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segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Cartola - "Cartola" (1974)


“Por incrível que pareça, esse disco que só a perspectiva histórica permitirá compreender, no futuro, é o primeiro long-play de um dos poucos verdadeiros gênios da música popular brasileira”. 
José Ramos Tinhorão

“Alguns, como Cartola, são trigo de qualidade especial. Servem de alimento constante. O nobre, o simples, não direi o divino, mas o humano Cartola, que se apaixonou pelo samba e fez do samba o mensageiro de sua alma delicada". 
Carlos Drummond de Andrade

Há 50 anos o Brasil corrigia um erro crasso de, pelo menos, outro meio século anterior. Um dos maiores autores da música popular brasileira, finalmente, registrava sua obra pela própria voz: Angenor de Oliveira, o Cartola. Assim como ocorreu com outros sambistas prejudicados pela disfunção anacrônica da indústria fonográfica de um país desleixado com sua própria cultura (leia-se Nelson Sargento, Dª Ivone Lara, Clementina de Jesus, Adoniran Barbosa e outros velhos bambas desafortunados), Cartola, à exceção de uma rara gravação de 1965 junto ao coro da Escola de Samba do compositor Almeidinha, só pode realizar esse feito na terceira idade, aos 65 anos de uma vida sofrida e batalhada. Como a de todo brasileiro pobre, mas que, por mérito, deveria ser poupada a gênios como ele.

O ano foi 1974 e Sérgio Cabral, no texto da contracapa do LP, celebrava que, finalmente, havia um disco do grande Cartola. A realização deste feito, no entanto, se deve em grande parte ao destino e ao sentimento de dívida para com Cartola alimentado por algumas personalidades importantes da cultura carioca. O primeiro ė Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, jornalista e cronista que, em 1956, certa noite, descobriu que o já histórico compositor e fundador da Mangueira, dado por ele como morto, estava num subemprego de lavador de carros, ajudando-o, por fim, a retornar à carreira musical. Anos depois, nos anos 60, preterido pelos sambas-canções bolerizados e, principalmente, pela bossa-nova, Cartola se desilude, mas volta aos holofotes quando, em plena Ditatura Militar os jovens ligados ao CPC/UNE passam a valorizar artistas da velha-guarda do samba como ele. É quando participa, por iniciativa de Hermínio Bello de Carvalho, do memorável projeto "Fala, Mangueira" ao lado de outros bambas de seu calibre: Nelson Cavaquinho, Clementina, Carlos Cachaça e Odete Amaral

Impossível não citar ainda outro ardoroso venerador de Cartola dos que lhe ajudaram em vida e que foi responsável por, enfim, colocá-lo num estúdio: João Carlos Botezelli. Produtor musical e fã, Pelão levou a ideia ao selo Marcus Pereira de gravar um LP da lenda viva do samba. As sessões ocorreram entre os dias 20 e 21 de fevereiro e 16 e 17 de março daquele ano, contando com as participações de exímios músicos, como o percussionista Mestre Marçal, o violonista e arranjador Dino 7 Cordas, o flautista Copinha e o trombonista Raul de Barros. Não havia músico no Rio que quisesse perder aquela oportunidade de participar de um momento histórico: Cartola lançaria seu primeiro álbum solo, que já nascia clássico.

Basta ouvir os primeiros acordes da faixa inicial, “Disfarça e Chora”, para perceber que se inaugurava ali uma era na música brasileira – ou melhor, se resgatava o tempo perdido. Samba elegante, letra exata, melodia engenhosa, poesia romântico-parnasiana. Que acordes bonitos e criativos! Nunca o samba, nem com Paulo da Portela, com Dª Ivone, com Candeia, com Wilson Batista, com Batatinha, havia sido tão lírico. Lirismo e perfeição, aliás, caminham juntos durante todo o álbum. O que dizer de cânones da MPB como “O Sol Nascerá (A Sorrir)”, dele e de Elton Medeiros, e seus versos infalíveis em melodia, harmonia e poesia? “Finda a tempestade/ O Sol nascerá/ Finda esta saudade/ Hei de ter outro alguém para amar”.

Ou “Alvorada”? “Alvorada lá no morro/ Que beleza/ Ninguém chora/ Não há tristeza/ Ninguém sente dissabor/ O sol colorindo é tão lindo/ É tão lindo/ E a natureza sorrindo/ Tingindo, tingindo”. Parceria com Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho, remete, em sua repetição harmoniosa de palavras e na economia harmônica de seus acordes, a simplicidade universal de outro sambista contemporâneo seu, o baiano Dorival Caymmi. É muita maestria.

E os clássicos só vão se avolumando. “Tive Sim”, uma das mais singelas declarações de amor da música brasileira e que pode ser considerada irmã de outra composição de Cartola, “Nós Dois”, de seu terceiro disco, “Verde que te Quero Rosa”, de 1977, pois conta sobre a felicidade de se ter um amor (Dª Zica, companheira do segundo casamento até sua morte) sem esconder que teve, sim, “um outro amor antes" daquele. Composta em 1968, a música participou da Primeira Bienal do Samba, defendida por Cyro Monteiro, e ficou em quinto lugar. Outra irreparável é “Corre e Olha o Céu”, com a bela introdução em que Copinha e Raul de Souza dão a deixa com seus sopros para Cartola entoar com a elegância de sempre os versos. “Linda!/ Te sinto mais bela/ Te fico na espera/ Me sinto tão só”. 

Porém, há os clássicos entre os clássicos. Isso é a mais certeira afirmação, pois trata-se da música chamada “Sim”. Samba de 1962, gravado originalmente por Gilberto Alves, é a exatidão da palavra cantada no ritmo mais afro-brasileiro por excelência. “Para ter uma companheira/ Até promessas fiz/ Consegui um grande amor/ Mas eu não fui feliz/ E com raiva para os céus/ Os braços levantei/ Blasfemei/ Hoje todos são contra mim”. Não são dignos de um Álvares de Azevedo estes versos?

E o que dizer, então, de “Acontece”? Um assombro a capacidade de Cartola de sintetizar em pouco mais de 1 min tamanha perfeição musical. Traços de Villa-Lobos emanam do morro. E que canto o de Cartola! Elegante, afinado, emotivo, seguro, dono da própria criação. "Esquece nosso amor, vê se esquece/ Por que tudo no mundo acontece". Sem dúvida nenhuma, top 10 entre as melodias mais bem construídas da música brasileira. Para um país que tem o privilégio de ter compositores do calibre de Caymmi, Gil, Edu, Garoto, Donato, Joyce, Chico, Tânia, Moacir, alguns destes, maestros formados, isso é bastante representativo. 

Mas tem mais. “Amor Proibido”, claramente uma forte inspiração para Paulinho da Viola em estilo melódico e cuja melodia é tão linda que ganhou, em 2008, uma versão apenas instrumental de Zé Paulo Becker, no disco-homenagem “Viva Cartola – 100 anos”. Ainda, outras preciosidades: “Quem Me Vê Sorrindo”, nova parceria com Carlos Cachaça, “Festa da Vinda”, um ano antes gravada por Elza Soares, e “Ordenes e Farei”, sua e de Aluísio Dias. Finalizando o disco, uma música de 1965 que, resgatada, traduzia o momento especial do velho bamba: “Alegria”. “Alegria/ Era o que faltava em mim”. Em depoimento a O Globo, o próprio falou sobre esse sentimento quando se deu conta de que era verdade o que vivia: “Me senti muito emocionado quando ouvi a minha voz no disco. Eu já tinha até pensado que ia morrer sem gravar um disco”. Cartola, mesmo com cerca de meio século de atraso, estava de volta.

Até debutar em estúdio, Cartola já havia fundado, nos anos 20, uma das mais tradicionais escolas de samba cariocas – a qual ele mesmo, com seu senso estético apurado, escolhera as cores verde e rosa como símbolo. Já havia composto sambas-enredo campeões de diversos carnavais nas décadas de 40 e 50. Já havia inventado um ritmo, o samba-canção. Já havia posto sucessos nas vozes de artistas como Carmen Miranda, Noel Rosa, Francisco Alves e Aracy de Almeida. Já havia sido aprendiz de tipografia, pedreiro, pintor, guardador e lavador de carros, vigia de edifícios e contínuo de repartição pública. Já havia enviuvado e casado novamente, sido pai, dono da casa noturna Zicartola e radialista junto com Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres. Tudo isso, toda uma vida antes desta estreia como artista solo. 

Isso é muito sério e diz bastante sobre o Brasil: rico em cultura, mas paupérrimo em autoestima. É como se a genialidade prodigiosa de Mozart, desperta na infância, fosse enclausurada na Áustria por uma vida inteira até ser revelada só quando este tivesse branqueado os cabelos. Não é exagero essa comparação, pois Cartola é o Mozart do samba. O maestro de música erudita britânico Leopold Stokowski, em excursão ao Brasil nos anos 50, já havia ficado impressionado com a musicalidade de Cartola. Nada mais do que a sua obrigação como homem da música em reconhecer o talento do brasileiro, considerou outro brasileiro genial, Carlos Drummond de Andrade. Aliás, é do poeta mineiro a definição mais sintética do que o admirável poeta do morro representa: “Cartola é daquelas criaturas que a música habita nelas”.

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FAIXAS:
1. "Disfarça E Chora" (Cartola, Dalmo Castello) - 2:06
2. "Sim" (Cartola, Oswaldo Martins) - 3:38
3. "Corra E Olhe O Céu" (Cartola, Dalmo Castello) - 2:23
4. "Acontece" - 1:17
5. "Tive Sim" - 2:09
6. "O Sol Nascerá" (Cartola, Elton Medeiros) - 1:42
7. "Alvorada" (Carlos Cachaça, Cartola, Hermínio Bello de Carvalho) - 2:40
8. "Festa Da Vinda" (Cartola, Nuno Veloso) - 1:59
9. "Quem Me Vê Sorrindo" (Carlos Cachaça, Cartola) - 2:07
10. "Amor Proibido" - 2:37
11. "Ordenes E Farei" (Aluízio Dias, Cartola) - 2:21
12. "Alegria" (Cartola, Gradim)- 2:44
Todas as composições de autoria de Cartola, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:
Cartola - "Cartola"


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Música da Cabeça - Programa #241


Como diz aquela canção: "Negro é a soma de todas as cores". Na Semana da Consciência Negra, a gente se veste de orgulho e africanidade ao som de Moacir Santos, John Coltrane, Steely Dan, Pixies, Noel Rosa e mais. Ainda tem no "Cabeça dos Outros" o punk empoderado das Clandestinas, a homenagem aos 80 anos de João Nogueira no "Palavra, Lê" e um salve à imortalidade de um dos maiores homens negros desse planeta: Gilberto Gil. Afro mas universal, o MDC desta semana começa às 21h na afirmativa Rádio Elétrica. Produção, apresentação e punho em riste: Daniel Rodrigues. #consciencianegra #semanaconsciencianegra #20denovembro #diadaconsciencianegra


Rádio Elétrica:
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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Música da Cabeça - Programa ESPECIAL #190

 

VIDAS NEGRAS IMPORTAM! Assim como a cultura, a arte, a música. Estes temas estão todos na entrevista da edição especial 190 do MDC com o ex-Ministro da Igualdade Racial e Embaixador do Movimento AR Eloi Ferreira no Mês da Consciência Negra. Além disso, também outros pretos como Marku Ribas, Jimi Hendrix, Public Enemy, Milton Nascimento e Moacir Santos e os quadros "Música de Fato" e "Palavra, Lê". Programa imperdível hoje, 21h, na Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. #movimentoAR #VidasNegrasImportam



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quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Música da Cabeça - Programa #186

 

O MDC vem tal essa imagem aí da bandeira: separando o joio do trigo. Nessa com a gente estão Moacir Santos, Steely Dan, Cartola, New Order, Gilberto Gil, Lobão e mais. Além da conquista democrática dos hermanos chilenos no "Música de Fato", vamos ter um "Sete-List" lembrando os 80 de Pelé e um "Palavra, Lê" para o também recém aniversariante Milton Nascimento. Tudo assim hoje: sem resquício de autoritarismo, 21h, na constitucional Rádio Elétrica. Produção, apresentação e estallido social: Daniel Rodrigues.


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segunda-feira, 28 de setembro de 2020

20 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 90


Há cinco anos, publicávamos aqui no Clyblog uma série de três longas matérias com listas dos filmes essenciais para se entender o cinema brasileiro do século XX, fazendo um recorte de suas três principais décadas produtivas: 60, 70 e 80. Por motivos óbvios, os desfalcados anos 90 não entraram nessa primeira série, haja vista a impossibilidade de se equiparar em importância com estas outras décadas uma vez que seu esforço foi muito menos pela manutenção da qualidade obtida anteriormente do que, principalmente, pela sobrevivência do audiovisual brasileiro. A puxada de tapete do governo Collor ao destruir a exitosa Embrafilme não ofereceu nenhuma alternativa substitutiva à altura que garantisse a continuidade do trabalho de milhares de profissionais e da importante arte cinematográfica brasileira.

Porém, os anos se passaram aqui no blog e, com eles, chegamos ao final da década de 2010, em que o cinema brasileiro, devidamente retomado de seus percalços (será?!), torna a ganhar o circuito internacional com filmes não apenas bem realizados, como essenciais para a nova cinematografia mundial, caso de "Cidade de Deus", "Tropa de Elite" e, mais recentemente, “Bacurau”. Mesmo que o correto seja compreender o final da década assim que concluir o ano em que estamos, e só começar a contar uma nova década a partir de 2021, quem imaginaria que viria a Covid-19 para congelar tudo, afetando, principalmente, o setor cultural e, com ele, a produção cinematográfica? Se havia ainda alguma esperança de que novos títulos se somassem aos produzidos nos últimos 9 anos para cá, a pandemia, bastante ajudada pela política inimiga da cultura do atual governo brasileiro, forçou para que se acabasse de vez a década.

Entre a última década do século passado e a que estamos, restam, claro, os primeiros 10 anos do novo século. Vamos reconstruir, então, a essência do que foi produzido no cinema brasileiro nos últimos 30 anos, começando pelos 90. Se a recorrente falta de prioridade para com a cultura e a arte da política brasileira fez de tudo para acabar com o cinema nacional, fique esta sabendo que não conseguiu. Produções escassas, mirradas, prejudicadas, mas mesmo assim, resistentes. Deste modo, selecionamos aqui 20 títulos essenciais para entender esta década que, com todos estes percalços, ainda assim mantém qualidade suficiente para não deverem nada a títulos de outras décadas mais abastadas. Uma exceção fazemos aqui, no entanto: não apenas por contar fatalmente de menos filmes classificáveis, os anos 90 são sinônimo de “retomada” para o cinema no Brasil, fase a qual se encerraria apenas com o marco “Cidade de Deus”, de 2002, um ano depois da instituição da Ancine. Então, coerentemente com a construção histórica do novo cinema brasileiro, incluímos as produções do ano de 2000 nesta primeira listagem. A partir dali, uma nova era viria.





1 - “Carlota Joaquina: Princesa do Brazil”, de Carla Camurati (95): O filme de estreia de Camurati é o marco de resistência do cinema brasileiro pós-Collor, quase um manifesto, que bradava: “É possível, mesmo com toda a dificuldade, fazer cinema autoral no Brasil!”. Cheio de hiatos e desconexões (propositais ou não), tem, além desta simbologia (que já lhe seria suficiente para integrar esta lista), o mérito de trazer algumas características que se consolidariam no cinema brasileiro nas décadas seguintes: a coprodução com países estrangeiros, a linguagem cômica, a edição ágil e a abordagem crítica.






2 - “O Quatrilho”, de Fábio Barreto (95): Há quem torça o nariz para certa pasteurização do filme rodado no interior do Rio Grande do Sul sobre a obra de José Clemente Pozzenatto, mas é fato que, com ele, os Barreto reabriram as portas do Brasil para o mercado internacional com a inédita indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro na história do cinema brasileiro – feito que ocorreria apenas mais duas vezes. E isso num momento em que jamais se esperaria algum reconhecimento vindo de um ainda agonizante cinema pela quebra da Embrafilme. Um bom romance, com seus méritos.





3 - “O Mandarim”, de Julio Bressane (95): Enquanto os Barreto encabeçavam uma nova investida na internacionalização do cinema brasileiro e Camurati tentava redirecionar os rumos das coisas por aqui, o bom e velho transgressor Julio Bressane aperfeiçoava seu cinema-poesia. Assim como em “Tabu”, “Brás Cubas” e os “Os Sermões”, a música é quase um personagem, neste caso, para contar a proto-biografia de Mário Reis (Fernando Eiras), mas não sem o “auxílio luxuoso” de Caetano Veloso, Chico Buarque (fazendo eles mesmos), Gilberto Gil (encarnando Sinhô) e Edu Lobo (fazendo as vezes de Tom Jobim). Tudo de forma artesanal, barata e genial.




4 - “Terra Estrangeira”, Walter Salles Jr. e Daniela Thomas (96): O filme de Waltinho e Daniela tem o poder de vencer a contramaré vivida pelo cinema nacional àqueles idos a ponte de tornar-se um dos mais importantes filmes da cinematografia nacional. Tanto que está na lista da Abraccine dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Uma história sobre solidão e resgate das próprias raízes motivado justamente pelo confisco promovido pelo mesmo presidente Collor que extinguiu tanto o dinheiro do brasileiro quanto o da Embrafilme. Fotografia impecável p&b de Walter Carvalho, trilha excelente de Zé Miguel Wisnik e até dedo de Millôr Fernandes nos diálogos. Um luxo em época de vacas magras.







5 - “Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas (96): Na esteira da mais revolucionária cena cultural do Brasil dos últimos 30 anos, o mangue beat, o filme marco da retomada do cinema pernambucano, retraz questões formativas da cultura nordestina (o cangaço, o “Ciclo do Recife” dos anos 20, os superoitistas dos anos 70, o sotaque, a antropomorfia) com uma roupagem moderna. Se não é necessariamente um filme bom, é altamente representativo e indispensável para se entender o cinema brasileiro de então, visto que abriu portas para a entrada de talentos de outros pernambucanos como Kleber Mendonça Filho, Cláudio Assis, Hilton Lacerda e Marcelo Lordello.







6 - “Guerra de Canudos”, de Sérgio Rezende (96): Afeito aos temas da História do Brasil, Rezende, após realizar seu grande filme, “O Homem da Capa Preta”, em 86, viu-se, assim como seus pares, totalmente descapitalizado para realizar seu trabalho. O que não foi motivo para abandonar o projeto sobre a real história do líder Antônio Conselheiro e a sangrenta guerra contra as forças do Império extraída do épico “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Wilker, que já havia protagonizado “O Homem...”, está brilhante no papel principal. Produção cara que, mesmo os justificáveis defeitos de produção, não apagam o brilho.







7 - “Tieta do Agreste”, de Cacá Diegues (96): O tarimbado Cacá foi dos que sofreu bastante com a quase inviabilização do cinema no Brasil da era Collor. Após o paupérrimo longa de episódios “Veja Esta Canção”, de 94, parecia que nunca mais viriam grandes produções de outrora como “Quilombo” ou “Xica da Silva”. Mas o sempre obstinado cineasta surpreende com um filme recheado de qualidades: texto baseado e revisado pelo próprio Jorge Amado, Sônia Braga brilhante como Tieta, Chico Anysio tornando a fazer cinema como o velho Zé Esteves, trilha de Caetano, fora outras. Uma delícia de filme.





8 - “A Ostra e o Vento”, de Walter Lima Jr. (97): Assim como Cacá e Bressane, Walter é outro experiente realizador nascido no Cinema Novo. Porém, tem como característica o empreendimento de projetos muito peculiares, como esta bela adaptação do romance de Moacir C. Lopes, que conta com roteiro dele e de Flávio Tambellini (que se tornaria um dos cineastas de vulto no cinema nacional), fotografia de Pedro Farkas, música de Wagner Tiso e a linda canção original de Chico. Lima Duarte, Castrinho e Fernando Torres excelentes, além da jovem Leandra Leal, estreando na tela grande com uma inesquecível atuação sobre um tema raramente explorado com tanta assertividade: o florescer da sexualidade feminina.






9 - “Os Matadores”, de Beto Brant (97): Fala-se muito de “O Invasor”, de 2002, mas em “Os Matadores”, primeiro longa do talentoso paulista Beto Brant, ele já introduzia sua contribuição ao cinema brasileiro com um estilo autoral, de forte apelo literário, com histórias inspiradas na realidade em diálogo com o tempo presente e onde o ator tem espaço para contribuir na narrativa. Além disso, em resposta à falta de perspectivas vivida pela classe cinematográfica brasileira no início dos anos 90, trazia um conceito “enxuto”: projetos racionalizados sob o ponto de vista da produção, com equipes de trabalho formadas por amigos, que se transformam em parceiros constantes. Na sua estreia, Brant já saiu abocanhando o prêmio de melhor direção no Festival de Cinema de Gramado.






10 - “O Que é Isso, Companheiro?”, de Bruno Barreto (97): Criado em 91 como mecanismo do incentivo à cultura, a Lei Rouanet começou a, de fato, render frutos anos depois. Após emplacar a inédita disputa ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com “O Quatrilho”, um ano depois o Brasil colocava outro candidato à estatueta: o bom “O Que...”, baseado no Best-seller biográfico de Fernando Gabeira. Novamente, são os Barreto os responsáveis pelo feito. Além das excelentes atuações de Pedro Cardoso, Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães, o filme avança no espaço aberto por “Carlota Joaquina” no sentido da coprodução estrangeira, o que resulta nas participações do craque Alan Arkin no elenco e da excelente trilha do ex-Police Stewart Copeland.





11 - “Pequeno Dicionário Amoroso”, de Sandra Werneck (97): A Globo Filmes, a partir da década seguinte, vulgarizaria o estilo comédia feita com atores da emissora, lançando aos montes subproduções sem nenhuma qualidade, quanto menos pretensão cinematográfica. Mas isso ainda cabia naquele sétimo ano da década de 90, quando Sandra realizou esta comédia romântica deliciosa. Aquele final com “Futuros Amantes” do Chico é de arrebentar o coração até do mais insensível espectador. Atuações ótimas de Andrea Beltrão, Daniel Dantas, Glória Pires e Tony Ramos – estes dois últimos, que fariam dupla noutra comédia (um pouco menos) romântica “Se Eu Fosse Você” anos mais tarde.





12 - “Central do Brasil”, de Walter Salles Jr. (98): É só deixar solto, que o sobrevivente cinema brasileiro se supera e, logo em seguida, se agiganta. Sete anos após a instituição da Lei Rouanet e minimamente restabelecido o mercado do audiovisual brasileiro, Waltinho vem com aquele que é um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos, certamente o melhor da década de 90. Tocante, envolvente, denunciador, poético, revelador. Um filme perfeito em tudo: fotografia, trilha, montagem, arte e, principalmente, a direção de atores. “Central...” traz algumas das mais célebres atuações do cinema brasileiro numa mesma obra: Marília Pêra, Othon Bastos, Matheus Nasctergaele, o pequeno Vinícius de Oliveira e, claro, a deusa Fernanda Montenegro, que, assim como o filme, o último concorrente ao Oscar de Filme Estrangeiro do cinema nacional, também disputou a estatueta – perdendo, junto com Meryl Streep e Cate Blanchett, para Gwyneth Paltrow. No entanto, levou Berlim de Melhor Atriz e Melhor Filme.




13 - “São Jerônimo”, de Julio Bressane (98): O hermético e experiente Bressane é original não apenas na narrativa e no seu inconfundível estilo pessoal, mas também nos temas que escolhe para filmar. Ao abordar a história do santo e obscuro intelectual do século IV autor da edição e da tradução completa da Bíblia, a chamada Vulgata, Bressane dava sua definitiva contribuição para a retomada provando que em cinema (principalmente, no Brasil) é possível conjugar estética exigente e verba exígua, poesia arrojada em prazo concentrado. Como São Jerônimo, Bressane operava milagres.




14 - “Estorvo”, de Ruy Guerra (98): Em 1991, emputecido com a vitória da velha política de Collor na primeira eleição democrática para presidente do Brasil (e a derrota da “nova” por parte do correligionário Lula), Chico Buarque lançava seu pequeno, mas potente primeiro romance, “Estorvo”, um sucesso que ganharia Jabuti. Mas para levar à tela um enredo tão subjetivo, somente alguém muito conhecedor da obra do autor de “Vai Passar”. Ninguém melhor, então, que o moçambicano-brasileiro Ruy Guerra, companheiro de velhos tempos de Chico, seja no teatro, na música ou no próprio cinema. O clima perturbador da obra se potencializa nas tomadas distorcidas, na câmera nervosa, na montagem ousada e até no off com a voz do próprio Ruy, cujo sotaque arrevesado impõe a estranheza que a narrativa merece. Filme difícil, mas essencial.



15 - “A Causa Secreta”, de Sérgio Bianchi (96): O cinema deste paranaense radicado em Sampa nunca fez concessões. Desde o curta “Mato Eles?”, de 1982, quando denunciava o descaso com os índios, seu discurso é apontado para a crítica e toda a narrativa se mobiliza neste sentido. Em “A Causa Secreta”, o cineasta se vale de todas as suas armas para evidenciar a podridão moral da sociedade brasileira. E o faz com alto poder mimético, numa construção narrativa incomum, atuações e situações que incomodam de tão reais e agudas. Como outros filmes da década, peca por certo – e compreensível – déficit técnico, mas supera as dificuldades com a coesão da obra, essencial para entender o país em recente caminhada democrática e todos os problemas que ainda iria demorar a se livrar.




16 - “Dois Córregos - Verdades Submersas no Tempo”, de Carlos Reichembach (99): Filho da Boca do Lixo carioca, o gaúcho Carlão, mesmo à época das famigeradas pornochanchadas dos anos 70/80, produzia com qualidade, fosse na fotografia, a qual era um ótimo técnico, fosse na própria direção. Nos anos 90, já havia realizado o emocionante “Alma Corsária”, mas nada se compara tanto em emoção quanto em acerto com “Dois Córregos”. Um romance que envolve política, história e reminiscências do próprio cineasta, que filmou cenas na praia de Cidreira, no litoral do seu estado de origem. E tem trilha magnífica de Ivan Lins pra arrematar.





17 - “Bicho de Sete Cabeças”, de Laís Bodanzky (2000): Entramos na leva de filmes de 2000, que sinalizam o começo do fim da retomada. E não se poderia iniciar com um título mais emblemático que esta estreia da talentosa Laís Bodanzky. Símbolo da retomada, é um dos filmes que denotaram que o cinema brasileiro saíra da pior fase e entrava numa outra nova e inédita. Além de lançar a cineasta e o hoje astro internacional Rodrigo Santoro, conta com uma estética e edição arrojadas, com sua câmera nervosa e atuações marcantes, tanto a do jovem protagonista quanto dos tarimbados Othon Bastos e Cássia Kiss. Vários prêmios: Qualidade Brasil, Grande Prêmio Cinema Brasil, Troféu APCA de "Melhor Filme", além de ser o filme mais premiado dos festivais de Brasília e do Recife. Além disso, também está nos 100 da Abracine. Trilha de André Abujamra e com músicas de Arnaldo Antunes.





18 - “Tolerância”, de Carlos Gerbase (00): O Rio Grande do Sul também é um dos protagonistas dessa virada do cinema brasileiro para a modernidade, e o responsável por isso é o primeiro e melhor longa do "replicante" Gerbase. Uma “história de sexo e violência” num thriller ao estilo do cineasta: trama envolvente, roteiro impecável e atuações conduzidas pela mão de quem carrega a experiência superoitista e da cena curta-metragem, que salvou na raça o cinema brasileiro quando nenhum longa era possível de ser feito. Maitê Proença, linda, está brilhante. 






19 - “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington (00): Outro marcante filme "

00", este tocante, mas ao mesmo tempo divertido e denunciador romance, marca a entrada de vez de Andrucha no mundo da tela grande, ele consagrado como diretor de videoclipes célebres de artistas da música brasileira e realizador do acanhado “Gêmeas”, de um ano antes. A trilha de Gil cumpre um papel fundamental, amarrando a narrativa tanto em suas novas e antigas composições, quanto nas versões de Gonzagão. Grande Prêmio Cinema Brasil de Filme, Fotografia, Montagem e Atriz para Regina Casé, maravilhosa, assim como seus “maridos”: Lima Duarte, Stênio Garcia e Luiz Carlos Vasconcelos.






20 - “O Auto da Compadecida”, de Guel Arraes (00): O cinema brasileiro fechava seu ciclo de maiores dificuldades estruturais com um sucesso de crítica e público (2 mi de expectadores). Guel, que havia construído uma carreira alternativa na dramaturgia através da televisão desde a TV Pirata e aperfeiçoando-a ao longo dos anos, chegou pronto ao seu primeiro longa, baseado na peça de Ariano Suassuna. Difícil ver uma trupe tão grande de ótimos atores/atuações juntos: Selton, Nachtergaele, Nanini, Denise, Diogo, Lima, Virgínia, Goulart... todos, todos impagáveis. João Grilo e Xicó formam uma das melhores duplas de personagens do cinema nacional. Comédia divertida – mas também dramática – com o pique de edição e cenografia de Guel. Um clássico imediato.


Daniel Rodrigues


quarta-feira, 26 de junho de 2019

Música da Cabeça - Programa #116


As variadas cores do São João e do LGBT+ estão representadas no ecletismo do programa desta semana. Olha só quantos tons diferentes: Baco Exu do Blues, David Bowie, Carmen Miranda, Tom Waits, Led Zeppelin, Moacir Santos, Leonard Cohen e mais. E o mais legal: cores diferentes mas totalmente harmônicas! Vem pra Festa Junina do Música da Cabeça, que tenho certeza que vão fazer questão de ficar presos na nossa cadeia. A fogueira tem hora pra acender: às 21h, no Arraial da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e quadrilha: Daniel Rodrigues.



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Música da Cabeça - Programa #64


A histórica capa da Time diz: “Welcome to America”. Sem a mesma ironia, nós também damos as boas-vindas no Música da Cabeça desta semana. No programa de hoje, às 21h, na Rádio Elétrica, vamos falar sobre a desumana ação do Governo Trump contra os imigrantes ilegais. E como nem tudo é tristeza, teremos também a beleza da música de Moacir Santos, The Smiths, Nelson Cavaquinho, Ramones, Tom Waits e outros. Eles vêm nos salvar das trevas dessa política sem escrúpulos! O “Sete-List” e o “Palavra, Lê”, igualmente, cumprem o mesmo papel. Estão bem recebidos? Então, agora é só começar. A produção e a apresentação são de Daniel Rodrigues.




Rádio Elétrica:

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

63ª Feira do Livro de Porto Alegre



“Tempo pra ler, todo mundo tem”, será?


O slogan da 63ª FLPOA (como sempre abrevio a cada edição) é no mínimo provocativo. Criado pela CRL em parceria com a agência Bonaparte a campanha permite ao público em geral refletir sobre questões muito contemporâneas como o tempo destinado a leitura. Num mundo cada vez mais virtual onde grande parte dos temas circula em celulares portáteis para todos os fins, do cinema à leitura, será que reservamos tempo para ler no nosso dia a dia? Fica então o desafio para a reflexão de quais conteúdos optamos por agregar a nossa rotina e ocupar de certa forma a nossa cabeça.

Em meio a tantos dissabores que temos enfrentado em relação ao meio cultural no Estado do RS hoje começa um evento que traz leveza, alegria e a literatura como foco: a 63ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre.

Numa Praça que se modifica desde 1955 para receber a Feira do Livro da cidade, nesta edição tudo cabe dentro dela. O ambiente em que se encontrarão as barracas dos editores, as áreas de programação adulta e infanto-juvenil, os países homenageados e também as áreas de convivência para lanches rápidos e cafés estão dentro da Praça da Alfândega. Os braços desse ambiente atingem dois centros culturais que estendem a Feira pela Rua dos Andradas, o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo e a Casa de Cultura Mario Quintana.

Essa proximidade traz um ambiente acolhedor e colorido já que nesta época do ano primaveril as árvores estão mais floridas. A leveza está no acesso que a população gaúcha e os turistas ganham com a Feira no coração do Centro Histórico. Em meio a prédios históricos como a ex-sede dos Correios (hoje Memorial do RS), o Museu de Arte do estado do RS (MARGS), o Santander Cultural (infelizmente numa fase institucional péssima em função de toda a polêmica sobre a exposição Queer Museu) e o próprio ambiente da praça que recebeu faz poucos anos a reformulação do projeto Monumenta, desvenda-se barracas, pipoqueiros, palcos, stands promocionais, exposições, ciclos de cinema e muito burburinho durante os 19 dias de Feira.

A Praça se transforma num local legal para encontros, leituras e está aberta a muita circulação de conhecimento. Neste ano a Feira pretende atender aos consumidores ávidos por novos títulos, com preços promocionais com descontos mínimos de 20%, variando de acordo com cada livreiro descontos maiores que esse.

A patrona da Feira deste ano,
Valesca de Assis
Nesta edição a Patrona é a escritora de Santa Cruz, Valesca de Assis*, que recebeu das mãos da Patrona da 62ª Cintia Moscovich, a notícia que a sororidade estava mantida! Na realidade nestes 62 anos de Feira poucas vezes as mulheres foram Patronas, entretanto a representatividade sempre foi de alto nível: Lya Luft (1996), Patrícia Bins (1998), Jane Tutikian (2011) e Cintia Moscovich (2016).  As primeiras palavras de Valesca foram relacionadas a uma postura política e humana: "A nossa Feira, como tem sido, como foi no ano passado, vai ser a Feira da resistência. Eu sou uma resistente há muito tempo, já passei por uma ditadura, já apanhei na Praça da Alfândega, e vou continuar resistindo em nome dos livros e com o intelecto que me resta, porque as pernas já estão meio danificadas. "A resistência é permanente. Só o livro,  a leitura, vai salvar o nosso país".

A programação concebida por Jussara Rodrigues (adulta) e Sônia Zanchetta (infanto-juvenil) contempla autores dos países homenageados nórdicos, David Lagercrantz, Kim W. Andersson e Carl Jóhan Jensen entre outros oriundos da Finlândia, Suécia, Noruega, Dinamarca e Islândia e também a autores negros que trarão suas produções, questões de lusofonia, abrangendo gaúchos e estrangeiros (o ganhador do Prêmio Nobel, o nigeriano Wole Soyinka, a homenagem em forma de Sarau ao poeta Oliveira Silveira, Oscar Henrique Cardoso, Lilian Rocha, Ana dos Santos, Eliane Marques, Deivison Moacir Cezar de Campos e Luís Maurício Azevedo) entre outros.

Haverá homenagens para os escritores Luis Fernando Veríssimo, Luiz Antonio de Assis Brasil, Armindo Trevisan, Maria Carpi e o músico Belchior, falecido no início do ano.

Jussara Rodrigues e Sônia Zanchetta,
responsáveis pela programação
Sônia destaca: “Assim como o Seminário 'A arte de contar histórias', a 12ª edição da Mutação na Feira, que traz quadrinhos e cultura pop, e “já tem um público certo” terão novas edições esse ano." Acontecerá também o Colóquio de Literatura e Infância – Diálogos com as Matrizes Africanas, com participação dos escritores Júlio Emílio Braz e Otávio Jr, etc. Alguns eventos também regulares participantes da FLPOA estarão renovando suas edições: a 10ª Mostra de Ilustração de Literatura Infantil e Juvenil Traçando História, o III Encontro de Escritores Negros do Rio Grande do Sul, o VII Seminário Internacional da Biblioteca e da Leitura no Desenvolvimento da Sociedade.

Neste ano estarei na minha 15ª edição da FLPOA. Nos últimos anos estou trabalhando na equipe de fotografia junto aos colegas, Luis Ventura, Otávio Fortes e Iris Borges. Nossa turma está dentro da Imprensa da Feira. Daí que teremos no Clyblog cenas das atividades e quem sabe mais resenhas comentando algumas atividades dessa edição.

Destaco quatro atividades que são diversas entre si e que valem a pena se agendar para participar: a palestra com a Monja Coen que abordará sob a luz budista o tema “O Sofrimento é Opcional” (11 nov), o Encontro dos autores Mia Couto e Ondjaki com a Patrona Valesca de Assis (13 nov), abordando a questão lusófona, o 2º Encontro de Influenciadores Literários e Seguidores (18 nov), que vai englobar booktubers, blogueiros, instagramers, mas também os inscritos e seguidores e o espetáculo “O Urso com Música na Barriga” (19 nov) com texto de Erico Verissimo, direção de Arlete Cunha e atuação do grupo Atimonautas que trabalha com bonecos de manipulação direta. Dicas imperdíveis!

Conheça a programação atualizada e monte a sua agenda  De 1º a 19 de novembro  a Praça estará em festa, mas ela só ficará completa com a sua presença. Participe!

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SERVIÇO
Área Infantil
Bancas: 10h às 20h30
Programação: 9h às 20h30

Área Geral e Internacional

Dias úteis e domingo: 12h30 às 20h30
Sábado: 10h às 20h30


Confira algumas imagens:


Atividades para os pequenos na programação infantil da Feira (foto: Miguel Sisto)

Marco Sena, presidente da Câmara do Livro, organizadora do evento

A equipe de foto: Luis Ventura, eu, Otávio Fortes e Iris Borges

* Valesca estreou como escritora em 1990, com a publicação de "A Valsa da Medusa". O trabalho "Harmonia das Esferas" foi vencedor do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes e Prêmio Especial do Júri da União Brasileira de Escritores, em 2000. Hoje ela é professora de História especializada em Ciências da Educação e ministrante de oficinas de escrita criativa.  Valesca é casada com o Patrono a 20 anos atrás, Luiz Antonio de Assis Brasil também  escritor.


texto: Leocádia Costa
fotos: Luis Ventura

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Banda Black Rio - "Maria Fumaça" (1977)




“A Banda Black Rio é um dos maiores acontecimentos musicais desse planeta”.
Lucas Arruda


“Coisa mais séria que tem! Um dos discos instrumentais mais bem feitos no Brasil. Tudo absolutamente certo aqui: temas, timbres, só acerto.”
Ed Motta


O jazz no Brasil teve de caminhar alguns quilômetros em círculos para que obtivesse uma identificação real com o país do carnaval. Em termos de indústria fonográfica, até os anos 70 as apostas sempre estiveram sobre o samba e derivados ou outros gêneros comerciais, como o bolero, a canção romântica, a bossa-nova carioca, os festivais, a MPB e até o rock. Mesmo presente na sonoridade das orquestras das gafieiras ou na bossa nova, o jazz se misturava aos sons brasileiros mais pela natural influência exercida pelos Estados Unidos na cultura latina do que pelo exemplo de complexidade harmônica de um Charlie Parker ou Charles Mingus. Expressões bastante significativas nessa linha houve nos anos 50 e 60, inegável, mas jazz brasileiro mesmo, com “b” maiúsculo, esse ainda não havia nascido.

Por essas ironias que somente a Sociologia e a Antropologia podem explicar, precisou que o gênero mais norte-americano da música desse uma imensa volta para se solidificar num país tão africanizado quanto os Estados Unidos como o Brasil. Essa solidificação se deve a um simples motivo: assim como na criação do jazz, cunhado por mentes e corações de descendentes de escravos, a absorção do estilo no Brasil se deu também pelos negros. No caso, mais de meio século depois, pela via da soul music. O chamado movimento “Black Rio”, que estourava nas periferias cariocas no início da década de 70, era fruto de uma nova classe social de negros que surgia oriundos das “refavelas”, como bem definiu Gilberto Gil. Reunia milhões de jovens em torno da música de James Brown, Earth, Wind & Fire, Aretha Franklin e Sly & Family Stone. DJ’s, dançarinos, produtores, equipes de som, promoters e, claro, músicos, que começavam a despontar da Baixada e da Zona Norte, mostrando que não eram apenas Tim Maia e Cassiano que existiam. Tinha, sim, outros muitos talentos. Dentro deste turbilhão de descobertas e conquistas, um grupo de músicos originários de outras bandas captou a essência daquilo e se autodenominou como a própria cena exigia: Black Rio.

Formada da junção de alguns integrantes dos conjuntos Impacto 8, Grupo Senzala e Don Salvador & Grupo Abolição, a Black Rio compunha-se com o genial saxofonista Oberdan Magalhães, idealizador e principal cabeça da banda; o magnífico e experiente pianista Cristóvão Bastos; os sopros afiados de José Carlos Barroso (trompete) e Lúcio da Silva (trombone); o não menos incrível baixista Jamil Joanes; Cláudio Stevenson, referência da guitarra soul no Brasil; e, igualmente impecável, o baterista e percussionista Luiz Carlos. Com uma insuspeita e natural mescla de samba, baião, funk, gafieira, rock, R&B, fusion, soul e até cool, a Black Rio inaugurava de vez o verdadeiro jazz brasileiro. Um jazz dançante, gingado, sincopado, cheio de groove e de rebuscamentos harmônicos.

Banda das mais requisitadas dos bailes funk daquela época, eram todos instrumentistas de mão cheia. Se nas apresentações eles tinham a luxuosa participação vocal de dois estreantes até então pouco conhecidos chamados Carlos Dafé e Sandra de Sá, tamanhos talento e habilidade não podia se perder depois que a festa acabasse e as equipes de som guardassem os equipamentos. Precisava ser registrado. Foi isso que a gravadora WEA providenciou ao chamar o tarimbado produtor Mazola – por sua vez, muito bem assessorado por Liminha e Dom Filó, este último, um dos organizadores do movimento Black no Brasil. Eles ajudaram a dar corpo a Maria Fumaça, primeiro dos três discos da Black Rio, a obra-prima do jazz instrumental brasileiro e da MPB, uma joia que completa 40 anos de lançamento em 2017.

Como se pode supor, não se está falando de qualquer trem, mas sim um expresso supersônico lotado de musicalidade e animação, que transborda talento do primeiro ao último acorde. Sonoridade Motown com toques de Steely Dan e samba de teleco-teco dos anos 50/60. Tudo isso pode ser imediatamente comprovado ao se escutar a arrasadora faixa-título, certamente uma das melhores aberturas de disco de toda a discografia brasileira. O que inicia com um show de habilidade de toda a banda, num ritmo de sambalanço, logo ganha cara de um baião jazzístico, quando o triângulo dialoga os sopros, cujas frases são magistralmente escritas e executadas. A guitarra de Cláudio faz o riff com ecos que sobrevoam a melodia; Jamil dá aula de condução e improviso no baixo; Cristóvão manda ver no Fender Rhodes; Luis Carlos faz chover na bateria. Quando o samba toma conta, praticamente todos assumem percussões: cuíca, pandeiro e tamborim.

Sem perder o embalo, uma versão originalíssima de “Na Baixa Do Sapateiro”, comandada pelo sax de Oberdan, que atualiza para a soul o teor suingado da melodia, e outra igualmente impecável: “Mr. Funky Samba”. Jamil, autor do tema, está especialmente inspirado, fazendo escalamentos sobre a base funkeada e sambada como bem define o título. Mas não só ele: Luiz Carlos adiciona ritmos da disco ao jazz hard bop, e Cristóvão mais uma vez impressiona por sua versatilidade na base de Fender Rhodes e no solo de piano elétrico. Uma música que jamais data, tamanha sua força e modernidade.

O líder Oberdan assina outras duas composições, a sincopada “Caminho Da Roça” e a carioquíssima “Leblon Via Vaz Lôbo”, em que Cláudio e o próprio improvisam solos da mais alta qualidade. Outros integrantes, no entanto, não ficam para trás nas criações, caso de Cláudio e Cristóvão, que coassinam uma das melhores do disco: “Metalúrgica”. Como o título indica, são os sopros que estão afiados no chorus. O que não quer dizer que os colegas também não brilhem, caso de Luiz Carlos, criando diversas variações rítmicas, Cláudio, distorcendo as cordas, e a levada sempre inventiva de Jamil.

A versatilidade e o conceito moderno da Black Rio revisitam outros mestres da MPB, como Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (“Baião”), onde o ritmo nordestino ganha tons disco e funk; Edu Lobo (“Casa Forte”), de quem realçam-lhe a força e a expressividade das linhas melódicas; e Braguinha, quando o lendário choro “Urubu Malandro”, de 1913, vira um suingado e vibrante samba de gafieira. Nota-se um cuidado, mesmo com a sonoridade eletrificada, de não perder a essência da canção, o que se vê na manutenção de Cristóvão nos teclados e da adaptação das frases de flauta para uma variação sax/trompete/trombone.

Outra pérola de Jamil desfecha essa impecável obra num tom de soul e jazz cool, que antevê o que se chamaria anos adiante no Brasil de “charme”. Embora a canção seja de autoria do baixista, é o trompete de Barrosinho que arrasa desenhando toda melodia do início ao fim.

Talvez seja certo exagero, uma vez que já se podia referenciar como jazz “brazuca” o som de Hermeto Pascoal, Moacir Santos, Airto Moreira, João Donato, Eumir Deodato, Flora Purim, Dom Um Romão, entre outros – embora, a maioria tenha-o feito e consolidado seus trabalhos fora do Brasil. Com a Black Rio foi diferente. Com todos pés cravados em terra brasilis, foi o misto de contexto histórico, necessidade social, proveito artístico e oportunidade de mercado que a fizeram tornar-se a referência que é ainda hoje. Uma referência do jazz com cheiro, cor e sabor latinos. Mas para além das meras classificações, a Black Rio é o legítimo retrato de uma era em que o Brasil negro e mestiço passou a mostrar a riqueza "do black jovem, do Black Rio, da nova dança no salão".

Banda Black Rio - "Maria Fumaça"


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FAIXAS
1. Maria Fumaça (Luiz Carlos Santos/Oberdan) - 2:22
2. Na Baixa Do Sapateiro (Ary Barroso) - 3:02
3. Mr. Funky Samba (Jamil Joanes) - 3:36
4. Caminho Da Roça (J. Carlos Barroso/Oberdan) - 2:57
5. Metalúrgica (Claudio Stevenson/Cristóvão Bastos) - 2:30
6. Baião (Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga) - 3:26
7. Casa Forte (Edu Lobo) - 2:22
8. Leblon Via Vaz Lôbo (Oberdan) - 3:02
9. Urubu Malandro (Louro/João De Barro) - 2:28
10. Junia (Joanes) - 3:39

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OUÇA O DISCO


por Daniel Rodrigues