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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Sinéad O'Connor - "Am I Not Your Girl?" (1992)

 



"São as músicas
que cresci ouvindo
e me fizeram querer
ser cantora."
Sinéad O'Connor



Sabe aqueles discos que a gente acha que ninguém mais gosta além de você? Pois é, "Am I Not Your Girl?", de Sinéad O'Connor era assim pra mim. Já era fã da cantora de seus trabalhos de carreira, mas aí na compilação "Red Hot + Blue" coletânea com vários artistas em homenagem a Cole Porter, descobri a veia jazz da irlandesa. No projeto da organização Red Hot, em benefício às vitimas da AIDS, Sinéad interpretava, de forma magnífica, a lindíssima "You do something to me" e aquilo me arrebatou. Mas acredito que a experiência tenha sido importante para ela também, uma vez que a cantora lançaria dois anos depois, um álbum só de standarts do jazz.

Sinéad canta com elegância, com precisão, confere a emoção exata para cada canção.

A faixa de abertura já justificaria todos os elogios à obra: "Why don't you do right?", canção originalmente do filme "As noivas do Tio Sam", mas imortalizada na voz da sensual personagem de desenho Jessica Rabbit, ganha carne e osso na boca de Sinéad O'Connor numa interpretação provocativa, insinuante, venenosa, digna da femme-fatale do desenho animado.

"Bewitched, Botched and Bewildered" que a segue, conjuga magicamente melancolia, delicadeza e graça, com a cantora colocando uma doçura tal, uma fragilidade na voz... que chega a ser algo realmente tocante. "Secret Love", originalmente cantada por Doris Day, nos anos 50, tem um arranjo mais aberto, mais luminoso, mas Sinéad canta num ar quase confidente ao revelar, "Once I had a secret love" e logo abre o peito para revelar que não  tem segredos para mais ninguém, "My secret love is no secret anymore". E "Black Coffee", gravada anteriormente por nomes como Sarah Vaughn e Ella Fitzgerald, e trilha do filme "Algemas Partidas" em 1960, confirma perfeitamente aquela atmosfera misteriosa de filme noir.

No entanto é em "Success has made a failure of our home" que a irlandesa despeja sua maior carga emocional em uma das canções do disco. Apoiada por um arranjo jazz-rock intenso, Sinéad numa interpretação dramática, encarna uma mulher desesperada, quase indo às  lágrimas, se desfazendo, se desintegrando diante de seu homem, implorando para que ele simplesmente diga que ela ainda é sua garota.

Outro ponto alto do disco é a ótima "I want to be loved by you", do filme "Quanto mais quente melhor", na qual Sinéad conserva a discontração e a leveza da original, interpretada por Marilyn Monroe, com direito até a um "Boop-boop-a-doop!", que, se não tem a mesma sensualidade da loira, tem graça e doçura.

A sombria canção do compositor húngaro Rezső Seress, letrada por László Jávor, "Gloomy Sunday", associada frequentemente a suicídios, traduzida para o inglês e cuja interpretação mais famosa é de Billie Holiday, ganha uma verão não menos emocional, intensa e cheia de possíveis "leituras" e "interpretações" na voz da irlandesa que, sabe-se bem, embora tenha morrido de causas naturais, tentara o suicídio diversas vezes durante a vida.

"Love Letters", clássico que já esteve nas trilhas de diversos filmes e peças, com os mais variados andamentos e ênfases, neste disco ganha uma sonoridade imponente de metais com uma poderosa introdução de uma orquestra de jazz, enquanto Sinéad, se comparada a outras grandes vozes como Nat King Cole e Elvis Presley que já interpretaram a canção, opta por uma interpretação sóbria, comedida, que lhe confere um aspecto ainda mais fragilizado.

Em uma leitura extremamente melancólica e dramática do clássico da bossa-nova, "Insensatez", de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, a irlandesa demonstra toda a importância e a influência da música brasileira em sua formação. "Scarlett Ribbons", canção de Natal na sua origem, aqui adquire uma carga quase fúnebre. Muito se dá pelo formato: a voz acompanhada apenas por uma flauta, e o tom cru do estúdio, com o ouvinte podendo captar todas as respirações, as pausas, os vazios...

"Don't cry for me, Argentina", do musical Evita, aparece em duas versões, uma cantada, que se não é nada excepcional, no mínimo é, inegavelmente, melhor do que a da Madonna, e uma instrumental, num jazz descontraído e acelerado, que, praticamente fecha o disco, que ainda tem uma mensagem pessoal da cantora sobre a dor (o que também fez ainda mais sentido depois das circunstâncias de sua morte).

Na época que soube do projeto da irlandesa, tratei de dar um jeito de dar um jeito de conseguir aquele seu novo álbum, só que duro como era na época (e ainda sou), o jeito foi gravar e ter em K7. Muito ouvi aquela fita. Gastei os cabeçotes do walkman com ela. Até evoluí depois, embora ainda sem grana, para o CD gravado, mas nunca havia tido uma mídia original. Até que numa dessas feiras de vinil, encontrei por um preço bem razoável o "Am I Not Your Girl?" em LP. O vendedor, um senhorzinho muito simpático que me contou ter sido DJ em festas disco dos anos 70, se derreteu pelo álbum. Disse ser aquele, na sua opinião, um grande disco, trabalho que muita gente não valoriza mas que para ele era o melhor da cantora, interpretações  incríveis e tudo mais... Se eu tivesse alguma dúvida, as teria abandonado naquele momento com uma manifestação tão  entusiástica como aquela. Mas a admiração pelo disco não parou nele: tenho o hábito de compartilhar nas redes sociais minhas trilhas sonoras do dia e num dia desses qualquer, ouvindo o álbum, lancei lá no Facebook, no Instagram, no Twitter, um "Ouvindo agora, "Am I Not Your Girl?", de Sinéad O'Connor". Ah, foi uma enxurrada de likes e comentários. "Grande disco", "Esse disco é muito bom", "Dos meus preferidos", e etc. Aí  que eu descobri que não sou só eu que adoro esse disco. E, cá entre nós, um disco com tantos clássicos, canções eternizadas pelo cinema, músicas já interpretadas por nomes imortais, admirado desta maneira, e com essa importância na vida de tanta gente, não pode ser considerado menos que um ÁLBUM FUNDAMENTAL

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FAIXAS:
1. "Why Don't You Do Right?" - Joe McCoy (2:30)
2. "Bewitched, Bothered and Bewildered" - Lorenz Hart, Richard Rodgers (6:15)
3. "Secret Love" - Sammy Fain, Paul Francis Webster (2:56)
4. "Black Coffee" - Sonny Burke, Paul Francis Webster (3:21)
5. "Success Has Made a Failure of Our Home" - Johnny Mullins (4:29)
6. "Don't Cry for Me Argentina" - Andrew Lloyd Webber, Tim Rice (5:39)
7. "I Want to Be Loved by You" - Bert Kalmar, Harry Ruby, Herbert Stothart (2:45)
8. "Gloomy Sunday" - László Jávor, Sam L. Lewis, Rezső Seress (3:56)
9. "Love Letters" Edward Heyman, Victor Young 3:07
10. "How Insensitive" - Vinicius de Moraes, Norman Gimbel, Antônio Carlos Jobim (3:28)
11. "Scarlet Ribbons" - Evelyn Danzig, Jack Segal (4:14)
12. "Don't Cry for Me Argentina" (Instrumental) - Andrew Lloyd Webber, Tim Rice (5:10)
13. "Personal message about pain (Jesus and the Money Changers)" (Hidden track) - O'Connor (2:00)

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Ouça:



por Cly Reis

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Ao mestre, com carinho

Gil e a imagem de um de seus mestres
homenageados: Bob Marley
É comum que músicos reverenciem seus mestres. Intérpretes e mesmo os compositores gostam de, invariavelmente, recuperar temas ou referências daqueles em quem se inspiram, muitas vezes intercalando-os com suas próprias autorias seja em discos ou em shows. Não raro veem-se, inclusive, artistas consagrados, a certa altura da carreira, gravarem aquele disco só de versões dos outros. No rock, isso é bem recorrente: John Lennon, Siouxsie & The Banshees, R.E.M., Rage Against the Machine, Titãs e Ira! são casos típicos para ficar em alguns exemplos dos inúmeros possíveis.

Mas um artista autoral abrir mão de composições suas para se dedicar apenas ao repertório do seu mestre, aí já é mais raro. No entanto, fomos atrás e listamos alguns trabalhos assim: aprendizes homenageando seus mestres. Não valem aqui discos de intérpretes, por melhor que sejam as obras, como Gal Costa em seu "Gal Canta Caymmi" ou Sarah Vaughn com seu "Plays Beatles", por exemplo. Álbuns memoráveis estes, mas de cantoras fazendo aquilo que melhor sabem, que é interpretar. Também não entram aquelas “homenagens” ou shows especiais, mesmo que de apenas um artista para outro. Não caberia, por exemplo, “Loopicinio” (2005), em que o músico Thedy Correa faz um exercício de modernização ao samba-canção “dor de cotovelo” de Lupicinio Rodrigues. Válido, mas sabe-se que Lupi não é bem O “mestre” para quem formatou sua carreira no pop rock beatle com como Thedy.

Aqui, a proposta é outra e até mais desafiadora a quem está acostumado a escrever as próprias músicas. O mergulho na obra de quem o inspirou é, desta forma, duplamente instigante: manter a autoexigência do que costuma produzir e, no mesmo passo, fazer jus à obra daquele que reverencia. Chega a ser um exercício de desprendimento. Tanto é diferente este tipo de projeto, que não é extensa a listagem, não. Pelo menos, daquilo que encontramos. Se os leitores identificarem novos trabalhos semelhantes, o espaço está aberto para aumentarmos nossa lista de álbuns dos seguidores aos seus mestres.


Eric Clapton
– “Me and Mr. Johnson” (2004) 

Para Robert Johnson

Vários roqueiros já gravaram Robert Johnson, de Rolling Stones a Red Hot Chili Peppers. Mas quem pode ser considerado um filho artístico do pioneiro do blues do Mississipi é Clapton. Já resenhado nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, este poderoso disco do mais seminal blues rock é o encontro do céu com o inferno: Deus, como Clapton é apelidado, e o Diabo, com quem dizem Johnson ter feito um pacto para que tivesse tanto talento. Se foi ação do bem ou do mal, o fato é que funcionou tanto para ele quanto para seu maior aprendiz. Só podia dar num disco essencial.





FAIXAS:
01. "When You Got a Good Friend" 
02. "Little Queen of Spades"  
03. "They're Red Hot"  
04. "Me and the Devil Blues" 
05. "Traveling Riverside Blues" 
06. "Last Fair Deal Gone Down" 
07. "Stop Breakin' Down Blues" 
08. "Milkcow's Calf Blues" 
09. "Kind Hearted Woman Blues" 
10. "Come on in My Kitchen" 
11. "If I Had Possession Over Judgement Day" 
12. "Love in Vain" 
13. "32-20 Blues" 
14. "Hell Hound on My Trail"  


Velha Guarda da Portela
– “Homenagem a Paulo da Portela” (1988)
Para Paulo da Portela

Celeiro de alguns dos melhores compositores do samba brasileiro, como Alberto Lonato, Candeia, Manaceia, Mijinha e Chico Santana, a Velha Guarda da Portela reuniu-se para homenagear aquele que considera o maior deles: Paulo da Portela. E o faz com time completo: Monarco, Casquinha, Argemiro, Jair do Cavaquinho e as pastoras originais. Se o padrinho do conjunto é merecidamente Paulinho da Viola, é o outro Paulo o que ocupa o lugar de principal referência de compositor para a turma da escola a qual levou no próprio nome com autoridade.




FAIXAS:
01. Linda Guanabara
02. Homenagem ao Morro Azul / Para que Havemos Mentir
03. Teste ao Samba
04. Conselho
05. Deus te Ouça
06. O Meu Nome Já Caiu no Esquecimento
07. Quem Espera Sempre Alcança
08. Linda Borboleta
09. Cocorocó
10. Este Mundo é uma Roleta
11. Ópio 
12. Cantar para Não Chorar


Gilberto Gil
 – “Kaya N'Gan Daya” (2002)
Para Bob Marley

O múltiplo Gil, mesmo na época da radicalização do Tropicalismo, nunca escondeu que seus mestres eram Luiz Gonzaga, João Gilberto e Bob Marley. Ao primeiro ele dedicou o conceito e regravações na trilha de “Eu Tu Eles” e em “Fé na Festa”, mas aos outros dois rendeu discos completos com o que mais lhe fazia sentido em suas obras. Para o Rei do Reggae criou um disco de ótimos arranjos, juntando letras no inglês original ou versões muito bem traduzidas, como a faixa-título e “Não Chore Mais” (“No Woman, no Cry”), tal como ele havia pioneiramente versado em “Realce”, de 1979. A sonoridade, aliás, não fica somente no reggae, mas também dialoga muitas vezes, justamente, com o baião de Gonzagão. 




FAIXAS:
01. "Buffalo Soldier"  
02. "One Drop" 
03. "Waiting in Vain" 
04. "Table Tennis Table" 
05. "Three Little Birds" 
06."Não Chore Mais (No Woman, No Cry)"
07. "Positive Vibration" 
08. "Could You Be Loved" 
09. "Kaya N'gan Daya (Kaya)" 
10. "Rebel Music (3 O'Clock Road Block)"  
11. "Them Belly Full (But We Hungry)" 
12. "Tempo Só (Time Will Tell)"  
13. "Easy Skankin'"   
14. "Turn Your Lights Down Low"  
15. "Eleve-se Alto ao Céu (Lively Up Yourself)" 
16. "Lick Samba"


Zé Ramalho
– “Tá Tudo Mudando” (2008)
Para Bob Dylan

O músico paraibano sempre reverenciou o autor de “Like a Rolling Stone”. Neste álbum, contudo, fez como só ele poderia: arranjos entre o rock e a música brasileira, sotaque nordestino e as letras em português. Difícil traduzir um Nobel de Literatura? Sim, mas Ramalho, com talento e conhecimento de fã, acerta em cheio. Magníficas "O Homem Deu Nome a Todos Animais" (“Man Gave Names to All the Animals”), regravada por Adriana Calcanhotto em seu “Partimpim 2”, e, a versão para a clássica “Knockin' on Heaven's Door”, provando pros tupiniquins com “síndrome de vira-lata” que criticaram à época, que soa muito melhor um refrão com os versos "Bate bate bate na porta do céu" do que "Knockin' knockin' knockin' on heaven's door". Perto da solução achada por Ramalho, a original nunca mais deixou de soar cacofônica. "I'm sorry, mr, Dylan".



FAIXAS:
01. "Wigwam / Para Dylan" 
02. "O homem deu nome a todos animais (Man Gave Name To All The Animals)" 
03. "Tá tudo mudando" 
04. "Como uma pedra a rolar"  
05. "Negro Amor (And it's All Over Now, Baby Blue)" 
06. "Não pense duas vezes, tá tudo bem (Don't Think Twice, It's All Right)" 
07. "Rock feelingood (Tombstone Blues)" 
08. "O vento vai responder"  
09. "Mr. do pandeiro (Mister Tambourine Man)"  
10. "O amanhã é distante" 
11. "If Not for You" 
12. "Batendo na porta do céu - versão II" 


Rita Lee
– “Bossa ‘n Beatles” (2001)
Para The Beatles

Quando Ramalho gravou seu “Tá Tudo Mudando”, já havia um antecedente de 7 anos antes na discografia brasileira de artista que versou outro monstro sagrado do rock como Dylan dando-lhe caracteres brasileiros. Depois de uma via crúcis para pegar autorização com Yoko Ono para versar a obra do seu ex-marido, Rita conseguiu, finalmente, juntar duas paixões as quais domina como poucos: o rock libertário dos Beatles e as ricas harmonias da bossa nova. Tão filha musical dos rapazes de Liverpool quanto de João Gilberto, somente Rita pra prestar uma homenagem como esta.




FAIXAS:
01. "A Hard Day's Night"
02. "With A Little Help From My Friends"
03. "If I Fell"
04. "All My Loving"
05. "She Loves You"
06. "Michelle"
07. "'In My Life"
08. "Here, There And Everywhere"
09. "I Want To Hold Your Hand"
10. "Lucy In The Sky With Diamonds"
Faixas bônus:
11. "Pra Você Eu Digo Sim (If I Fell)"
12. "Minha Vida (In My Life)"


The The
– “Hanky Panky”
(1995) 
Para Hank Williams

O talentoso “homem-banda” Matt Johnson é um cara fiel às suas origens. Depois de relativo sucesso na metade dos anos 80, ele capturou o amigo de adolescência Johnny Marr, guitarrista recém-saído da The Smiths, para gravar os dois melhores álbuns da The The. Porém, o autor de “This is the Day” queria ir ainda mais a fundo nas autorreferências e foi achar a resposta no músico country “vida loka” Hank Williams. Embora bem arranjado por Johnson e D. C. Collard, “Hanky...”, já sem Marr na banda, por melhor que seja, deixa, no entanto, aquela interrogação para os fãs: “não teria sido ainda melhor com Marr?”





FAIXAS:
01. "Honky Tonkin'"
02. "Six More Miles"
03. "My Heart Would Know"
04. "If You'll Be A Baby To Me"
05. "I'm A Long Gone Daddy"
06. "Weary Blues From Waitin'"
07. "I Saw the Light"
08. "Your Cheatin' Heart"
09. "I Can't Get You Off of my Mind"
10. "There's a Tear in My Beer"
11. "I Can't Escape from You"


Gilberto Gil
– “Gilbertos Samba”
(2014)
Para João Gilberto

12 anos depois de prestar tributo a Bob e de referenciar Luiz Gonzaga em mais de uma ocasião, Gil fecha, então, a trinca de seus mestres musicais. O repertório é lindo, uma vez que, homenageando João, a sua batida e seu estilo de cantar, escola para toda a geração pós-bossa nova a qual Gil pertence, outros artistas importantes para o baiano também são contemplados, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Dorival Caymmi e Caetano Veloso, todos compositores incorporados no cancioneiro de João. Mas por melhor que seja a produção e por mais lindo que seja o violão de Gil, diferentemente de “Kaya...”, quando a sua voz estava ainda "ok ok ok", os anos comprometeram-na. Rouca e de alcance bastante prejudicado, se perto da voz do próprio Gil saudável já é covardia, imagina, então, comparar com a o do homenageado? Projeto lançado, uma pena, tardiamente.



FAIXAS:
01. "Aos Pés da Cruz" 
02. "Eu Sambo Mesmo"  
03. "O Pato" 
04. "Tim Tim por Tim Tim" 
05. "Desde Que o Samba é Samba"  
06. "Desafinado"  
07. "Milagre"  
08. "Um Abraço no João"  
09. "Doralice"  
10. "Você e Eu"  
11. "Eu Vim da Bahia" 
12. "Gilbertos"  

Daniel Rodrigues
com colaboração de Cly Reis

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

4ª Feira de Vinil Gira Música - Casa da Polônia - Rio de Janeiro/RJ (1º/09/2019)



O dias em que passamos Leocádia e eu no Rio de Janeiro foram invariavelmente lotados. Só coisa boa, mas lotados. Mas sempre se tem espaço para encaixar mais uma programação, ainda mais quando esta trata de música. Ou melhor: quando esta trata de música E discos, o que para um colecionador é um prato cheio. Minha mãe, sabendo de nosso gosto, havia avisado dias antes que ocorreria, no domingo, a Feira de Vinil Gira Música, na Casa da Polônia, no próprio bairro e avenida onde estávamos instalados, Laranjeiras. Pois que, voltando de um passeio no bairro Jardim Botânico neste dia, eis que cruzamos em frente à feira. Obviamente que descemos e fomos dar uma conferida, o que não só valeu a pena a título de passeio como, claro, de compras.

A feira trazia food trucks, bancas com artesanato e bijuterias e uma exposição sobre o célebre músico, arranjador e produtor Lincoln Olivetti, morto há  4 anos, infelizmente muito primária e amadora e que não dimensionava nem de perto a relevância do homenageado. Mas isso não era o mais importante e, sim, aquilo que nos levou até lá: os discos. Com expositores cariocas mas também vindos de Minas Gerais e São Paulo, a feira estava muito boa em termos de quantidade e variedade. Todos os gêneros musicais contemplados, mas principalmente rock, MPB e jazz. O nível dos expositores chamou atenção, uma vez que todos sabem muito bem o acervo que oferecem. Ou seja: os discos raros tinham preços que justificavam suas particularidades. Títulos como "A Bad Donato", de João Donato, "Stand", da Sly & Family Stone, o primeiro disco de Arthur Verocai, "Spirit of the Times", de Dom Um Romão, "Blue Train", de John Coltrane, ou o disco do próprio Lincoln em parceria com Robson Jorge, clássico da AOR brasileira, não saíam por menos que 500, 400, 350, 200, 180 Reais ou valores parecidos.

Galera percorrendo as prateleiras em busca "daquele" vinil
Clima descontraído e musical da Feira de Vinil na Laranjeiras
Não só vinil tinha na feira
Eu vasculhando as preciosidades da banda do Sonzera, um dos expositores
Pedaço da miniexposição sobre Lincoln Olivetti: deixou a desejar

Em compensação, vários balaios. E bons! Com muita variedade e, às vezes, até discos raros, era possível encontrar unidades a 10, 20 ou 30 Reais. E foi aí que me esbaldei, passando algumas horas na feira percorrendo as caixas com promoções enquanto Leocádia aproveitava outras atividades ou simplesmente me aguardava. Uma das atrações da feira seria a presença do cantor e compositor Hyldon, lenda da soul brasileira, que estaria à tarde autografando seu disco relançado, mas não ficamos para isso. Afinal, já estávamos muito bem alimentados com o que encontramos de variedade e qualidade de bolachões, inclusive esses, os que levamos para casa:



“Limite das Águas” – Edu Lobo (1976)
Edu tem vários discos solo cultuados, como “Missa Breve”, “Camaleão” e “Jogos de Dança”, mas não raro este aparece como o preferido do autor de “Ponteio”. Afinal, não tem como não adorar as parcerias como Capinan, Cacaso e Guarnieri, além do primor dos arranjos do próprio Edu e as participações de músicos do calibre de Oberdan Magalhães, Cristóvão Bastos, Joyce, Toninho Horta, Danilo Caymmi e o grupo vocal Os 3 Morais. Coisa fina da MPB.


“Libertango” – Astor Piazzola (1974)
Um dos gênios da música do século XX em seu disco mais icônico. Gravado em Milão, é a representação máxima do tango argentino moderno, tanto que as próprias faixas, assim como a que o intitula, trazem o termo “tango” no nome: Meditango, Violentango, Undertango, entre outras. De ouvir ajoelhado - ou tangueando.



“Brazilian Romance – Sarah Vaughn with Milton Nascimento” ou “Love and Passion”  Sarah Vaughn (1987)
A grande cantora norte-americana Sarah Vaughn, amante da MPB, recorrentemente voltava ao gênero. Depois de gravar discos como “Exclusivamente Brasil” e “O Som Brasileiro de Sarah Vaughn”, nos ano 70, em 1987 ela torna à sonoridade do Brasil por meio de um de seus mais admirados compositores: Milton Nascimento. E o faz isso com alto grau de requinte, haja vista a produção de Sérgio Mendes, os arranjos de Dori Caymmi e participações de gente como George Duke e Hubert Laws. Ela quase levou um Grammy de melhor performance feminina por este álbum.

“Merry Christmas, Mr. Lawrence (Music From The Original Motion Picture Soundtrack)”  Ryuichi Sakamoto (1983)
Tenho adoração por este filme intitulado no Brasil como “Furyo - em Nome da Honra”, e tanto quanto pela trilha sonora, escrita pelo genial Ryuichi Sakamoto. Que, aliás, atua neste filme de Segunda Guerra do mestre Nagisa Oshima, o qual conta no elenco (e só no elenco, o que acho legal também em nível de desprendimento) e como ator principal David Bowie em espetacular atuação. A faixa-título é não só linda como um marco das trilhas sonoras feitas para cinema.


“Stories to Tell” – Flora Purim (1974)
Terceiro disco solo de Flora e segundo dela em terras norte-americanas. Ou seja, vindo um ano após o seu debut “Butterfly Dreams”, no mesmo ano de“Hot Sand”, do então marido Airto Moreira, e dois da estreia com Chick Corea na Return to Forever, “Stories...” a consolida como a musa do jazz brasileiro. Ainda por cima tem Carlos Santana, George Duke, Ron Carter e o próprio Airto compondo a “bandinha”. E que voz é essa a dela?! 




“Amor de Índio” – Beto Guedes (1978)
Dos discos mais célebres da chamada “segunda fase” do Clube da Esquina. A galera tá toda lá: Milton, Brant, Toninho, Tiso, Venturini, Tavinho, Caetano e, claro, Ronaldo Bastos, produtor, compositor com Beto da faixa-título e autor da icônica foto dele enrolado no cobertor usada por Cafi na arte da capa.



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa e fanpage Gira Brazil - Gira Música