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domingo, 17 de dezembro de 2023

Exposição "Mangue e Beats - Bioma, Sociedade e Cultura" - CRAB Sebrae - Praça Tiradentes - Centro _Rio de Janeiro / RJ



Estive, há duas semanas atrás, de semana passado na feira de Natal do núcleo de artesanato do Sebrae, na Praça Tiradentes, no Centro do Rio, e, enquanto a feira e os shows ocorriam ao ar livre, no interior do prédio da CRAB Sebrae, o Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro, algumas exposições muito legais rolavam. Uma delas focando no Mangue Beat, movimento cultural acontecido em Pernambuco, no início dos anos 90, que explorava diversas formas de manifestações culturais de uma galera antenada do Recife, mas que destacou-se, especialmente, pela música, tendo como mais notáveis representantes Mundo Livre S.A. e Chico Science & Nação Zumbi. A exposição em questão, "Mangue e Beats - Bioma, Sociedade e Cultura", apresenta, além de peças,  fotos, elementos que remetem diretamente à cena musical, itens criados em função do movimento, artes inspiradas no conceito e na música que ditava o ritmo daquela turma inquieta e criativa. Tudo em salas ambientadas ao som de Chico Science e Nação Zumbi.
Acessórios pessoais como brincos, , esculturas, pinturas, figurinos, decorações, tudo traduzindo um pensamento coletivo sobre onde se vive, como se vive, as pessoas que habitam aquele contexto, suas dificuldades, seus costumes e raízes.
Exposição curtinha, bem enxuta. Mais focada, mesmo, no artesanato, nos acessórios cotidianos dos fãs, nos apetrechos, etc., mas superbacana, sobretudo, muito instigante para os admiradores das bandas de Recife, especialmente a Nação Zumbi, liderada pelo saudoso Chico Science, e para os que, como eu, entendem que o Mangue Beat fora, depois da Tropicália, o mais importante movimento musical é cultural ocorrido no Brasil.

Seguem abaixo algumas imagens da exposição: 

Painel gigante, logo na entrada, com foto da 
mais importante banda do cenário Mangue Beat,
Chico Science & Nação Zumbi

Uma visão geral da sala de exposição
com alguns acessórios e itens de vestuário.

Tradição e modernidade se misturavam no conceito do movimento.

Designers criaram itens que representavam e traduziam a ideia 
do que se estava fazendo naquele momento.


Mais um exemplo da produção de itens que
marcavam a identidade do Mangue Beat

Acessório que é a cara do Mangue Beat.
Bolsa em forma de caranguejo


O artesanato nordestino compondo a escultura "La Ursa Colorida",
escultura do arista Gildo da Silva Oliveira. 

Traje de dança inspirado no figurino 
utilizado no videoclipe da música "Manguetown"

Belíssima peça "Caranguejo de Metal",
do artista José Carlos Soares da Silva

Mais um caranguejo, este em madeira
utilizando troncos e galhos.

"Recife / cidade do mangue/ onde a lama é a insurreição(...)" *

Caranguejo no Mangue,
escultura em madeira, na saída da exposição.

"Onde estão os homens-caranguejos?" *
Ó um deles aqui.
 


* versos da canção "Antene-se"
de Chico Science & Nação Zumbi

*********

exposição "Mangue Beat, Bioma, Sociedade e Cultura"
local: CRAB Sebrae (Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro)
Praça Tiradentes, 69 - Centro - Rio de Janeiro - RJ
período: 28 de fevereiro de 2024
visitação: de terça a sábado, das 10h às 17h
ingresso: gratuito


por Cly Reis


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Samuel Rosa & Simjazz Orquestra - Vivo Música - Parque Harmonia - Porto Alegre/RS (03/12/2023)

 

Há 30 anos, a revista Bizz, a mais importante publicação sobre música no Brasil dos anos 80 e 90, “lacrava” sobre os quatro principais nomes daquilo que chamavam de “a nova cara da música pop brasileira”. Dois eram equívoco evidentes: Cherry, a vocalista da inexpressiva e rapidamente esquecida banda Okotô, e Edu K, que, erroneamente, já era influência para a música pop há mais tempo de que todos ali por meio de sua referencial De Falla. Quanto aos outros dois “novatos”, pode-se dizer que foram mais assertivos, embora com algum porém. Um deles era Carlinhos Brown, que, assim como Edu K, não se tratava de nenhum iniciante, visto que àquela altura já gravara nos Estados Unidos com Sérgio Mendes, liderava trio elétrico na Bahia e influía diretamente na música de Caetano Veloso. Mas como o Tribalista não havia ainda se lançado em carreira solo (seu debut, “Alfagamabetizado”, sairia apenas três anos depois), até passava a classificação como “promessa” devido a isso. 

O único acerto efetivo dos editores da Bizz da naquela reportagem foi, de fato, Samuel Rosa. O líder da Skank, então em seu primeiro disco dos 15 que lançou em 30 anos de estrada, não apenas atingiria o estrelato, como se consolidaria como um dos mais importantes autores da música brasileira.

A prova daquela profecia pode ser conferida no saboroso show gratuito que o artista mineiro fez em Porto Alegre para o Vivo Música. Acompanhado de sua ótima banda e em alguns números da competente Simjazz Orquestra, Samuel, em começo de vida solo com o consensual fim da Skank, desfilou um cancioneiro tomado de hits, como “Garota Nacional”, “Jackie Tequila”, “Ainda Gosto Dela” e “Sutilmente”. Mas não só isso. Afinal, “chicletes de ouvido” são relativamente fáceis de se fazer a um músico com mínimas habilidades, visto que obedecem a uma construção melódica padrão, que formata um produto musical eficiente, mas nem sempre dotado de emoção. Samuel Rosa, desde aqueles idos de 1993, quando destacado pela Bizz, soube evoluir em sua musicalidade para unir estes dos espectros: o gosto popular e a sofisticação, o pop e o melodioso. De reggaes relativamente pobres, Samuel, principal compositor, evoluiu a olhos vistos para referências a Beatles, à turma de Minas Gerais e sons mais modernos, que o transformara num dos cinco principais compositores da música brasileira destas últimas três décadas.

Com uma sinergia incrível com o público, ao qual agradeceu pela fidelidade de não arredar pé mesmo com a chuva, foram só sucessos do início ao final do show. Algumas, que levantaram a galera, que cantou e dançou junto sem dar bola para a chuva que ia a voltava. A embalada versão da Skank para “Vamos Fugir”, de Gilberto Gil, foi uma delas, assim como “Acima do Sol”, “Vou Deixar” e “Saideira”. Só alegria. São músicas tão embrenhadas no emocional do público, que as pessoas cantam a letra completa mesmo sem saber que as sabiam de cor. Que brasileiro, afinal, não sabe cantarolar “Amores Imperfeitos”, “Tão Seu” ou “Te Ver”, por exemplo? Além destas, tiveram surpresas. Com um Samuel menos atido só ao repertório da Skank, teve cover da beatle “Lady Madonna” com “I Can See Clearly Now”, de Jimmy Cliff, uma homenagem à gaúcha Cachorro Grande, banda coirmã da Skank, com a balada “Sinceramente”, e uma esfuziante “Lourinha Bombril”, da Paralamas do Sucesso, coautoria dele com Herbert Vianna.

Por falar em chuva, que ameaçava desabar a qualquer momento, Samuel, um doce de educação e simpatia, confessou que haviam reduzido um pouco o set-list no meio da apresentação com medo de que isso ocorresse. Mas como durante o show foram, por sorte, apenas algumas pancadas leves, ele mesmo fez questão de alterar a ordem dos números e tocou todas as que haviam se programado. Isso fez com que os principais clássicos estivessem lá. O que dizer de “Resposta”, dele e de Nando Reis, uma das mais belas baladas do cancioneiro brasileiro? E “Dois Rios”, também com Nando e contando com o toque “Clube da Esquina” do conterrâneo Lô Borges? Para fechar, no bis, não uma escolha garantida de algum outro sucesso da Skank, mas, sim, uma versão de “Wonderwall”, da Oasis, pois, como Samuel justificou, o Rio Grande do Sul é terra de roqueiro, então todos ali entenderiam o porquê. 

Passados todos estes anos desde que aquela revista previa que Samuel Rosa se tornaria um pilar da música pop brasileira, fica muito claro que isso realmente aconteceu. Parceiro de alguns dos mais importantes nomes da música nacional, como Nando Reis, Erasmo Carlos, Lô Borges, Chico Amaral e Fernanda Takai, pode-se dizer que, por alto, Samuel é responsável por cerca de 20% dos grandes sucessos da música no Brasil dos anos 90 para cá. Curiosamente, a adoção definitiva do nome próprio e a dissociação direta da Skank fazem com que, de certa forma, Samuel Rosa se reinvente e renasça, como se, novamente, estivesse começando. Então: vida longa a este “velho novato”. Que venham mais 30 anos de maravilhas pop e canções que tocam o coração do Brasil.

***********

Confira alguns momentos:

Samuel e a Simjazz começando o show


Detalhe do telão

Público atento e interagindo


Samuel em sintonia com a galera

Os dois de rosa pra ver Samuel Rosa: coincidência



texto: Daniel Rodrigues
fotos e vídeos: Daniel Rodrigues e Leocádia Costa

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

"Bom Dia, Manhã - Poemas", de Grande Othelo - Ed. Topbooks (1993)




"Grande Othelo foi um imenso brasileiro, um dos maiores de todos os tempos: ator, músico, cantor, apresentador de televisão, grande do teatro e do cinema, gênio nascido no ventre mestiço do Brasil. Tão gênio brasileiro quanto Oscar Niemeyer, Carlos Drummond de Andrade e Pelé."
Jorge Amado

"O autor por excelência do Brasil."
José Olinto

Há determinados artistas brasileiros que deixam um vácuo quando morrem. Aqueles que vão inesperadamente como foi com Elis Regina, Chico Science, Raphael Rabello, Cássia Eller e, mais recentemente, com Gal Costa. Eles provocam essa sensação de um buraco que se abre e que nunca mais será preenchido. Tanto quanto aqueles que, comum mais antigamente, despediam-se com menos idade do que seria normal à atual expectativa de vida, casos de Tom Jobim (67), Emílio Santiago (66), Mussum (53) e Tim Maia (55). 

Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Othelo é um desses vazios. Aliás, fazem 30 anos deste vazio, tão grande que parece contradizer com a diminuta estatura deste homem de apenas 1m50cm de altura. Mesmo que menos prematuro como os já citados (morreu aos 78 anos), sua vida marcada pela infância dura e pela vida adulta boêmia, não o poupou de roubar-lhe, quiçá, uma década cheia. Mas o que este brasileiro deixou como legado se reflete (ao contrário dos citados acima, músicos por natureza) em mais de um campo artístico. Grande Othelo foi um gênio na arte de atuar, mas deixou marcas indeléveis na música popular e na poesia.

"Bom Dia, Manhã" cristaliza essa magnitude de Grande Othelo, o homem das palavras, sejam as da dramaturgia, as dos sambas ou as dos poemas. Lançado em 1993 e com organização de Luiz Carlos Prestes Filho, o livro reúne um bom compêndio de mais de 100 textos poéticos do artista que eternizou em seu nome o ícone shakesperiano. Não haveria o livro, por óbvio, ser menos do que isso. Com sua inteligência incomum e fluência natural de escrita, Grande Othelo alterna da mais singela confissão existencial ao romantismo sentimental, a malandragem e a alta literatura, os sambas e o parnasianismo, passando pelas homenagens aos amigos e as observâncias da vida e das mazelas do mundo. Tudo numa linguagem de "puras palavras", como definiu o escritor José Olinto, sem cerebralismos e dotados de cadências existenciais.

Em “Nada”, o poeta escreve: “Na saga das tuas solidões/ Vão surgindo outras/ Em outros corações”. A compreensão do amor “desromantizado” de “Homem e Mulher” é também digna de escrita, assim como “Estrada”, que narra o descompasso de um homem velho e uma mulher mais jovem. Os sambas, no entanto, são uma delícia à parte. Como os que coescreveu com Herivelto Martins  “Fala Claudionor” ou o clássico “Bom dia Avenida”, de 1944, feito quando a Prefeitura do Rio de Janeiro resolveu acabar com o Carnaval na referencial Praça Onze, a Sapucaí do início do século XX: “Vão acabar com a Praça Onze/ Não vai haver mais escola de samba/ Não vai/ Chora tamborim/ Chora o morro inteiro”. Mas há ainda o samba-fantasia “Penha Circular”, o samba-crônica “Rio, Zona Oeste”, o samba inacabado “A boemia cantou”, o samba não-cantado por Elizeth Cardoso “Ao som de um violão”.

Representativo da raça negra em uma época de inúmeras dificuldades para o exercício deste ativismo, Grande Othelo mesmo assim posiciona-se por meio de suas palavras. Semelhante ao que ocorrera com outro ícone preto made in Brazil, Pelé, Othelo (que bem pode ser considerado um Pelé dos palcos, pois possivelmente o maior da sua área) bastava existir para representar resistência. Mas faz mais. “Sou no momento que passa/ A expressão mais forte/ De uma raça”, escreveu em “Neste momento: eu!”. Leu, com o olhar de menino sábio, a lenda gaúcha do Negrinho do Pastoreio, que ele mesmo representou no cinema em 1973, dirigido pelo tradicionalista Nico Fagundes:

“O negrinho descerá e subirá cañadas
Em correrias desenfreadas...
Beberá a água das sangas
E sempre sozinho, pois ninguém o vê.
Mas quando voltar há de trazer
A felicidade procurada por você.”

Não é uma delicadeza de apreciação? Estas e muitas mais delicadezas estão em "Bom Dia, Manhã", cuja leitura se dá com o prazer de quem ouve um samba, de quem lê uma crônica, de quem reflexiona a própria condição humana. É difícil imaginar o que Grande Othelo teria feito se tivesse vivido, quem sabe, mais 10 anos – nada alarmante nos tempos de hoje em que senhores da faixa dos 87-88 anos são Tom Zé ou Roberto Menescal, ativos e joviais. Mas é impossível não sentir falta dele vivo, aqui presente. Pensar que aquele Macunaíma, aquele Espírito de Luz, aquele parceiro de Carmen Miranda, aquele Cachaça, aquele farol do povo brasileiro não está mais é reconhecer o vazio que isso provoca. Um vazio grande, como o que este pequeno Othelo carregava no nome.

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Trio de Ouro 


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

João Gilberto - “Amoroso” (1977)

 

"Esse disco tem um pouco esses negócios que a gente precisava. Tem a música da orquestra, eu tinha tanta vontade de ouvir um samba tocado por orquestra. A coisa é por todos os lados, música por todos os lados, enquanto estou cantando. Toda vestida, toda redonda. Tinha tanta vontade de ver a música do Brasil mais diretamente, o samba daquele jeito, que não fosse só o delicado, que fosse redondo, ligado, assim como o Claus [Ogerman] fez." 
João Gilberto, em telefonema a Zuza Homem de Mello, em 1977


Poucas coisas em música são mais sofisticadas que a bossa-nova. Na segunda metade do século 20, nada supera. A sintaxe harmônica, fruto de séculos de assimilação histórico-sociológica que forjam o ser brasileiro, deram à bossa-nova o status de estilo musical mais arrojado depois da invenção do jazz. Exemplos desta sublimação não faltam. O encontro de perfeições entre Tom Jobim e Frank Sinatra; a insuspeita ponte entre clássico e moderno de Elizeth Cardoso em “Canção do Amor Demais”; a junção direta de cool jazz e samba de “Getz-Gilberto”; a brandura potente de Nara Leão em sua estreia no acetato.

Mas talvez todos estes exemplos tenham servido de embasamento para um produto ainda mais bem acabado: “Amoroso”, de João Gilberto. O disco, lançado pelo mestre baiano em 1977 e considerado por muitos sua obra-prima, consegue aglutinar os melhores elementos legados por todos os artistas da bossa-nova – inclusive o próprio João – tanto em arranjo, repertório quanto em, claro, execução. A começar pela química improvável cunhada e aperfeiçoada por ele próprio desde que “inventou” a bossa-nova. A genial síntese harmônica e rítmica, a simbiose entre violão e voz, a emissão do canto sutil e sem vibratos, a exatidão da dicção e dos timbres, a redefinição da métrica musical. João foi, num tempo, arquiteto e bruxo. 

Porém, “Amoroso” guarda peculiaridades que justificam ainda mais estas características joãogilbertianas que por si já seriam (eram, são) suficientes. Gravado no aparelhado Rosebud Recording Studio, no bairro do Brooklyn, em Nova Iorque, o disco tem participações que o engrandecem e favorecem o produto final. A começar pela produção de Helen Keane e Tommy LiPuma, este último, o premiado e lendário produtor de artistas como George Benson, Al Jarreau, Paul McCartney, Barbra Streisand e outros. Na banda de apoio, três gringos: Jim Hughart, no baixo; Joe Correro, bateria; e Ralph Grierson, teclados. O mínimo e o suficiente para João desfilar seu violão. Mas isso se junta a outro fator importantíssimo: a orquestra, arranjada e conduzida pelo brilhante alemão Claus Ogerman. Compositor de mão cheia, requintado e arrojado, Ogerman foi o responsável, dentre outros feitos, pelos arranjos dos memoráveis discos de Tom Jobim pela A&M Records, “Wave” e “Tide”, outros dois marcos da saga de sofisticação da bossa-nova na música mundial. Até a capa de “Amoroso”, algo externo às gravações, acompanha tal elegância: uma pintura de uma figura feminina em tons modernistas do artista trinitino Geoffrey Holder.

Cenário montado para João entrar com sua arte. No repertório, sagazmente escolhido a dedo por ele, de standarts do folclore norte-americano, passando por canções em italiano e espanhol até samba antigo e, claro, o cancioneiro bossanovista. Uma releitura de Gershwin abre o disco. Dois acordes dissonantes da orquestra: é “'S Wonderful”, escrita em 1927 para o musical “Funny Face”, que aqui ganha a pronúncia do inglês deliberadamente abrasileirada, que dá a este cartão-de-visitas um toque ainda mais próprio. É como se a letra funcionasse e suas palavras para a intrincada construção harmônica proposta ao se verter o popular song para o gingado do samba. Quanta sabedoria de João ao estender o corpo do perfil sonoro desde seu ataque até sua queda justa e sem ondulações. É a Broodway subindo o morro. 

A orquestra de Ogerman vem intensa e abre caminho para a voz e violão de João em “Estate”, num lindo arranjo que conta, além das cordas, madeiras e metais, com frases do teclado de Grierson. Levantando o astral – afinal, para ser “amoroso”, não precisa sempre sofrer chorando –, João resgata o saboroso samba da década de 40 do multiartista carioca Haroldo Barbosa, autor invariavelmente valorizado pelo criador da bossa-nova. “Tin Tin Por Tin Tin”, com seus marotos versos iniciais, fala de um rompimento de relação (“Você tem que dar, tem que dar/ O que prometeu meu bem/ Mande o meu anel que de volta/ Eu lhe mando o seu também”), mas de uma forma tão graciosa (e malemolente), que até dá a impressão de tratar-se de um amor feliz. O canto de João, que agrega sutis síncopes e vocalises, integra-se de tal forma ao toque do pinho, que parecem provir da mesma natureza. E quem há de dizer que não?

João Gilberto tocando "Tin Tin por Tin Tin", em vídeo do "Fantástico", à época do lançamento do "Amoroso"

Melancólico, o popular bolero “Besame Mucho”, de 1940, remonta ao México sentimental e apaixonado onde João viveu anos antes – país onde, inclusive, ele gravou o excelente disco “João Gilberto en Mexico” ou “Farolito”, de 1970. Mais uma vez, a orquestra carrega na intensidade mas, na sequência, engendra uma delicada transição para Joãozinho brilhar. Isso sem contar com a parte da orquestra no meio da música, nada menos do que deslumbrante. Não é exagero dizer que, a se considerar a inteligência melódica de João neste número, está-se diante de uma das cinco melhores interpretações deste tema incontáveis vezes regravado em todo o mundo.

Para finalizar a segunda parte ou o correspondente ao lado B do vinil original, João escolhe reverenciar aquele que é indiscutivelmente o mais importante compositor da bossa-nova: o amigo Tom Jobim. São de autoria dele as últimas quatro faixas, a metade do álbum, como a marcante versão do clássico “Wave” e a igualmente classuda “Triste”. Em ambas nada está fora do lugar. Tudo é perfeitamente exato. A voz calma, quase silenciosa, mas firme e inteira, se entrelaça às cordas e a banda numa combinação cristalina.

Além destas, outras duas parcerias do Maestro Soberano em que João destila sua personalidade ao mesmo tempo forte e sutil. Primeiro, uma emocionante “Caminhos Cruzados”, coescrita com Newton Mendonça, em que João arrasta o compasso, dando alto grau de sensibilidade para o romântico tema que fala de encontros e desencontros da vida amorosa. O filho musical Caetano Veloso, em seu “Verdade Tropical’, considera esta música uma das mais emblemáticas da bossa-nova, dizendo que “é uma aula de como o samba pode estar inteiro mesmo nas suas formas mais aparentemente descaracterizada; um modo de, radicalizando o refinamento, reencontrar a mão do primeiro preto batendo no couro do primeiro atabaque no nascedouro do samba”.  

A outra, que fecha o disco, é “Zingaro”, escrita em 1965 originalmente instrumental e que ganhou letra de Chico Buarque anos depois para virar “Retrato em Branco e Preto”. Nesta, João empresta dramaticidade à dolorida carta de despedida de um relacionamento: “Novos dias tristes, noites claras/ Versos, cartas, minha cara/ Ainda volto a lhe escrever/ Pra lhe dizer que isso é pecado/ Eu trago o peito tão marcado/ De lembranças do passado e você sabe a razão”. E desfecha: “Vou colecionar mais um soneto/ Outro retrato em branco e preto/ A maltratar meu coração”.

Compêndio de canções românticas de diversas vertentes, “Amoroso” é, acima de tudo, o refinamento daquilo que já era refinado. O “crème de la crème” da bossa-nova, esta corruptela do samba que já nasceu apurada. João, autor da batida-motriz do gênero, algo mecanicamente simples, mas musicalmente complexo visto que capaz de sugerir uma infinidade de fruições melódicas e harmônicas, avançou ainda mais com este disco. Se seu violão já era capaz de condensar o novo e o antigo, com a adição da orquestra esse poder simbólico da bossa-nova se redimensionou. Não se trata do pastiche americanizante do arranjo dos “samboleros” dos tempos da Rádio Nacional, descaracterizadores muitas vezes da raiz africana da cultura brasileira pela vergonha de si próprio, mas, sim, a modernidade em prol do estilo musical que abraçou a essência nacional e a propagou mundo afora. Consciente de seu papel policarpiano, João devolve ao samba a dimensão eloquente (aventada por Francisco Alves e Pixinguinha) que lhe foi negada. Assim como a bossa-nova, símbolo de um Brasil possível, João, como um Robin Hood, resgata o que é de direito desde que o samba é samba. Quem mais poderia supor a ligação de uma ponte assim, tão mágica e intrincada de se realizar? Somente um arquiteto ou um bruxo. João era os dois.

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“Amoroso” saiu conjuntamente com o disco “Brasil”, de 1981, já resenhado nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. em edição em CD em 1993, porém, mantendo-se como capa a sua arte e alterando-se apenas o enunciado do título para “Amoroso/Brasil”. As mesmas gravações de "Amoroso" aparecem também na íntegra, porém em ordem diferente e intercaladas com parte das faixas de "Brasil", na coletânea da série "Mestres da MPB - João Gilberto", editada em 1992.

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FAIXAS:
1. “'S Wonderful” (George Gershwin/Ira Gershwin) - 4:07
2. “Estate” (Bruno Brighetti/Bruno Martino) - 6:30
3. “Tin Tin Por Tin Tin” (Geraldo Jaques/Haroldo Barbosa) - 3:37
4. “Besame Mucho” (Consuelo Velaquez) - 8:43
5. “Wave” (Antonio Carlos Jobim) - 4:35
6. “Caminhos Cruzados” (Jobim/Newton Mendonça) - 6:12
7. “Triste” (Jobim) - 3:35
8. “Zingaro (Retrato em Branco e Preto)” (Jobim/Chico Buarque) - 6:23


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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Seleção Brasileira - 11 discos nacionais que têm a cara do nosso futebol


A relação do futebol com a música, no Brasil, é algo muito especial e particular. A ginga, o ritmo, a malandragem, a criatividade, a poesia, são compartilhadas por ambos e é como se um se utilizasse das virtudes do outro. Seja pela constituição do povo, pela formação cultural, pela configuração social, por questões comportamentais, por tudo isso, o jogo de bola, popular, democrático, que se pode praticar na rua, num pátio, num terreno qualquer, com qualquer coisa que seja ligeiramente arredondado, é ligado intimamente à musicalidade do brasileiro que pode ser colocada em prática em qualquer lugar ou esfera social, numa mesa, numa lata, numa caixinha de fósforo, no morro numa roda de amigos, ou numa garagem com três caras, duas guitarras e uma bateria.

Nessa época de Copa, pensando nessa íntima ligação, selecionamos alguns discos que tem tudo a ver com esse laço. Quando artistas de música colocaram o futebol de forma significativa dentro de suas obras.

É lógico que teríamos muitos, inúmeros exemplos e possibilidades, aqui, mas ilustramos esse caso de amor futebol & música com 11 discos que têm a cara do futebol. Onze!!! Um para cada posição.

Uma verdadeira Seleção Brasileira.

Dá uma olhada aí:

*****




"A perfeição é uma meta
defendida pelo goleiro"
da música "Meio de Campo"

Gilberto Gil - "Cidade de Salvador" (1973): Embora tenha feito o tema brasileiro para a Copa do Mundo de 1998, Gilberto Gil não é exatamente um cara de referências tão constantes ao futebol em sua discografia. Tem, lá, o Hino do Bahia, em 1969, no disco ao vivo com Caetano, tem "Abra o Olho", do disco Ao Vivo de 1974, que faz menções a Pelé e Zagallo, mas, em sua obra, o álbum mais relevante nesse sentido e que mais traz referências ao esporte das massas do Brasil, é "Cidade de Salvador", de 1984. Nele temos a faixa "Meio de Campo", que reverenciava o, então jogador, Afonsinho, do Botafogo, jogador atuante, engajado, um dos pioneiros na luta pelo direito ao passe-livre, além da luta própria liberdade pessoal, uma vez que seu clube, na época, o Botafogo, exigia que ele tirasse a barba e cortasse o cabelo comprido, ao que o mesmo resistiu, exigindo a rescisão de contrato.

Como se não bastasse uma música tão relevante sobre um personagem tão simbólico do futebol brasileiro, o álbum ainda trazia a faixa "Tradição", belíssima crônica cotidiana, que, embora não fosse uma música sobre futebol, também citava o jogo, mencionando Lessa, um lendário goleiro do Bahia nos anos 50, segundo a letra, "um goleiro, uma garantia".






João Bosco - "Galos de Briga" (1976): A dupla João Bosco e Aldir Blanc, quando se trata de música com futebol, é que nem Pelé e Garrincha, Romário e Bebeto, Careca e Maradona. Eram craques! Sintonia perfeita. Embora muitas vezes na discografia de Bosco possamos encontrar referências ao futebol, como nas clássicas "Linha de Passse" e "De Frente pro Crime", em "Galos de Briga"; disco combativo, lançado em 1976, meio à ditadura militar, podemos encontrar dois exemplares dessa tabelinha entrosada: "Incompatibilidade de Gênios" e "Gol Anulado", duas brigas de casal repletas de elementos futebolísticos (e duplas interpretações a respeito da ditadura). Na primeira, o homem reclama que a mulher, zangada, ranzinza, sequer quer permitir que ele escute no rádio o jogo do Flamengo ("Dotô/ Jogava o Flamengo, eu queria escutar / Chegou / Mudou de estação, começou a cantar ..."); na outra, um marido descobre por um grito de gol que a esposa, que julgava tão perfeita e exemplar em tudo, não torcia, na verdade, pelo seu mesmo time, o Vasco da Gama ("Quando você gritou mengo /No segundo gol do Zico / Tirei sem pensar o cinto / E bati até cansar / Três anos vivendo juntos / E eu sempre disse contente / Minha preta é uma rainha / Porque não teme o batente / Se garante na cozinha / E ainda é Vasco doente (...)", e compara a sensação da frustração à de um gol anulado ("Eu aprendi que a alegria /De quem está apaixonado / É como a falsa euforia / De um gol anulado").

Blanc e Bosco tem mais um monte de futebolices em sua discografia, mas "Galos de Briga", é um dos trabalhos que melhor simboliza bem esse entrosamento.





Neguinho da Beija-Flor - "É melhor sorrir" (1982): Quando uma música tem o poder de ser adaptada para todos os grandes times de uma cidade e ser cantada por cada uma de suas torcidas num estádio lotado, essa música tem lugar garantido entre as mais significativas do futebol. "O Campeão", conhecida também por "Meu Time", de Neguinho da Beija-Flor, integrante do álbum "É Melhor Sorrir", celebra um dia de futebol, desde a preparação, a espera, a ansiedade, até o momento mágico de torcer e vibrar pelo time do coração dentro do estádio. "Domingo, eu vou ao Maracanã / Vou torcer pro time que sou fã / Vou levar foguetes e bandeira / Não vai ser de brincadeira / Ele vai ser campeão / Não quero cadeira numerada / Vou ficar na arquibancada / Prá sentir mais emoção / Porque meu time bota pra ferver / E o nome dele são vocês que vão dizer / Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô..........", e aí completa com o nome do seu time. Quem já ouviu isso no Maracanã, só trocando o nome do time no refrão, não tem como não se arrepiar.

O restante das faixas do disco não tem ligação com futebol, mas com uma dessas, que foi oficializada como hino do estádio, que serve para quatro dos maiores clubes do país, normalmente é entoado por milhares de vozes no maior templo do futebol mundial, há motivos mais que suficientes para incluir "É Melhor Sorrir" entre os álbuns importantes na relação música-futebol.





"A defesa é segura
e tem rojão"
da música "Um a Um"

Jackson do Pandeiro - "Jackson do Pandeiro" (1955): Uma das músicas mais marcantes na qual o futebol figura com protagonismo é a clássica "Um a Um", de Jackson do Pandeiro. A letra discorre sobre todas as posições de um time, setores do campo, situações de jogo, xinga o juiz, e exalta entusiasticamente as qualidades e virtudes do time do coração ("O meu clube tem time de primeira / Sua linha atacante é artilheira / A linha média é tal qual uma barreira / O center-forward corre bem na dianteira / A defesa é segura e tem rojão / E o goleiro é igual um paredão (...)  / Mas rapaz uma coisa dessa também tá demais / O juiz ladrão, rapaz! / Eu vi com esses dois olhos que a terra há de comer / Quando ele pegou o rapaz pelo calção / O rapaz ficou sem calção!..."). E, mais atual do que nunca, não aceitando derrota ou empate em hipótese alguma, ainda adverte:  "Se o meu time perder vai ter zum zum zum". E não é assim sempre ainda hoje?





Chico Buarque - Chico Buarque (1984): Chico Buarque, apaixonado por futebol, volta e meio tem alguma coisa relacionada ao esporte mais popular do mundo em seus discos. Um detalhezinho aqui outro ali, um verso, uma metáfora, uma referência... Poderia citar um monte delas aqui, mas escolhemos a música "Pelas Tabelas", do álbum "Chico Buarque", de 1984, por reunir uma série de elementos interessantes como o Maracanã, a torcida, a tabelinha e uma multidão na rua de verde e amarelo que naquele momento, poderia ser pela Seleção ou pelas manifestações pró-diretas, mas que nos últimos tempos se transformou numa imagem de terror de fanáticos conservadores fascistas. Saudades do tempo em que sair na rua de verde e amarelo era só para comemorar vitórias da Seleção ou reivindicar direitos democráticos.

"(...) Quando vi um bocado de gente descendo as favelas/ Achei que era o povo que vinha pedir / A cabeça do homem que olhava as favelas / Minha cabeça rolando no Maracanã / Quando vi a galera aplaudindo de pé as tabelas /Jurei que era ela que vinha chegando / Com minha cabeça já numa baixela / Claro que ninguém se toca com minha aflição / Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela / Pensei que era ela puxando um cordão".





Engenheiros do Hawaii - "Várias Variáveis" (1991): Os Engenheiros do Hawaii, banda da capital gaúcha, sempre demonstrou estreita ligação com o futebol. Volta e meia usavam em suas letras expressões referentes ao jogo ("jogam bombas em Nova Iorque / jogam bombas em Moscou / como se jogassem beijos pra torcida / depois de marcar um gol" - "Beijos Pra Torcida" 1986); subiam ao palco, não raro, com camisetas de seus clubes do coração, Gessinger, gremista fanático, coma do Tricolor, é claro; e tinham, até mesmo, em uma de suas músicas, "Anoiteceu em Porto Alegre", uma narração de rádio do gol do título mundial do Grêmio, de 1983. No entanto "Várias Variáveis", de 1991, que não continha especificamente nenhuma música com qualquer menção ao esporte, destaca-se pela capa, que o justifica em estar nessa lista. Nela, entre várias engrenagens, símbolo adotado pelo grupo como marca, preenchidas com ícones pop, símbolos, imagens geográficas, históricas, comerciais, encontramos os escudos dos dois grandes clubes do Rio Grande do Sul, InternacionalGrêmio. Uma capa que dimensiona bem a importância do futebol e a paixão dos gaúchos por seus clubes situando-os entre as coisas mais importantes entre tantos elementos como ideologias, religiões, comportamento, economia, coisas que fazem mexer as engrenagens do mundo. Afinal, como dizem, o futebol é a coisa desimportante mais importante do mundo. Não é mesmo?





Novos Baianos - "Novos Baianos F.C. (1973): O que era aquilo? Uma banda? Uma família? Uma comunidade? Um time de futebol? Tudo isso! Os Novos Baianos meio que inauguraram um novo conceito de grupo musical: moravam juntos, todos colaboravam em tarefas, faziam música e, apaixonados por futebol, batiam uma bolinha. Para isso, montaram dois campos de futebol no sítio onde a banda vivia, na zona leste do Rio, onde, entre uma gravação e outra, jogavam aquela pelada, ou ao contrário, entre uma partidinha e outra, rolava algum som. Um desses momentos de descontração e atividade paralela é captado na capa do disco "Novos Baianos F.C.", de 1973, com a banda "rolando um caroço" no seu campinho em Jacarepaguá. Além do registro da foto, e da extensão (Futebol Clube) não deixa dúvidas quanto à paixão daquela turma pelo jogo de bola, o disco ainda traz a faixa "Só se não for brasileiro nessa hora", que exalta a pelada, o jeito moleque, o gosto por correr atrás da bola: "Que a vida que há no menino atrás da bola / Pára carro, para tudo / Quando já não há tempo / Para apito, para grito / E o menino deixa a vida pela bola / Só se não for brasileiro nessa hora".

"Novos Baianos F.C", de certa forma, resume o espírito do grupo. Um time. Uma equipe entrosada, quase um Carrossel Holandês onde todos se revezavam e executavam mais de uma tarefa dentro de campo. Futebol total. Ou seria música total? 





Pixinguinha - "Som Pixinguinha" (1971) - Uma das primeiras composições alusivas ao futebol foi "1x0" do mestre Pixinguinha. Gravada no final dos anos 1920, a canção instrumental, homenageava o grande feito da conquista do Campeonato Sul-Americano de 1919, numa partida contra o Uruguai, vencida arduamente, depois de duas prorrogações, pelo placar mínimo, 1x0, gol do ídolo da época, Arthur Friedenreich. 

A música até ganhou letra nos anos 1990, do músico Nelson Ângelo, que a regravou então, cantada, em parceria com Chico Buarque, mas nem precisava: instrumentalmente ela, com seu ritmo, fluidez, construção, já consegue transmitir a dinâmica de um jogo, a ginga, a expectativa do torcedor, a movimentação dentro de campo..., tudo!

A canção foi gravada, originalmente, nos anos 1920, saiu em compactos posteriores, em algumas coletâneas, mas o registro que destacamos aqui é o álbum "Som Pixinguinha", de 1971, o último disco gravado pelo mestre do choro, que viria a ser reeditado, anos depois, no Projeto Pixinguinha, rebatizado como "São Pixinguinha". Nada mais justo. Só coisas divinas. Amém, Pixinguinha! Amém!






"O centroavante, o mais importante
Que emocionante, é uma partida de futebol"
da música "Uma partida de futebol"

Skank - "Samba Poconé" (1996): Logo depois que o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1994, o futebol voltou a virar mania nacional. Literalmente, virou moda. As camisetas de clubes, antes restritas às peladas e aos estádios, naquele momento tomavam as ruas. Embora vários artistas manifestassem esse momento, nenhuma banda soube traduzir tão bem esse momento como o Skank. Além dos integrantes se apresentarem, não raro, com camisetas de seus clubes do coração, os grandes de Minas Gerais, Cruzeiro e Atlético, talvez tenham feito a mais empolgante e entusiástica música daquele período e uma das mais marcantes da história da música braseira, sobre futebol. "É Uma Partida de Futebol" transmitia, com rara felicidade às emoções de dentro e fora de campo, com expectativa do jogo, lances de perigo, reação da torcida, tudo com muita alegria e ritmo ("Bola na trave não altera o placar / Bola na área sem ninguém pra cabecear / Bola na rede pra fazer o gol / Quem não sonhou em ser um jogador de futebol? / A bandeira no estádio é um estandarte / A flâmula pendurada na parede do quarto / O distintivo na camisa do uniforme / Que coisa linda é uma partida de futebol (...)"). Sem dúvida, um marco na histórica relação bola-microfone, tão estreita na música brasileira.





"É camisa dez da Seleção
laiá, laiá, laiá!"
da música "Camisa 10

Luiz Américo - "Camisa 10" (1974): É o típico exemplo de artista de uma música só. Luiz Américo gravou a música "Camisa 10" para a Copa do Mundo de 1974, lamentando a ausência de Pelé, que se despedira da Seleção depois da Copa do México em 1970, e questionando as escolhas do técnico Zagallo, campeão na Copa anterior, mas de escolhas bastante duvidosas para o Mundial seguinte. A letra, inteligente, cheia de boas sacadas e trocadilhos com os nomes dos jogadores ("Desculpe seu Zagalo/ Puseram uma palhinha na sua fogueira / E se não fosse a força desse tal Pereira / Comiam um frango assado lá na jaula do leão / Mas não tem nada não!"), acabaria por confirmar os temores dos autores, Hélio Matheus e Luís Vagner, de um time confuso, mal convocado e mal escalado que não convenceu em nenhum momento e acabou eliminado de maneira impiedosa pela Laranja Mecânica de Johan Cruyff.

Lançada em um álbum sem outras alusões a futebol, "Camisa 10", além de ser, com certeza, a maior cornetada musical da discografia nacional, talvez seja a canção mais marcante da tabelinha música-futebol no Brasil.





Jorge Ben - "Ben" (1972)Jorge Benjor, talvez seja o músico com mais referências ao futebol em sua obra. Volta e meia tem! Tem menção a clube, exaltação a craque de verdade, para craque inventado, música por posição, para infração dentro de campo, pra negociação entre clubes... Tem de tudo. "África Brasil" , disco já destacado aqui no ClyBlog, nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, provavelmente seja o álbum que mais contém referências ao esporte, com uma música cuja letra conta o desejo de um de seus filhos em querer ser jogador de futebol ("Meus filhos, meu tesouro"), uma para o craque Zico ("Camisa 10 da Gávea), e uma para um fictício meia-atacante africano de futebol encantador, "Umbabaraúma, Ponta de Lança Africano". No entanto, a canção de Jorge Benjor mais marcante sobre futebol, é, sem dúvida, uma das mais lembradas no quesito em toda a música brasileira, está no disco "Ben", de 1972. "Fio Maravilha" descreve, quase com a precisão de um locutor esportivo, o lance mágico do atacante Fio, do Flamengo, dos anos 70, em que ele faz, segundo o autor "uma jogada celestial". Jorge Benjor, exímio construtor de imagens musicais, soma à narração do lance, a reação da torcida e o grito de reverencia e agradecimento da massa para o craque, num dos refrões mais populares da música brasileira, "Fio Maravilha / Nós gostamos de você /Fio Maravilha / Fazmais um pr'a gente ver".

Curiosamente, anos depois, Fio acabou processando Jorge Benjor pela utilização de seu nome sem autorização. O próprio Fio desistiu do processo sem sentido até porque, antes da música ele não era ninguém e, pelo contrário, era conhecido, exatamente, por perder muitos gols. Simplesmente, um hino do futebol brasileiro!



por Cly Reis