Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Salvador. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Salvador. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Exposições “Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás”, de Pierre Verger - Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) - Porto Alegre/RS


 

"Verger era um africano nascido na França”. 
Nondichao Bacalou, assistente de Pierre Verger

"Verger é a pessoa que historicamente vem se dedicando mais a essas relações com a África”.
Gilberto Gil

Quando estivemos em Salvador, em 2015, uma das certezas as quais saímos levamos na mala era a de que queríamos ver a obra de Pierre Verger. Tanto quanto a casa de Jorge Amado e Zélia Gattai, o Pelourinho, o Elevador Lacerda, a Sorveteria da Ribeira, o Mercado Modelo, a praia de Itapuã e outros elementos turísticos e culturais da capital baiana, ter contato com o estrangeiro que melhor entendeu e melhor se hibridizou àquela cidade era um desejo alentado por Leocádia e por mim. Conseguimos visitar uma loja da Fundação Pierre Verger com um pequeno acervo próxima ao Pelourinho, onde ficamos hospedados. Saímos com alguns souvenires e roupas temáticas, que até hoje nos fazem lembrar de lá. Porém, considerando os menos de cinco dias que pudemos ficar, e que naquela época qualquer movimento maior numa cidade que não se conhece podia ser realizada apenas de táxi, pois não existiam ainda os aplicativos de transporte, a matriz da fundação, no longínquo bairro Engenho Velho de Brotas, infelizmente, não deu para irmos.

A frustração de não conseguirmos nos estender na obra de Verger, acalentada por um remoto retorno a Salvador, foi parcialmente superada com uma dupla exposição do icônico trabalho do fotográfico do etnólogo, antropólogo e escritor francês em Porto Alegre. “Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás” trazem o olhar de Pierre Fatumbi Verger sobre a diversidade cultural e a influência recíproca da religiosidade nas culturas africanas e afro-brasileiras. Fez-nos sentir ainda mais em Salvador o fato de que mostra é uma parceria com a Fundação Pierre Verger e as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação.

“Todos iguais, todos diferentes?” traz um recorte dos retratos feitos por Verger a partir de seus encontros nas viagens que realizou pelo mundo durante mais de 40 anos. São imagens que, a partir de seu olhar, ressaltam os aspectos da diversidade cultural e do respeito ao outro. Vietnã, Espanha, Congo, Oceano Índico, Senegal, Bolívia, México, Togo, Peru, Mauritânia e, claro, Brasil, são alguns dos países e feições literalmente retratados no trabalho de Verger, que explora imagens em primeiro plano de indivíduos, que se tornam, mais do que apenas retratos de pessoas, mas uma intenção sociopolítica democrática e libertária típica da Antropologia Social da geração a qual ele pertenceu. Não errado dizer “de esquerda”.

Visão geral do primeiro salão de “Todos iguais, todos diferentes?”

Já “Orixás”... Nossa, “Orixás”! Este traz nada mais, nada menos do que uma seleção de fotografias ampliadas em grande formato que constam no livro homônimo de Pierre Verger, lançado pela primeira vez em 1981 e considerado como um dos 200 livros mais importantes para se entender o Brasil A exposição compila, de forma plástica e poética, as pesquisas de Verger sobre a história e mitologia dos orixás nas religiões afro-brasileiras, sobretudo em Salvador e Bahia, além de destacar a origem desses rituais na cultura e nos mitos iorubás africanos em países como Nigéria, Daomé (atual Benin) e Togo. Ao realizar esses estudos em suas viagens desde a Bahia e Recife e até a região do Golfo de Benin, entre os anos 1948 e 1978, Verger se tornou pioneiro na pesquisa quanto às influências culturais e religiosas recíprocas entre África e América, tal como passaram a se dar a partir do século XVI, com a diáspora africana ocorrida em função do tráfico de negros escravizados. As fotos são algo simplesmente arrebatador.

A sensação de penetrar no mundo de Verger ganha força a cada fotografia que se passa, a cada olhar de outra pessoa captada por ele, a cada detalhe enquadrado, a cada realidade dita em apenas um click de segundos. Ainda mais na exposição “Orixás”, que nos fez voltar àquela atmosfera da Bahia da qual nos despedimos com sentimento de incompletude. Adensa ainda mais esta percepção o fato de que a mostra é, justamente, resultado de uma parceria do Margs com a Fundação Pierre Verger e que as obras selecionadas pelo curador de Alex Baradel, especialista responsável pelo acervo fotográfico da Fundação. Só podíamos mesmo voltar à mágica Bahia de Todos os Santos, e isso sem precisar sair ali, na beira do Guaíba, abençoada por Yemanjá.

********

Iguais e, sim, diferentes


Senhora típica espanhola e um belo jovem vietnamita, em fotos dos anos 30


Trabalhadores do povo daqui e de lá


Mulher africana e Leon Trotsky no exílio México


Vista geral da mostra “Todos iguais, todos diferentes?”


A vitalidade de jovens do Vietnam e de Cuba


Detalhe do preciso sorriso de um pequeno mexicano


Composições semelhantes em Tarabuco, Bolívia (cima) e em Ocongate, no Peru


Detalhe no foco, que está no rosto da jovem em segundo plano


Expressivo retrato de um idoso no Brasil dos anos 50, interior de SP


Outra marcante foto desta linda cubana (1957)


Entre os vários amigos ilustres, Dorival Caymmi, Diego Rivera e Walt Disney, ao centro, de "gaucho"


Foto da impressionante exposição "Orixás" (anos 50)


Trabalho etnológico de Verger, que rendeu fotos históricas da religiosidade africana e brasileira


Divindades do candomblé representadas


A plasticidade própria dos cultos africanos 


Yemanjá (Salvador, 1946)


Um 360° de "Orixás"


********

“Todos iguais, todos diferentes?” e “Orixás”
Visitação até 08 de outubro, de  terça-feira a domingo, das 10h às 19h
Local: Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS - 1º andar expositivo do MARGS (Pinacotecas e sala Aldo Locatelli)
Praça da Alfândega, s/n°, no Centro Histórico de Porto Alegre - RS
Ingresso: gratuito


Daniel Rodrigues

terça-feira, 12 de maio de 2015

Chorinho na Praça São Salvador

A praça São Salvador cheia no domingo 
para o chorinho, diversão e compras
Programa tradicional carioca nas manhã de domingo do bairro de Laranjeiras, o Chorinho da Praça São Salvador era um dos programas que eu estava devendo a mim mesmo e que finalmente na semana passada me paguei.
O negócio todo é uma curtição muito alto astral. Jovens, crianças, idosos, famílias, todos curtindo com admiração e alegria uma boa música e ainda aproveitando as outras alternativas que a praça oferece no domingo, como a gastronomia que vai desde lanches rápidos como pasteis e bolinhos de bacalhau a pratos mais completos como estrogonofe variada; o entretenimento infantil com os brinquedos da própria praça ou o disputado pula-pula; e a simpática e variada feirinha, com bancas de CD's de samba, choro e música brasileira em geral muito tentadoras das quais levei, é claro, alguns itens. Há tempos procurava alguns álbuns de Paulinho da Viola e uma das banquinhas em especial era um prato cheio no tocante a esse artista. Levei um dois-em-um com "Um Rio que Passou em Minha Vida" (1970) + "Paulinho da Viola (1968) e o clássico "Nervos de Aço" (1973).
O time de músicos extremamente competente
no coreto da praça
Mas a propósito de música, que foi o que me moveu até lá, o conjunto de choro é simplesmente estupendo, um grupo de umas 12 pessoas aproximadamente, na sua maioria de senhores e senhoras, cinquentões ou sessentões, conhecedores, apreciadores e altamente qualificados tecnicamente, tocando os clássicos do gênero e muito mais numa apresentação que se estende das 11 da manhã até mais ou menos três da tarde.
Pena que com toda a história de feirinha, mulher comprando, eu comprando também, filha querendo brincar nos brinquedinhos, comilanças, cansaço e tudo mais não deu pra ficar concentrado, curtindo mesmo só o chorinho. Em determinados momentos, entre uma atividade, uma volta e outra, o som da flauta vinha e soprava de leve nos ouvidos, estivesse onde estivesse na praça. Mas só isso já valia. Aquela melodia gostosa entrando mesmo que baixinho, de leve, à distância, lá do outro lado da praça, às vezes, mas mesmo assim preenchendo a alma.
Recomendo a todos que vierem ao Rio darem uma passadinha no domingo pela manhã na praça São Salvador, em Laranjeiras e apreciarem uma boa música num clima muito gostoso de harmonia e tranquilidade.
Gente de todas as idades curtindo boa música na manhã de domingo




Cly Reis

sexta-feira, 10 de julho de 2020

“Robôs em Apuros”, de Neusa Sá e ilustrações de Maria Luiza Salvador - ed. RiMa Editora (2020)



“Sempre fui apaixonada por estória! Quando pequena eu conversava com personagens imaginários. Ao perguntarem com quem estava falando, narrava muitas estórias desses meus amigos: quem eram, de onde vinham, o que faziam. Se eles existiram de verdade? Não sei. O certo é que me deram todo o suporte para eu continuar contando estórias e criando outras, como a que está neste livro ‘Robôs em Apuros’.”
Neusa Sá

Taí um livro superinteressante, que promete conquistar leitores pequenos e também mais grandinhos: é “Robôs em Apuros”, escrito pela educadora Neusa Sá e ilustrado por Maria Luiza Salvador, que está sendo lançado pela RiMa Editora. Nessa aventura infanto-juvenil, a linha de produção de robôs de uma fábrica, em Robocópolis, entra em pane. É nesse contexto que surge Robolino, um robô criança que vai tentar desvendar o misterioso defeito na fabricação dos Robôs Assistentes para o Lar. É possível, no entanto, que a descoberta de Robolino possa ajudar os leitores a desvendarem algum mistério em sua vida.

O simpático Robolino, o personagem que tem a missão de salvar Robocópolis
Quando pensou em colocar no papel as estórias que lhe chegavam, Neusa Sá não imaginava que reuniria cinco textos para crianças. Tanto a autora como a editora possuem um olhar diferenciado para os leitores a quem essa publicação se dirige, visto que decidiram lançar o livro em plena pandemia para oportunizar que mais crianças pudessem conhecer a história de transformação que Robolino promove em sua comunidade.

Ilustração de Maria Luiz para a estória
de Neusa
"Graças ao incentivo da Profa. Dra. Tânia Fortuna (UFRGS) e do Prof. Dr. Euclides Redin (UNISINOS), me dediquei ao estudo da importância do brincar na educação e na vida. Acredito que nesse momento emergiu o Robolino, que estava adormecido dentro de mim", conta Neusa.

Além disso, o projeto tem mais uma proposta superinteressante e louvável: para a pré-venda, até o dia 15 de julho, foi estabelecida uma parceria entre a autora, a editora e a Casa do Jardim, entidade espírita assistencial de Porto Alegre/RS. Na compra dois exemplares, um deles é automaticamente doado às instituições atendidas pela Casa do Jardim, que reúnem crianças leitoras em situação carente. Além disso, toda a venda do livro foi doada por Neusa Sá à Casa do Jardim.

Saiba mais sobre a autora e a ilustradora de “Robôs em Apuros”:



Natural de Porto Alegre, Neusa Sá é formada no Magistério desde 1986. Anos mais tarde, formou-se em Pedagogia com ênfase em Educação Infantil/UFRGS e Psicopedagoga Clínica e Institucional pela PUCRS. Tem Mestrado em Educação pela UNISINOS. Trabalhou como professora na RME de Porto Alegre (RS). “Esse livro com certeza será lido por educadores, famílias e jovens leitores estimulando ainda mais o ensino através da literatura”.








Maria Luiza Salvador: Nascida no interior de São Paulo, cresceu apaixonada por desenhos animados da Disney, animes japoneses, revistinhas da Turma da Mônica e pelos desenhos do próprio pai. Possui graduação em Desenho Industrial, na Universidade Mackenzie (SP), até se aperfeiçoarem dentro da Quanta Academia de Artes. Atualmente, mora na Bahia e seus desenhos ilustram livros, roteiros, cenários e personagens de desenhos animados.







***************

“Robôs em Apuros”
de Neusá Sá
ilustrações: Maria Luiza Salvador 
Ed. RiMa (2020)
16 páginas

Pré-Venda: Até 15 de julho, ao comprar o livro, você estará participando de uma Campanha que beneficiará crianças e jovens leitores de instituições assistidas pela Casa do Jardim. Na compra de 2 livros, um deles é automaticamente doado. Isso mesmo: ao comprar 2 livros (R$50,00+ frete), um deles será doado às instituições. Dessa forma milhares de crianças e jovens terão acesso a essa linda estória! 

Links:
Casa do Jardim:
Site: http://www.casadojardim.com.br/web/
Rádio Web: https://www.radiocasadojardim.com.br
Instagram: https://www.instagram.com/casa.do.jardim
Facebook: https://www.facebook.com/jardimmaior129


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Bob Dylan - "Blood on the Tracks" (1975)

Dylan, o salvador

 

"Como se estivesse escrito em minha alma de mim para você." 
Verso da letra de "Tangled Up in Blue"


A intenção deste texto não é falar sobre “Blood on the Tracks”. Assim como outros vários discos de Bob Dylan, esta obra-prima merece estar entre os fundamentais de qualquer discoteca rock como “Desire”, “Besament Tapes”, “Planet Waves”, “The Freewheelin' Bob Dylan” ou os aqui já resenhados “Blonde on Blonde”, "Bringing It All Back Home" e "Highway 61 Revisited"

Na verdade, é quase irrelevante comentar que “Blood...” é considerado por muitos o seu melhor trabalho; que, confessional, foi escrito sob a dor dilacerante de um casamento desfeito; que a "cozinha" que lhe acompanha é a clássica The Band; ou que traz algumas das melhores letras e arranjos da carreira de Dylan, da lindeza de sua faixa de abertura, "Tangled Up in Blue"; da emocionante balada arrependida “If You See Her, Say Hello”, uma das mais belas do cancioneiro rock; do blues infalível "Meet Me in the Morning"; do desfecho primordial de “Buckets of Tears”. Não, este texto não se propõe a falar sobre o óbvio. Pelo menos, não a esta obviedade. Quero falar, sim, sobre quando Bob Dylan me salvou. O que não é nenhuma novidade, visto que o Nobel de Literatura 2016 faz isso a uma geração inteira. Voz da cultura beatnik, foi vital para o ativismo social na década de 60 por causas mundiais como os Direitos Civis, o armamento nuclear e a Guerra do Vietnã. Também, o artista que mais do que ninguém, mais que Jean Cocteau, Jim Morrison ou Bertold Brecht, aproximou a literatura e a poesia da música. 

Mas, para chegar a Dylan, tenho que falar antes sobre outro grande músico do século XX a quem também atribuo minha salvação: Henri Mancini. Impossível desvincular essa história, entretanto, de outra figura aparentemente nada a ver com esses dois, pois homem da política e longe de minha consideração: Alceu Collares. Todos a seu modo me levaram a mim mesmo e a “Blood...”. Mas voltemos à metade dos anos 90, quando eu era um jovem recém saído do 1º Grau do Ensino Fundamental. Como para muitos estudantes brasileiros diante desta etapa, tinha eu que escolher o que fazer da vida. Ano de 1994. Governador do Rio Grande do Sul àquela época, Collares, havia nomeado a igualmente incompetente esposa Neusa Canabarro para o comando da Secretaria de Educação do Estado. Ela, por sua vez, instituíra um sistema indigno e desumano de seleção e ingresso de alunos egressos para o 2º Grau que obrigava as famílias de alunos a formarem constrangedoras e quilométricas filas à porta de escolas estaduais semanas antes para, depois de noites e dias de chuva, frio, sol e perigos de violência, mendigar uma vaga. 

Embora já tivesse certa noção de que a Comunicação era meu caminho, a curto prazo não via como algo a seguir. Filho de uma família de classe média pobre e da periferia, queria fazer o 2º Grau e, assim que possível, começar a trabalhar concomitantemente. Para isso, então, melhor era ver um curso técnico, que dava melhores perspectivas para esse plano. Havia uma escola pública que oferecia curso técnico de Publicidade, algo na área que me interessava, mas a procura a este curso, sabia-se, era extremamente disputada e as vagas eram poucas. Fora que, morando longe dessa escola, localizada noutro extremo da cidade, a logística imposta pela política estadual dificultava-nos ainda mais. Outra alternativa era a chamada Informática, algo hoje tão embrenhado na vida social mas que recém começava a surgir no Brasil naqueles idos. Revoltado com a condição desrespeitosa à sempre desfavorecida classe média daquele sistema educacional vigente, e diante da obrigação da escolha para que escola ir, neguei-me a colocar a mim e a minha família naquela situação de infinitas, insalubres, perigosas e aflitivas filas. Não podendo optar por algo mais a fim comigo, e nem mais tendo ao alcance vaga sequer em Informática, o jeito foi deslocar-me para mais longe e pegar o que viesse. Foi então que, por essas coisas que adolescentes não sabem medir, ingressei num curso de Eletrônica como se isso tivesse algum fio de relação com Informática – a qual, por si, já era uma segunda alternativa.

Óbvio que, no transcorrer do curso, as diferenças entre um ser das humanas como eu e um curso essencialmente das exatas como o de Eletrônica apareceram e ficaram cada vez mais evidentes. Afora os discos em casa, estava muito, muito longe de Dylan. Não via a hora de finalizar os três anos exigidos e partir para um cursinho pré-vestibular. 

Consegui, em parte, no entanto, o que me propunha: trabalhar enquanto estudava, o que se deu dentro da própria escola, pois assumi, no contraturno, um estágio no almoxarifado do laboratório. Foi ali, numa noite fortuita, que um dos meus salvadores surgiu. Acompanhava o trabalho de dois alunos, que desenvolviam seu trabalho de conclusão conjunto, fornecendo-lhes os materiais necessários. Já cansados de tanto raciocinarem sobre diodos e transistores, lá pelas tantas começaram a falar sobre assuntos diversos para desanuviar. Em determinado momento, um deles, que gostava de música, quis fazer uma referência ao autor do tema da Pantera Cor-de-Rosa, que ele sabia, mas não se recordava do nome. Foi, então, que eu, de forma extremamente natural, pois era uma informação comum para mim, despretensiosamente ajudei-lhe: "Henri Mancini". A conversa terminou ali, pois o espanto do rapaz foi tamanho que chocou não somente a ele quanto a mim mesmo. Era-lhe tão improvável que o estagiário de almoxarifado soubesse com tanta facilidade quem era o autor de clássicos como "Blue Moon" e "Peter Gunn", que aquela informação não poderia ser descartada por mim. Eu estava gritantemente no lugar errado e meu primeiro salvador, Henri Mancini, me ajudava a tomar o rumo que a vida escolhera.

Corrigida a rota, fiz o pré-vestibular e entrei na faculdade de Jornalismo da PUCRS em 1999, onde pude confirmar categoricamente a assertividade da minha escolha profissional. Entre muitas lembranças, amigos e momentos inesquecíveis daquele tempo, um me marcou. E é aí que entra meu outro salvador. Se naquele episódio do laboratório de Eletrônica o ocorrido com Mancini transcorreu num dia qualquer do qual não guardo com exatidão, neste caso, a lembrança tem dia e ano certos: 24 de maio de 2001. Aniversário de 60 anos de Dylan.

Sem nenhuma combinação prévia, aquela data foi comemorada da maneira mais natural e devota que se possa imaginar. Foi absolutamente bonito e emocionante. Era uma celebração calma e solene: pelos corredores e salas de aula, as pessoas se cumprimentavam, como que celebrando um acontecimento familiar. Era como se um ente querido, um Deus, um salvador, estivesse completando mais um ciclo ao redor do sol e todos ali sabiam do tamanho simbólico disso. Não teve show, “parabéns pra você”, algazarra, nada diferente. Simplesmente, mestre Dylan fazia seis décadas e nós, cientes de que presenciávamos um momento especial, sabíamos que estávamos no lugar certo para compartilhar aquela felicidade. Para mim, assim como Mancini, Dylan não fez nenhuma força para isso: bastou-lhe a sua representativa existência.

Passadas exatas duas décadas daquela célebre noite na faculdade de Jornalismo, Dylan faz, hoje, 80. Muito trilhei depois daquele episódio, que serviu para me dar a certeza de que autoconhecer-se e ser coerente consigo é o melhor caminho. E que vale a pena correr atrás disso. Curiosamente, “Blood...”, considerado a salvação da alma do artista após o choque da separação, a mim represente também isso, porém noutros termos. Como outros álbuns dele, carregam essa força incomensurável de um artista que cumpre aquilo que os grandes são capazes: são fundamentais para o desenvolvimento da civilização, pois decifram o mistério do que somos, estabelecendo pontes entre nossas mentes e corações através de suas obras. Privilégio ter sido um dia, como milhares de outras pessoas, salvo por esse oitentão.

**************

FAIXAS:
1. "Tangled Up in Blue" – 5:42
2. "Simple Twist of Fate" – 4:19
3. "You're a Big Girl Now" – 4:36
4. "Idiot Wind" – 7:48
5. "You're Gonna Make Me Lonesome When You Go" – 2:55
6. "Meet Me in the Morning" – 4:22
7. "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts" – 8:51
8. "If You See Her, Say Hello" – 4:49
9. "Shelter from the Storm" – 5:02
10. "Buckets of Rain" – 3:22
Todas as composições de autoria de Bob Dylan

**************
OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

sábado, 14 de março de 2015

Aquisições soteropolitanas

No início deste ano, numa das vezes que fui à Bahia a trabalho, peguei um táxi do aeroporto de Salvador com destino a Feira de Santana com um taxista incomum. Um senhor de uns 50 anos, Sr. Gelson, que adorava e conhecia muito bem música africana (e de vários países: Angola, Congo, Mali, Nigéria, entre outros). Papo vai, papo vem e, além de aprender com ele, fiquei sabendo que em Salvador havia lojas de música que o supriam de parte deste exótico material fonográfico. Guardei a informação para quando retornasse à capital baiana.

Pois, desta vez viajando a passeio por Salvador, descobri uma cidade que respira música – o que, vocês devem imaginar, gerou uma forte identificação a alguém que, como eu, anda ininterruptamente com várias músicas na cabeça durante o dia. E não demorou muito para que o cheiro de loja de discos me atraísse. Em plana Praça da Sé, centrão da cidade, está lá a Planet Music, comandada pelo diletante Ademar, sujeito boa-praça que não poupava em deslacrar qualquer CD e colocá-lo para o cliente escutar, mesmo que fosse pra passar rapidamente cada faixa (atitude quase inimaginável no comércio de Porto Alegre). Pois, seguindo o bom gosto do dono, a Planet Music é rica em títulos e muito bem selecionada, além de os preços serem bem aceitáveis.

Entrei, percorri algumas fileiras enquanto tocava (alto) um axé-music qualquer, corriqueiro por lá. Leocádia entrou em seguida. Até que Ademar, de dedo nervoso, para a música pela metade e troca por nada menos que “Saci Pererê”, da Black Rio. Conquistou-me de vez. Levei junto com esses outros CD’s que aqui comento:





Saci Pererê” – Banda Black Rio (1980): Clássico segundo álbum deste que é dos meus grupos brasileiros preferidos. Além da gostosa faixa-título, presente de Gilberto Gil, tem Aldir e João Bosco (“Profissionalismo É Isso Aí”), Zé Rodrix (“Amor Natural”) e composições dos integrantes da banda. Nem a ausência de Cristovão Bastos nos teclados fez Oberdan e Cia. baixarem a qualidade, que, depois do célebre instrumental "Maria Fumaça", se aventuram nos vocais e mandam muito bem.








Marinheiro Só” – Clementina de Jesus (1973): Produzido por Caetano Veloso e Milton Miranda, é talvez o mais bem acabado trabalho desta negra que alçou ao mundo da música já idosa por providencia de Hermínio Bello de Carvalho, que a descobriu cantando num bar. Toda a ancestralidade antropológica africana pode ser sentida em sambas (“Essa nêga pede mais”, “Madrugada”), maxixes (“Marinheiro Só”) e cantos religiosos (“Taratá”, “5 Cantos Religiosos”).







Nada Como um Dia Após o Outro Dia” – Racionais MC’s (2002): O sucessor de “Sobrevivendo no Inferno” é um disco longo demais (pecado dos duplos), por isso é irregular. Mas inquestionavelmente a banda avançou em estilo e discurso, o que faz com que seus dois volumes, “Chora Agora” e “Ri Depois”, tragam verdadeiras joias do rap e da música nacional no início dos 2000. Espetaculares “Vida Loka” 1 e 2, “Jesus Chorou” e “Vivão e vivendo”. Figura entre os 100 maiores discos da música brasileira da história segundo a Rolling Stone.








Negro é Lindo” – Jorge Ben (1971): Embora o Babulina tenha outros VÁRIOS discos preferidos da discoteca, pois produziu absurdamente bem principalmente do final dos anos 60 até meados de 70, este não fica pra trás, até porque a “cozinha” é do espetacular Trio Mocotó. Traz a poética e sensível "Porque é proibido pisar na grama", a bela canção-homenagem “Cassius Marcellus Clay”, parceria com Toquinho, e aqueles sambas-rock sempre inspirados (“Cigana”, “Comanche” e “Zula”) como só Ben sabe fazer.








Força Bruta” – Jorge Ben (1970): Também com o Trio Mocotó, é o mais experimental trabalho de Ben. Ele, Parahyba, Nereu e Fritz estão soltos e se divertindo ao executar os temas ao vivo no estúdio. Não é dos meus preferidos, até porque Ben tem muito mais discos maravilhosos, mas só por “O telefone tocou novamente” (meu toque de celular!), “Charles Jr.” e “Mulher brasileira” já valia. Ainda por cima, inicia arrasando com “Oba, lá Vem Ela", daqueles começos de disco empolgantes.








O q Faço é Música” – Jards Macalé (1998): Se Cristovão Bastos não estava mais com a Black Rio, aqui seu papel é fundamental. Talvez o grande disco de Macalé – ao menos, o seu mais maduro –, "O Q Faço é Música" já mereceu ÁLBUNS FUNDAMENTAIS aqui do Clyblog, feita por Cly Reis. Eu, que gosto um monte também, não me contive e comentei no próprio blog, que está logo abaixo da resenha.












sexta-feira, 30 de maio de 2014

Exposição "Salvador Dalí" - CCBB - Rio de Janeiro




Abre hoje para o público a exposição "Salvador Dalí" no Centro Cultural Banco do Brasil, aqui no Rio de Janeiro, que é programa obrigatório para os apreciadores de artes plásticas na cidade. Até já tinha visto uma do surrealista catalão, "Dalí - A Divina Comédia", no Centro Caixa Cultural, mas nem se compara o porte desta que promete ser a maior do artista na América Latina com mais de 150 obras entre gravuras, pinturas, desenhos, fotografias e filmes.

Apesar de, provavelmente, ser extremamente concorrida, nessa vou ter que encarar as filas e aglomerações. Não dá pra perder.




exposição "Salvador Dalí"
local: CCBB - Centro Cultural Banco do Brasil
Rua Primeiro de Março, 66. Centro, Rio de Janeiro, RJ
período: de 30 de maio a 22 de setembro

de quarta a segunda, das 9h às 21h.
entrada: gratuita


terça-feira, 24 de março de 2015

Exposição “Manifesto, ainda que tardio”, de Rubem Valentim – Sala Rubem Valentim – Museu de Arte Moderna da Bahia / Solar do Unhão – Salvador/BA (6/3/2015)




Obra do artista que é a logo do espaço,
na parede externa do anexo.
Minha linguagem plástico-visual signográfica
está ligada aos valores míticos profundos
de uma cultura afro-brasileira
(mestiça-animista-fetichista)”
Rubem Valentim

Conheci parte da obra do artista visual baiano Rubem Valentim (1922-1991) por conta de uma investida frustrada. Pois um dos pontos que almejávamos visitar Leocádia e eu em Salvador era o Solar do Unhão, um belíssimo complexo arquitetônico do século XVII (integrado pelo Solar, pela Capela, um cais privativo, aqueduto, chafariz, senzala e um alambique) sobre o qual saímos de Porto Alegre já com intenção de visitar, pois lá funciona o Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM’s sempre fazem parte de nossos roteiros. Ainda por cima, já lá, passando pela Avenida do Contorno, que costeia a Baía de Todos os Santos, pudemos ver de cima o lindo casarão lá embaixo, bem à beira do mar, o que nos empolgou ainda mais em conhecer o local.
Peças compostas em escultura,
madeira e acrílica.
A decepção se deu porque praticamente todo o Unhão estava em reforma estrutural ou em montagem da nova exposição. Resultado: a única galeria que tivemos acesso foi justamente a sala que leva o nome de Rubem Valentim, um anexo do museu localizado numa lomba acima da casa antiga – lindo por sinal, que, em sua arquitetura moderna, contrasta bem com os traços da original de estilo colonial. Pois a decepção não foi total porque ali estava a exposição “Manifesto, ainda que tardio”, de Valentim. Pequena mas bem interessante, mostra um conjunto de esculturas, pinturas e instalações (em algumas obras, os três formatos ao mesmo tempo, todas compostas de escultura, madeira e acrílica) de 1977 e 78. Dono de uma arte figurativa geométrica, Valentim foi um dos pioneiros, segundo o crítico e ensaísta carioca José Guilherme Merquior, de uma arte “semiótica”, devido à sua capacidade de dessacralizar fetiches e objetos rituais, imprimindo a eles contornos de uma semântica peculiar.
A exposição mostra bem isso: símbolos africanos e da religiosidade afro-brasileira são elaborados em formas geométricas graves e concisas, pois transformados pelo concretismo e pelo construtivismo vida urbana. Um cosmopolitismo muito original. O título, inclusive, é bem apropriado: “Manifesto, ainda que tardio” é um documento escrito por Valentim em 1976 onde ele explicava os porquês e as motivações de sua arte, uma vez que ele, artista precursor da moderna arte na Bahia que vivera e expusera em várias capitais brasileiras (Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo) e exterior (Itália, Alemanha, Japão, Colômbia), nunca o tinha feito tão abertamente até então.

Por se tratar de um espaço expositivo temático, sempre há obras de Valentim, porém esta vale bastante a pena ser vista por quem puder.
Os Relevos
Emblema de 1878
Quadros-esculturas da exposição
Raros tons que incrementam a signografia de Valentim
Eu entre as obras de Valentim



terça-feira, 10 de junho de 2014

Exposição "Salvador Dalí" - CCBB - Rio de Janeiro/RJ (Junho/2014)










Exterior do CCBB
Tive o prazer de poder visitar a exposição "Salvador Dalí", aberta no Centro Cultural Banco do Brasil, aqui no rio, onde estão expostas mais de 150 obras do artista espanhol. Verdadeiramente impressionante sob todos os aspectos, técnico, criativo, expressivo, etc. A obra do catalão, notória pelo surrealismo, é vista ao longo de toda sua carreira apresentando todas suas diversas fases, sua natural evolução em cada uma delas e suas próprias transformações conceituais e formais.
Selfie com Dalí
Além, é claro, das telas surrealistas, propriamente ditas, as grandes atrações da exposição, é interessante observar com atenção as ilustrações feitas por Dalí para livros como "Dom Quixote", "Alice no País das Maravilhas" e "Fausto"; as adaptações cinematográficas em parceria com Luis Buñuel e o trecho de sonho dirigido por Alfred Hitchcock no filme "Spellbound"; e dedicar uma especial atenção às obras de sua última fase, pouco antes de falecer, na qual seu surrealismo ganhava elementos mais geométricos e abstratos, e suas telas traziam um conteúdo mais carregado de homenagens e reminiscências, parecendo já antecipar sua morte.
É um imenso privilégio ter no Brasil uma exposição deste porte e significância e não menor, é o de poder visitá-la e apreciar a obra de um dos grandes mestres das artes de todos os tempos. Grande mostra. Quem tiver a oportunidade de ir, não perca.

Abaixo, algumas imagens da exposição:




Auto-retrato cubista

Primeira fase ainda com bastantes elementos abstratos

Obra ainda da primeira fase do artista

Público prestigiando a exposição

"Monumento Imperial a Mujer Niña".
Em destaque, uma pequena "Monalisa",
um dos muitos enigmas, símbolos e referências
ocultos nos quadros de Dalí. 

Publicações com destaque para o artista

A obra de Dalí sempre repleta de símbolos e significados.
O elemento ovo sempre muito presente.

"La Velocidad máxima de La madonna de Raffael"

Materiais de antigas exposições da obra de Dalí

Série de obras remetendo a botânica

Da série de ilustrações para "Dom Quixote",
os Moinhos de Vento

Das ilustrações para "Alice no País das Maravilhas",
A Toca do Coelho

As páginas de "Alice...", de Carrol,
ilustradas por Dalí

ilustrações para a obra "Fausto"
de Goethe

Na última fase da carreira,
a presença mais constante de elementos geométricos

Homenagem de Dalí a Michelângelo
já nos últimos anos de vida.

Mulher transfigurando-se em violino

Este blogueiro na instalação interativa que reproduz
a sala, criada por Dalí,
imitando o rosto de Mae West
********************************************

Exposição Salvador Dalí
visitação: até 22 de setembro, de quarta a segunda, das 9h às 21h
local: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro
Rua Primeiro de Março, 66, Centro, Rio de Janeiro (RJ)

ingresso: gratuito


Cly Reis