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segunda-feira, 10 de setembro de 2018

T-Rex - "The Slider" (1972)




A capa e seu verso,
concebidas por Ringo Starr
"Aí veio “The Slider”
e nele tinha "Metal Guru".
Foi uma música
que mudou a minha vida.
Eu nunca tinha ouvido
nada tão bonito e tão estranho,
e ainda assim tão cativante.“
Johnny Marr,
Ex-guitarrista do The Smiths




Marco do glam-rock, “The Slider”, álbum da banda britânica T-Rex confirmava uma recente idolatria em torno de seu líder, o carismático e sagaz Marc Bolan. O Tyrannossaur Rex,  nome original da banda que ficou mesmo conhecida por sua simplificação abreviada, contava, entre tantos fãs com a admiração de ninguém menos que David Bowie, fã declarado, que, de certa forma, se inspiraria em toda a proposta estético-sonora de Bolan e sua turma para construir seu ícone Ziggy Stardust.  Enquanto a produção ficava a cargo de Tony Visconti, parceiro de Bowie no álbum "Space Oddity", a arte do álbum, marcante, com Bolan usando uma cartola, foi concebida por ninguém menos que o Beatle Ringo Starr, também admirador confesso do trabalho do T-Rex. Estava mal de fãs o T-Rex? Bowie e Ringo?
A gostosa “Metal Guru” e a envolvente “Telegram Sam”, que posteriormente viria a ganhar uma versão bem interessante pela banda Bauhaus, foram os grandes sucessos do disco mas o ótimo “The Slider” não se limitava a estas duas. A faixa título é contidamente pesada, “Rock On” e “ Buick Mackane” são rocks venenosos e contagiantes, enquanto a adorável “Mystic Lady” e a balada acústica “Ballroom of Mars” são momentos mais suaves nos quais Bolan desfilava todo o potencial de seu vocal ácido e elegante.
“The Slider” é um dos discos mais importantes e um dos mais influentes da história do rock, tendo inspirado um grande número de artistas a partir de seu lançamento, tanto estética quanto musicalmente.  Que o digam Morrissey, Green Day, Bauhaus, Siouxsie, My Chemical Romance, R.E.M., só para ficar em alguns.
***************

FAIXAS:
1. "Metal Guru" (2:25)
2. "Mystic Lady" (3:09)
3. "Rock On" (3:26)
4. "The Slider" (3:22)
5. "Baby Boomerang" (2:17)
6. "Spaceball Ricochet" (3:37)
7. "Buick Mackane" (3:31)
8. "Telegram Sam" (3:42)
9. "Rabbit Fighter" (3:55)
10. "Baby Strange" (3:03)
11. "Ballrooms of Mars" (4:09)
12. "Chariot Choogle" (2:45)
13. "Main Man" (4:14)

***************** 
Ouça:



por Cly Reis

quinta-feira, 9 de maio de 2019

The Beatles - "Abbey Road" (1969)




"Com 'Abbey Road', os Beatles 
tocaram a glória 
pela primeira vez (...)
Todos os quatro brilharam: 
as composições 
e trabalho vocal de John,
o ofício musical supremo 
de Paul nos medleys,
a habilidade musical de George
em duas canções maravilhosas 
e o toque de bateria 
excelente de Ringo."
Mark Lewisohn,
historiador considerado
uma das maiores autoridades
sobre Beatles

Minha relação com os Beatles é curiosa... É interessante que, até algum tempo atrás, eu sequer gostava de Beatles. Gostava naquelas... uma aqui, outra ali. "Twist and Shout", por causa do filme "Curtindo a Vida Adoidado""Can't Buy Me Love" por causa do "Namorada de Aluguel", "Dear Prudence" por causa da versão da Siouxsie, "Helter Skelter" por causa dos Banshees também e pela versão do U2 no "Rattle and Hum" sendo que a original eu sequer conhecia... Na boa, achava Beatles, aquela coisa dos arranjos de orquestra, dos vocais em coro, daquela levada tipo bandinha alemã, tudo muito perfeitinho demais. Não tinha como negar a qualidade, mas pra mim parecia pouco rock'n roll. Tanto que, naquela tradicional disputa Beatles ou Stones, eu sempre fui mais Stones. Ainda sou, tenho que admitir. Acho Stones mais visceral, mais rock no sentido mais sujo da coisa, sabe. Mas o meu respeito e minha admiração pelos Beatles tornou-se uma realidade e uma vez consolidada, só foi crescendo.
Eu já ficava intrigado pelo fato que uma porção de ídolos meus, vários artistas que eu admiro sempre diziam que tinha começado a tocar por causa dos Beatles, que quando ouviram Beatles resolveram ter uma banda, que fizeram tal música  porque queriam fazer que nem os Beatles... "Cara ... Mas será possível?", pensava eu. Aí  comecei a ouvir com mais carinho, com mais atenção e, quando se OUVE, ouve mesmo, não  como não reconhecer que os caras eram absurdos! Toda a técnica de estúdio, a criatividade, o talento, a inovação e tal, tudo isso eu entendia mas não tinha dado aquela liga. Não tinha acendido a chama. Ela foi acendendo aos poucos: aí o cara vê que uma música que gosta da sua banda preferida é muito Beatles, percebe onde tá aquela influenciazinha, vê coisas que os caras fizeram sem recurso nenhum e hoje em dia com tudo a favor, não se consegue fazer igual e, aí ficha cai. Foi o caso de "Tomorrow Never Knows" que fui conhecer por causa de "Setting Sun" dos Chemical Brothers, e que me estimulou a comprar o "Revolver". A dupla eletrônica de Manchester chegou a responder processo por plágio mas foi inocentada, uma vez que não negavam a inspiração, apenas negavam a cópia. É bem o caso do que os caras conseguiam fazer em 1966, com recursos técnicos escassos e algo parecido só é conseguido com a parafernália eletrônica dos dias de hoje.
Mas antes do "Revolver", o primeiro  que tive dos Beatles foi o "Magical Mystery Tour", que no meu mode de ver era mais "anárquico", menos certinho. Tem aquela 'desordem' da música titulo, "Magical Mystery Tour", tem "I'm The Walrus que também é mais atípica, mais louca, enfim, aquilo me agradava mais num primeiro momento. Depois veio o "Revolver" e depois o 
"Rubber Soul", que devo admitir que, apesar de não retirar nenhum mérito, não sou dos mais apaixonados.
O "Abbey Road" (1969) chegou a mim de uma forma interessante. É lógico que eu já conhecia "Come Together", e essa eu já gostava muito e na minha cabeça essa era uma exceção a tudo aquilo que eu colocara acima sobre rockzinho comportado, arranjos rebuscados e coisas assim, só não ligava uma coisa a outra e com meu conhecimento parco da obra dos caras, não sabia que era exatamente a primeira do "Abbey Road". Mas o que me instigou pra ouvir o disco, conhecer a obra foi o fato que, certa vez, na noite por aí, uma banda dessas de clássicos do rock, tocou "I Want You (She's So Heavy)" e, cara..., eu fiquei louco com aquilo. Aí eu quis saber de onde era aquilo e descobri que era do tal do "Abbey Road". Eu já tava numas de curtir mais Beatles e resolvi conhecer melhor o disco. Pedi pro meu irmão, meu parceiro de blog, Daniel Rodrigues, que já apreciava a banda havia mais tempo, pra me passar o MP3 do disco pra eu ouvir no computador, no I-Pod e tal, e fui gostando cada vez mais. Até que, sabendo que eu tava ficando fissuradão, o meu irmão de novo, desta vez, me deu o CD.
E se um cara tem restrição a Beatles, o "Abbey Road" é pra acabar com qualquer frescura! Tem baixo estourando, tem vocal gritado, tem solinho de bateria, tem música curta, música quilométrica, tem música  pra todos os gostos, tem música de todo mundo, tem vocal de quase todo mundo...  e que disco bem produzido, hein! Tudo perfeito, tudo no seu devido lugar. Era o desejo da banda, mesmo já um tanto fragmentada, já dando sinais de desgaste, fazer um grande disco depois de uma certa decepção com as gravações de "Let It Be", que acabou saindo depois mas que na verdade fora gravado antes e ficou ali, meio que engavetado. Pois é, na verdade o "Abbey Road" é o último álbum dos Beatles. E tem cara de último disco. Tem a grandiosidade, a estrutura, a maturidade, o total controle sobre o objeto final, tem cara de gran finale. Algo espetacular!
"Come Together", como eu disse, eu já conhecia e admirava e é daquelas aberturas de álbum matadoras. Aliás os Beatles abriam muito bem seus discos, não é mesmo? Vide "Taxman", "Back um The U.S.S.R.", "Sgt. Peppers...", "Drive My Car". "Come Together" é uma música que vai crescendo em intensidade e mudando a cada parte, ganhando um novo elemento. É fantástica! Lembra, não por acaso, aquele tipo de composição que marcou Pixies, Nirvana, com ênfase na linha de baixo no corpo principal da música, e uma certa explosão, com as guitarras e os vocais entrando de forma mais intensa no refrão. Pode-se dizer, de certa forma que, lá em 1969, foi um pré-grunge. "Something" sempre me arrepia com aquela guitarra chorosa, melancólica, aquele vocal doce... É considerada por muitos a melhor música dos Beatles e a própria  banda manifestou, na época, uma certa preferência por ela dentre as gravadas para o disco. "Maxwell's Silver Hammer" é daquelas que eu falei, com cara de bandinha de coreto de praça, e apesar de ser uma boa música, no fim das contas, e funcionar como um ponto de equilíbrio no lado A do disco, nem a banda gostava muito dela na época do lançamento.  Atribuo a ela este papel de fiel da balança, até porque na sequência vem "Oh, Darling", uma das minhas preferidas com aquele vocal rasgado, gritado. Um balada típica dos anos 50 com o vocal do Paul calculadamente descontrolado. Tipo da coisa que, no meu desconhecimento, sentia falta nos Beatles e que encontrei no "Abbey Road". Sei que tem "Helter Skelter", até mais furiosa por sinal, mas, nesse caso específico, como confessei acima, conhecia mais as covers do que a original.
O disco segue com "Octopuss Garden", que é do Ringo, e normalmente é um pouco subestimada mas que é um country-rock muito gostoso. Num disco muito bem planejado, a leveza da composição de Ringo Starr serve meio que como preparação para a pesada, longa, extensa, "I Want You (She's So Heavy)". Uma amarração quase improvável de duas melodias bem distintas mas que juntas acabaram funcionando como uma especie de peça épica, algo grandioso. Aquele início, e final também, dramático, solene, combinado a um blues meio rumba em que a guitarra ora dialoga, ora imita, ora disputa com a voz de Lennon. E, apoteoticamente, tudo se encaminha pr'aquele final, como eu disse, dramático, que se repete, repete e corta... abruptamente como se a música, que já é gigantesca, nunca fosse acabar. É de arrepiar.
Depois vem a ensolarada "Here Comes The Sun", que seria a primeira do lado B, na versão original em LP. Sempre que o dia está feio e abre, que vem aquele solzinho depois de uma chuva, eu lembro dela. Sempre iluminada. Na sequência vem a linda "Because" uma balada cheia de inspiração e melancolia. Uma das mais belas melodias dos Beatles e um trabalho vocal excepcional. Segue com a mutante e imprevisível "You Never Gove Me Your Money", cheia de variações: começa de um jeito dando a pinta que vai ser uma doce balada ao piano, de repente vira um rock descontraído, modifica a voz, ganha intensidade, ganha uma guitarra bem incisiva, lá pelo final ganha um coro fazendo uma contagem e acaba num ruído que vai introduzir para o genial medley de músicas "inacabadas" concebido por Paul McCartney que é simplesmente de tirar o fôlego. Trechinhos, praticamente vinhetas, mas que são de deixar o cidadão de boca aberta, não só pelas qualidade de cada uma, mas também pela diversidade entre elas, pelo papel dentro do álbum, pela sequência em que estão dispostas.
"Sun King", de John Lennon, uma delicada baladinha, uma pequena piração com uma letra que mistura inglês, italiano e francês, é a primeira da sequência mágica  e lembra um pouco "Something", com alguma semelhança também com "Because" embora sempre me remeta um pouco a "Don't Let Me Down"; segue o rock gostoso de "Mean Mr. Mustard"; depois "Polithene Pam", bem "yeah-yeah-yeah', uma espécie de uma voltá às raízes só que mais sofisticada; vem "She Came Through The Bathroom" outro rock cativante; e então o epílogo grandioso se aproxima com a beleza de "Golden Slumbers" que é misturada/invadida com/por "Carry That Weight" que, por sua vez, em grande estilo, encaminha o encerramento do disco para nada mais apropriado que o FIM. "The End", mais uma "criatura mutante", cheia de variações, é um rock direto e certeiro com direito a solo de bateria de Ringo e tudo. É o fim, como anuncia o título da canção? A última do disco? A última da discografia dos Beatles? Errado. O disco acaba mas não acaba. Antecipando um conceito de faixa-oculta que só viria a se consolidar na era CD, segundos depois da "última música" aparece "Her Majesty", um trechinho curto acústico, mais uma vinheta, uma brincadeira por assim dizer "comemorativa" ao título de Membros do Império Britânico concedido pela coroa inglesa, que o grupo então acabara de receber. Típico dos Beatles. A inversão da lógica, o improvável, a surpresa, o que mais ninguém faria. E "The End" que seria também a última música do último lado de um disco deles, acabou não sendo pois o "Let It Be", o antecessor, acabou sucedendo "Abbey Road".
Aí o cara acaba de ouvir um disco desses e fica se perguntando "por que que eu fiquei de nhem-nhem-nhem com os Beatles por tanto tempo?"
Se você também tem um ranço, nhem-nhem-nhem, mi-mi-mi com Beatles, e sei que muito gente tem, recomendo veementemente que você ouça o "Abbey Road". Talvez os Beatles tenham discos melhores, muitos preferem o "Branco", muitos o "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", mas o "Abbey Road" este trabalho brilhante que completa 50 anos neste 2019, é tão perfeito, tão impecável, tão bem produzido, tão diversificado que eu acho que até o mais resistente anti-Beatles vai acabar se rendendo. Eu me rendi.

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FAIXAS:
1 - Come Together
2 - Something
3 - Maxwell's Silver Hammer
4 - Oh! Darling
5 - Octopus's Garden
6 - I Want You (She's So Heavy)
7 - Here Comes the Sun
8 - Because
9 - You Never Give Me Your Money
10 - Sun King
11 - Mean Mr. Mustard
12 - Polythene Pam
13 - She Came in Through the Bathroom Window
14 - Golden Slumbers
15 - Carry That Weight
16 - The End
17 - Her Majesty


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Ouça:


Cly Reis

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

John Lennon - "Plastic Ono Band" (1970)


 

por Roberto Sulzbach 

“Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor”
da letra de "God", de John Lennon

Em 11 de dezembro de 1970, John Lennon lançava sua primeira investida pós Beatles: o "Plastic Ono Band". Vinte e nove anos depois, em 11 de dezembro de 1999, este, que vos escreve, nascia, em um hospital da zona norte de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Comemorar meu aniversário junto dessa obra chega a ser um motivo de orgulho. Um marco na música pop e um último prego no caixão do movimento hippie, o qual tinha o próprio Lennon como símbolo. O disco contou com Klaus Voormann, amigo desde a época que viveu em Hamburgo com o restante do Fab Four; Phil Spector, produtor e pianista; Billy Preston, também no piano; Yoko Ono, creditada como “ar” (Lennon depois explicou que ela montou a "atmosfera’ das músicas"); Ringo Starr, na bateria (por óbvio) e Mal Evans, creditado como “chá e simpatia”.  

Meu primeiro contato com a obra foi em uma das milhares de vezes que assisti Os Simpsons com o meu pai, em uma época que a série ainda era criticamente aclamada como uma grande paródia da sociedade americana do fim do século XX/início do XXI. O segundo capítulo da décima quinta temporada da série, traz o retorno de Mona, mãe ausente do personagem Homer (por ser uma hippie ativista contra grandes corporações em fuga desde o final dos anos 60) em um episódio comovente. Ao final, Homer é “abandonado” novamente por sua mãe e após ela o deixar, não haveria música melhor para sintetizar o momento que “Mother”.  

Julia Stanley, mãe de John, cedeu a guarda do filho, quando ainda era pequeno para sua irmã, por conta de denúncias de negligência com o próprio filho. O pai de Lennon, Alfred, era um marinheiro, que raramente se encontrava em Liverpool e não viu o filho crescer. Julia morreu quando John tinha apenas 16 anos de idade, vítima de um atropelamento, justo em um momento em que o garoto se reaproximava da mãe. “Mother” é a sintetização da raiva, tristeza e desabafo, em forma de berros, que estavam guardados no artista. A letra inicia com “Mãe, você me teve, mas nunca tive você; eu queria você, mas você não me queria.” “Pai, você me deixou, mas nunca te deixei; Eu precisava de você, mas você não precisava de mim”. Em seguida, John esboça uma despedida, como se quisesse abandonar esse passado com “agora, eu só preciso lhes dizer; adeus”, para que então, Lennon se contrarie na estrofe seguinte dizendo “mamãe, não vá! Papai, volte para casa”. De forma alguma é necessário ter passado por situação semelhante para entender o que John sentia em relação a sua família. 

“Hold On” segue o disco com um riff de guitarra tranquilo, em que John começa a se acalmar e reafirmar que vai dar tudo certo. A música é doce e oferece um certo refúgio à pedrada que o ouvinte escutou, como um choro triste, e provavelmente emula o que Lennon passou ao longo das gravações do álbum (que era interrompido constantemente por crises de choro e gritos por parte dele). “I Found Out” trata sobre falsas religiões, cultos e até mesmo, a idolatria que ele exercia sobre uma massa gigantesca de ouvintes “eles não me queriam, então me fizeram uma estrela”, cantou. 

Em “Working Class Hero”, em estilo Dylanesco (em "Masters of War", principalmente), Lennon escreve uma de suas maiores músicas. Apenas portando o violão, O "Herói da Classe Trabalhadora" se rebela contra o sistema imposto, e questiona toda a máquina capitalista e a eterna luta incentivada à população por subir na escada corporativa e econômica. A música causou impacto tão grande, que um tal de Roger Waters passou a questionar a produção de suas letras psicodélicas e começou a expor maiores críticas à sociedade, que resultou, inicialmente, em "The Dark Side Of The Moon", do Pink Floyd

“Isolation” finaliza o lado A, abordando a solidão que o autor enfrentava, tanto por ter se separado de seus amigos, e banda, quanto pelas críticas que ele e Yoko sofriam constantemente por parte da mídia. “Remember” nos traz uma realidade paralela, em que Guy Fawks (membro da “Conspiração da Pólvora”, que planejava bombardear, em 1605, a Câmara dos Lordes) conseguiu colocar em prática seu plano. Uma anedota de aquecer o coração é que a canção foi gravada no dia do aniversário de Lennon, e felizmente, foi registrado em vídeo, os amigos John e Ringo recebendo a visita do outro ex-companheiro de banda, George Harrison, que entregou de presente, uma demo de “It’s Johnny’s Birthday” (de "All Things Must Pass", de Harrison). 

Talvez a canção mais ingênua e doce de Lennon seja “Love”. Simples e direta: “O amor é real, real é o amor”. Não há muito o que dizer de uma música que, em poucas palavras, e um piano "silencioso", consegue transcorrer uma imensidão de significados que não podem ser quantificados. “Well Well Well” descreve pequenos casos da vida à dois de John e Yoko, como caminhar em um parque, dividir uma refeição e falar sobre temas como ‘revolução’ e ‘libertação das mulheres’. “Look at Me” nos traz um Lennon direto do “White Album”, perguntando ao ouvinte “quem que devo ser?”.

“God” é filosófica, existencial, e acima de tudo, impactante. Uma canção que começa com “Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor”, não tem como não chamar a atenção. Com um piano espaçado e dramático, Lennon subverte todas as crenças que possuía, e não possuía, dizendo que não acredita na Bíblia, tarot, Jesus, Hitler, Kennedy, Budha, Yoga, Elvis, Zimmerman (Bob Dylan), e mais importante, não acredita nos Beatles. Após citar sua antiga banda, uma pausa dramática precede a frase “eu só acredito em mim. Em Yoko e em mim”. Ele segue com “o sonho acabou” e “Eu era a Morsa (referência a I Am The Walrus), agora sou o John”. Ou seja, estamos diante do verdadeiro John Lennon, e que é necessário deixar o passado Beatle para trás. O álbum finaliza com “My Mummy’s Dead”, uma balada curta e poderosa, que faz o contraponto com “Mother”, pois ao invés dos berros, Lennon canta calmamente que ainda não superou a morte de sua mãe, mesmo que ela tenha morrido há tanto tempo. 

Acima de tudo, "Plastic Ono Band" nos apresenta quem era o ser humano John Lennon, mesmo que ele tenha representado ¼ de um dos maiores fenômenos da música mundial. Da minha parte, acho uma coincidência barbara a pequena conexão de nascer no mesmo dia em que o disco foi lançado, anos antes. Mesmo com a perda do meu parceiro de Simpsons há muitos anos (e de música, inclusive era fã do Lennon), fico feliz de ter, tanto Homer, quanto John, para me acompanhar na sequência da minha caminhada sem ele. 

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FAIXAS:
1. "Mother" - 5:34
2. "Hold On" - 1:52
3. "I Found Out" - 3:37
4. "Working Class Hero" - 3:48
5. "Isolation" - 2:51
6. "Remember" - 4:33
7. "Love" - 3:21
8. "Well Well Well" - 5:59
9. "Look at Me"  - 2:53
10. "God" - 4:09
11. "My Mummy's Dead" - 0:49
Todas as composições de autoria de John Lennon

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OUÇA O DISCO:
John Lennon - "Plastic Ono Band"

terça-feira, 14 de maio de 2013

The Beatles - "Magical Mystery Tour" (1967)


"Longe no céu, além das nuvens, vivem 4 ou 5 mágicos.
Com feitiços maravilhosos transformaram
a mais comum viagem de ônibus
em uma Mágica Excursão Misteriosa.
Se você deixar-se levar,
os Magos vão te levar a lugares maravilhosos.
Talvez você tenha estado em uma Excursão Mágica e Misteriosa mesmo sem perceber.
Você está pronto para ir?
Esplêndido!"
texto do encarte do disco

Perdoem-me os beatlemaníacos, mais entendidos que eu quando o assunto são os Rapazes de Liverpool, mas meu disco favorito do quarteto é sem dúvida "Magical Mystery Tour", uma trilha sonora de um filme estrelado pelos próprios integrantes, e que teve versões diferentes de lançamento nos Estados Unidos e na Inglaterra. A inglesa, inicialmente trazia apenas 6 faixas distribuídas em 2 discos, o que era absolutamente inapropriado para os padrões comerciais americanos, que por sua vez tiveram uma edição de álbum simples, com todas as 6 faixas originais num lado A, e cinco outras que eram sobras do disco anterior, "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", inéditas, ou de compactos, compondo um lado B.
Embora reconheça a importância, a técnica, a inovação de outras obras do grupo, este trabalho, na verdade, acho que é o disco que mais consegue me empolgar do começo ao fim. É aquela minha velha argumentação sobre os Beatles de que muitas vezes as canções são irrefutavelmente perfeitas, reconhecidamente impecáveis, admiráveis sob o ponto de vista compositivo, com recursos nunca antes pensados ou utilizados mas no que diz respeito à audição, não conseguem causar aquela sensação de entusiasmo. Ótimas, sem dúvida, a gente aprecia, fica admirado com cada instrumento, com toda a produção, com o trabalho vocal, etc., mas não canta a plenos pulmões ou mesmo faz um air-guitar, por exemplo.
"Magical Mystery Tour", não! Ainda que seja considerado por muitos um trabalho menos, um trabalho sem conceito, sem unidade, talvez seja intrínsecamente o álbum mais rock'n roll dos Beatles, pela loucura, pela sonoridade, pela crueza, pela viagem, pela psicodelia, pela 'imperfeição'. Já na abertura, a música que dá nome ao disco a energia já pode ser sentida numa viagem psicodélica com Paul fazendo um vocal mais intenso e gritado do que o habitual, um trumpete enlouquecido e uma bateria alta e marcante. Aliás este é um disco em que Ringo Starr pode ser destacado em diversas faixas, seja pela performance, seja pelo andamento ou pelo arranjo que privilegia o instrumento, como na viajante "Flying", na pirada "Blue Jay Way" ou na ótima e subestimada "Baby, You're A Rich Man", da parte extra do disco.
Num disco bem mais psicodélico e sujo, por assim dizer, que outros da banda, mesmo a balada, "Fool in the Hill" me impressiona mais do que algumas mais cultuadas de disco mais célebres, com um arranjo excepcional com com destaque especial para a flauta. "Your Mother Shoud Know", é o que pode-se chamar uma boa canção pop, nada excepcional mas perfeitinha, competente e muito agradável. A ótima instrumental "Flying", a primeira composta pelos 4 a ser gravada, com seu andamento oscilante e variado é ácido puro; "Blue Jay Way", mesmo com uma atmosfera perturbadora, surreal, não esconde o toque exótico habitual das composições de George Harrison; e a excepcional "I'm the Walrus", que fecha o lado A da edição americana, talvez seja melhor música do disco com sua concepção nonsense, chapada, doida, com sua levada alegre, instrumentação maluca, o vocal com efeito de John, e aqueles graciosos gritinhos do refrão.
Poderia parar por aqui se falasse só do EP britânico, mas a versão ampliada, o que seria o lado B americano, ainda contava com as ótimas "Strawberry Fields Forever", "Penny Lane" e a belíssima e gostosa "All You Need is Love", que tem no côro, entre vários nomes famosos, nada mais nada menos que Jagger e Richards dos 'rivais' Rolling Stones.
Perdoem-me os beatlemaníacos se não admiro tanto um "Sgt. Pepper's...", se não me entusiasmo tanto com o "Álbum Branco", se não me rasgo em elogios ao "Rubber Soul". Não é questão de desrespeito. Não é por desfazê-los, eu lhes asseguro. É só questão de pegar pelo ouvido, e se tem um disco dos Beatles que eu curto, que eu canto junto, que eu tamborilo com os dedos, é esse "Magical Mystery Tour".
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FAIXAS:
Lado A
1. "Magical Mystery Tour"
2. "The Fool on the Hill"
3. "Flying"
4. "Blue Jay Way"
5. "Your Mother Should Know"
6. "I Am the Walrus"


Lado B
7. "Hello, Goodbye"
8. "Strawberry Fields Forever"
9. "Penny Lane"
10. "Baby, You're a Rich Man"
11. "All You Need Is Love"

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Ouvir:

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

The Who - Anfiteatro Beira-Rio - Porto Alegre/RS (26/09/2017)



"Eu não acho que você poderia ter escolhido 
algum lugar no planeta Terra que proporcione 
um evento mais positivo. Na verdade, 
este era O LUGAR para se estar hoje à noite." 
Bryan Kehew, da equipe técnica do The Who, 
a respeito do show de Porto Alegre.

A gente se emocionar com uma banda é normal. Quando a gente vê que os músicos e equipe também se emocionaram com o mesmo show é a prova de que aquela noite foi realmente mágica e única. Conversei com meu pai após o show e comentei que, das bandas que NÓS dois realmente gostávamos, dos que ainda estão vivos e/ou na ativa, com o show do The Who poderíamos dizer que assistimos A TODOS: Steppenwolf, Santana, Rolling Stones, Ringo Starr e Paul McCartney (Beatles), Jack Bruce e Eric Clapton (Cream), Roger Waters e David Gilmour (Pink Floyd), Robert Plant (Led Zeppelin), Jethro Tull. Assistimos muitos shows juntos, é claro, mas estes aí com certeza são os que nos agradam fortemente e tem um sabor especial.

As lendas Daltrey e Townsend
Ver no palco (finalmente!) Roger Daltrey e Pete Townsend, acompanhados de uma fenomenal banda, com energia de garotos, com execução perfeita dos sons, com bom humor, felizes de estarem ali, felizes pelo feedback que estavam tendo do público (é o que o texto deste link fala), tocando uma sonzeira atrás da outra (óbvio que como fã eu gostaria de escutar várias mais) deu gosto, deu muito gosto esperar todo esse tempo.

Noites mágicas ficam na memória pra sempre, e estar com os que eu amo junto quase fez esse coração explodir de felicidade, não havia lugar pra se estar no planeta Terra, a não ser o show do THE WHO naquela noite.

"Listening to you
I get the music
Casing at you
I get the heat
Following you
I climb the mountain
I get excitement at your feet
Right behind you
I see the millions
On you
I see the glory
From you
I get opinions
From you
I get the story."
da letra de "See Me Feel Me", do The Who

Delírio do público porto-alegrense que conferiu o show,
elogiado pela própria equipe da banda

por Ricardo Finocchiaro Bolsoni

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Art Garfunkel – “Breakaway” (1975)





"Não tenho o poder de harmonia de Paul (Simon),
 nem suas lindas canções,
mas sinto que tenho muito a ver com a construção dos álbuns e
com a riqueza e sonoridade
que os tornam tão interessantes."


"Quando junto as canções e as coloco em sequência,
seja com ou sem Simon,
vejo o trabalho de uma vida todo
e fico extremamente orgulhoso.
Assim fica muito fácil dizer:
'Aí está o que fiz: cantei bem!'."
Art Garfunkel,
em 2012



Ouvi “Breakaway”, do Art Garfunkel, pela primeira vez na indefectível Rádio Continental 1120. Anos depois, o reencontrei na casa de uma amiga, que me emprestou. A partir daí, surgiu uma história de amor com os discos solo do Garfunkel para um romântico inveterado como eu. Esse é o favorito da casa.

A história desde disco começa em 1970, quando Paul Simon e Art Garfunkel resolveram desfazer a dupla. Enquanto Simon lançava seu primeiro LP solo em 1972 com muito sucesso, Garfunkel aparece com “Angel Clare”, só em 73, depois de tentar uma carreira no cinema. Havia então a necessidade de conseguir um sucesso. Para tanto, foi contratado o bem-sucedido produtor Richard Perry, recém-saído do terceiro disco solo de Ringo Starr e dos clássicos de Carly Simon. Perry foi muito esperto ao produzir “Breakaway”. Quando se tem uma voz límpida, afinadíssima e bonita como a de Garfunkel, a instrumentação não deve atrapalhar e fazer apenas uma moldura sonora aos gorjeios do canário. O disco é um dos melhores da carreira do cantor exatamente por isso. Com vocês, “Breakaway” de Art Garfunkel.

O clima começa com uma regravação de Stevie Wonder, “I Believe (When I Fall in Love It Will Be Forever)”. A partir do piano de Larry Knetchel, Garfunkel mostra toda a extensão de sua voz na época (1975). O arranjo de cordas de Del Newman dá aquele ar de música pop dos anos 70. E os backing vocals de Andrew Gold garantem o romantismo da letra que diz: “Acredito que quando me apaixonar desta vez será pra sempre”. Uma versão digna de Stevie, mesmo que mais melosa, por assim dizer.

“Rag Doll” usa a metáfora da boneca de pano para falar do amor de um homem por uma mulher. No início da música, o narrador está vendo uma mulher num campo, colhendo flores e usando um capuz de veludo azul e o vermelho em suas bochechas lhe dá um ar de boneca de pano. No refrão, diz: “O vento nas árvores canta uma canção triste, triste, triste, triste/ deitado em minha cama ouvindo a noite inteiro/ o vento nas árvores canta uma canção só pra mim/ e traz de volta esta boneca de pano pra mim”. Aqui é o piano elétrico de Knetchel que percorre a música lhe dando a suavidade que a letra requer.

A faixa-título do disco, composta por Gallagher & Lyle, uma dupla de muito sucesso naquela metade dos anos 70, traz Bill Payne, do Little Feat, nos teclados, e os backing vocals de Bruce Johnston, David Crosby, Graham Nash e de Toni Tenille (é, aquela mesma do “Love Will Keep Us Together”). A produção de Perry é tão sutil que mal se notam baixo e bateria nas músicas. Na ponte, Garfunkel canta: “Não é sol que vocês está procurando/ Outra coisa está em sua mente/ Você precisa um pouquinho de espaço e tempo/ para se soltar/ Não é o lugar que você está indo/ É apenas uma fase que está passando/ Não vou te parar, apenas não quero que você/ se solte, voando através do seu oceano/ Se solte, tempo chegou pra você...”.

“Disney Girls”, do Beach Boys Bruce Johnston, parte da premissa que a realidade é muito difícil de aguentar e que o mundo da fantasia proposto por Walt Disney seria um bom substituto para as agruras do dia a dia. Lá pelas tantas, o narrador diz: “Realidade, não é pra mim e me faz rir/ Mas o mundo da fantasia e garotas da Disney estou de volta”. Rola também uma trip nostálgica: “Toda minha vida passei as noites sonhando com você/ O calor que senti pelas coisas que desejei estão se tornando verdade/ Tenho meu amor pra dar e um lugar pra viver, acho que vou ficar/ será uma vida pacífica com uma esposa pra sempre e um filho algum dia/ seus começos de noites e brigas de travesseiro e sua risada suave/ Mas o mundo da fantasia e garotas da Disney estou de volta”. A música é toda armada num clima Disneylândia, com os backing vocals percorrendo a canção.

Aí, vem o “corpo estranho” do disco: uma versão de "Águas de Março" de Tom Jobim, apropriadamente chamada “Waters of March” e que tenta fazer uma tradução literal: “A stick, a stone, it’s the end of the Road...”. A vantagem é que tanto o violonista Louie Shelton, o baixista Max Bennett e o baterista John Guerin se saem bem tentando emular a batida da música brasileira. O interessante é que, mesmo sendo um “strange body” no disco, esta versão funciona como uma pausa no clima romântico que perpassa todo o álbum. Estranho mesmo é o sintetizador de Bill Payne no lugar da flauta de Tom.

Nesta época, tanto Garfunkel quanto Simon eram contratados da Gravadora Columbia, que jamais aceitou a separação da dupla. E para “tentar” uma reconciliação, acertou uma gravação que iria aparecer nos dois discos de 1975 dos rapazes; “Breakaway” e “Still Crazy After All These Years”, de Simon. Ainda bem que a música é mais um clássico composto por Simon chamado “My Little Town”, outra faixa nostálgica que fala de uma cidade pequena – no caso, Nova Jersey – onde o narrador “cresceu acreditando que Deus cuidava de todos nós”. A conhecida ironia de Paul Simon aparece no verso em que diz: “Depois que chove/ tem um arco-íris/ E todas as cores são preto/ Não é que as cores não estejam lá/ é que elas não tem imaginação/ Tudo é igual/ lá na minha cidadezinha”. E o refrão é matador: “Nada além dos mortos e dos moribundos/ voltam pra minha cidadezinha”. Musicalmente, “My Little Town” excede com a turma do estúdios Muscle Shoals de Alabama composta por Pete Carr (guitarra); Barry Beckett (piano); David Hood (baixo) e Roger Hawkins (bateria) mais produção de Phil Ramone. Difícil ficar melhor.

Depois disso, só mesmo um standard: “I Only Have Eyes for You”, de Al Warren & Harry Dubin, com direito a piano elétrico de Nicky Hopkins e backing vocal de Stephen Bishop. Vinda de uma tradição de música romântica da década de 30, “I Only Have Eyes...” começa dizendo “Meu amor deve ser do tipo cego/ não consigo ver ninguém a não ser você/ Tem estrelas no céu esta noite?/ Não sei se o céu está limpo ou cheio de nuvens/ Apenas tenho olhos pra você”. Garfunkel usa sua voz maravilhosa para dar credibilidade a uma conversa romântica da antiga.

Já que falamos em Stephen Bishop, o autor de “On and On” e de “It Might Be You” (tema do filme “Tootsie”), ele contribui com duas canções no disco. A primeira é a minha preferida, “Looking for the Right One”, uma faixa ultraromântica onde Garfunkel tem sua melhor performance de todo “Breakaway”. E a dor de Bishop é bem traduzida pela voz de Garfunkel, que diz: “Não tenho sido nada sortudo, não sou bom em fazer joguinhos/ lembro de seus rostos e esqueço os nomes/ Encontrei a pessoa certa mas ela não me encontrou/ Então eu empacoto minhas emoções e começo/ a procurar pela pessoa certa/ algum dia ela virá?”. Depois, o narrador sofre com o que dizem as outras pessoas: “Eles dizem que não tem sentido correr atrás de algo que nunca se vai conseguir/ Mas meu coração afirma: ‘não diga não’/ em algum lugar desta cidade solitária existe uma mulher pra mim/ Mas espero outra vida para/ procurar pela pessoa certa”. Bem ao estilo de clássicos da música pop, Perry leva toda a canção para um clímax, onde a voz de Art Garfunkel faz arrepiar.

“99 Miles From L.A.” é uma composição de Albert Hammond (o mesmo da também clássica canção pop “It Never Rains in Southern California”, aquela em que os locutores de rádio da antiga chamavam de "Carambô” devido à sua primeira frase “Got on board...”) e o letrista de Burt Bacharach, Hal David. Nesta canção, o produtor permite que os teclados, a bateria e o baixo apareçam mais, reforçando a batida pop, cercada de cordas por todos os lados. Na letra, o narrador está de carro se aproximando de Los Angeles e espera encontrar seu amor. “Mantendo meus olhos na estrada, te vejo/ mantendo minhas mãos na direção, te seguro/ 99 milhas de L.A, te beijo, sinto tua falta, por favor esteja lá”. A letra é toda construída por David neste clima: o motorista chegando à cidade na expectativa de reencontrar a mulher amada.

No final do disco, mais um lamento de Stephen Bishop chamado “The Same Old Tears on a New Background”. De cara, Garfunkel vai direto nas emoções ao som do piano de John Jarvis, secundado pelas cordas de Del Newman. A letra é tão triste que merece ser lida inteira: “São as mesmas velhas lágrimas num novo cenário/ Te ver como uma fotografia desbotada/ Me dói muito sorrir nestes dias/ Estou bem, estou bem/ é a mesma canção com uma nova melodia/ mas a velha chama está quase extinta/ te ver de novo é tudo que me mantém/ estou bem, estou bem/ lembrando, lembrando o familiar sofrer de amor/ ninguém a não ser você/ É mesmo velho eu chorando as mesmas velhas lágrimas/ e eu me afasto como sempre fiz/ ainda apaixonado por você/ mas eu estou bem”. Quando a coisa chega neste nível, é impossível não sofrer junto com Garfunkel, Bishop ou seja lá quem for. A canção é triste demais. Como quase todo o disco. Não recomendável para quem está sofrendo de amor. Mas quem gosta de boa música certamente vai gostar de “Breakaway”, um dos melhores discos da carreira de Garfunkel, que sempre ficou alguns degraus atrás de seu ex-parceiro, o incrível Paul Simon.
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FAIXAS:
1. I Believe (When I Fall In Love It Will Be Forever) 3:48
2. Rag Doll 3:05
3. Break Away 3:34
4. Disney Girls 4:31
5. Waters Of March 3:37
6. My Little Town 3:50
7. I Only Have Eyes For You 3:38
8. Lookin' For The Right One 3:20
9. 99 Miles From L.A. 3:31
10. The Same Old Tears On A New Background 3:43

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OUÇA O DISCO:







sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Nossas Mãos Sinistras

Hoje é o Dia do Canhoto!
E não podiam ter-nos jogado em outro dia mesmo. Tinha que ser num 13 de agosto. Treze, dia dito aziago; agosto, mês renegado, maldito. Lógico; nunca fomos bem vistos. Aleijados, anormais, errados, esquisitos, estranhos... Atribuíram-nos tudo isso. Tanto que chamam a esquerda de SINISTRA. Mas não. Nada disso. Somos sim, diferentes. Talvez mais criativos que a maioria por causa da nossa perfeita ligação de membros ao lado direito do cérebro; talvez transmitamos melhor nossas emoções; talvez consigamos fazer isso transformando estas sensações em arte; talvez tenhamos uma visão diferente das coisas. Talvez...
Mas o fato é que durante toda a história da humanidade tentaram nos corrigir, punir-nos, amarrar nossas mãos, cortá-las por vezes, mas não adiantou; nossos membros sinistros, nossos pés e mãos, sempre estiveram de forma brilhante à serviço da cultura, da arte, da política, do esporte.

Abaixo uma pequena lista de canhotos célebres que emprestaram suas mãos (ou pés) esquerdos à História:
Alexandre Magno
Ramsés II
Leonardo da Vinci
Napoleão Bonaparte
Júlio César (o imperador romano)
Júlio César (o goleiro)
Rivelino
Tostão
Ludwig Van Beethoven
Machado de Assis
Benjamin Franklin
Albert Einstein
Michelangelo
Pablo Picasso
Jimi Hendrix
Charlie Chaplin
Robert Redford
Judy Garland
Marilyn Monroe
Winston Churchill
Harry Truman
Nelson Rockfeller
Ronald Reagan
George Bush - pai (bom, também temos estas más companhias)
Bill Clinton
Gandhi
Bob Dylan
Ringo Starr
Paul McCartney
Tom Cruise
Neil Armstrong
Diego Maradona
Jimmy Connors
John McEnroe
Ayrton Senna

e por aí vai...

Parabéns a nós!

Parabéns a todos os canhotos!

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Protagonistas coadjuvantes

Michael dando um confere bem de perto no que seu
mestre Stevie Wonder faz em estúdio, nos anos 70
Não é incomum artistas da música que, mesmo sendo astros, têm por hábito participarem de projetos de outros, seja tocando em gravações, shows ou como convidados. George Harrison, por exemplo, muito tocou sua slide guitar em discos dos amigos John Lennon e Ringo Starr. Eric Clapton, igualmente, além da carreira solo e de bandas próprias como Cream e Yardbirds, também emprestou sua guitarra para Beatles, Yoko Ono, Tina Turner, Phil Collins e vários outros. Como eles, diversos: Brian Eno, Robert Wyatt, Flea, Eddie Van Halen ou brasileiros como Herbert Vianna, Gilberto Gil, Frejat e João Donato. Todos comumente contribuem com seus instrumentos e/ou voz na música que não somente a deles próprios.

Há também aqueles que dificilmente se supõe que fariam algo fora de seus trabalhos pelos quais são mais conhecidos. Mas vasculhando com atenção as fichas técnicas dos discos, acha-se. Vez ou outra se encontra um artista que geralmente é visto apenas como protagonista atuando, deliberadamente, como um coadjuvante. E não estamos nos referindo àqueles principiantes que, posteriormente, tornar-se-iam ilustres, caso de Buddy Guy em “Folk Singer”, de Muddy Waters, de 1959, na primeira gravação do jovem Guy, então com 18 anos, com o veterano bluesman, ou Jimi Hendrix nas gravações de 1964 com a Isley Brothers anos antes de transformar-se num ícone do rock.

Aqui, referimo-nos àqueles que, já consagrados, abriram mão de seu status em nome de algo que acreditavam seja para um disco, um projeto, uma música ou um show. São momentos em que se vê verdadeiros mitos descerem de seus altares para, humildemente, colaborarem com a música alheia, seja por admiração, amizade, sentimento de dívida ou o que quer que explique. O fato é que esses “protagonistas coadjuvantes”, mesmo que estejam escondidos ou somente encontráveis nas miúdas letras da ficha técnica, abrilhantam com seus talentos peculiares a obra de outros.


Robert Smith para Siouxsie & The Banshees

Os anos 80 foram de inquietude para Robert Smith, líder da The Cure. Sua banda já era uma das mais celebradas do pós-punk britânico em 1983 quando ele, que havia lançado um ano anos o disco único “Blue Sunshine”, da The Glove, projeto em parceria com Steven Severin, decide dar um tempo com o grupo. Mas para quem estava a pleno naquela época, Bob “descansou carregando pedra”, como diz o ditado. Ele decide fazer parte da Siouxsie & The Banshees, banda coirmã da The Cure, mas estritamente como integrante. Com os vocais e o palco já devidamente preenchidos por Siouxsie, Robert assume as guitarras e une-se a Severin (baixo) e Budgie (bateria) para compor a melhor formação que a Siouxsie & The Banshees já teve. Não deu outra: dois discos, duas pérolas, para muitos os melhores da banda: “Hyenna” e o ao vivo “Nocturne”




Miles Davis
para Cannonball Adderley
Mais do que na música pop, é comum no jazz grandes astros e band leaders tocarem na banda de colegas. Isso não funciona, entretanto, para Miles Davis. O talvez mais exclusivo músico do jazz havia tocado no início da carreira para Sarah Vaughan, mas depois jamais fez nada que não fosse tão-somente seu. Até que, com jeitinho, em 1958, o amigo Cannonball Adderley convida-o para participar das gravações de um disco que ele estava por lançar e no qual teria ainda Art Blakey, na bateria, Hank Jones, no piano, e Sam Jones, no baixo. Uma sessão de gravação apenas, só cinco números, algumas horinhas de estúdio com Rudy Van Gelder na mesa, engenheiro com quem Miles tanto estava acostumado a trabalhar. "Não vai custar nada. Diz, que sim, diz que sim!" Tanto foi, que Miles topou, e saiu "Somethin' Else", aquele que é o disco que antecipa a obra-prima “Kind of Blue”, em que, reassumido o posto de front man, aí é Miles que conta com o parceiro saxofonista na banda. Tudo de volta ao normal.


Paul McCartney para Foo Fighters
É conhecida a versatilidade de Paul McCartney. Multi-instrumentista, ele é capaz de tocar, em apenas um show, vários instrumentos ou gravar um disco inteirinho sozinho sem precisar de mais ninguém no estúdio. Quem também fez isso foi Dave Grohl, líder da Foo Fighters, que, no álbum de estreia da banda, em 1995, toca não apenas a bateria, que era seu instrumento na Nirvana, como todos os outros. A amizade e talvez essa semelhança tenham feito com que chamasse o eterno beatle para uma empreitada 12 anos depois. Fã de Macca, ele convidou o veterano músico para gravar para ele não a guitarra, o piano ou a voz. Isso, muita gente já havia feito. Ele pediu para Paul tocar justamente bateria. A “brincadeira” deu super certo, como se vê na canção "Sunday Rain" presente no disco "Concrete And Gold".


Michael Jackson para Stevie Wonder
É uma música apenas, mas considerando o tamanho deste “coadjuvante”, vale por um disco inteiro. A linda e melodiosa “All I Do”, que Stevie Wonder gravaria em seu “Hotter than July”, de 1980, conta com ninguém menos que Michael Jackson nos vocais. E não se trata da voz principal, e sim do backing vocals! Surpreende ainda mais que o Rei do Pop já havia lançado à época o megassucesso “Off the Wall”, de um ano antes, com o qual revolucionaria a música pop e que quebrara os paradigmas de vendas da música negra no mundo. Mas a devoção de Michael para com Stevie era tamanha, que ele nem se importou em fazer um papel secundário. Para quem era conhecido pela habilidade de canto e arranjos de voz, no entanto, o que seria uma mera participação contribui sobremaneira para a beleza melódica da canção.



David Bowie
 para Iggy Pop
Em meados dos anos 70, Iggy Pop e David Bowie estavam bastante próximos. Bowie havia chamado o amigo para uma temporada em Berlim, na Alemanha, onde desfrutariam do moderno estúdio Hansa para erigir alguns projetos, dentre estes, “The Idiot”, no qual dividem todas as autorias e gravações. O período foi tão fértil, que rendeu também uma turnê, registrada no álbum ao vivo “TV Eye Live 1977". Acontece que, no palco, não dá para apenas os dois se resolverem com os instrumentos. Foi então que chamaram os Sales Brothers para o baixo e bateria, Ricky Gardiner, para a guitarra, e... quem assumiria os teclados? Ah, chama aquele cara ali que tá de bobeira. O próprio David Bowie. Quando se escuta as versões ao vivo de “Lust for Life”, “I Wanna Be Your Dog” e “Funtime”, acreditem: os teclados que se ouvem são do Camaleão do Rock. 



Phlip Glass
 para Polyrock
O cara já tinha composto de um tudo: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata, estudos. Faltava uma coisa: música pop. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, o gênio da vanguarda californiana Philip Glass “apadrinhou” junto com este a new wave art rock Polyrock. Dizem nos bastidores, que o cérebro da banda é Glass e não só os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação com a música minimalista do autor de "Einsten on the Beach". Seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. O que consta, sim, é a participação do maestro tocando piano e teclados nos dois discos do grupo, “Polyrock”, de 1980, e “Changing Hearts”, de um ano depois, no qual, inclusive, assina oficialmente o arranjo de cordas da faixa-título. Daqueles raros momentos em que a música de vanguarda se encontra com o rock.





João Gilberto para Rita Lee
Se hoje a participação de João Gilberto tocando violão para Elizeth Cardoso em duas faixas de “Canção do Amor Demais”, de 1958, é considerado o pontapé inicial para o movimento da bossa nova, àquela época o gênio baiano era apenas um músico iniciante ao qual não se havia ouvido ainda toda sua arquitetura sonora de instrumento, voz e harmonia. 24 anos depois, já um mito, João dificilmente repetia uma ação como aquela do passado. Quisessem tocar com ele, ele que convidava. Exceção feita nos anos 80 para sua então esposa, Miúcha (e somente o violão), mas especialmente para Rita Lee. Admirador confesso da Rainha do Rock Brasileiro, João topou o convite de gravar ele, seu violão e sua atmosfera única a faixa “Brasil com S”, do disco “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, autoria dos dois. Pode-se dizer que, como todo o cancioneiro de João, é mais uma obra-prima, porém a única em que põe sua voz à serviço de um outro artista fora da sua discografia. Privilégio.


Daniel Rodrigues