A pedido do meu amigo Cly, administrador desse blog maravilhoso, que está completando 15 anos de existência, que me pediu para que escrevesse, brevemente, sobre um disco que eu achasse essencial, importante, do coração, clássico, ou algo do tipo, para colocar na seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, de pronto aceitei... depois pensando, "puxa vida que tarefa difícil!"
Mas daí fiquei em uma análise sem fim... “essencial, importante, do coração, clássico, ou algo do tipo”. Então me veio a memória um álbum do coração: "Amor de Índio", de Beto Guedes, talvez o menos badalado do Clube da Esquina, por sua timidez (só uma opinião). Esse álbum de 1978, já abre com uma canção clássica, do coração, do próprio Beto com parceria de Ronaldo Bastos – "Amor de Índio" (homônimo), gravada e regravada por muitos outros artistas, uma obra prima. Na sequência, "Novela", de Milton Nascimento e Márcio Borges, uma atmosfera forte e contundente; "Só Primavera", de Beto Guedes e Márcio Borges, lembrando muito o Clube da Esquina; "Findo do Amor", de Tavinho Moura e Murilo Antunes, uma letra forte e reflexiva; "Gabriel" do próprio Beto com Ronaldo Bastos, feita e dedicada ao seu filho Gabriel, canção de emocionar, principalmente quem é pai; "Feira Moderna", de Lô Borges, Beto Guedes, e Fernando Brant, alto-astral, demais, dá até pra dançar; "Luz e Mistério", parceria com Caetano Veloso, mais uma com letra profunda, como praticamente todas do álbum, sendo que há uma versão ao vivo com a participação do parceiro de composição Caetano, que empresta à versão sua voz “aveludada”.
"O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre", novamente com Fernando Brant, é uma canção que diz tudo desse álbum, também gravada por outros artistas, sendo muito marcante na voz de Elis Regina. "Era Menino" (Beto Guedes, Tavinho Moura e Murilo Antunes) é o típico som de Minas e, por fim, "Cantar", do pai Godofredo Guedes, a quem Beto costumava homenagear com frequência nos discos gravados nos anos '70 e '80, reservando sempre a última faixa do LP para a homenagem: "Belo Horizonte" de Godofredo, em "Página do Relâmpago Elétrico", de 1977; "Cantar", nesse álbum; "Casinha de Palha", em "Sol de Primavera" (1980); "Noite Sem Luar", em "Contos da Lua Vaga", de 1981; e "Um Sonho", também do pai, em "Viagem das Mãos" (1984).
Instrumentista, Godofredo tocava violão e clarinete e compôs mais de cem músicas.
Esse é meu álbum do coração, portanto fundamental na minha discografia e espero que tenha contribuído com o ClyBlog.
Rio de Janeiro e Salvador, por motivos históricos e culturais tão distintos quanto semelhantes, são conhecidas como as capitais brasileiras que guardam maiores mistérios. Mas quando o assunto é música, nada bate Belo Horizonte. A musicalidade sobrenatural de Milton Nascimento, o fenômeno Clube da Esquina, o carioquismo mineiro de João Bosco, a sonoridade crua e universal da Uakti, o som inimaginável da Som Imaginário. Afora isso, a profusão há tantos anos de talentos do mais alto nível técnico e criativo a se ver (além de Milton, carioca, mas mineiro de formação e coração) por Wagner Tiso, irmãos Borges, Cacaso, Beto Guedes, Marco Antônio Guimarães, Fernando Brant, Toninho Horta, Samuel Rosa, Flávio Venturini, Tavinho Moura...
Mas quer maior mistério mineiro do que a banda Aum? Além do próprio nome, termo de origem hindu que lhes representa o som sagrado do Universo, pouco se sabe sobre eles há 40 anos. O que se sabe, sim, é que o grupo formado em Beagá por Zé Paulo, no baixo; Leo, bateria; Guati, saxofone; Marcio e Taquinho, guitarras; e Betinho, teclados, embora a diminuta nomenclatura, é dono de uma sonoridade enorme, visto que complexa, densa e sintética, que se tornou um mito na cena instrumental brasileira. Mais enigmático ainda: toda esta qualidade foi registrada em apenas um único disco. E se o nome da banda traz uma ideia mística, o título do álbum é uma referência direta àquilo que melhor lhes pertence: "Belorizonte". E escrito assim, no dialeto "mineirês", tal como os nativos falam coloquialmente ao suprimir letras e/ou juntar palavras.
A coerência com o "jeitin" da cidade não está somente impressa na capa. Vai além e mais profundamente neste conceito. O som da Aum é, como se disse, complexo, denso e sintético, pois faz um híbrido impressionante (e misterioso) de rock progressivo, jazz moderno e a herança da "escola" Clube da Esquina. "Belorizonte" destila elegância e beleza em suas seis requintadas faixas, remetendo a MPB, à música clássica e a cena de Canterbury, mas imprimindo uma marca única, uma assinatura. De forma independente, a Aum gravou “Belorizonte” no renomado estúdio Bemol, por onde passaram grandes mineiros como Milton, Toninho, Nivaldo Ornellas, Tavinho e Uakti e um dos primeiros estúdios na América Latina a possuir um aparato de áudio profissional para gravações em alto nível.
Esta confluência de elementos é como um retrato sonoro de onde pertencem: da topografia dos campos e serras, da vegetação do Cerrado, da coloração avermelhada da terra, da energia emanante dos minérios. Das feições mamelucas dos nativos, da influência ibérica e indígena, da religiosidade católica e africana. Aum é a cara de Belo Horizonte. Por isso mesmo, chamar o disco de outra coisa que não o nome da própria cidade seria impensável.
Suaves acordes de guitarra abrem "Tema pra Malu", o número inicial. Jazz fusion melódico e inspirado, embora não seja a faixa-título, não é errado dizer que se trata da mais emblemática do álbum. Variações de ritmo entre um compasso cadenciado e um samba marcado são coloridos pelo lindo sax de Guati, que pinta um solo elegante. A guitarra solo, igualmente, com leve distorção, não deixa por menos, dando um ar rock como o do Clube da Esquina. Aliás, percebe-se a própria introspecção de canções de Milton, como “Nada Será como Antes” e “Cadê”.
Já "Serra do Curral", um dos maiores e belos símbolos da capital mineira, é narrada com muita delicadeza em uma fusão de jazz moderno, folk e MPB. Sem percussão, é levada apenas nos criativos acordes de guitarra, linhas de baixo em alto nível e um solo de violão clássico de muito bom gosto. Impossível não remeter a Pat Metheny e Jaco Pastorius, jazzistas bastante afeitos com os sons da latinoamerica. Novamente, ecos do Milton e do Clube da Esquina, como as latinas “Paixão e Fé”, de “Clube da Esquina 2” (1978), e “Menino”, de “Geraes” (1975).
Numa pegada mais progressiva, a própria “Belorizonte”, a mais longa de todo o disco, com quase 10 min, traz um ritmo mais acelerado puxado pelas guitarras de Frango e Taquinho, seja no riff quanto no improviso. Betinho também dá as suas investidas nos teclados, mas quem tem vez consistentemente são Zé Paulo, no baixo, e Leo, na bateria. Ambos executam solos como em nenhum outro momento do álbum – e, consequentemente, da carreira. Ouve-se, tranquilamente, “Maria Maria”, de Milton, “Feira Moderna”, de Guedes, e “Canção Postal”, de Lô Borges. Outro rock pulsante, “Nas Nuvens”, chega a lembrar "Belo Horror", de "Beto Guedes/Danilo Caymmi/Novelli/Toninho Horta", e principalmente “Trem de Doido”, do repertório de “Clube da Esquina”, principalmente pela guitarra solo de Guedes com efeito. Destaque também para os teclados de Betinho, traz uma banda em tons alegres e em perfeita sintonia, algo dos lances mais instrumentais d’A Cor do Som, espécie de Aum carioca e de sucesso.
O chorus de "4:15", conduzido pelo sax, pode-se dizer das coisas mais airosas da música brasileira dos anos 80. Bossa nova eletrificada e com influência do jazz de Chick Corea, Herbie Hancock e Weather Report, funciona como uma fotografia poética da Belo Horizonte urbana às 16 horas 15 minutos da tarde com seu trânsito, suas vias e suas gentes emoldurados pela arquitetura, pela luz e pela paisagem da cidade. “Tice” encerra com um ar de blues psicodélico. Primeiro, ouve-se algo inédito até então: uma voz humana. Chamada especialmente para este desfecho, a cantora Roberta Navarro emite melismas melancólicos. Em seguida, a sonoridade de piano protagoniza um toque onírico para, por fim, a guitarra de Taquinho emitir seu grito-choro de despedida.
“Belorizonte” se tornou um dos discos nacionais mais procurados entre os colecionadores, visto que restam algumas raras cópias do vinil original, disponíveis em sebos a altos preços. Sua aura de ineditismo e de assombro paira até os dias de hoje. Brasileiros e estrangeiros ainda descobrem a Aum e, além de se encantarem, perguntam-se: “por que apenas este registro?”. Afora raros reencontros para shows especiais, permanece inexplicável que nunca tenha voltado à ativa – até porque todos os integrantes ainda estão vivos. Seja por milagre ou não, ou mais importante é que, mesmo que não se explique, o som da Aum, único e irrepetível, independe de qualquer enigma ou lógica. Basta por para se escutar, que o sobrevoo sobre os campos e cerrados de BH está garantido.
Meu pai e eu éramos muito ligados. Nem todos os
filhos sentem-se assim ligados aos seus pais. Muitos de nós passamos parte da
vida lamentando o berço familiar, a descendência e tudo o que existe dentro de
uma família.
Comigo não foi assim.
Cresci até os 4 anos com um pai muito feliz,
animado e parceiro de aventuras. Cresci no Centro da cidade de Porto Alegre
após nascer no Bom Fim. Nas imediações do Centro eu e ele íamos ao parquinho
que ficava no Largo da Epatur. Eu viajava nos discos voadores, andava de
charrete e montava nos cavalinhos do carrossel. Ele ficava me cuidando e
fotografando ao mesmo tempo.
Meu pai curtia revelar as imagens e organizar nos
álbuns, que naquele tempo eram feitas em câmera com negativo quadrado e a
imagem final dependia das condições técnicas do fotógrafo – ele tinha talento! Todas
as fotos aprovadas iam para um álbum-pasta que por anos nos acompanhou. Dono de
um gênio forte, por vezes temperamental, sempre se percebia amor nele e alegria
nestes momentos.
Assim cresci: parte saindo rumo aos parques, praças
e ruas do bairro e por outras tive meus momentos de estar em casa. Lá brincava
comigo de gravar a voz. Eu adorava. Vez em quando cantava ou contava do meu dia
na escola.
Faz um tempo que recebi uma “cutucada”, como se diz
no dialeto estranho das redes sociais, dos editores do ClyBlog para escrever
sobre uma das maiores cantoras brasileiras, Elis Regina. O que isso tem a ver comigo e com a minha relação paterna? Tudo! Mas confesso que o convite me
deixou atordoada, sem saber por onde começar. Elis está em muitos momentos da
minha vida representando transformação.
Eu e Marcelo na abertura da exposição
A Aventura de Criar - Galeiria Duque, maio 2015
Comecei escutando Elis Regina em casa. Meu pai foi
seu fã até o dia em que recebeu, junto com milhões de brasileiros, a notícia da
sua morte. No auge da carreira artística, quando Elis já havia se consagrado
num grande nome da música, uma estrela de maior grandeza. Meu pai não a perdoou
por sair de cena tão cedo. Neste período, em plena década de 80, escutávamos
sem parar os LPs da Elis em nossa vitrola CCE, que era muito bem equipada com duas
caixas de som grandes para uma família de classe média.
Depois de tantas audições no lar, eu já sabia as
letras, os tempos e as paradas que a cantora fazia. Então, apresentava a
dublagem nas reuniões de final de ano e nos aniversários à família. E me achava
a segunda melhor cantora daquele momento por conta dessa total sintonia que
tínhamos. Eu tinha de 7 para 8 anos de idade.
Nunca me rendi somente à voz, mas a toda atmosfera
como intérprete que Elis criava para cada canção. A emoção, a quebra das
palavras, o respirar das frases, a cadência de cada arranjo tornava cada faixa
do LP única. Realmente algumas canções são “inescutáveis” se a intérprete não
for Elis Regina.
O LP que mais tocou em mim é este, de 1980, que tem
as faixas inesquecíveis: “Rebento” de Gilberto Gil; “Nova Estação“ de Luiz
Guedes e Thomas Roth; “O Medo de Amar é o medo de ser livre” de Beto Guedes e Fernando Brant; “Aprendendo a jogar” e “Só Deus é quem sabe”, ambas de
Guilherme Arantes; além da arrebatadora “Trem Azul”, de Lô Borges e Ronaldo
Bastos, hino em minha vida. Quem escutava Elis recebia a melhor produção
musical do momento.
Acervo de Elis da CCMQ
Jornal Zero Hora - 22/09/2005
Fui compreender seu universo e sua enorme
contribuição a jovens compositores anos mais tarde, quando, adolescente, lendo
matérias, vendo artigos e escutando amigos me dei conta do movimento, da
visibilidade e da força que ela deu a uma galera referência até hoje na música
brasileira.
O tempo passou e meu pai acabou perdoando a morte
de Elis Regina, voltou a escutar sua voz e vez em quando ele comentava: “Mas ela canta como ninguém mais poderia
interpretar essa canção!”,e
então se recolhia ao silêncio respeitoso de escutá-la.
Em 2005, tive a alegria de ser convidada por Sergio
Napp, então Diretor da Casa de Cultura Mário Quintana, a criar o Acervo Elis Regina da CCMQ. Nesta época,
mergulhei em todas as informações que recolhemos de acervos doados e de livros
editados sobre ela. Lembro-me do impacto que tive com a análise do mapa astral
de Elis, por um dos maiores astrólogos do país, Antônio Carlos “Bola” Harres,
que anos mais tarde foi meu cunhado e que apresenta a configuração astral de
Elis de uma forma que compreendemos os conflitos, o fluxo das emoções e as
nuances talentosas da cantora.
Elis era uma mulher com força impulsiva e, ao mesmo
tempo, com alta sensibilidade. Opostos atuando sempre ao mesmo tempo. Essa análise
me ajudou a compor com os arquitetos Carlos e Lizete Jardim as cores, a
atmosfera e a forma de apresentar os conteúdos do Acervo. Nesta época também
conheci mais profundamente o repertório de Elis e a sua estreita relação com
compositores que embalaram minha mesma infância, tais como: Milton Nascimento/Fernando
Brant, Gil, Beto Guedes, Guilherme Arantes, Ronaldo Bastos, Lô Borges, João Bosco/Aldir Blanc, Ivan Lins, entre outros.
Durante todo o tempo de pesquisa sobre o Acervo meu
pai me incentivou com orgulho de ver aquela escuta de anos atrás se transformar
em um espaço físico homenageando a intérprete e a cantora, que mesmo sendo um
dos maiores nomes da música brasileira, se achava brega perto de outras
cantoras da sua época, a exemplo de Rita Lee.
Meses após termos aberto o Acervo Eis Regina, fui
apresentada por Luiz Carlos Prestes Filho em Porto Alegre a Fernando Brant, compositor
e letrista da mais alta qualidade musical e humana. Ele ficou muito feliz com o
Acervo, que conheceu numa vista a CCMQ quando estava na fase de implementação da
sede da União Brasileira de Compositores na capital gaúcha. Ficamos amigos.
Eu e Fernando Brant na inauguração do UBC
em Porto Alegre em 2006
Em 2011, numa visita a Belo Horizonte, cidade onde
Fernando morava, fomos ao show de Milton Nascimento que abria o novo espaço da
cidade. Fazia poucos meses que Fernando havia participado do projeto Coleção
Mario Quintana para a Infância, volumes IV e V, realizado por minha empresa
Aprata. Todo faceiro com a chegada da Coleção (que levei pessoalmente a ele em
agradecimento por tanta generosidade), ele me recebeu com esse convite
irrecusável: “Vamos assistir o Bituca,
Leo? Ele fará um show no teatro recém-inaugurado aqui após reforma pelo SESC e
vai homenagear a Elis. Você tem que estar lá porque vais representar Porto
Alegre nesse momento. Vamos?” Como é que eu diria não?
Fomos então direto para o teatro e lá chorei por 90
minutos do show, segurando a mão do Fernando, que emocionado com a audição de
suas composições, enchia os olhos de água e dava longos suspiros sorrindo. Um
dos maiores presentes que recebi da vida: reunir neste dia os compositores e a
carga musical que tenho em minha bagagem relacionada a Elis.
Depois desse dia, só falei com ele por telefone e
e-mail. Foi a nossa despedida amiga em grande estilo envolvidos pela atmosfera
musical que ele construiu de tanta beleza e com a homenagem à mulher que,
segundo ele, foi a maior incentivadora da carreira de todo aquele Clube da
Esquina e os outros tantos desgarrados que até então buscavam uma oportunidade
para persistir na música.
Quando voltei a Porto Alegre, contei a meus pais e
os dois se emocionaram muito com essa vivência em Beagá. Tentei escrever sobre
todos estes momentos, mas não conseguia elencar os fatos, porque a emoção me
invadia e desorganizava a escrita. Comecei a escrever o texto com meu pai e
Fernando ainda vivos. Porém foi somente com a partida de ambos, Fernando em
junho de 2015, e meu pai, em junho de 2016, que me senti serena para contar
essa história de total sintonia entre nós.
Obrigado meu pai por não proibir a escuta, mesmo
doendo demais a ausência de Elis.
Obrigado Fernando por essa amizade inesquecível.
Obrigado Elis por esse sentimento de comunhão, por trazer
até todos nós em forma de Arte - essa vibração prateada, brilhante e sonora,
que foi sua passagem por esse planeta e que tanto nos liga amorosamente.
Saudade de tudo que vivemos e hoje é memória viva
em mim!
Gratidão, Amor e Luz para vocês.
****************
Elis Regina - "Aprendendo a Jogar" - programa Fantástico (1980)
***************
FAIXAS:
1. "Sai Dessa" (Ana Terra/Nathan Marques)
2. "Rebento" (Gilberto Gil)
3. "Nova Estação" (Thomas Roth/Luiz
Guedes)
4. "O Medo de Amar É o Medo de Ser Livre"
(Beto Guedes/Fernando Brant)
5. "Aprendendo a Jogar" (Guilherme
Arantes)
6. "Só Deus É quem Sabe" (Guilherme
Arantes)
7. "O Trem Azul" (Lô Borges/Ronaldo
Bastos)
8. "Vento de Maio" (Telo Borges/Márcio
Borges)
9. "Calcanhar de Aquiles" (Jean Garfunkel
/Paulo Garfunkel)
faixas bônus
do relançamento em CD
1. "Tiro ao Álvaro" (Adoniran Barbosa /
Osvaldo Molles) – Com
Adoniran Barbosa
2. "Se Eu Quiser Falar com Deus"
(Gilberto Gil)
3. "O que Foi Feito Devera (de Vera)"
(Milton Nascimento/Fernando Brant/Márcio Borges) – Com Milton Nascimento
4. "Outro Cais" (Marilton Borges/Duca
Leal) – Com Os Borges
O cinema brasileiro se solidificou como um grande produtor de documentários desde a retomada, no início dos anos 2000. Embora já tivesse uma considerável tradição documentarista, desde o Ciclo de Cataguases aos cinemanovistas, foi principalmente a partir da década de 2010 que explodiram produções documentais em diversos formatos e temas, sendo um deles o da história cultural do País. O aperfeiçoamento das formas de pesquisa e dos recursos de tecnologia juntam-se ao interesse dos novos realizadores em contar essa riqueza histórica, que oferece um panorama amplo de entendimentos políticos, comportamentais e sociais do Brasil. Artistas, autores, personalidades, movimentos, escolas e projetos passaram a se tornar objeto de análise fílmica, rendendo muitos filmes de excelência, mas outros nem tanto.
É o caso do recente “Nada Será Como Antes - A Música do Clube da Esquina”, que se debruça sobre o movimento musical mineiro cujo principal álbum é considerado um dos maiores de todos os tempos no Brasil. Há pouco, a revista norte-americana Post Magazine, igualmente, colocou-o entre os 10 melhores entre os 300 mais emblemáticos da música pop, algo semelhante ao que fez o livro "1001 Discos para se Ouvir Antes de Morrer" ao incluí-lo na listagem juntamente com outros 15 brasileiros. Mas, infelizmente, o documentário de Ana Rieper perde a chance de explorar toda a riqueza que o tema oferece. Na esteira do festejado mas pouco envolvente “Elis & Tom - Só Tinha de Ser Com Você” (Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay, 2023), “Nada Será...” busca resgatar, a partir da visão de seus principais atores, a alma deste outro disco clássico: "Clube da Esquina", de 1972. Faz isso resgatando a formação do famoso Clube, apelido da turma de músicos mineiros liderados por Milton Nascimento que faz referência a uma esquina de Belo Horizonte, entre as ruas Paraisópolis e a Divinópolis, no bairro de Santa Tereza, onde moravam, nos anos 60, os igualmente protagonistas irmãos Borges (Márcio, Lô, Telo e Marílton). Uma cena artística absolutamente original e de uma qualidade incomparável ainda hoje, que reunia talentos e todas as forças da música brasileira àquela época: a tradição do samba, as influências do rock e do jazz, os ritmos do Nordeste e do sertão, o classicismo, a herança religiosa, a tradição ibérica e a veia sul-americana. Tudo muito bem conjugado, sintetizado, orquestrado.
Porém, os problemas do filme começam, de certa forma, na maneira de contar essa trajetória. Intercalando depoimentos recentes dos Borges (principalmente, Márcio e Lô, este último, o coautor do celebrado disco com Milton), Beto Guedes, Novelli, Wagner Tiso, Toninho Horta, Flávio Venturini e outros, quando se trata de Milton, os registros de entrevistas são “velhos”. Não que não o valham. Pelo contrário, só enriquecem. Porém, Milton, diferentemente de outro importante personagem como Fernando Brant, ainda está vivo, e seria fundamental, mesmo que prejudicado pelo atual estado de saúde que atrapalha sua fala, contar com depoimentos atuais de Bituca, indiscutivelmente o centro de todo aquele movimento.
Milton em entrevistas de anos atrás: blindagem da família ou desleixo da produção?
Pode-se sondar que Milton tenha sido blindado pela superprotetora família (para não dizer "arredia"), cuidadosa em expô-lo desta forma – o que é bem possível que Ana tenha esbarrado. Mas não soa como uma explicação totalmente plausível, visto que o documentário parece, justamente, ressentir-se de documentos. Há menos vídeos e fotos de shows ou de apresentações do que se espera. Existem, sim, como as imagens do “Show do Paraíso”, o Woodstock mineiro realizado em uma fazenda nas proximidades da cidade de Três Pontas, que reuniu grandes nomes da música brasileira, como Tiso, Beto Guedes, Lô, Nelson Ângelo, Gonzaguinha, Fafá de Belém, Francis Hime, Chico Buarque, Clementina de Jesus, entre outros. Mas não passa muito disso, o que faz com que se fique com a sensação de que pouco se embrenhou nos arquivos. Do próprio Brant, falecido em 2015, há, grosso modo, uma sequência apenas de uma conversa numa mesa de bar em que se celebra o grande poeta do Clube da Esquina. E só. Sem registros de entrevistas em vídeo ou áudio do autor que colocou em palavras alguns daqueles clássicos, como “Para Lennon e McCartney”, “Travessia” e a própria música que dá título ao filme. Seria isso em razão de uma (estranha) decisão pelo fato de Brant não estar mais vivo? Não, pois o outro grande letrista da turma, Ronaldo Bastos, mesmo ainda vivo, depõe em uma única e solitária vez.
Talvez por certa tentativa de dar um ar de “mineirice” à narrativa, num tom de “dedo de prosa” e puxando para Márcio e Lô o papel de condutores, o filme tenha recaído numa certa superficialidade diante do dimensão do tema central. Além da pequena participação de Ronaldo e da inexplicável redução da figura de Brant, outros personagens coadjuvantes - mas de participação efetiva para a composição do disco - nem citados são. Casos de Alaíde Costa, a voz principal da espetacular faixa “"Me Deixa em Paz", ou o fotógrafo e designer Cafi, autor da famosa foto dos meninos da capa que tão bem simboliza o álbum. É preciso assistir ao filme "Salve o Prazer!" (Lírio Ferreira e Natara Ney, 2020) para que, ali, Cafi conte, enfim, a história da fotografia e como ela se tornou, por decisão de Milton, a capa do disco.
A opção narrativa de Ana também incorre em um outro aspecto, que é a definição daquilo que, de fato, está se falando: o Clube da Esquina como grupo, como cena artística ou como disco? Não que não se fale e não se pudesse falar dos três concomitantemente. Aliás, é o ideal, visto que seria muito estranho tratar de um como se o outro não existisse ou que não sejam diretamente correlacionados. Contudo, fica a dúvida de que olhar a diretora e roteirista quis dar. Ora se detalha elementos técnicos como o solo de Toninho Horta em “Trem Azul”, ora se abstém de abordar faixas memoráveis do mesmo repertório, como “Cais” e "Me Deixa em Paz". Então, conclui-se que não é só sobre o disco. Em contrapartida, também não é somente sobre o grupo/cena. Não se fala, por exemplo, do legado do Clube da Esquina, como sua influência para a world music quando Wayne Shorter (outro esquecido no filme) leva o amigo Milton para os Estados Unidos para gravarem “Native Dancer”, em 1975. Nem muito menos o “Clube da Esquina 2”, de 1978, que, mais do que uma continuidade, agregou àquele grupo nomes como Chico, Elis Regina, Azymuth, Joyce e Danilo Caymmi, expandindo os ecos originais.
Em suma, ao não aprofundar estes três pilares (ou não se optar por algum para, aí sim, dissecá-lo), tudo fica um tanto incompleto. Afinal, o Clube da Esquina merece muito mais aprofundamento, pelo que é e pelo o que representa. Mesmo que sua centelha tenha sido aquela naturalidade quase inocente que Lô bem descreve, o Clube da Esquina virou muito mais do que isso. Assim, o final poético dado pela cineasta, por mais bonito que seja, sofre certo esvaziamento. Para arrematar, a música que roda nos créditos é a própria “Nada Será Como Antes”. Até aí, tudo bem. Porém, é exatamente a mesma versão do início do filme. Mais uma elemento desabonador em um filme que parece ter economizado em pesquisa e atenção ao objeto pesquisado. Uma pena, tendo em vista que se perde uma boa oportunidade de trazer à luz algo, como dito no início, importante para a reconstrução histórico-cultural do Brasil moderno. Ainda bem que, diferentemente do passado menos denso em documentários no cinema brasileiro, hoje pode-se, tranquilamente retornar ao mesmo assunto, agregando mais visões ao mesmo tema. E quem sabe, retratando o Clube da Esquina com maior fidelidade e trazendo, enfim, muito mais do que foi como antes. Amanhã.
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trailer de “Nada Será Como Antes - A Música Do Clube Da Esquina”, de Ana Rieper
Um clube na esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis, em Beagá
“Memória de tanta espera
Teu corpo crescendo, salta do chão
E eu já vejo meu corpo descer
Um dia te encontro no meio
Da sala ou da rua
Não sei o que vou te contar”.
"Ao que vai nascer" – Milton Nascimento e Fernando Brant
Muitas histórias cercam a criação do LP "Clube da Esquina", e cada uma delas nos mostra esse universo que jovens músicos e compositores deixaram como parte do seu legado artístico a todos nós.
Vou contar brevemente as histórias que me ligam a esse grupo e às canções.
Na minha lembrança musical, comecei a escutar Minas através de Milton Nascimento e Fernando Brant muito pequena. Meus pais tinham uma maior predileção por Chico e Caetano, mas Milton era alguém que eles admiravam através das canções interpretadas por Elis Regina, que é guardada por Milton e Fernando, integrantes desse grupo de uma forma muito afetiva. Daí, através de intérpretes como Joana, conheci "Nos Bailes da Vida", e essa canção entrou para a minha vida. Sempre que transformava a sala do nosso apartamento em palco, "Nos Bailes da Vida", de Fernando Brant e Milton Nascimento, me levava às lágrimas. Emocionava profundamente uma criança de 7 anos.
Museu Clube da Esquinsa, entre a Paraisópolis e Divinópolis, em Santa Tereza (BH)
Elis cantava em seu repertório muitas canções de Milton e seus parceiros de Clube e eu, muito atenta às criações musicais, sempre olhava quem eram o compositor e o letrista. Fui identificando o jeito de cada um deles, ora diverso, ora profundamente lírico, e daí Ronaldo Bastos e "Trem Azul" entraram para a minha vida. "Cais" era uma das canções prediletas, que constava no disco de 78 de Elis, ao qual eu que sempre confundi letras, troquei palavras, mas sabia tudo de cor. "Cais" era outra canção que fazia a minha plateia imaginária delirar, no volume 10, do aparelho três em um da CCE que tivemos.
Com o tempo fui escolhendo escutas de outros mineiros. Vieram os irmãos Borges, descobri Flávio Venturini e o maestro Wagner Tiso e meu pai comprou o disco “O Som Brasileiro de Sarah Vaughan”, com a participação de Milton, abrindo o LP cantando com a Diva Sarah "Travessia" ("Bridges"). Este disco furou de tanto escutarmos lá em casa. Com o tempo e a chegada do Daniel em minha vida, conheci, vendo-os tocar ao vivo, Toninho Horta e Robertinho Silva, que estavam em torno desse clube.
Capa do livro "Coração Americano"
"Minha parceria com Bituca nasceu de uma amizade que começou na Galeria do Maleta, em Belo Horizonte, num bar chamado Oxalá. Ficamos muitos amigos, mas depois Milton foi para São Paulo. Eu sempre ia visitá-lo e nunca tinha pensado em fazer letra para música, embora curtisse muito as coisas que o Bituca fazia com o Márcio Borges. Numa dessa visitas a São Paulo, ele me mostrou uma música e disse que eu tinha que escrever a letra. Não queria, mas acabei levando uma fita para Belo Horizonte e escrevi a letra de 'Travessia', sem nenhuma pretensão”, contou Fernando Brant, parceiro de Milton, ao Jornal de Música em 1976. Esse trecho foi compilado do livro maravilhoso que comprei em Ouro Preto, publicado pela PRAX editora, “Coração Americano: 35 anos do álbum duplo Clube da Esquina”, em 2008.
Daí, sem imaginar que algo dessa grandeza fosse acontecer, a vida me apresenta uma chance de conhecer o Fernando Brant. Isso aconteceu em 2004, quando eu estava produzindo uma edição do Rumos Itaú Cultural em Porto Alegre. Fernando não participou desse evento, mas o seu amigo, o pesquisador Luiz Carlos Prestes Filho, sim. Por razões óbvias – já que fui batizada com o nome da sua avó, mãe de Prestes, Leocádia – ficamos amigos, trabalhamos juntos em algumas ações culturais aqui na cidade e, anos mais tarde, em 2008, o próprio Luiz Carlos me comentou que Fernando estaria aqui para lançar uma unidade da União Brasileira de Compositores (UBC) na capital. Meu nome havia sido cogitado para gerenciar o escritório, ele queria me conhecer e eu fiquei chocada e feliz com a possibilidade.
Nos conhecemos numa atividade de lançamento da UCB muito bonita e nossa amizade já antiga, pois eu o escutava desde pequena, se estreitou. Fernando me trouxe Minas, me nutriu de mais canções, de novos intérpretes, ampliou minha visão do Clube da Esquina. Participou do projeto Coleção Mario Quintana em 2011 produzido por mim e minha irmã, na Aprata sobre a obra do poeta Mario Quintana, a quem visitou numa das vindas a Porto Alegre. Através do Fernando, conheci pessoalmente Ronaldo Bastos e Edmundo Souto, além de ter a oportunidade de assistir, em 2011, a um show que reabriu o Cine Palladium (SESC-MG) com Milton Nascimento ao vivo e convidados, em Belo Horizonte. Durante quase duas horas e meia de show, pude chorar enlouquecidamente, de mãos dadas com Fernando, igualmente emocionado, ouvindo a magnitude de Milton, apresentando seu repertório. Dentre as canções, muitas delas compostas por Fernando e Bituca (como ele chamava Milton), muitas interpretadas por Elis - eu ali sentada, ia sendo lembrada por Fernando, canção a canção, me dizendo as histórias que estavam guardadas em seu coração.
Foi um dos momentos mais belos que tive nessa vida. Um momento de total reconexão com as minhas raízes, de compreensão sobre a minha vida, sobre a nossa música e o que ela de fato representa na trajetória de cada ser humano brasileiro.
Fiz de Minas minha casa. É um estado ao qual sempre quero retornar. Gosto do clima, das pessoas, das sonoridades, dos prédios, das histórias e do sotaque que dá uma falsa impressão de timidez, mas é puro charme e singeleza.
Fernando Brant e Milton Nascimento à época do Clube da Esquina
Esse clube aconteceu numa esquina, entre as ruas Paraisópolis e Divinópolis, em Beagá, aonde está mantida a atmosfera de empatia e encontro, parecendo que a qualquer momento eles irão se reencontrar, pegar o violão, tomar um chopp e fazer novas e velhas canções, entre risadas e comentários profundos sobre a nossa realidade brasileira. Este espaço físico e emocional do Clube da Esquina emana essa importância viva de cada músico em nossas vidas, da sua Arte e da sua gentileza em mostrar para todos nós suas inquietações. Eles tocam os nossos corações através dos corações que eles gentilmente compartilham, abrem e escancaram com a gente. Deixam a gente com mais coragem para se expor e mostrar que nem tudo é planejado, simplesmente, acontece. Trazem à tona essa força da canção brasileira, tão diversa e tão entrosada, que não se pode dizer qual gênero estamos escutando, porque em cada faixa muitas vozes se misturam, muitas energias impulsionam num só coro ânimo para viver.
Vi isso num coral de primeira infância num evento de educação que participei e compreendi o quanto Minas é agraciado com tanta música. Eles estão marcados na história de todas as gerações, para que cada indivíduo possa refazer sua vida, restabelecer seu equilíbrio e seguir em frente, pois “nada será como antes, amanhã”.
A trilha do Clube da Esquina, seus compositores e intérpretes, estão gravados na trilha sonora da minha vida. Fernando foi um amigo que guardo no lado esquerdo do peito, com sua risada aberta e tempinho para um chopp, bate-papo e troca de e-mails rápidos, porque o melhor da vida é estar com os amigos presencialmente, sempre que possível.
A todos vocês a minha profunda gratidão.
”...mas agora eu quero tomar suas mãos
Vou buscá-la onde for
Venha até a esquina
Você não conhece o futuro
Que tenho nas mãos...”
"Clube da Esquina nº 1" - Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges
porL E O C Á D I A C O S T A
***************** Documentário: "História do Clube da Esquina - A MPB de Minas Gerais"
O dias em que passamos Leocádia e eu no Rio de Janeiro foram invariavelmente lotados. Só coisa boa, mas lotados. Mas sempre se tem espaço para encaixar mais uma programação, ainda mais quando esta trata de música. Ou melhor: quando esta trata de música E discos, o que para um colecionador é um prato cheio. Minha mãe, sabendo de nosso gosto, havia avisado dias antes que ocorreria, no domingo, a Feira de Vinil Gira Música, na Casa da Polônia, no próprio bairro e avenida onde estávamos instalados, Laranjeiras. Pois que, voltando de um passeio no bairro Jardim Botânico neste dia, eis que cruzamos em frente à feira. Obviamente que descemos e fomos dar uma conferida, o que não só valeu a pena a título de passeio como, claro, de compras.
A feira trazia food trucks, bancas com artesanato e bijuterias e uma exposição sobre o célebre músico, arranjador e produtor Lincoln Olivetti, morto há 4 anos, infelizmente muito primária e amadora e que não dimensionava nem de perto a relevância do homenageado. Mas isso não era o mais importante e, sim, aquilo que nos levou até lá: os discos. Com expositores cariocas mas também vindos de Minas Gerais e São Paulo, a feira estava muito boa em termos de quantidade e variedade. Todos os gêneros musicais contemplados, mas principalmente rock, MPB e jazz. O nível dos expositores chamou atenção, uma vez que todos sabem muito bem o acervo que oferecem. Ou seja: os discos raros tinham preços que justificavam suas particularidades. Títulos como "A Bad Donato", de João Donato, "Stand", da Sly & Family Stone, o primeiro disco de Arthur Verocai, "Spirit of the Times", de Dom Um Romão, "Blue Train", de John Coltrane, ou o disco do próprio Lincoln em parceria com Robson Jorge, clássico da AOR brasileira, não saíam por menos que 500, 400, 350, 200, 180 Reais ou valores parecidos.
Galera percorrendo as prateleiras em busca "daquele" vinil
Clima descontraído e musical da Feira de Vinil na Laranjeiras
Não só vinil tinha na feira
Eu vasculhando as preciosidades da banda do Sonzera, um dos expositores
Pedaço da miniexposição sobre Lincoln Olivetti: deixou a desejar
Em compensação, vários balaios. E bons! Com muita variedade e, às vezes, até discos raros, era possível encontrar unidades a 10, 20 ou 30 Reais. E foi aí que me esbaldei, passando algumas horas na feira percorrendo as caixas com promoções enquanto Leocádia aproveitava outras atividades ou simplesmente me aguardava. Uma das atrações da feira seria a presença do cantor e compositor Hyldon, lenda da soul brasileira, que estaria à tarde autografando seu disco relançado, mas não ficamos para isso. Afinal, já estávamos muito bem alimentados com o que encontramos de variedade e qualidade de bolachões, inclusive esses, os que levamos para casa:
“Limite das Águas”– Edu Lobo (1976) Edu tem vários discos solo cultuados, como “Missa Breve”, “Camaleão” e “Jogos de Dança”, mas não raro este aparece como o preferido do autor de “Ponteio”. Afinal, não tem como não adorar as parcerias como Capinan, Cacaso e Guarnieri, além do primor dos arranjos do próprio Edu e as participações de músicos do calibre de Oberdan Magalhães, Cristóvão Bastos, Joyce, Toninho Horta, Danilo Caymmi e o grupo vocal Os 3 Morais. Coisa fina da MPB.
“Libertango”– Astor Piazzola (1974) Um dos gênios da música do século XX em seu disco mais icônico. Gravado em Milão, é a representação máxima do tango argentino moderno, tanto que as próprias faixas, assim como a que o intitula, trazem o termo “tango” no nome: Meditango, Violentango, Undertango, entre outras. De ouvir ajoelhado - ou tangueando.
“Brazilian Romance – Sarah Vaughn with Milton Nascimento”ou“Love and Passion”– Sarah Vaughn (1987) A grande cantora norte-americana Sarah Vaughn, amante da MPB, recorrentemente voltava ao gênero. Depois de gravar discos como “Exclusivamente Brasil” e “O Som Brasileiro de Sarah Vaughn”, nos ano 70, em 1987 ela torna à sonoridade do Brasil por meio de um de seus mais admirados compositores: Milton Nascimento. E o faz isso com alto grau de requinte, haja vista a produção de Sérgio Mendes, os arranjos de Dori Caymmi e participações de gente como George Duke e Hubert Laws. Ela quase levou um Grammy de melhor performance feminina por este álbum.
“Merry Christmas, Mr. Lawrence (Music From The Original Motion Picture Soundtrack)”–Ryuichi Sakamoto (1983) Tenho adoração por este filme intitulado no Brasil como “Furyo - em Nome da Honra”, e tanto quanto pela trilha sonora, escrita pelo genial Ryuichi Sakamoto. Que, aliás, atua neste filme de Segunda Guerra do mestre Nagisa Oshima, o qual conta no elenco (e só no elenco, o que acho legal também em nível de desprendimento) e como ator principal David Bowie em espetacular atuação. A faixa-título é não só linda como um marco das trilhas sonoras feitas para cinema.
“Stories to Tell” – Flora Purim (1974) Terceiro disco solo de Flora e segundo dela em terras norte-americanas. Ou seja, vindo um ano após o seu debut “Butterfly Dreams”, no mesmo ano de“Hot Sand”, do então marido Airto Moreira, e dois da estreia com Chick Corea na Return to Forever, “Stories...” a consolida como a musa do jazz brasileiro. Ainda por cima tem Carlos Santana, George Duke, Ron Carter e o próprio Airto compondo a “bandinha”. E que voz é essa a dela?!
“Amor de Índio”– Beto Guedes (1978) Dos discos mais célebres da chamada “segunda fase” do Clube da Esquina. A galera tá toda lá: Milton, Brant, Toninho, Tiso, Venturini, Tavinho, Caetano e, claro, Ronaldo Bastos, produtor, compositor com Beto da faixa-título e autor da icônica foto dele enrolado no cobertor usada por Cafi na arte da capa.
texto:Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costae fanpageGira Brazil - Gira Música