-lhe 8 faixas, como a intrincada “Solitude”, a graciosa bossa-nova djavanesca “Orquídea”, a hispânica “Madressilva” e o estupendo tema-título. Mas, essencialmente, o músico privilegiou aquelas que a galera mais se identifica.

Djavan - trecho de "Eu te Devoro"
Teatro Bourbon Country - Porto Alegre (07/05/2022)

Aí, foi só emoção, com sequências de saltar o coração da boca, seja pela poesia rica em figuras de suas letras e fraseado, seja pela sonoridade única que tem, seja pela presença de palco ou pela produção técnica impecável. No que se refere à música, a gente fica com o mesmo embasbacamento que o midas da black music Quincy Jones teve ao ouvir desavisadamente Djavan pela primeira vez. É assombrosa a natural mistura que suas harmonias e ritmos, que carregam de samba, jazz, soul, bossa nova, blues, reggae e sonoridades caribenhas. E tudo com muito, mas muito suingue. De construção harmônico-melódica complexa, sua música, no entanto, é trazida, por conta de seu talento absurdo, para uma superfície pop que se comunica com todo mundo. Tudo se hibridiza de tal forma que, numa oportunidade como a que estivemos, de ver Djavan cantando e dançando e se entregando no palco, é possível entender que a música está integralmente dentro dele.

Bonito de perceber também a poética do artista. Os amores arrebatados (“Mesmo por toda riqueza dos sheiks árabes; Não te esquecerei um dia/ Nem um dia” ou “De tudo que há na terra/ Não há nada em lugar nenhum/ Que vá crescer sem você chegar”), as referências a símbolos da feminilidade (“Mal-me-quer.../ A vida segue seu lamento/ um tanto flor” ou “De estrelas perdidas no mar/ Pra chover de emoção/ Trovejar”) e a sensualidade (“um leito de rio/ no cio/ um cheiro de amor” ou “Insiste em zero a zero, e eu quero um a um”) fazem com que Djavan tenha uma forte identificação com o público feminino. Mas não de uma maneira forçada, e, sim, muito orgânica.

Foram quase 3 horas de um desfile da mais alta classe da música brasileira e mundial, que percorre a extensa e assertiva carreira do artista. Cantamos juntos e nos emocionamos juntos com clássicos como “Topázio” (“Kremlin, Berlim/ Só pra te ver/ E poder rir”), “Acelerou” (“Quando te vi/ Aquilo era quase o amor/ Você me acelerou, acelerou/ Me deixou desigual”), “Linha do Equador” (“Luz das estrelas/ Laço do infinito/Gosto tanto dela assim”), “Samurai” ("Ai.../ Quanto querer/ Cabe em meu coração”), “Sina” (“O luar, estrela do mar/ O sol e o dom”)... Caramba! É interminável a sucessão de sucessos deste hitmaker, que correm pelas últimas quatro décadas no Brasil, seja pelas rádios, novelas, na tevê ou no cinema. São canções que estão no imaginário do brasileiro, aquelas que pode por pra rodar em qualquer lugar que dificilmente não se sairá cantando junto. 

Já falei aqui num antigo texto que escrevi sobre Djavan: se ele tivesse nascido em qualquer país tipo escandinavo ou germânico ele teria um trono, seria um intocável. Estender-se-iam tapetes vermelhos onde quer fosse. Naquela noite porto-alegrense, estávamos entre os milhares que minimamente fizemos isso: estendemos-lhe o tapete. Que presente: os ingressos, a volta aos shows e poder ver a olhos nus um artista do calibre de Djavan em vida. A se ver por este show, sabe-se lá quanta vida ele ainda tem pra dar!






Daniel Rodrigues


segunda-feira, 16 de maio de 2022

Criolo, com participação especial de Liniker - Tim Music Rio - Praia de Copacabana - Rio de Janeiro /RJ (14/05/2022)

 


Criolo comandando o palco ao lado do DJ Dandan
 e com seu trio de multi-instrumentistas ao fundo.

Sim, voltamos aos shows! O ClyLive até já havia voltado a ter relatos de comparecimento a espetáculos, por parte de colaboradores, mas, depois de todo o período de pandemia, suspensão de eventos, distanciamento, aquele temorzinho pela exposição, pela aglomeração, parece que agora as coisas já estão suficientemente controladas para que, mesmo com alguns cuidados, a gente volte para a muvuca.

E não tinha maneira melhor de voltar do que com um showzaço desses! Criolo, juntamente com seu trio de percussão e seu DJ e MC Dandan,  destruíram, botaram tudo abaixo, quebraram tudo, causaram uma verdadeira tempestade de areia na praia de Copacabana, no Festival Tim Music Rio. O cara é pura força, pura intensidade! É rap, é soul, é reggae, é batuque, é africanidade, é música brasileira. Muita energia vinda do palco com uma resposta incrível do público que entoava com empolgação e vibração os versos contundentes e incisivos do cantor, desde as coisas mais recentes, como "Preto ganhando dinheiro incomoda demais", do novo trabalho "Sobre Viver", às mais conhecidas como, "Eu tenho orgulho da minha cor /Do meu cabelo e do meu nariz /Sou assim e sou feliz /Índio, caboclo, cafuso, criolo /Sou brasileiro", da marcante "Sucrilhos", assinando embaixo no discurso de resistência, de luta, mas sobretudo de paz, amor e igualdade.

Como se não bastasse a performance magnética de Criolo, a programação previa a participação de Liniker, um dos nomes que, particularmente, mais admiro da nova geração nacional, e que embora tenha demorado e se limitado a um trecho bastante reduzido do show, a canja que deu valeu a pena cada minuto. Com seu vocal potente e com uma presença de palco eletrizante, a cantora incendiou o público e botou a baixo o que ainda restava. Destaque todo especial para sua participação na, já clássica, "Não Existe Amor em SP", que com os dois ao microfone, com a melancolia calculada de Criolo, e com poderio vocal dela, foi uma daquelas coisas, simplesmente, de arrepiar.
Voltando ao Live em grande estilo!
Muito contente em ter presenciado um espetáculo como esse, com tanta atitude, inclusão, respeito e diversidade, e com dois dos grandes nomes da atualidade da música brasileira. Pra lavar a alma por todo esse tempo longe dos shows.


Criolo com Liniker - trecho de "Não Existe amor em SP"
Tim Music Rio - Copacabana - Rio de Janeiro (14/05/2022)



Cly Reis 

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Titãs - Gigantinho - Porto Alegre /RS (1992)

 


A belíssima arte do álbum
no poster promocional
da gravadora.
Era uma banda ferida, machucada e por isso mesmo, extremamente pilhada e disposta a dar o melhor de si.
A critica havia sido bastante dura com eles por conta de seu, então, último disco "Tudo ao mesmo tempo agora", no qual, pela primeira vez, assinavam a produção de um álbum próprio e, contrariando as expectativas, abandonavam a evolução técnica de sua genial trilogia "Cabeça Dinossauro", “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” e "Õ Blésq Blom", em nome de uma sonoridade muito mais primária, dura, com letras em alguns momentos, ainda mais agressivas que as que costumavam fazer.
O que se via no palco, no Gigantinho, naquela noite de 1992, eram oito caras determinados a mostrar que haviam feito a escolha certa. Que o caminho musical que haviam escolhido era aquele mesmo e estavam unidos em bancar sua convicção. Poucas vezes vi uma banda com tanta gana. Os cinco vocalistas que se revezavam no microfone, ao passarem o comando para o seguinte, se abraçavam, batiam as mãos com o outro, faziam sinais de cabeça de aprovação dando moral para o companheiro. Parecia aquele time determinado a ganhar, com os jogadores vibrando até por lateral.
Todo esse tesão não poderia dar em outra coisa senão em um show eletrizante. Mas se engana quem pensa que somente essa energia foi o que segurou o show. O repertório era bom! A imprensa pegou no pé do disco por não ser tão requintado e sofisticado quanto os anteriores e pelo expectativa que se criará em cima da evolução que acontecerá até ali, mas "Tudo ao mesmo tempo agora" tinha muita coisa boa. "Clitóris" que abria o show com força e intensidade; "Cabeça", agressiva; "Agora" musicalmente uma das mais elaboradas do disco; e a carro-chefe, a arrebatadora "Saia de Mim", figuram entre as melhores do repertório da banda e, como não podia deixar de ser, foram alguns dos grandes momentos do show. Isso sem falar em outras já conhecidas, como "O Pulso", "Comida", "Diversão", que dentro da proposta mais crua da turnê, ganhavam releituras ao vivo sem todo o aparato técnico de programações, samples e lapidações de suas versões originais.
Um show no qual os Titãs, com sua performance, entusiasmo, força, defendiam com convicção sua obra, a qual, por fim, com o tempo, acabou recebendo o devido reconhecimento, sendo hoje visto por grande parte dos fãs e até pela crítica, como um dos grandes trabalhos da banda e um dos mais significativos de sua época.
Quantas vezes a gente vai num show e fica com aquela sensação de que o artista só está ali cumprindo contrato, doido pra passar o tempo e passar no caixa pra pegar o cachê? Pois isso passou longe do que se viu naquela noite no Gigantinho. Aquilo era uma banda afinzona, babando, com sangue nos olhos...
É bom ver um show assim.


Show dos Titãs da turnê "Tudo ao mesmo tempo agora",
no Imperator - Rio de Janeiro, em 1992



Cly Reis

sábado, 19 de março de 2022

Black Alien - Bar Opinião - Porto Alegre/RS (10/03/2022)

 

Planeta Terra. Cidade: Porto Alegre. População encontra um percalço nebuloso que ninguém sabia quanto tempo iria durar...e claro que tentativas de desopilar não iriam faltar! Com distanciamento, álcool em gel e máscara a Opinião Produtora anuncia para o dia 18 de dezembro de 2020, no Auditório Araújo Vianna, ingresso com lotes limitados e, lógico, que eu corri e garanti os meus dois!

Senhoras e senhores: Black Alien, o Mister Niterói, estaria fazendo seu espetáculo “Abaixo de Zero: Hello Hell” – que, cá para nós, é um álbum digno dos prêmios que recebeu. Porém, novas regras de isolamento isolam as mentes e nada pode acontecer nas datas programadas, para desespero de nós, trancafiados fãs.

E o tempo passou, passou e passou. Lá se foram dois anos. A cada evento que eu ia no Opinião, vinha a dúvida: e o show??? E os ingressos????

Até que, vixeeeee: “vai rolar!” Para deleite da galera ansiosa, Black Alien vem a Porto, e com música nova. E os tais os velhos ingresso poderem finalmente ser utilizados no dia 10 de março de 2022. Noite chuvosa, tipo chuva de molhar bobo, mas lá vamos nós, eu e a minha parça Val Soueu.

“Si larguemu” pra José do Patrocínio fazer o esquenta clássico garimpando botecos com cerveja barata e matar a saudade dos tempos do Bomfa. 23:30 se forma uma fila gigantesca e lá vamos nós embarcar numa nave alienígena que, por mim, não aterrissaria tão cedo...

Gustavo Ribeiro e DJ Eric Jay (campeão do DMC por duas ou três vezes) foram os anfitriões em uma celebração à vida. Apresentação afiada, intimidade MC/plateia e MC/DJ, algo que só os melhores podem oferecer. Casa lotada como poucas vezes tive a oportunidade de ver. Uma energia monstra embalava a galera, que sabia de cor todas as letras – não consigo enunciar a ordem do show, mas foi perfeito!

Noite memorável. Pouco mais de uma hora e meia com direto a bis, como de praxe, e bailinho com o DJ da casa, o meu parceiro Milk-Shake, para encerrar uma viagem alienígena.




por Lício Agacê

domingo, 6 de março de 2022

Deep Purple - Riocentro - Rio de Janeiro / RJ (01/12/2006)




O Deep Purple, na turnê brasileira de 2006
Certa vez, conversando com uma ex-colega de trabalho sobre música,  sobre rock, ela me contava que o filho, uma grata raridade entre o bando de desculturalizados musicais de sua geração, dentro do possível, não perdia a oportunidade de ver ao vivo grandes nomes do rock, quando estes vinham ao Brasil, pois, já tendo essa galera das antigas uma idade avançada, somada a todos os excessos que cometeram em seus tempos áureos, possivelmente seria a última oportunidade de ver aquela determinada lenda, ali, na sua frente.

Embora não tenha colocado como meta pessoal, pelo fato desses nomes terem contribuído substancialmente para minha formação musical, dos tantos shows que fui, acabei já tendo presenciado a apresentações de alguns desses artistas fundamentais para a história do rock. Já vi ao vivo Rolling Stones, Black Sabbath, vi Pink Floyd, ou pelo menos parte dele, no show de Roger Waters, e, num negocinho de ocasião, vi o Deep Purple. Quando foi anunciado, no finalzinho de 2006, meu primeiro ano morando no Rio de Janeiro, que eles viriam e tocariam na cidade, inicialmente, os ingressos foram informados em valores um tanto salgados. No entanto, logo em seguida, talvez percebendo a baixa procura, numa promoção do extinto Jornal do Brasil, com um cupom e, se não me engano, um alimento não perecível, o preço ficava extremamente em conta.
Aí não teve dúvidas: pronunciei a minha entrada e me garanti pro show de uma das maiores lendas do rock de todos os tempos. O problema é que a parada ia rolar lá no Riocentro e, pra quem não é  do Rio e não tem muita noção, o tal do lugar é longe pra caramba. Pra piorar, o Riocentro é um conjunto de pavilhões para eventos em geral, feiras, simpósios, etc., e a estrutura física dos prédios não é nada adequada para shows de rock. Muito concreto, vigas metálicas, telhas de zinco, pilares distribuídos ao longo do espaço... Resultado: acústica  ruim, reverberação, pontos cegos, visibilidade prejudicada pelos pilares... enfim: uma bela bosta!
Mas não tem sabotagem infra-estrutural que derrube um show do Deep Purple. Boa parte da banda original no palco, incluído o frontman Ian Gillan, um repertório clássico w de respeito, energia total e uma galera de fãs empolgada por estar vendo à sua frente aqueles monstros do rock.
Sinceramente não lembro com detalhes do show em si, de cada momento, do set-list e tal. Minha recordação é  mais como um todo e essa memória é feliz e muito positiva. É claro que teve, "Black Night", "Space Truckin'", "Highway Star", e "Smoke on the Water" que, essa sim lembro, foi uníssonamente acompanhada em coro pela galera.
Já vi Black Sabbath, já vi Deep Purple...  faltou o Led Zeppelin pra completar a tríade dos criadores do metal. Mas vai que Plant, Page e Jones resolvam se juntar pra uma última turnê... Essa seria uma daquelas pra não perder de jeito nenhum. Daquelas oportunidades únicas. A do Deep Purple foi uma dessas. Ainda bem que não  perdi.

Confira abaixo alguns momentos do show do Rio, em 2006, obtidos no canal do fã
Leandro Macedo, no Youtube:

Solo de Steve Morse


"Black Night"


"Perfect Strangers"




Cly Reis 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Lucas Brum Big Band - Espaço 373 - Porto Alegre/RS (10/02/2022)

 

Paulo Moreira fazendo as vezes de mestre-de-cerimônias 
para a estreia da Lucas Brum Big Band
No último dia 10, fui ao Espaço 373, em Porto Alegre, gerenciado pela Silvana Beduschi e pelo Sepeh de los Santos, ver a estreia da Lucas Brum Big Band, um grupo de 16 músicos - quatro trompetes, três trombones, cinco saxofones e guitarra, piano, baixo e bateria, a maioria da novíssima geração - que encarou a bronca de fazer música em Porto Alegre numa formação dessas. A ideia veio do guitarrista Lucas Brum, ele próprio um guitarrista de mão cheia. Já tivemos, uns anos atrás, a The Brothers Orchestra, uma big band que se apresentava todas as segundas-feiras no InSano Pub, na Lima e Silva, com quem eu atuava apresentando a banda e fazendo rápidos comentários sobre o repertório. Ficamos por lá por mais de cinco anos mas a dificuldade econômica de manter uma formação dessas acabou por encerrar as atividades. Isso é tudo o que eu NÃO desejo à LBBB. 

Pela estreia, o negócio é muito sério, tanto musical quanto profissionalmente. Com um repertório diversificado que teve "Straight Ahead", da orquestra de Count Basie, passando por "Bala com Bala", de João Bosco e Aldir Blanc, homenageando os tenoristas Joe Henderson com "Inner Urge" e John Coltrane com "Central Park West" e encerrando com uma explosiva "Caravan", de Duke Ellington, na qual o baterista Bruno Braga mostrou porque é um dos grandes talentos de seu instrumento na cidade.

Outros destaques foram o sax tenor Ronaldo Pereira. o sax alto e flautista Cleomenes Jr., o líder na guitarra e, para mim, uma surpresa: o trompetista Bruno Silva, que não tinha visto tocar anteriormente e que me deixou a melhor das impressões, mas a banda inteira é de altíssima qualidade  Quem não viu, terá duas oportunidades em 8 e 9 de abril. no Espaço 373 (Rua Comendador Coruja, 373). Parabéns aos guris pela maravilhosa música e para o Sepé e a Silvana por terem a ousadia de abrir suas portas em pleno verão para uma big band em sua estreia.





texto: Paulo Moreira
fotos: Nilton Santolin

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

The Police - Estádio Maracanã - Rio de Janeiro / RJ (08/12/2007)


Se tem um cara que tem um agente bom, uma gravadora atuante, uma retaguarda comprometida, é o Sting. Que ele é um baita músico, isso não há dúvidas, mas que ele nunca foi do tamanho que a promoção dele o faz, isso temos que concordar. Tá certo, lá, que foi vocalista de uma banda de sucesso, tá bem que tem carisma e tal, mas o que fizeram na primeira vinda solo dele ao Brasil, em 1987, foi algo, assim, de um Elvis, de um John Lennon, de um Michael Jackson! Tinha boa circulação, boa aceitação, reconhecimento, mas não tinha bola pra lotar um Maracanã!

Só que, na ocasião, rádios, TV's, jornais, todo tipo de mídia, divulgaram tão insistentemente aquela turnê, enaltecendo tanto o artista, que todo mundo, mesmo quem mal conhecia, queria ir no show do cara. Por extensão, promoviam o recém lançado álbum "...Nothing Like The Sun", um disco interessante, mas nada mais que regular, um tanto cansativo em seu formato duplo, que trazia alguns hits, é verdade, mas que cativara muito a brasileirada, em especial, pelo fato de Sting cantar uma das canções em português em português, "Frágil", sem falar numa visita a uma tribo indígena, cocar na cabeça, foto com Cacique e tudo mais. 

O resultado dessa forçação toda foi Sting lotando estádios pelo Brasil, inclusive o gigantesco Maracanã, sem que, grande parte do público conhecesse sequer metade de suas músicas, mesmo as do tempo de Police, e quase nenhuma de sua, então recente, carreira solo. Pra ele, no fim das contas, deu certo. O público é que ficou meio, assim, "o que é que eu tô fazendo aqui?", e depois , em casa, o "e, gora, o que é que eu faço com esse disco?".

Introduzi com tudo isso para chegar ao show do The Police, em 2007, que foi mais ou menos a mesma coisa. Tá certo que a banda fez muito mais sucesso que a carreira solo de seu líder e vocal mas, mesmo em sua melhor época, nunca foi banda de arena, nada assim de apelo tão forte, idolatria para deslocar multidões. Pra se ter uma ideia, em seu auge, em 1982, sequer encheram o Maracanãzinho. 

No entanto, contra tudo isso, marcaram o evento para o Maracanã.

E, de novo, o pessoal da retaguarda fez a lição de casa: começou a divulgar meses antes, insistiu, botou outdoors, conseguiu levar de novo o Police às rádios, refrescou a memória de eventuais desinteressados que viveram na época e que resolveram reviver aquilo, e plantou uma curiosidade e uma certo estímulo em um público que sequer conhecia o grupo. De minha parte, fazia parte dos que tinham ouvido aquilo nos anos 80, gostava o suficiente para ir num revival da minha época, embora não entendesse muito bem como uma banda com um apelo nada mais que médio pudesse encher um dos grandes estádios do mundo. Mas...

Mas o fato é que o esforço da produção valeu e o Maracanã, se não encheu, não fez feio de público.

Muito bom show!

Banda competentíssima!

Lembro de ficar de olho ligado, especialmente, no baterista Stewart Copeland, que admiro demais, e em sua performance e desenvolvimento em cada canção. Mas Sting também é fera, é claro, manda muito bem no baixo e tem um dos vocais mais marcantes do rock, sem falar em Andy Summers que sempre deu conta do recado numa boa, e no show, em momentos solo, até superou minhas expectativas.

De quebra, ainda teve Paralamas do Sucesso, na abertura, uma ótima escolha considerando a conexão muito próxima entre o som deles com o do Police, e uma excelente atração e entretenimento para o público, antes do evento de fundo, ao contrário do que costuma acontecer quando a gente só quer que o show de abertura acabe logo.

Curioso desse show é que eu trabalhei nos bastidores do evento o dia inteiro e poderia tê-lo assistido sem custo e em posições mais privilegiadas do que a que fiquei no estádio. Como a empresa que eu trabalhava, na época, faria montagem de infra-estrutura, bares, divisórias, etc., eu tinha a possibilidade de ficar no grupo da manutenção. Até já tinha o ingresso, comprado com bastante antecedência, mas poderia pedir para entrar na escala da noite, venderia o ingresso e ainda faria algum lucro. Mas era tudo muito complicado. Tinha o ingresso da minha esposa também, eu teria que encontrá-la lá dentro e talvez conseguir uma credencial para ela para os setores privados sem falar que eu poderia ser chamado a qualquer momento por causa de um problema com funcionário ou um conserto qualquer ... Ah, quer saber: a melhor coisa era entrar pelo portão, passar pela roleta, sentar na arquibancada, comprar uma cerveja e desfrutar do show.

The Police- Rio de Janeiro (08/12/2007)
show completo


Cly Reis

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Björk - Tim Festival 2007 - Marina da Glória- Rio de Janeiro/ RJ (26/10/2007)



Tem aqueles shows de artistas que nem são tudo isso mas que, com uma apresentação entusiástica, uma performance dominante, um repertório bem trabalhado, ou por um dia especial do espectador, ficam marcados para o resto da vida e sempre serão lembrados de forma especial. Por outro lado, tem aqueles de artistas maravilhosos, nomes de primeira, cheios de talento e recursos, mas que passam, assim, de maneira quase desimportante na nossa vida. Assisti ao show da islandesa Björk, talentosíssima, carismática, de vocal singular e incomum, uma das cantoras que mais admiro dentre todas que já  ouvi mas, não sei se foi o show ou se fui eu mas, esse capítulo da minha trajetória de espectador de espetáculos musicais, ficou praticamente apagado.
Fui com meu amigo José Júnior, eventual colaborador aqui do blog, e com alguns amigos dele. Não sei se o grande atraso para o início da apresentação; o lugar pouco apropriado, um galpão montado com péssima acústica; o set-list bastante curto; um certo conflito de interesses, como o de ficar mais aqui, mais acolá, mais perto do palco, mais longe, esperar fulano, esperar sicrano; uma certa divisão de grupos; e uma preocupação em não se afastar e não desatender nenhuma das partes, tenha gerado essa minha desatenção com o evento. Lembro muito pouca coisa, na verdade. Me recordo de tudo muito colorido, de umas bandeirinhas no palco, de Björk com a cara pintada, mas o que me amarrei, mesmo, foi na mesa de som dos músicos da cantora, exibida o tempo inteiro nos telões, uma espécie de tabuleiro eletrônico em que o operador mexia com controles que se assemelhavam a pedras coloridas sobre uma superfície e assim produzia os sons e batidas. Muito louco! Agora, os sons, as músicas que provinham dessa maravilha tecnológica, a performance da cantora nessas engenhocas eletrônicas, o repertório... mal recordo. Ficou marcado em mim, no entanto, o final do show com "Declare Independence" e os balões caindo do teto do local. Basicamente isso.
Não sei se o show foi fraco ou se o problema era eu mas, de fato, foi um dos shows grandes, de um grande artista que admiro, que menos me marcou. Uma pena. Acho que teria que ver a pequena islandesa de novo para tirar a prova.
Eu daria uma nova chance.
Ela tem crédito.

À esquerda, Björk com seu músico mexendo na mesa sonora que me referi
e, à direita, o equipamento em si, que, depois vim a saber, chama-se reac-table.





Cly Reis 

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Bento Jazz & Wine Festival - Casa das Artes - Bento Gonçalves/RS (19, 20 e 21/11/2021)

 

Estive no último final de semana em Bento Gonçalves acompanhando a segunda edição do Bento Jazz & Wine Festival, que tem a curadoria do meu amigo Carlos Badia. Depois de uma abertura festiva com o Secretário da Cultura, Evandro Soares, o ex-prefeito Guilherme Pasin e do atual Diogo Siqueira, foi feita a homenagem à pianista, tecladista e cantora Ana Mazzotti, que deu nome ao palco da Rua Coberta. Pra começar a função na sexta-feira, tivemos o Quarteto New Orleans, formado por Roberto Scopel no trompete; Luis Carlos Zeni no sax tenor; Jhonatas Soares na tuba e Edemur Pereira, na percussão. Nos moldes da POA Jazz Band, o grupo toca clássicos do dixieland, como a clássica "When The Saints Go Marching In". No final da apresentação, o Quarteto New Orleans desceu do palco e se misturou ao público, bem ao estilo da cidade americana. 

Na sequência, no palco do teatro da Casa das Artes - um moderno centro cultural incrustrado na Serra - o Quartchêto iniciou as comemorações de seus 20 anos de estrada. Com sua formação inusitada de trombone, violão, acordeon e bateria e percussão, a banda desfilou composições de seus três discos com destaque para "Mas Tá Bonito". A novidade nesta apresentação foi a adição de Matheus Kleber no acordeon em substituição a Luciano Maia, que segue sua carreira solo. Como sempre, o Quartchêto demonstrou sua competência em mesclar os ritmos gaúchos à sonoridade do trombone de Julio Rizzo. Hilton Vacari mantém a base rítmica enquanto Ricardo Arenhaldt mostra todo o veneno do percussionista brasileiro. 

Depois tivemos uma das surpresas do festival: o trio Blue Jasmine, formado por Fran Duarte na voz, Débora Oliveira na harmônica e Karina Komin na guitarra. As meninas fizeram um repertório de blues, R&B e rock com segurança e musicalidade. Entre as músicas apresentadas, estava "See See Rider", gravada originalmente pela blueseira Ma Rainey. A primeira noite foi fechada pelos caxienses do De Boni Quarteto. Liderada pelo acordeonista Rafael De Boni, a formação, que tem ainda Lázaro Rodrigues na guitarra, Gustavo Viegas no baixo elétrico e Cristiano Tedesco na bateria, passeia pelas sonoridades portenhas, com forte influência de Astor Piazzolla. 

A El Trio, abrindo a tarde de sábado com jazz moderno

A tarde de sábado iniciou com as evoluções jazzísticas do DJ Zonatão, tocando Miles Davis, Jeff Beck e George Benson. A música ao vivo começou com El Trio, que tem Leonardo Ribeiro no violão e voz, Cláudio Sander nos saxes tenor e alto e Giovani Berti na percussão. Com forte acento nos ritmos latino-americanos, o El Trio também acerta no repertório de clássicos do jazz como "Tutu", de Miles, e "A Night in Tunisia", de Dizzy Gillespie. Leonardo mantém a harmonia e Giovani no ritmo, enquanto Sander mostra porque é um dos melhores saxofonistas do estado. 

O trio de Leonardo Bitencoutrt
Seguiu-se o Mazin Silva Trio, com o guitarrista de Blumenau com um trio integrado por Caio Fernando no Baixo e o sensacional Jimi Allen na bateria. Mazin circulou pelas composições de seus inúmeros discos, com muita qualidade instrumental, mesmo que calcada nas sonoridades de Pat Metheny. Um dos grandes pianistas da novíssima geração da música gaúcha, Leonardo Bittencourt, apresentou um trio All-Star com seu colega de Marmota, André Mendonça no baixo acústico, e a revelação da bateria dos últimos anos, o riograndino Lucas Fê. Eles interpretaram standards do jazz com altíssima octanagem. 

Uma das bandas mais interessantes surgidas no Rio Grande do Sul, o Quinteto Canjerana cativou o público da Rua Coberta com as músicas de seus dois discos gravados. Com Zoca Jungs na guitarra, violão e viola; Maurício Horn no acordeon, Alex Zanotelli no baixo elétrico, Maurício Malaggi na bateria e Fernando Graciola no violão, o grupo mostrou como se pode fazer música gaúcha instrumental contemporânea, dosando as sonoridades dos ritmos do Sul com uma abordagem moderna. A noite de sábado encerrou com um dos destaques de todo o festival, o violonista Lúcio Yanel. Argentino mas radicado há 38 anos aqui no Brasil, Yanel deu uma verdadeira aula do violão portenho e pampiano, passando por chacareras, milongas e valsas. Somente com seu violão, o músico conseguiu fazer com que o público ficasse hipnotizado com sua técnica exuberante. 

Yanel: aula de violão portenho

O domingo começou com o trio de Bento Teia Jazz, que misturou composições próprias com standards. A proposta é interessante e mais estrada vai solidificar o som do grupo. O blues esteve representado pelo Alê Lucietto Trio que interpretou Muddy Waters, Jimi Hendrix e Eric Clapton junto com músicas da banda e animou o público com uma linguagem mais roqueira. 

Um dos shows mais esperados do Bento Jazz & Wine Festival foi o de Renato Borghetti Quarteto, que mostrou uma grata surpresa: a participação de Jorginho do Trompete, substituindo o flautista e saxofonista Pedrinho Figueiredo, que estava em outro compromisso. Foi muito interessante ver e ouvir como as composições de Borghetti como "Passo Fundo" e "Milonga Para as Missões" se modificaram com a sonoridade rascante do trompete. Acompanhando os dois e mostrando suas habilidades musicais, estiveram os habituais Daniel Sá ao violão e Vitor Peixoto ao teclado. 

Após a música vibrante de Borghettinho, o teatro da Casa das Artes recebeu um dos grupos mais instigantes surgidos no estado, a Marmota. Com os integrantes Leonardo Bittencourt e André Mendonça, que já haviam participado no sábado, tivemos o baterista Bruno Braga e o substituto de Pedro Moser, a revelação Lucas Brum na guitarra. Este se mostrou plenamente integrado ao intrincado e desafiador som da banda. Apresentando as músicas de seus dois discos, "Prospecto" e "À Margem", o quarteto ainda deu lugar a novas composições. O público aplaudiu de pé as evoluções instrumentais de rapaziada. 

Para fechar o Bento Jazz & Wine Festival, o palco da Rua Coberta recebeu o Paulinho Cardoso Quarteto em sua formação clássica: Paulinho no aocrdeon, Zé Ramos na guitarra, Miguel Tejera no baixo e Daniel Vargas na bateria. Fazendo sua mistura bem sucedida de música regional com ritmos brasileiros, o grupo foi o perfeito fechamento para três dias de intensa atividade musical. Obrigado, Carlos Badia, e à cidade de Bento Gonçalves por abrir espaço para o instrumental, especialmente após a pandemia. Esperamos ansiosamente a terceira edição do evento em 2022.

Confira mais fotos dos shows do Bento Jazz & Wine Festival:







Paulo Moreira
fotos: Facebook Bento Jazz & Wine Festival
(@bentojazzwine) 



segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Jorge Aragão - Teresópolis Tênis Clube - Porto Alegre (2003)



Jorge Aragão e sua banda acabaram 
me conquistando naquela noite.
Um show que eu não dava muita coisa mas que acabou me surpreendendo positivamente foi o de Jorge Aragão, no Teresópolis Tênis Clube, em Porto Alegre, em 2003. Eu, um cara preferencialmente do rock, fui, mesmo, para acompanhar minha irmã, na época com 15 anos, que precisava de um adulto para levá-la, embora tivesse ainda a companhia de meu primo Leonardo, recentemente maior de idade, e sua namorada. Mas como minha mãe só confiava mesmo que um irmão a levasse, acabou sobrando pra mim. 
Jorge Aragão, um cara que durante muito tempo foi um nome respeitado mas menos badalado, uma espécie de coadjuvante de nomes mais consagrados no cenário do samba, tendo composto para muitos deles, aparecia pela primeira vez com maior destaque na cena nacional com um álbum ao vivo vigoroso, "Jorge Aragão Ao Vivo Convida", recheado de participações especiais, e que explodia nas paradas repleto de hits. E era basicamente o repertório desse disco que ele e sua banda levavam ao palco no Teresópolis Tênis Clube naquela noite, com uma apresentação dinâmica, entusiasmada e de musicalidade riquíssima.
Jorge, mais do que um astro, do que um protagonista destacado, em grande parte das vezes, no espetáculo, funcionava como uma espécie de centro, como ponto de referência, fazendo o time funcionar. Um generoso mestre de cerimônias que, por vezes, deixava os vocais para outro integrante, abria espaço para algum solo, ou destacava, com ênfase, determinada performance individual.
Um perfeito band-leader, uma banda competentíssima e um baita repertório. Destaques para a ótima "Malandro", a lindíssima "Espelhos dágua", que eu já gostava antes de ir ao show, e, é claro para as belíssimas adaptações da Ária nº1 das "Bachianas Brasileiras", de Heitor Villa-Lobos e para a singular releitura de "Ave Maria", em um sambão carregado acompanhado de um grupo de cordas.
Kaká, ainda bem que tu me convidaste pra te acompanhar. Obrigado! Do fundo do nosso quintal.


Jorge Aragão e Quarteto de Cordas -
"Aria Cantilena nº1 Bachianas Brasileiras, nº5" e "Ave Maria"

Não tenho registros do show de Porto Alegre mas fiquemos com os dois momentos destacados acima
em que o sambista, em um arranjo inspiradíssimo, une a música erudita ao mais popular dos ritmos brasileiros.




Cly Reis

sábado, 23 de outubro de 2021

Jamiroquai - 12º Free Jazz Festival - Teatro do Sesi - Porto Alegre/RS (14/10/1997)

 

J. Kay comandou
o showzaço da
Jamiroquai em POA
Embora os shows comecem a voltar presencialmente, o que acho animador, não está nos meus planos assisti-los, assim, tão cedo, visto os riscos que, infelizmente, ainda se correm. Enquanto não retorno com pelo menos boa parte do prazer e despreocupação às casas de espetáculo, recordo aqui, então, de mais um show de anos atrás que guardo com muita alegria na memória: o da Jamiroquai. Se hoje é pouco provável a vinda de uma banda como a desses ingleses a Porto Alegre – mesmo antes do cenário de pandemia –, há 24 anos atrás, completos neste último dia 14, isso acontecia. E acontecia em razão de um outro privilégio ainda maior que a capital gaúcha já teve, que era o de receber shows do saudoso Free Jazz Festival. Recorrente no Rio de Janeiro e em São Paulo desde 1985, o principal festival de jazz brasileiro ocasionalmente incluía Porto Alegre no roteiro até, tristemente, encerrar por total as edições em 2002, quando a 17ª edição foi cancelada devido à alta do dólar, que elevou os custos a ponto de inviabilizar sua realização.

Ingresso de algum dos afortunados
que assistiram o show bem
de perto naquela noite
Mais do que só o privilégio e a raridade de assistir ao maior grupo de acid jazz do planeta, a apresentação da Jamiroquai em si foi um luxo. Repertório e produção impecáveis, músicos afiados, público sedento e um J. Kay – a imagem da Jamiroquai, literalmente – carismático e catalisador: cantando e performando com energia. Um showman, que dança constantemente, mas não por isso deixa de soltar com muita técnica sua linda voz de timbre a la Stevie Wonder. E a “cozinha” é outra maravilha à parte, sustentada pelo baixo suingado de Stuart Zender, a bateria polirrítmica de Derrick McKenzie, os teclados voadores de Toby Grafftey-Smith, a percussão “raiz” de Sola Akingbola e a guitarra cheia de groove de Simon Katz. Além deles, as pick-ups do DJ D-Zire e a linha de sopros.

A vinda do grupo, aliás, se deu justamente no momento de maior sucesso mundial da banda, motivado pelo estouro do seu terceiro álbum, “Travelling Without Moving”, de um ano antes. Sabe aqueles discos que mais de 80% das faixas se tornaram hits? É o caso deste, um dos poucos casos desse fenômeno nos anos 90, ajudado, inclusive, pela fase áurea da MTV, que rodava seus videoclipes em looping. Resultado: uma paulada atrás da outra. "Virtual Insanity", "Alright", "Cosmic Girl" e a faixa-título do disco que motivou a turnê, por exemplo, incendiaram a galera, que sacolejou aos montes mesmo espremida pelas poltronas. Isso porque, o espaço definitivamente não foi o ideal: um Teatro do Sesi com cadeiras fixas que impediram o público de dançar num show claramente apto a isso. Afinal, provinciana, Porto Alegre não tinha nada melhor em termos de aparelho cultural - dois espaços que poderiam ter recebido o show, o Teatro Bourbon Country, inaugurado em 2007, ainda nem existia e o Araújo Vianna só seria reaberto 15 anos depois.

A grande Jamiroquai no seu auge no show de SP dias antes
para o mesmo Free Jazz

Isso tirou a naturalidade da plateia, claro, mas não suficientemente para apagar o brilho daquela noite. Afinal, Jason Kay e Cia., indiferentes a este problema, mandaram ver numa apresentação competente e empolgante. Além dos sucessos, teve direito a outros temas conhecidos e/ou queridos do público não apenas do disco de então, mas também dos ótimos “Emergency On Planet Earth” (1993) e “The Return Of The Space Cowboy” (1994), considerados por muitos dos fãs seus melhores trabalhos. São exemplos "Space Cowboy", jazz-soul muito inspirada na brasileira Azymuth; bem como “Hooked Up”, que abriu o show em alta numa rotação funk, e a fantástica “Too Young To Die” (“Do-do-do-do-do, da-da-do, da-da-do-do”), ambas do primeiro disco. Teve direito, ainda, a solo de Wallis Buchanan de didjeridu (“Didjital Vibrations”), aquele instrumento de sopro dos aborígenes australianos que a Jamiroquai adotou desde sempre.

Funk, jazz, AOR, disco, rap, rock, dance. A Jamiroquai é tudo isso e mais um pouco, o que pude conferir ao vivo na minha própria cidade em quase 2 horas incendiárias. Não lembro como foi o retorno de volta em plena madrugada de um domingo considerando que cerca de 27 km distanciavam minha casa do teatro e que pegar um táxi seria uma fortuna (provavelmente, mais caro do que o próprio ingresso que havia pago). Mas cheguei em segurança, com certeza – se não, nem estaria aqui relembrando disso tudo. Nesse aspecto, morar numa quase província haveria de ter as suas vantagens.

Jamiroquai - show completo do Free Jazz Festival  
(10/10/97/SP)


Daniel Rodrigues

sábado, 21 de agosto de 2021

Cyro Baptista - Jazz na Fábrica - Sesc Pompeia - São Paulo/SP (2012)

 

por Samir Alhazred

Há uma série de artistas, especialmente os ligados à cena experimental, ao fusion e ao free jazz, que o SESC SP conseguiu com louvor trazer neste século, especialmente em mostras e festivais tais quais o NuBlu e o Jazz na Fábrica.

Dos que estive presente, posso citar com emoção nomes como John Zorn (recentemente, com seu New Masada, em 3 noites absurdas e históricas de 2018), Ornette Coleman, Pharoah Sanders, Peter Brötzmann, Archie Shepp, Anthony Braxton, Wadada Leo Smith, Roscoe Mitchell (do Art Ensemble Of Chicago, com seu jeito único de tocar sax), o guitarrista Fred Frith, a musa instigante do free contemporâneo Matana Roberts, o guitarrista Arto Lindsay, o baixista Avishai Cohen, o pesadíssimo The Thing de Mats Gustafsson, o fenômeno moderno Kamasi Washington, além de artistas brasileiros icônicos como Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal (que se apresenta quase todo ano), Airto Moreira, dentre tantos.

Nesta última seara, lembro-me de um show impactante do percussionista brasileiro Cyro Baptista, que já há muitos anos mora no exterior e integrou, dentre outros, o grupo do já referido John Zorn.

Em 2012, no Jazz na Fábrica, na tradicional Choperia do Sesc Pompeia, ele trouxe o espetáculo “Beat The Donkey”, e mais uma vez estive lá sem muita informação sobre o que encontrar, movido apenas pela curiosidade.

Do time reunido, não tenho todos os nomes, mas a coreógrafa Chikako Iwahori, o baterista Tim Keiper e a maravilhosa percussionista e vocalista Lisette Santiago revezavam freneticamente os instrumentos com Cyro – um percussionista inovador, a la Pascoal.

Não apenas, mas o espetáculo tomava outros formatos, com danças e performances inusitadas, shows de sapateado, figurinos exóticos e até descambando para um típico show de rock’n roll em dado momento, com Lisette mandando uma intensa versão de “Immigrant Song” do Led Zeppelin.

Poderia comparar a teatralidade e o dinamismo ao que David Byrne fez em 2018, no show ”American Utopia” – que chegou a passar pelo Brasil no festival Lollapalooza. A versão que gerou o CD/DVD ao vivo de Byrne conta inclusive com o mesmo baterista daquela noite de 2012, Tim Keiper. A conexão parece lógica!

Tenho como uma noite inesquecível, como as demais citadas acima, e que torcemos para que voltem a ocorrer o quanto antes, quando for seguro para todos. Sonho nosso! Como se nossos atuais governantes, inimigos tanto da saúde quanto da cultura, trabalhassem para isso...


Trechos do show de Cyro Baptista
(Sesc Pompeia/2012)

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

CLYLIVE ESPECIAL 13 anos do ClyBlog - Hímen Elástico - Woodstock Bar - Alvorada /RS (13/08/1993)




Pedaço do cartaz do evento















O mais alto voo "hermenêutico*" 

Hímen Elástico, sexta feira 13 agosto de 1990 e poucos....
Lembro que fizemos alguns ensaios e como de costume nunca tivemos um guitarrista fixo... mas tenho dois na memória, um canhoto e o outro destro.
Sim, ser canhoto era um pré-requisito para fazer parte da banda e nem precisava tocar bem. Se fosse canhoto estava dentro! Marcelo o “Fedor” era o destro, talvez o que mais se manteve no cargo, e Thiago Newman, o canhoto, que acho que foi quem participou do show que, certamente foi a apresentação mais insana daquela noite e que, curiosamente, não começou no palco.
Saímos eu, meu irmão, Nego Lê, nosso batera Cézah, o Pereba, e mais um amigo e personagem importante dessa cruzada, Diogo, o Tantã, rumo à Intercap, em Porto Alegre, para a reunião que daria início a saga.
Logo após a janta, todos naquele alvoroço se preparando para alçar ao que talvez fosse o voo mais ousado do nosso projeto hermenêutico, lembro da minha tia Iara, mãe dos guris Clayton e Daniel, meus primos e vocais da banda, nos encher de advertências sobre o uso do casaquinho, o cuidado com as companhias e aquela coisa toda de mãe.
Então chegou a hora, a trupe toda pronta e partimos para rua. Provavelmente eu levava alguma bebida mocozada na mochila, pois não lembro de um dia que saí durante os anos noventa onde não houvesse um vinho (hehehehe), mas o fato de já ter um trago, não impediu um dos atos que seria o marco daquela cruzada. Então, surge a dúvida: quem pegou a Cachaça Polteirgeist?
Lembro de o Pereba ter tomando mas também lembro do Tantã ser o primeiro a pegar o artefato.
Estávamos nós andando, não sei se próximo ao ponto de partida, quando numa encruzilhada nos deparamos com um despacho digno de uma legião de entidades e um dos nossos heróis teve a bendita ideia de pegar a cachaça pra tomar. 
Não sei se tomei, não sei quem tomamos, mas sei que fez toda diferença pois fomos para aquele show com uma legião de seres das ruas na nossa cola.
O lance era um pico muito louco numa festa insana organizada por uma skatista amigo nosso da Osvaldo Aranha, o Miller, que hoje mora em Viamão e que simplesmente convidou todo mundo pro evento. Lembro da Free Jack , Rapcrazy, Ultramen, Groove James, Borboleta Negra, que hoje virou Comunidade Nin-Jitsu, e nós, a Hímen Elástico, é claro...
Então chegou o momento tão esperado! Lembro de ter começado com a Marcha Fúnebre, num bass distorcidão, usando o moletom, que havia sido confeccionado num tamanho descomunal, com o capuz caindo na cara, fazendo referência à morte ou a um ritual qualquer (hehehehehehe!). Logo vinha “Carolina” ("Dá um beijo no cangote, Carolina!") e “Ex” que deram o ritmo do que seria uma metralhadora de músicas que tocamos naquela noite. Sim, foi um petardo atrás do outro e lembro que meu irmão não ficou no palco pois passou o show correndo no salão, alucinado, e geral impressionada com o que estavam assistindo. (hehehehehehehe!!!) Enfim, memorável! Logo após toda aquele frenesi, fomos para Osvaldo Aranha celebrar o grande momento. Acho que foi a primeira vez que vi Clayton e Daniel por lá!!!!!!
Até hoje não sei como acabou aquela noite mas guardo na memória, mesmo que vaga, um espetáculo inesquecível.

* Hermenêutico - termo que costumávamos usar para classificar tudo relacionado à Hímem Elástico


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A dúvida que não quer calar

Bah! Baita lembrança!
Então, o que dizer daquele dia? Eu bem moleque aprendendo os passos da adolescência e tendo exemplos, tanto de vocês, meus primos, como do Lucio, meu irmão.
Lembrando desse dia, hoje em 2021, consigo ter claro o que aquele 13 de agosto significou na construção de quem sou eu hoje, mas voltando anos atrás, era tipo um filme. Expectativa como se fosse um showzaço mas foi como uma final de campeonato, desde o ponto de ônibus, de onde já saímos rindo de tudo, até descer no centro de Alvorada, adentrar aquele bar escuro e ouvir a Hímen Elástico com vocês. 
Quebramos tudo! Foi massa demais e uma experiência única. Por isso, meu lema até hoje é: seja jovem sempre e faça tudo que quiser fazer, desde que não prejudique ninguém e não ocupe o espaço de outra pessoa. 
Contudo, depois de tanto tempo uma dúvida ainda persiste: Cachorro morto ainda late**?


** nome de uma das músicas da Hímen Elástico

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Macumba, rock ‘n’ roll e cabeças cortadas

Tínhamos a melhor banda de rock do Rio Grande do Sul dos anos 90. Digo isso sem soberba, até porque, se sobrava qualidade, faltou persistência a nós para prosseguimos e provar todo esse talento. A Hímen Elástico, nossa banda, era uma mistura muito bem azeitada de todas as referências que nós, integrantes, tínhamos: punk rock, hip hop, quadrinhos, samba, poesia concreta, música clássica, revistinha adulta, skate, hardcore, desenho animado. De tudo um pouco e tudo misturado emaranhando as mentes de Clayton Reis, meu irmão e principal vocalista/letrista; Leandro Reis Freitas, o Lê, primo backing assim como eu e dono de sacadas e ideias sempre criativas; Cezar “Pereba” Castro, o melhor batera dessas bandas sulistas depois de Pezão; e o baixo, vocais, and other instruments by Lucio Agacê, irmão de Lê e também nosso primo, um turbilhão de musicalidade e o verdadeiro músico entre nós – não à toa, o cara que mais seguiu por esse caminho entre todos nós depois da “dissolução” da Hímen, como carinhosa e debochadamente nos apelidávamos,.

Compúnhamos juntos e de forma contributiva, aliás, como sempre fizemos desde a infância, crescendo juntos como guris e seres criativos. Se a sintonia entre nós era sanguínea, geracional e afetiva, na guitarra a Hímen ainda reservava um charme à parte: sempre tínhamos um guitarrista diferente. Sabe a The The, a P.I.L., a This Mortal Coil, todos com guitarristas móveis? Pois é: éramos iguais. Dependendo da ocasião, algum amigo, familiar, parceiro ou até fã nosso era contemplado – desde que soubesse minimamente tocar o instrumento, visto que nenhum de nós tinha essa capacidade.

Todas essas características faziam da Hímen uma banda sui generis, que botava no chinelo em musicalidade Comunidade Nin-Jitsu, Cidadão Quem, Papas da Língua, Tequila Baby... todas as bandas de sucesso do RS na época. E nada dessa de banda “couve”: nossas músicas eram todas escritas por nós mesmos. O que não era de nossa autoria, transformava-se assim, como as versões de Ramones e Legião Urbana, que emendávamos com uma de nossas canções, “Fórmula de Bhaskara’, ou as ousadas versões de “Ego Sum Abbas” de CarminaBurana ou da techno-punk Suicide para o formato baixo-guitarra-bateria. Tínhamos inteligência musical e repertório suficiente para gravar um disco, certamente. Mas o fato é que não tivemos muito tempo de “estrada”. Embora as músicas ainda existam, foram poucos os que, ao contrário das bandas de sucesso do rock gaúcho, bem mais persistentes, tiveram o “privilégio” de nos ouvir. A não ser numa fatídica, gélida, perigosa e memorável noite de rock ‘n’ roll que nós promovemos.

Não vou lembrar com detalhes, pois lá se vão 28 anos, mas recordo que ensaiamos algumas horas na tarde daquele 13 de agosto de 1993 num estúdio que alugamos no Bom Fim. Terminados os ensaios, ‘simbora lá pra nossa casa, meio do caminho para nosso destino final, para comer alguma coisa feita por minha mãe, dona Iara, que levou as mãos à cabeça ao saber para onde iríamos depois dali: Alvorada. E à noite! E numa sexta-feira 13! E na cidade mais perigosa do Estado! Isso porque, naquela semana, a imprensa havia noticiado, assombrada, vários assassinatos cometidos em Alvorada em que os criminosos haviam decapitado suas vítimas. Misto de irresponsabilidade e descomplicação juvenil, obviamente, fomos. Seria a primeira apresentação ao vivo da Hímen Elástico! Nossas músicas, nós no palco! Adrenalina, rock ‘n’ roll! Não íamos perder de jeito nenhum a oportunidade de fazer aquele show, nem que, para isso, cortassem nossas cabeças!

Rock a gente associa a algo quente, infernal, furioso, certo? Neste caso, porém, substitua-se o calor dos infernos por um frio dos infernos. Sim: afora todas as justificativas que inibiriam qualquer ser minimamente ajuizado de não sair de casa, fomos nós, sob uma temperatura quase negativa, pegar dois busões em direção a Alvorada para desespero de minha mãe. Além de caminhar trechos com os instrumentos nas costas, sabe como é pegar ônibus de noite num fim de semana, né? Chá de banco. E com aquele frio! Deu pra ver que a galera não tinha grana, né? Táxi? Impossível, muito caro. Carro próprio? Àquela época, nem carteira aqueles guris tinham. Mas se faltava grana, assim como para com nossas músicas, sobrava criatividade – e um bocado de ousadia, confesso. No caminho para a condução, Cezar, quieto e sempre atento, encontrou uma garrafa de cachaça inteirinha e quase intocada. Que alento para aquele frio! E tudo bem pegar a bebida numa ocasião como aquela, não fosse a cachaça ser de um despacho. E acham que a gente se intimidou com o santo? Que nada! A insolência falou mais alto. Afinal, estávamos indo para um show de rock, caramba! O NOSSO show de rock.

Foi realmente uma apresentação digna a que fizemos no Woodstock Bar. Com uma formação de guitarra, baixo, bateria, voz e backing vocals, abrimos, como numa homenagem àquela sexta-feira 13 maldita, com “A Marcha Fúnebre”, (sim: trata-se de "Sonata para piano Nº 2 em si bemol menor, Op. 35", de Chopin), que havíamos ensaiado bastante durante o dia, embasbacando quem assistia. Seguiram-se nossas músicas: “Ex”, “Grandes Lábios”, E Daí?”, “Clayton” e outras. Nossas músicas.

Voltando a memória para antes do show, lembro de minutos antes de entrar no palco – pela primeira vez. Senti aquele famoso frio na barriga que todo músico ou ator diz ter antes de começar o espetáculo. Dei mais uns goles na nossa cachaça enfeitiçada e, não sei por que cargas d’água, arranquei o lenço que eu levava na cabeça e o amarrei numa das pernas, logo acima do joelho. Depois, foi só transe. Dito assim, parece um ato infantil, sem propósito ou até irrelevante. Mas aquilo era rock, bebês. Dadas as devidas proporções (afinal, considerávamos os melhores do nosso território, mas não do planeta), é a pulseira de spike dos metaleiros; é a camiseta rasgada de Sid Vicious; é o figurino extravagante do Elton John; é o tênis All Star dos Ramones; é o crucifixo do Ozzy. Não é a música, mas faz parte. Afinal, rock não é só som: é atitude. É o momento em que se experencia algo transformador: deixa-se de ser somente a si próprio para se tornar, pelo menos por minutos, sua própria criação artística.

Com todo o cenário que se pintou, de perigos tanto do além quanto da vida real, posso afirmar que subir num palco é como ter a sua cabeça cortada e entregue numa bandeja para o público. Como no mito de Salomé, sedução e morte se amigam. É quase um milagre. Ou dá pra explicar de outra forma a voz do Clayton ter voltado perfeitamente na hora do show depois de emborcar a nossa aguardente magiada? Deus, ou melhor, o Diabo, pai do rock, fez-se presente naquele dia para ele tão especial para nos permitir que a nós também fosse. E foi.

Não eram muitos na plateia, certamente. Mas que quem esteve lá, viu uma verdadeira banda de rock, isso, viu. A melhor do Rio Grande do Sul da década de 90, o que muitos nunca souberam. Mas a gente, “hermenêuticos”, sem modéstia, sabemos que sim.



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Cachaça Poltergeist
por Cly Reis


Ninguém tocava grande coisa. Na verdade, a maioria de nós, LucioDaniel e Eu, o núcleo da Hímen Elástico, não tocava instrumento nenhum. Éramos quatro primos muito musicais e muito criativos, o que nos despertou o desejo de botar aquelas ideias musicais, às vezes muito doidas, em prática. E o meio para isso era ter uma banda. Mas como ter um grupo musical diante da situação já relatada da total inépcia instrumental dos integrantes? Ah, o Lucio, que era o único um pouco mais habilidoso tocaria contrabaixo, que era no que se saía melhor, um de seus grandes amigos, o Pereba, que tocava bateria pra diversas bandas, acrescentaria mais essa à sua lista, e eu, que tinha o desejo mas não a coordenação motora pra tocar, tinha uma guitarra que poderia servir para algum guitarrista que convidássemos e que se encaixasse. De resto, na falta de maiores talentos, todos os três restantes seriam vocalistas, ora fazendo backing-vocals, ora se alternando na voz principal, embora o posto, oficialmente, coubesse a mim, não por ser mais ter mais qualidades para tal mas, pelo contrário, exatamente por não saber fazer mais nada.
Ensaiávamos com alguma frequência, guitarristas iam e vinham no posto que nunca fora muito fixo, tínhamos um repertório interessante e consolidado e, a partir de determinado momento, começamos a ansiar por uma oportunidade de tocar em algum lugar. Numa dessas, o Lucio, que era o cara com mais contatos, mais atuação no underground de Porto Alegre e região, conseguiu um showzinho pra nós. Seria em Alvorada, um município próximo à capital, num pequeno festival, com umas quatro ou cinco bandas, num lugar chamado Woodstock Bar. O dia? Sexta-feira 13 de agosto.
Determinados a garantir um bom desempenho, uma apresentação digna, marcamos um ensaio extraordinário para o final da tarde do dia do show. O evento no bar começaria umas10h ou 11h da noite, faríamos nosso ensaio ali pelas seis da tarde, voltaríamos pra minha casa, comeríamos alguma coisa, sairíamos por volta das oito e ainda daria tempo tranquilamente. Nosso planejamento deu certo. Deu, em termos... O ensaio da tarde e, possivelmente, algum stress por ansiedade, levou embora minha voz. Me vi, a poucas horas do nosso momento mais importante, até então, sem a coisa que eu mais precisava naquela noite: a voz. Por sorte, pouco antes da nossa vez de subir no palco, um cara de uma outra banda, vendo a minha situação, recomendou que eu tomasse uma cachaça que era certo que minha voz voltaria. Não deu outra! Foi voltando, foi voltando e na hora do show, eu estava pronto.
Subimos ao palco exatamente à meia-noite da sexta-feira 13 (bom, tecnicamente, já seria dia 14, mas pra efeito da mística da ocasião, ganha mais efeito dramático se colocado assim). Pelo soturno da situação, abrimos os trabalhos com a "Marcha-fúnebre", mas já emendando com a nossa tradicional vinheta de abertura, "Carolina", que já desembocava na nossa eletrizante música de abertura, "Ex" e a partir daí foi só pancadaria. Um show bom, modéstia à parte, mas não apenas na minha opinião, uma vez que nosso som foi elogiado por integrantes de outras bandas e, de quebra, pela gatinha que eu estava azarando.
Numa noite tão envolta em elementos sombrios, uma sexta-feira caindo em13, início do show à meia-noite, marcha-fúnebre, voz indo e vindo e tudo mais, não é de se duvidar que um fato externo tenha influenciado todo o contexto daquela jornada. Ainda na nossa ida, assim que saímos da minha casa, no meu bairro, ao passarmos por uma encruzilhada, com um respeitável despacho, vasto, abastado, repleto de guloseimas, bebidas, pipocas, galinhas e tudo mais, um amigo da banda, o Tantã, sem nenhum temor, passou a mão numa garrafa de cachaça e tascou uma bela golada. O Pereba, não se fazendo de rogado, não hesitou e também caiu dentro da cachaça da macumba. Entre risos, zoeira e muita imaginação, fantasiando que as galinhas do despacho levantariam e nos perseguiriam reivindicando a oferenda roubada, seguimos dali para o local do show, no episódio que ficou conhecido entre nós como a "Cachaça Poltergeist".
Então, não é de se duvidar que, por trás de toda aquela noite mágica, mística, da própria cachaça que eu tomei no bar, estivessem agindo forças sobrenaturais, espíritos, entidades, orixás, que fizeram com que, no fim das contas, nos saíssemos bem dentro das nossas possibilidades e que tudo desse certo no lendário primeiro show da Hímen Elástico. 



Hímen Elástico - "Fita p/ Não Comprometer"