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segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Os 100 Melhores Filmes de Terror da IndieWiere (e aquelas 12 títulos que faltaram)


 
Cada vez mais fica claro que listas são feitas para serem complementadas. As famosas (e polêmicas) seleções de melhores do cinema não desmentem: por mais criteriosas que sejam em suas elaborações, sempre deixam aquela sensação de que algo faltou. Ainda mais quando o tema envolve os melhores “de todos os tempos ", que, por motivos óbvios - o de abarcar tudo que o universo daquela temática ou recorte deve oferecer -, corre muito mais risco de erro.

"O Iluminado", um clássico do terror incontestável.
Mas há outros
Caso da lista divulgada recentemente pelo IndieWire, reconhecido portal sobre cinema, que elaborou uma publicação com os 100 melhores filmes de terror de todos os tempos. Por si só, aliás, um gênero polêmico, seja pela classificação de um filme dentro desse gênero (às vezes, discutível se é terror ou não), seja pela paixão que exerce sobre seus milhares de fãs (o que supõe uma maior diversidade de preferências). 

Porém, a IndieWire encarou a empreitada. E o fez muito bem, por sinal. Tem de tudo: zumbi, monstro, slasher, vampiro, espírito, lobisomem. Sangue, morte e medo para todos os gostos. Podem se achar listados os principais filmes de terror que se conhece. Clássicos incontestes como "O Iluminado", "O Bebê de Rosemary", "Tubarão" e "O Massacre da Serra Elétrica" estão lá. Igualmente, a consideração a obras nem tão badaladas, mas inegavelmente merecedoras, tal "A Beira da Loucura", de John Carpenter (69°), "Irmãs Diabólicas", de Brian De Palma (87°) e "Violência Gratuita", de Michael Haneke (15°). Até mesmo a primeira colocação a "Possessão" (de Andrezej Żulawski) surpreende, mas é bem interessante em se tratando de uma lista claramente revisionista. Também é apreciável o prestígio aos orientais com várias produções do Japão e Coreia do Sul da década de 50 até a de 2000. Como diz a própria publicação, “prestamos atenção às seleções que abriram caminho em inovações para o gênero e para o cinema como um todo”.

No entanto, há controvérsias, claro. A começar pela má colocação de alguns títulos que fazem jus a uma melhor pontuação, seja por sua importância para o gênero ou para a própria história do cinema, como "A Hora do Pesadelo", pondo o icônico Freddie Krugger apenas no 98° lugar; o referencial "Psicose", obra-prima de Alfred Hitchcock e possivelmente top of the tops numa relação mais tradicional, aqui contentando-se somente com o 39° posto; ou o já citado "O Bebê...", 42°, recorrentemente tido como um dos principais filmes da história do cinema em todos os gêneros. E "Nosferatu" de Murnau, na 40ª? Ou "O Exorcista" só 51ª? Sinistro...

Mas são as ausências que mais gritam tal qual a mocinha clichê fugindo do serial killer no meio da noite. Ver uma seleção de 10 dezenas de obras de terror e enxergar algumas sendo esquecidas (ou preteridas) motiva àquilo que referimos no início do texto: o ímpeto de querer complementá-la. Por isso, trazemos aqui 12 títulos não listados pela IndieWire, mas que consideramos essenciais de constarem. Tirar alguns? Ampliar? Adicionar aquele "plus"? Tanto faz. Importante é contribuir com mais filmes certamente cabíveis numa lista como esta: legal, mas incompleta. Os amantes do terror hão de concordar.


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"O MAL QUE NOS HABITA", de Damián Rugna - ARG (2023) - Um desses recentes, mas que já mexeu com as estruturas do universo do horror é o aterrorizante argentino "O Mal Que nos Habita". Tem possessão, tem gore, tem violência extrema, tem canibalismo, tem sobrenatural, tem perseguição e, de quebra, ainda, na entrelinha, crítica social. A gente fica apavorado com o que vê, cenas gráficas e sangrentas daquelas de fechar os olhos, como a famosa sequência do cachorro matando a menininha; espantado com o que aconteceu mas não viu, como o garoto que comeu a avó; e amedrontado pelo que não vê, a maldição que persegue os moradores de uma cidadezinha interiorana na argentina e que pode estar em qualquer um, em qualquer lugar. Um dos grandes filmes do gênero nos último anos.





"TERRIFIER", de Damien Leone - USA (2016) - "Terrifier" surgiu meio que como um cult. Era uma espécie de clássico do underground daqueles que só tinha visto quem conseguia por algum meio menos convencional. Mas o fato é que, mesmo difícil, restrito a alguns fanáticos sanguinários e incansáveis ratos de internet, o filme era muito comentado pelas barbaridades, atrocidades e brutalidades de um palhaço mímico que comete uma verdadeira carnificina numa noite de Halloween. E de fato, a fama não era a toa. "Terrifier" é dos filmes mais brutais que já assisti. As coisas que faz o palhaço Art são duvidáveis até para o mais acostumado fã de slashers. Tipo, "Ele não vai fazer isso... não vai fazer...  Fez!!!". O visual da fantasia preto e branco com uma mini-cartola, aquele sorriso sujo assustadoramente amplo, a determinação em seus objetivos assassinos, o sadismo doentio, e o talento para as execuções de suas vítimas fazem de Art um dos novos grandes matadores do cinema e mais um personagem clássico do horror.



"INVASÃO ZUMBI", de Yeon Sang-ho - KOR (2016) - Os zumbis foram mudando ao longo da história do cinema desde que George Romero os 'inventou". Já foram apalermados, organizados, individualistas, inconscientes, cruéis, devoradores, possuídos, experimentais... Em "Invasão Zumbi" um dos grandes baratos é que ao invés de zumbis lentos, descoordenados, capengando com os braço estendidos para a frente e babando, temos zumbis rápidos. Velozes, determinados, imparáveis e vorazes! A partir do momento que o primeiro infectado entra no trem de Seul para Busan o frenesi não tem mais fim. Aí ele morde um que morde outro que morde outro, e os corredores apertados do trem são o cenário perfeito para um dos filmes de zumbi mais alucinantes que já se viu.





"ATIVIDADE PARANORMAL", de Oren Peli - USA (2007) - Sei que o found-footage já tá enchendo no saco de tanta coisa que se fez no formato desde o sucesso do fenômeno "A Bruxa de Blair", mas não dá pra ignorar e deixar de fora o igualmente criativo "Atividade Paranormal". Basicamente uma câmera num tripé posicionada no quarto de um jovem casal que suspeita sua casa, suas vidas, estejam sendo atormentadas por alguma força sobrenatural, um espírito, um demônio ou algo assim. Para tentar tranquilizar a esposa Katie e esclarecer as dúvidas, o marido, Micah, aficionado por eletrônicos, vídeos, filmagens, coloca câmeras gravando o tempo inteiro em vários pontos da casa, inclusive no dormitório do casal. É, e para desespero dos dois, as imagens revisadas nos dias seguintes às gravações, depois de suas noites de sono, confirmam seus piores temores: tem alguma coisa lá. Simples? Sim, mas eficiente. O passar dos dias, o aumento gradual da atividade, dos fenômenos mantém o interesse do espectador. Sem graça? Uma câmera fixa na mesma posição... Que nada! Aquele silêncio, aquela imagem parada na amplitude do quarto faz a gente ficar com o olho atento a cada detalhe, a cada cantinho. Será que a porta vai mexer? Será que sai alguma coisa debaixo da cama? E o lençol? E o chinelo? E o pé dela? E o pé dele?... Pior é, depois de ver o filme, ir dormir e ter que apagar a luz do quarto.



"CREEPSHOW", de George A. Romero - USA (1982) - Se um filme dirigido por George A. Romero com argumento e roteiro de Stephen King, inspirado nos clássicos quadrinhos de terror dos anos 50 não é uma das melhores coisas do mundo do terror, eu não sei mais o que é bom ou não. Com todo aquele colorido e visual de HQ na tela, com arte desenhada, fontes Comic Sans, layout de tela como uma página de papel, os mestres do terror nos apresentam cinco contos recheados de medo, morte, sangue e humor, com mortos-vivos, criaturas assassinas, coisas de outros planetas, infestações incontroláveis, em tramas envolventes que desfilam ódio, traição, vingança, ambição e repugnância. King, Romero, quadrinhos, sangue, decapitações, zumbis, insetos nojentos, monstros... O que pode ser melhor que isso?







trailer de "Creepshow"



"O SEGREDO DA CABANA"
, de Drew Godard - USA/CAN (2012) - Reverência e crítica ao mesmo tempo, "O Segredo da Cabana" brinca com os clichês dos filmes de horror construindo a partir disso, por incrível que possa parecer, uma obra inteligente e singular. Grupo de jovens, cabana no meio do nada, lenda local, livro no porão, despertar de algo sobrenatural... Sei, sei. Já vimos tudo isso. Mas e se tudo isso estivesse sendo meticulosamente controlado por uma espécie de central mundial de eventos paranormais que decide qual monstro, assombração ou criatura será destinado para cada local, e quando e como o maligno deverá agir? Tipo de arma, tipo de morte, ambiente, essas coisas... Enquanto o 'escolhido' entra em ação, os funcionários do local, que já prepararam tudo, luz, nevoeiro, trilhas, dificuldades, obstáculos, apostam entre si, enquanto assistem por um circuito privado de vídeo, como se dará, efetivamente, cada execução: morte rápida, lenta, decapitação, mutilação, estrangulamento, muito sangue, pouco sangue, etc. Lá pelas tantas as coisas fogem do controle desse pessoal da retaguarda da 'empresa' e dois dos jovens descobrem suas instalações secretas subterrâneas, e é quando muita coisa passa a entrar em jogo, incluindo a existência da humanidade se aquela horda de aberrações, mantida até então sob controle, for libertada e sair pelo mundo afora. A hora em que os garotos abrem os elevadores das criaturas é um dos momentos de maior caos que já se viu em filmes do gênero, e ao mesmo tempo um dos momentos mais "lindos" para fãs de terror. Tudo está ali: Lobisomens, vampiros, bruxas, ciclopes, górgonas, dragões, duendes doentios, crianças malignas, palhaços assassinos, répteis gigantes, zumbis famintos, surgem todos ao mesmo tempo, remetendo a diversas referências do mundo do cinema que entusiastas do gênero com certeza não deixam de notar. "Hellraiser", "It", "O Chamado", "Poltergeist", "O Iluminado", "A Noite dos Mortos-Vivos", "A Múmia", "O Monstro da Lagoa Negra", "O Massacre da Serra Elétrica" e outros mais... todos estão homenageados nas celas de vidro ou corredores de sangue da tal 'empresa', a fábrica de pesadelos do diretor Drew Godard. Um deleite para nós, cultuadores desses filmes! Uma crítica ao cinema hollywoodiano, seus vícios, seus padrões, seus métodos, sua influência e abrangência, mas também, de certa forma, uma cutucada quanto ao mundo em que vivemos como um todo, no qual uma minoria de poderosos, 'donos do mundo', decide como as coisas são e como devem continuar sendo. 


"POLTERGEIST, O FENÔMENO", de Tobe Hooper – USA (1982) - Assim como "O Exorcista", "Tubarão" e "Pânico", o filme de Tobe Hooper - àquela altura, início dos anos 80, bem melhor aparado pela indústria do cinema do que quando realizou na raça o independente "O Massacre da Serra Elétrica" em 1974 - é daqueles que títulos que, independentemente da colocação conforme o critério adotado para a seleção, não pode faltar a uma lista de 100 best horror of all times de jeito nenhum. Produzido por Steven Spielberg e com trilha do craque Jerry Goldsmith, além do enorme sucesso que fez à época de lançamento, tornando-se um marco dos filmes de terror assim como os citados acima, "Poltergeist" "cumpre" algo que nem sempre filmes do gênero, por mais bem feitos que sejam, conseguem alcançar: ele assusta. Depois de assisti-lo, nunca mais se olha para uma árvore ao lado da janela da mesma maneira.



“O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO”, de José Mojica Marins - BRA (1968) - O máximo que a lista da IndieWire vai fora da América do Norte, da Ásia ou da Europa é um filme do Oriente Médio (“Garota Sombria Caminha pela Noite”, do Irã) e outro da América do Sul, o chileno “Santa Sangre”. Talvez por essa pouca atenção além do circuito tradicional tenham deixado de voltar seu olhar para o Brasil e o seu grande ícone do cinema de horror: José Mojica Marins, o homem por trás do personagem cujo mundo é tão estranho quanto magnífico. Os gringos que não se façam de loucos, pois o conhecem muito bem como Coffin Joe, quando o brasileiro foi descoberto nos festivais internacionais de cinema como Avoriaz, nos anos 90, e passou a ser cultuado. Poderia ser o seminal “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” ou o lisérgico “O Despertar da Besta”, mas “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” é sua obra mais bem acabada e sintética do estilo híbrido de seu cinema, que vai do trash e o vampirismo ao gótico e o body horror.



“O MENSAGEIRO DO DIABO”, de Charles Laughton – USA (1955) - Se tem um filme absolutamente injustiçado nessa listagem publicada esse filme é "O Mensageiro do Diabo". Clássico da segunda fase do cinema noir, o único longa dirigido pelo experiente ator inglês Charles Laughton impressiona pela perfeição em todos os aspectos fílmicos: fotografia, roteiro, edição, trilha, atuações. E que atuações! Robert Mitchum, que encarnaria o perigoso Max Cady na primeira versão de "Cape Fear" 12 anos depois, leva muito para aquele papel o clima do personagem deste filme, o assassino de viúvas ricas Harry Powell. Mas não só Mitchum: a perseguida Willa, vivida por Shelley Winters e, principalmente, as crianças (Lilian Gish e Billy Chapin) dão um show de interpretação, lembrando o desempenho acima da média de outra dupla de pequenos atores noutro título clássico do terror: "Os Inocentes" (41° da lista).





“AS DIABÓLICAS”, de Henri-Georges Clouzot – FRA (1955) - Um dos critérios adotados pela IndieWire para compor a lista é de que os filmes não fossem somente fantásticos, mas também dessem medo. Seguindo esta lógica, "As Diabólicas" não estar presente é definitivamente um equívoco. Uma das mais marcantes obras da cinematografia francesa dos anos 50 pré-Nouvelle Vague, "As Diabólicas" assusta pra caramba! Michel Delassalle dirige com mão de ferro um pensionato para meninos, assistida por sua doce esposa Christina. Ele tem por amante Nicole Horner, professora da instituição. Cansadas do despotismo de Michel, as duas mulheres unem para assassiná-lo. Alguns dias depois do crime, no entanto, o cadáver desaparece e situações estranhas começam a se suceder. Esteticamente impressionante, algo expressionista, é contado de forma magistral pelo diretor Henri-Georges Clouzot, mestre de narrativas tensas a se ver pelo sufocante Palma de Ouro "O Salário do Medo", de 1953. O ambiente sombrio do pensionato, a figura arrepiante de Simone Signoret como a fria Nicole e, principalmente, as reviravoltas do roteiro, fazem deste filme uma obra-prima do gênero do terror. Ah: e é uma das inspirações de Hitchcock para produzir "Psicose". Não precisa dizer mais nada, né?


trailer de "As Diabólicas"



"A CASA QUE PINGAVA SANGUE", de Peter Duffell - ING/IRL (1971) - Típico filme de terror inglês "das antigas": histórias criativas, instigantes e bem contadas. Reunião de quatro histórias que são contadas ao Inspetor Holloway, que investiga o misterioso desaparecimento do ator de filmes de terror Paul Henderson após mudar-se para uma antiga casa. Assassinos que saem dos livros para a realidade, um museu de cera que desperta desejos proibidos, uma menina alijada de uma boneca e uma capa capaz de dar poderes a um homem fazem dessa reunião de pequenos filmes - mas interligados entre si - daqueles clássicos que dava gosto de assistir na tevê com a dublagem da TKS. E ainda conta no elenco com o veterano Peter Cushing, que viveria Sherlock Holmes no cinema em 1984, e ele: Christopher Lee, lenda do terror.





“HALLOWEEN III – A NOITE DAS BRXAS”, de Tommy Lee Wallace – USA (1982) - Tá ok: já tem o clássico “Halloween” do Carpenter, o filme que melhor captou o lado sombrio dessa comemoração muito peculiar da cultura norte-americana, abrindo a porta para uma interminável sequência que perdura até hoje, mais de 40 anos após seu lançamento. Mas é impossível não referir nessa relação de melhores de terror uma dessas sequências, a de nº 3. Curiosamente (e isso é uma das qualidades do filme de Tommy Lee Wallace), não tem nada a ver com a história do assassino Michael Myers entabulada nos até então outros dois anteriores. Mas a principal qualidade de “Halloween III” é o de ser absolutamente arrepiante como poucos filmes o são. Antecipando a viagem paranoico-televisiva de “Videodrome” de Cronenberg e resgatando ideias de obras como “Invasores de Corpos”, dos filmes de zumbis, inova a abordagem dos filmes de bruxa ao adicionar, inclusive, a crítica ao sistema capitalista, capaz de penetrar no cérebro dos consumidores e lobotomizá-los para vender seus produtos. Isso tudo sem deixar de ser sanguinolento. Em uma época em que se começava a discutir os efeitos nefastos da propaganda subliminar, é de arrepiar só de ouvir aquele jingle maldito mas aparentemente inocente.



Cly Reis
Daniel Rodrigues

quinta-feira, 22 de abril de 2021

"Se algo acontecer... te amo", de Will McCormack, Michael Govier (2020)

VENCEDOR DO OSCAR DE
 MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO


"Se algo acontecer... te amo" é pesado, é duro, é triste. Não sei se é porque eu tenho uma filha, exatamente da mesma faixa de idade da criança retratada no pequeno filme, mas o fato é que ele me tocou de uma menaira muito significativa. O curta-metragem de animação que concorre ao Oscar na categoria, é muito competente em nos transmitir a sensação de infinita desolação, a inconformidade, a impotência de dois pais que acabaram de perder a filha de 10 anos num tiroteio, causado por um atirador, dentro da própria escola. O filme consegue nos colocar dentro daquela dor. A arte, de traços simples mas muito expressiva e sensível, faz com que o espectador divida aquilo com os pais, também fique indignado, se compadeça; e seu silêncio torna tudo mais angustiante e comunica mais que qualquer enxurrada de palavras. O filme, mesmo mudo e em sua curta duração conduz muito bem a história, uma vez que, num primeiro momento, sequer sabemos o porquê daquele casal se encontrar tão arrasado e inerte. Aos poucos vamos entendendo que ali há uma ausência e de quem se trata, ainda que o motivo da ausência só venha a ser, efetivamente revelado, mais adiante e, diga-se de passagem, de uma maneira muito elegante, limpa, mas sem perder o impacto. 

O casal, que não consegue encarar a morte da criança, acaba por formar uma barreira entre eles mesmos e perece cada vez mais afundar naquela depressão. Curiosamente, a constante presença da filha, contida em cada parte da casa, em objetos, em ações rotineiras, se por um lado faz com que eles sucumbam gradualmente, é, também, o que os faz reagir, entender que ambos têm um ao outro e, resolver, mesmo com toda dor, seguir em frente.

"Se algo acontecer..." é um bom filme e bom candidato a levar o prêmio de animação da Academia. O filme, além de suas qualidades e de tratar de temas como relações familiares e depressão pós-traumática, traz um importante recado sobre a questão dos armamentos e de como um desajustado qualquer, um frustrado, um fundamentalista ou qualquer coisa do tipo, com uma arma na mão, pode, num piscar de olhos, acabar com vidas inocentes, com futuro de pessoas cheios de vida, sonhos e planos, bem como das pessoas pessoas que as rodeiam. Se em "Se algo acontecer... eu te amo" a vítima, figurativamente, "ajuda" os pais a se reerguerem, em muitos casos isso não acontece e, nesses casos, aquela arma, aquele desatino, não terá levado somente uma vida...

O casal, sentindo suas vidas sem sentido, depois da tragédia,
 se afasta cada vez mais um do outro.



por Cly Reis

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

"Manhunter - Caçador de Assassinos" ou "Dragão Vermelho", de Michael Mann (1986) vs. "Dragão Vermelho", de Brett Ratner (2002)



Tom Noonam até é um bom vilão, é convincente, é assustador, mas Ralph Fiennes, no mesmo papel, como o desequilibrado Francis Dolarhyde, com sua insegurança imprevisível, joga mais; William Petersen faz um bom policial Will Graham, correto, sem defeitos, mas Edward Norton, é mais jogador ; Joan Allen como a cega Reba está normal, dá conta do recado, mas Emily Watson, desempenhando a mesma função, é show de bola; Brian Cox, mesmo com uma aparição muito breve, faz um Hannibal Lecter discreto em campo, suficiente para sua posição, mas Anthony Hopkins, que já imortalizara o personagem no cinema em "O Silêncio dos Inocentes", é sacanagem!!! É craque! Michael Mann até é mais técnico que Brett Ratner, mas isso não basta para que o time de "Manhunter" de 1986, seja superior ao do "Dragão Vermelho" de 2002.
A refilmagem é mais completa, desde a introdução ao personagem de Hannibal Lecter, nos dando detalhes de como ocorrera sua captura, passando pelo próprio afastamento do policial Graham decorrente dessa prisão, chegando a uma construção melhor do serial killer, fazendo-o mais presente ao longo do filme e aperfeiçoando sua relação com o espectador.
O filme original passa longe de ser ruim. Na verdade é um cult policial dos anos 80, mas a refilmagem soube utilizar o que o antigo tinha de bom, aprimorar a estratégia de jogo tão bem e ainda preencher espaços vazios do campo.
Nos dois filmes, um agente do FBI, Will Graham, aposentado por questões físicas e emocionais depois dos incidentes que levaram à prisão do canibal Hannibal Lecter, é chamado a voltar às atividades para investigar um novo serial-killer que vem matando famílias, dentro de suas próprias casas e colocando cacos de espelho no lugar dos olhos das vítimas. O curioso é que o assassino, apelidado entre os policias e pela imprensa de Fada-do-Dente, parece ter conhecimento das casas, do dia a dia das famílias e isso intriga o FBI. Graham concorda em voltar à ativa e entende que, por mais desagradável que seja a melhor maneira de entrar na mente de um psicopata é consultando outro. Sim! Ele decide então pedir ajuda ao homem que capturara, Lecter que, além de um bom gourmet de carne humana, era também um conhecido e respeitado psiquiatra e poderia dar alguma colaboração no entendimento das razões e perfil psicológico do novo assassino. O problema é que o Dr. Lecter não é lá flor que se cheire e faz um jogo duplo com o agente, ao mesmo tempo lhe dando dicas sobre o serial killer mas fornecendo, mesmo de dentro da cadeia, informações sobre o agente ao procurado, deixando-o extremamente exposto ao criminoso.
Fora os elementos já citados como a apresentação do episódio que viria a levar à prisão de Lecter, o aproveitamento melhor do personagem canibal ao longo do filme, a presença mais constante do Fada-do-Dente no decorrer do longa, a maior importância dada à colega cega do assassino no enredo, há uma diferença fundamental entre os filmes que é o final. Sem dar spoiler, enquanto o antigo se encerrava no embate entre o Graham e Dollarhyde, numa das mais cultuadas cenas do cinema policial, a segunda versão vai além desse momento, se estendendo para um final mais dramático e operístico na casa do agente.

"Manhunter" - cena final


"Dragão Vermelho" - cadeira de rodas em chamas

A sequência incial do concerto, do jantar e de Graham capturando Lecter, é gol para o novo filme logo nos primeiros minutos de jogo; e o matador Fada-do-Dente põe fogo no jogo fazendo o segundo para o remake com toda a sequência da cena do repórter em chamas colado na cadeira de rodas, muito mais impactante que a do original. Por outro lado, ainda que a extensão do epílogo da nova versão seja bem interessante, o primeiro final, cultuado pelos fãs, com a entrada do policial estilhaçando a vidraça, a luta entre os dois dentro da casa de Dolarhyde, a troca de tiros e a fotográfica posição do corpo formando o Dragão Vermelho, tudo ao som alucinante de "In-A-Gadda-Da-Vida", do Iron Butterfly, garante um golaço para o time de 1986. Por mais que Edward Norton e Ralph Fiennes estejam muito bem em seus papeis, os do original, William Petersen e Tom Noonan, não desapontam em nada e esse quesito não constitui vantagem pra nenhum dos lados, mas aí o craque desequilibra e Anthony Hopkins, com seu Hannibal Lecter, garante mais um para o remake de 2002. Só que como muitos jogadores espetaculares, Hannibal é temperamental e logo depois de fazer o gol, dá uma mordida no adversário, ao melhor estilo Luís Suárez, e deixa seu time com uma menos em campo, o que acaba não fazendo diferença pelo bom esquema de jogo montado pelo seu técnico. A propósito, no que diz respeito à direção, mesmo com um jogo correto, bem estruturado de Brett Ratner, Michael Mann joga mais e guarda o seu lá no fundo da meta adversária. Mas o placar fica assim: 3x2 para o remake num jogo emocionante.

De cima para baixo,
os dois agente Graham, os dois Fada-do-Dente e os dois Hannibal Lecter.
À esquerda os da versão original de 1986 e à direita os da refilmagem de 2002.

Bom jogo de dois times mordedores e com matadores de ambos os lados.




Cly Reis

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Os 12 personagens mais assustadores do cinema


O cinema é capaz de mexer com as nossas emoções como pouca coisa consegue, mesmo a gente sabendo que, na grande maioria das vezes, aquilo que estamos vendo seja apenas uma encenação. Somos, com total aceitação, levados a acreditar na “mentira” e com ela se comover. Jean-Claude Carrière, fascinado por essa magia que talvez apenas o cinema tenha no universo das artes, comenta em seu “A Linguagem Secreta do Cinema” que os instrumentos de persuasão do cinema podem parecer simples: emoção, sensação de medo, repulsa, irritação, raiva, angústia. Mas, pontua ele, “na realidade, o processo é muito mais complexo”, provavelmente até indefinível. “Envolve os mais secretos mecanismos do nosso cérebro, incluindo, talvez a preguiça, a natural indolência, a disposição para renunciar às suas virtudes por qualquer adulação.”

Isso explica em parte porque sentimos tanto medo de alguns personagens. E não estou falando apenas dos assassinos dos filmes de terror: há pessoas (afinal, acreditamos que elas, mesmo lá dentro da tela, existam de verdade) que, mesmo num drama ou outro gênero menos horripilante nos provocam igual sensação de temor. Quando essa magia intrínseca do cinema observada por Carrière se junta ao talento de cineastas e atores, a química é bem dizer infalível. Aí, soma-se a isso ainda nossa aceitação quase pueril ao que vemos e dá pra imaginar o que acontece: frio na espinha.

Ainda por cima, o universo dos vilões aterrorizantes é inegavelmente fascinante. Quem, mesmo tremendo as pernas a cada gesto que o dito cujo venha a dar, não aprecia (ou pelo menos reconhece que é sui genneris) a figura de um Freddy Krueger ou Michael Myers? Mas, como disse, não tratamos aqui somente dos carniceiros, afinal, destes é até previsível que imputem medo. Elencamos aqueles personagens e seus respectivos atores cujos papeis são tão críveis que não faríamos nenhuma questão de cruzar com eles algum dia na vida – e não precisa nem ser uma pessoa, inclusive.



O penetrante olhar do canibal Lecter.
1 – Hannibal Lecter (Anthony Hopkins)
O absolutamente frio psiquiatra, que atravessou a fronteira da sanidade para passar a matar por prazer – às vezes, até se alimentando de suas vítimas, dando-lhe o simpático apelido de Hannibal “Canibal” –, é provavelmente o mais célebre psicopata da história do cinema. Hopkins, com talento e muita sensibilidade, dá vida ao personagem do escritor Thomas Harris, o qual aparece pela primeira vez na tela no clássico “O Silêncio dos Inocentes” (Demme, 1991). Continuou assustador em outros longas, “Hannibal” (2001), “Dragão Vermelho” (2002) e “Hannibal - A Origem do Mal” (2007), mas vê-lo no primeiro e disparado melhor da série é até hoje imbatível em termos de qualidade cênica – e de medo também.





2 – Norman Bates (Anthony Perkins)
É inegável que as patologias psíquicas dão muito substrato para a criação deste tipo de personagem, seja na literatura ou no cinema. E claro que os diversos transtornos mentais existentes são um prato cheio para roteiristas. Norman Bates, psicótico atormentando pelo Complexo de Édipo encarnado como jamais o próprio Perkins conseguiu igualar, é até hoje um enigma que desafia os psiquiatras. Mas numa coisa todo mundo concorda: o cara dá medo pacas! Com a mão habilidosa de Alfred Hitchcock"Psicose", de 1960, tem talvez o melhor personagem de um thriller no melhor filme do mestre do suspense.


Monólogo final de Norman Bates - "Psicose"


Pacino, mais assustador que
muito serial-killer.
3 – Michael Corleone (Al Pacino)
Os filmes de máfia são recheados de personagens marcantes e não raro assustadores, pois altamente violentos. Porém, talvez pelo tratamento literário de drama dado por Mario Puzo, pela escolha acertada de Coppola do jovem Pacino para o papel e, obviamente, pelo talento do ator, nenhum se compare ao filho mais novo de Don Corleone. Empurrado pelo destino para o crime organizado, o ex-oficial do Exército tornou-se, mais do que qualquer outro de seus irmãos, o chefão mais impiedoso e frio da cosa nostra. Se no primeiro longa vê-se sua conversão à máfia até a natural sucessão ao pai, em "O Poderoso Chefão - parte 2", de 1974, ele está mais apavorante do que muito serial killer. Com um olhar, ele faz qualquer um congelar. Poderoso, dá-se direito a qualquer coisa, e nunca se sabe o que está maquinando naquela mente obsessiva. Coisa boa, não é. Seja nos acessos de raiva, seja no mais contido e calculista silêncio, Michael é apavorante.





Close com um sorriso nada covidativo.
4 - Alex Forrest (Glenn Close)
Não são apenas homens que fazem o espectador arrepiar. A maníaca de Alex Forrest, de “Atração Fatal” (Lyne, 1988), vivida por Glenn Close, é o melhor exemplo. Inconformada com um “pé na bunda” que levara de um homem casado, Dan Gallagher (Michael Douglas), com quem tivera um caso, ela passa a persegui-lo e a assombrar não apenas a ele, mas toda a sua família. Memoráveis cenas, como a do coelhinho de estimação da filha de Dan cozinhando na panela ou quando, depois de uma briga em que ele quase a estrangula, ela solta um sorriso horripilante, não deixam dúvida da força dessa personagem. Aliás, através da psicopatia, um símbolo à época do novo comportamento feminino, que não aceita mais a imposição machista nas relações. Não tem mais perdão: traiu, é penalizado.





5 - Alien (Bolaji Badejo)
Na magia do cinema, o medo pode vir da maneira que se bem entender. Pois não é a forma humana do ator nigeriano Bolaji Badejo que configura o seu personagem mais marcante. É a fantasia que ele veste, a do extraterrestre mais apavorante do cinema: Alien. Vários da mesma espécie dão as caras no bom “Aliens - O Resgate” (Cameron, 1986) e nas desnecessárias sequências. Mas nada se compara à excelente ficção-terror de 1979, de Ridley Scott, em que apenas um exemplar da espécie vai parar dentro da nave espacial em uma missão cheia de problemas. Um, aliás, é mais que suficiente para botar terror em todo mundo. O mais interessante é que o bicho não é muito visto, pois há o recurso fotográfico e cênico de dificultação do olhar, como pede um bom thiller. O vemos de fato, por inteiro e em luz suficiente, apenas mais para o fim da fita, quando o clímax já está lá em cima. Aí, só resta se segurar na poltrona.


Cena do gato de Ripley - "Alien, o oitavo passageiro"


O Cady da primeira e o da segunda vaersão.
6 - Max Cady (Robert De Niro)
Um dos maiores atores da história, De Niro de tempo em tempo encarna figuras assustadoras, desde o taxista louco de “Taxi Driver’ até o comerciante de escravos Rodrigo Mendoza de “A Missão”. Mas nada se compara a Cady, em que revive o já ótimo personagem de Robert Mitchum na versão que inspirou Martin Scorsese a rodar "Cabo do Medo", de 1991 (“Círculo  do Medo”, 1962). União de QI elevado e músculos, o algoz da família Bowden é capaz de, aliado à abordagem do roteiro, confundir os papeis de vilão e herói. Quem é mais filha da puta ali: o ex-presidiário que se vale da liberdade para perseguir os outros, o advogado que o prendeu deliberadamente, a esposa conivente ou as leis da sociedade, interpretáveis e permissivas?






7 - HAL-9000 (Douglas Rain – voz)
Quem disse que só a violência do homem ou a selvageria do bicho podem assustar? A inteligência, quando direcionada para o lado ruim, é devastadora. Ainda mais quando essa inteligência for artificial, como a do computador HAL-9000, o cérebro-mãe da nave especial de "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968). Kubrick e Clarke criam o personagem mais estático e, talvez até por isso, amedrontador do cinema moderno. Mirar aquele seu “olho” de plástico é deparar-se com a frieza inumana capaz das piores coisas. Através de meticulosos comandos, a máquina, rebelde e neurótica, põe à sua mercê toda a tripulação, afetando, mesmo depois de “morto”, toda a expedição. Detalhe: a voz original de Douglas Rain já é suficientemente aterradora, mas a da dublagem para o português, feita pelo célebre Marcio Seixas na clássica versão da Herbert Richards, consegue superar.

Dublagem clássica de HAL-9000 - "2001: Uma Odisseia no Espaço"




8 - Zé Pequeno/Dadinho (Leandro Firmino da Hora/ Douglas Silva)
Tem que ser muito sem noção para dizer para um mal-encarado “como é que tu chega assim na minha boca?!” Não precisa ser cinéfilo pra conhecer a resposta que é dada, pois é naquela cena que um dos personagens mais incríveis do cinema dos últimos 30 anos surgia ainda mais temível. Se o pequeno Dadinho já apavorava por se ver uma criança com sede de matar nos olhos, o jovem traficante vivido magistralmente por Firmino em “Cidade de Deus” (2002), então, “lavou a égua” neste quesito. Violento, entorpecido, marginal, cruel. Como não esbugalhar os olhos quando esse cara manda matar uma criança pequena a sangue frio? Ninguém se meta com Dadinho! Ops! Agora é Zé Pequeno, foi mal aí.






O brilhante personagem de Barden.
9 - Anton Chigurh (Javier Barden)
Os irmãos Cohen são mestres do anticlímax, uma vez que seus filmes se valem largamente desse expediente, usado por eles com muita habilidade de forma a gerar impactos surpreendentes no espectador pelo jogo oportuno de quebra ou confirmação da expectativa. O personagem Anton Chigurh, encarnado por Javier Barden no faroeste moderno "Onde Os Fracos Não Tem Vez" (2007), é montado todo em cima dessa premissa. Absolutamente inexpressivo e unidirecional, o psicótico Anton não sente nada, apenas mata. A naturalidade com que ele elimina suas vítimas não tem glamour nenhum. Ele simplesmente pega e mata, e nada é capaz de freá-lo. Fora isso, dá um pavor danado sempre que ele aparece com aquela arma de ar comprimido.







10 - Harry Powell (Robert Mitchum)
“Lobo em pele de cordeiro” é a melhor definição para Harry Powell. Afinal, quem desconfiaria que um pastor aparentemente cheio de boas intenções se revelaria um tirano doméstico da pior espécie? Se a interpretação de Mitchum fora superada pela de De Niro como Max Cady, esta de "O Mensageiro do Diabo" (Laughton, 1955) fica para a história do cinema como uma das mais fortes e impressionantes já vistas nas telas. Filme impecável, também mas não apenas pelas atuações. Mas Mitchum, inegavelmente é o destaque.

"Amor-Ódio" - "O Mensageiro do Diabo"



Mais insano que qualquer outro Coringa.
11 – Coringa (Heath Ledger)
 O alucinado e diabólico vilão das histórias do Batman é um dos personagens mais originais da cultura pop mundial. Interpretá-lo é, obviamente, um privilégio. George Romero o fez muito bem na série e até o craque Jack Nicholson mandou muito bem no papel, mas nada se compara ao que Heath Ledger fez em "O Cavaleiro das Trevas" (Nolan, 2008). Ele encarna Coringa, a ponto de, dizem, amaldiçoar-se, haja vista que morreu logo depois das filmagens. Ledger achou como poucos atores para o limiar entre a loucura e a lucidez, entre o burlesco e o austero. Menção que não podia deixar de faltar na lista.






12 - Jack Torrance (Jack Nicholson)
Se Stanley Kubrick já conseguira assustar com um computador, imagina quando ele volta toda a história para isso. É o caso do perfeito "O Iluminado" (1979), outra das obras-primas do cineasta costumeiramente reconhecido como o grande filme de terror de todos os tempos e a melhor adaptação de Stephen King para as telas. Mas seu impacto certamente não seria o mesmo se não tivesse a força de Nicholson no papel de Jack Torrance. Ele vale-se de toda sua técnica e sensibilidade cênicas a serviço da construção do personagem que vai perdendo o controle de sua sanidade, pois, mediunicamente vulnerável, sucumbe aos espíritos “sanguessugas” ligados àquele que Jack foi na vida passada: um serial killer que matou toda sua família.

por Daniel Rodrigues

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

10+1 Filmes de Terror Para Curtir no Halloween



Halloween pede um bom filmezinho de terror, não? É só ver por aí, hoje, as programações dos canais recheadas de títulos do gênero em todas as suas variações possíveis. Tem de demônios, de casa assombrada, de serial-killer, de zumbis, de mutilações e podreiras e assim por diante. O ClyBlog pediu para que alguns amigos listassem seus favoritos do gênero e reuniu os mais mencionados numa super lista de filmes altamente recomendáveis para os amantes do lado sinistro do cinema. Na verdade, a maioria deles já são conhecidos, batidos, alguns já são clássicos mas exatamente por conta dessa imortalidade, dessa aura mítica que os envolve é que merecem sempre serem assistidos de novo e de novo e de novo.
Então vamos a eles:


As perspectivas de Kubrick ficam mais sufocantes.
1. "O Iluminado", de Stanley Kubrick (1980)
Frequentemente apontado como o melhor terror de todos os tempos, o clássico de Stanley Kubrick não foi esquecido pelos votantes. Um escritor, Jack Torrance, se candidata a trabalhar como zelador num hotel nas montanhas na época de baixa temporada quando o mesmo fica completamente vazio e leva para lá sua esposa e seu filho pequeno. Só que lá ele começa a ser influenciado por "alguma coisa" e seu comportamento vai mudando chegando ao ponto de ameaçar a integridade física de sua própria família. Ao mesmo tempo o garoto começa a ter visões para o espectador vai ficando claro que alguma coisa de não muito bom andou acontecendo naquele lugar. A câmera em movimento e as perspectivas de Kubrick, sempre muito marcantes, talvez nunca tenham sido mais adequadas e perfeitas do que neste filme, causando uma sensação de opressão, claustrofobia e inquietude, especialmente nos momentos em que perambula pelos corredores quietos e vazios do hotel. E as meninas no corredor, e a mulher na banheira, e a cascata de sangue no elevador, e o REDRUM... Ah, cara, que filmaço!




2. "O Exorcista", de William Friedkin (1973)
Passa o tempo, surgem filmes e mais filmes de terror, aperfeiçoam-se as técnicas, surgem novos recursos, mas "O Exorcista'continua lá, sempre sendo lembrado como um dos grandes filmes de sua categoria. Não é para menos, o drama da menina Regan possuída por um demônio é impactante visualmente ainda hoje mesmo com o avanço dos efeitos especiais. Como não lembrar da cena em que a garota vira completamente o pescoço?

As cenas mais impactantes de "O Exorcista"



3. "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski (1968)
Outro dos mais lembrados nas listas dos votantes e outro da "veterano" do terror. Clássico de Roman Polanski em que  um casal se muda para um novo apartamento e lá, Rosemary grávida, começa a suspeitar de um plano maligno dos vizinhos, um casal de idosos, com o próprio marido para fazer de seu bebê o Filho das Trevas. Filme muito mais inquietante, angustiante do que aterrorizante. Não é de dar medo mas mantém o espectador em um estado de tensão constante. Brilhante roteiro e excepcionais atuações, especialmente de Mia Farrow no papel principal. De um modo geral, o impacto visual é bem brando, mas, mesmo muito sutilmente e sem forçação nenhuma, a parte em que aparecem os olhinhos da criança é bem perturbadora.






4. "Evil Dead - A Morte do Demônio", de Sam Raimi (1981)
Como se faz um clássico? Com um sítio no meio da floresta, um grupo de amigos, pouca grana e uma câmera na mão. Exagerando é mais ou menos isso. Com baixíssimo orçamento, com alguns amigos, uma boa ideia, criatividade e muito talento, o então novato Sam Raimi, criava um dos filmes mais cultuados do gênero de terror. Um livro misterioso encontrado no porão de uma cabana onde um grupo de jovens vai passar um final de semana grupo de amigos que vai passar um final de semana dá início a uma demoníaca e sangrenta jornada de terror. Um espírito é libertado e cada um deles começam a ser possuídos pela entidade maligna. A cenas da câmera correndo rapidamente rente ao chão no meio da floresta com um efeito sonoro agoniante são muito legais e a da árvore estuprando a garota, uma das mais marcantes de todos os filmes de terror.


Tralier de "Evil Dead", A Morte do Demônio"




O Freddy vai te pegar...
5. "A Hora do Pedsadelo" de Wes Craven (1984)
O filme de Wes Craven consegue ter um dos personagem mias carismaticamente sinistros ou sinistramente carismáticos do cinema. Sabemos que Freddy Krugger, pedófilo, sequestrados e matador de criancinhas é um filha da puta mas aquele jeitão desleixado e seu humor negro fazem com que inevitavelmente mantenhamos alguma simpatia por ele. O fato do assassino se materializar no sonho dos adolescentes da cidade, filhos das pessoas que o queimaram vivo é um grande achado do filme e seu grande diferencial. Além de lhe conferir um charmoso toque surrealista, também lhe atribui características de desenho animado uma vez que o mundo dos sonhos possibilita de forma ilimitada variações de forma, espaço, dimensões, estado físico, etc. com uma justificativa muito mais natural do que teria em outra situação no mundo real.





Quem é aquela mulher?
6. "Psicose", de Alfred Hitchcock (1968)
"Ah, mas não é filme de terror!". Não é? Uma mulher é morta brutalmente a facadas no chuveiro por outra "mulher"... Como assim? Não havia mais ninguém no motel além do dono e gerente Norman Bates. Mas poderia ser sua mãe... Não! Ela e falecida. Mas então com quem ele conversa? De quem é aquela voz de mulher? O espírito da velha? Será? Não! Antes fosse. é algo pior. "Psicose" tem o grande mérito de ir mudando de gênero ao longo de seu desenvolvimento e ir moldando a expectativa do espectador: começa como um filme policial, um roubo; passa a ser um terror sobrenatural talvez, uma vez descartado a assombração, passa a ser um suspense e por fim descobrimos que é um filme de serial-killer. Ora, se um filme de assassino em série não é terror então que me desculpem Leatherface, Michael Myers e cia.






Samara, dos personagem mais marcantes
do mundo do terro nos últimos tempos.
7. "O Chamado", de Gore Verbinski (2002)
Uma das várias refilmagens americanas de originais japoneses e, neste caso, assim como em "O Grito" com competência e êxito. Pode-se  até discutir quanto a qual das versões é melhor mas é fato que a ocidental já um clássico do gênero. O filme da fita de vídeo matadora, à qual quem a assiste acaba morrendo em uma semana, mantém a tensão no alto o tempo inteiro por conta da expectativa de saber se a mãe, a jornalista Rachel, conseguirá em tempo hábil salvar o filho que assistiu à fita. A edição, muito videoclípica, nas cenas do tal VHS maldito é simplesmente agoniante, e Samara com sua cabeleira sobre o rosto e seus movimentos quebrados ao sair da tela e atacar as vítimas já é uma referência entre os personagens de horror.






Ih, tá na hora.
8. "O Exorcismo de Emily Rose", de Scott Derrickson (2005)
Outro dos novos clássicos este é um filme daqueles constantemente apontado como extremamente assustador, de não deixar dormir. Um dos motivos desta inquietação de provoca no espectador é o fato de ser baseado numa história real, o que inapelavelmente esfrega na nossa cara que TUDO AQUILO ACONTECEU DE VERDADE. Outro é a grande atuação da triz Jennifer Carpenter garantindo um incrível realismo às possessões. E outro ainda, possivelmente seja a tal da "hora do demônio" que tanto atormenta a jovem e depois as noites da advogada. Eu mesmo, quando vi, pensei duas vezes quanto a deixar o relógio ao lado da cama e quis dormir tão profundamente pra não correr o risco de acordar às 3 da manhã. Curiosamente é um filme de tribunal com flashbacks no referido exorcismo o que mais méritos lhe dá quanto ao fato de ser considerado tão assustador.






O vampiro repugnante de Murnau.
9. "Nosferatu", de F.W. Murnau (1922)
É incrível como muitos dráculas depois nenhum tenha conseguido superar esse. Baseado no "Drácula" de Bram Stoker, o filme do genial alemão F.W. Murnau traz um vampiro completamente fora dos padrões que depois nos acostumamos a ver no cinema,  o tipo bonitão e sedutor. Seu Conde Orlock é feio, bizarro, estranho e aterrorizante. Em 1922, mudo, com recursos primaríssimos de efeitos especiais, "Nosferatu" não é responsável apenas pela formação da linguagem do terror mas pela consolidação da linguagem cinematográfica como um todo. Obra-prima. Não é à toa que seu subtítulo é "uma sinfonia do horror".





O menino com seu "brinquedinho".
10. "Cemitério Maldito", de Mary Lambert (1989)
Filme que é cult desde que nasceu por conta da trilha sonora dos Ramones mas que, pode ter certeza, não fica só nisso. Depois de em um antigo cemitério indígena, revelado por um vizinho, ressuscitar o gato atropelado numa movimentada rodovia, o pai da família Creed desesperado pelo fato do filho ter tomado o mesmo destino que o mascote, resolve utilizar o mesmo recurso para reanimar o menino já sabedor que, assim como acontecera com o bichano, quem é enterrado naquele solo sagrado não volta como era antes. O filme tem cenas fortes de violência, de brutalidades, de mutilação especialmente as do menino com o bisturi na mão mas poucas coisas são mais aterrorizantes que a risadinha do garoto antes de aprontar "alguma das suas".






"Parece que tem alguém ali. Ih, tem alguém ali!"
10+1. "Os Inocentes", de Jack Clayton (1961)
Esse pra falar a verdade não foi tão votado mas é escolha da redação uma vez que eu e o Daniel, editores deste blog, adoramos esse filme e ambos os consideramos um dos grandes de todos os tempos. "Os Inocentes" conta a história de uma moça que vai trabalhar como governanta numa propriedade afastada para cuidar de duas crianças orfãs cujo tio, dono da casa, prefere se eximir da tarefa. O problema é que naquela casa enorme, naquela propriedade imensa, no jardim, no lago, a governanta começa a ver fantasmas. Só que os fantasmas não passam rápido, não "parece" que vimos alguma coisa. Eles realmente estão ali! E este é o grande mérito do terror do filme. É assustador pela sobriedade, pela leveza, pelo silêncio, pela fotografia primorosa e pela grande atuação de Deborah Kerr no papel da governata, Srta. Giddens. Na minha opinião tem um final um tanto exagerado, excessivamente teatral que contrasta com toda a sobriedade do restante do filme, mas o filme é taõ bom, tão bom o tempo todo que a gente até releva algum excessozinho que possa ter sido cometido no final. Mas nada demais! Não se deixe influenciar por essa última impressão. é obra de arte.



Agradecimentos a Claudia Melo; Vagner Rodrigues; Jowilton da Costa; Lisiane Möller; Thamy Lopes; Marcelo Silva; Roberta Motta; Roberta Miranda, José Júnior; Carolina Costa, Daniel Rodrigues, Valeska, Jamal e Lúcio Agacê que colaboraram nesta enquete.

Cly Reis