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quinta-feira, 17 de abril de 2025

Os 25 melhores filmes dos primeiros 25 anos do séc. 21

 

Sofia Coppola, uma das 5 diretoras da lista
Transcorrido um quarto do século 21, já é possível, enfim, vislumbrar o que de melhor aconteceu no cinema neste período. E ao que se pode extrair de amostra desses 25 anos, o século da informação ou da pós-verdade ainda tem muito o que apresentar de bom. Afinal, foram 25 anos que o cinema viu o mundo se transformar. O 11 de setembro de 2001 foi o estopim para uma série de reconfigurações e a certeza de que não apenas o terrorismo se tornaria uma ameaça constante às nações como trazia a mensagem de que ninguém mais estaria seguro. Nem a razão mais está a salvo.

Reconfigurações, inclusive, econômicas. A China, então a “ameaça comunista”, enfim pôs em prática seu modelo de Capitalismo Socialista e se tornou a segunda potência do mundo. Além do enfraquecimento dos Estados Unidos (que Trump quer agora reverter a qualquer custo), a Rússia também adere de vez ao capitalismo, fortalecendo-se, porém com um ditador moderno à frente. Afora isso, guerras na Europa e no Oriente Médio, aquecimento global, polarização ideológica, avanço da extrema-direita, ecos do fascismo, crescimento dos movimentos migratórios, pandemia... Ufa! O que mais deve vir por aí? Angustia até de pensar.

Refletindo de forma direta ou não essas transformações, o cinema segue firme com produções que pululam de diversos lugares do mundo, seja nas Américas, África, Ásia ou na velha Europa. Mas com mudanças de cenário. Alguns polos se fortaleceram, como a América Latina de Argentina e Brasil. No Oriente Médio, o Irã, cada vez mais reprimido, continua mesmo assim a resistir e fazer um cinema de alta qualidade expressiva. Mas também Líbano, Palestina, Iraque, Israel, Arábia Saudita e outros.

A África é outro continente que despontou nestas duas décadas e meia. Embora não superem os aqui listados, é inegável que os países africanos, cujas descolonizações são ainda muito recentes, chegaram ao século 21 produzindo bastante, bem e em vários países, como Senegal, África do Sul, Mauritânia, Quênia, Uganda, Nigéria e outros. Títulos como "Black Tea" (2024), "Heremakono – Esperando a Felicidade" (2020), "Timbuktu" (2014) e "Atlantique" (2019), se não pareiam, deixam viva a esperança de ser ver na tela um cinema africano consolidado internacionalmente.

Em compensação, o cinema soviético, tão abundante e diverso em todo o século 20, fragmentou-se assim como o seu antigo território. E mesmo os Estados Unidos viram grandes alterações de rota. Os estúdios enfrentem novos desafios, como o streaming, a serialização e a “marvelização”. A dianteira da indústria cinematográfica estadunidense, até então sem precisar olhar para o retrovisor, passa a preocupar-se com o desgaste do imperialismo. Megaproduções como “Megalópolis” e “O Brutalista”, definitivamente, não representam mais o que representavam antes.

Além da afirmação de alguns realizadores, como Jordan Peele, Bong Joon-ho e o brasileiro Kléber Mendonça Filho, este começo de era confirma a excelência daqueles que já vinham contribuindo com suas obras para a construção dessa arte ao longo das últimas décadas – casos de Woody AllenClint Eastwood e Pedro Almodóvar. Assim, listamos 25 filmes representativos desses 25 primeiros anos, de 2001 até o ano atual. Não necessariamente um por ano, mas numericamente um símbolo que antecede os próximos 75 ainda a serem lançados e descobertos.

Alguns perguntarão, com justiça: “e as mulheres?” Sim, elas cada vez mais se tornam protagonistas. Justine Triet, Greta Gerwig, Sofia Coppola, Chloé Zhao, Samira Makhmalbaf, bem como as veteranas Jane Campion, Kathryn Bigelow e as que se foram recentemente Chantal Akerman e Claire Denis. Aqui, cinco delas figuram, mas tranquilamente poderia haver mais. Imagine-se quantas realizadoras ainda vêm por aí neste louco planeta em constante ebulição.

A relativa facilidade de se montar essa lista traz consigo certa irresponsabilidade e aquela velha questão: a incompletude. É possível abarcar tanta produção em apenas pouco mais de duas dezenas de títulos? Não deveria haver (e possivelmente caiba) muito mais pesquisa e aprofundamento? Estes são DE FATO os mais representativos, simbólicos ou melhores em qualidade fílmica? Perguntas sem respostas. Talvez, precise-se de mais um quarto de século ou mais para entender o que condiz ou não. Porém, num primeiro momento, estes foram os filmes que saltaram à memória, e isso, independente de um revisionismo ou limitantes, quer dizer, sim, alguma coisa. Se poderiam ser outros? Poderiam, mas tais obras certamente brigariam para estarem nesse rol. Quem sabe, os celebrados Gaspar NoéYorgos Lanthimos, Mati Diop ou Darren Aronofsky não pintem com aquele filmaço inquestionável ainda? Há tempo e competência para isso.

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01. “Parasita”, Bong Joon-ho (2019)

Definitivamente, o melhor filme dos últimos anos – e do século. O thriller do talentoso Bong Joon-ho arrebatou em 2019, por puro mérito, não apenas a Palma de Ouro em Cannes como, mais ainda, os Oscar de Filme e de Filme Estrangeiro! Um feito jamais igualado. “Parasita”, afinal, tem tudo o que um grande filme moderno pode: drama social, crítica ao capitalismo, humor ácido, suspense e, por vezes, toques de terror gore. Tudo numa direção absolutamente criativa, fotografia precisa, roteiro cheio de reviravoltas e atuações brilhantes. Tem mais da metade de século 21 para acontecer, mas não vai ser fácil equiparar com esta obra-prima sul-coreana que redirecionou o olhar do mundo no cinema.




02.
“A Cidade dos Sonhos”, David Lynch (2001)

Lynch nos deixou no último ano, mas legou uma obra tão marcante quanto explorável. Afinal, é dele o cinema mais misterioso já realizado em mais de 100 anos de arte cinematográfica. “A Cidade dos Sonhos” é, além de seu melhor neste século, possivelmente sua melhor realização, e olha que estamos falando de filmes como “Veludo Azul”, “Eraserhead” e “Coração Selvagem” neste páreo. Mas definitivamente a onírica e assustadora obra sobre a atriz que se muda para Los Angeles e tem sua memória e sonhos entrelaçados com a matéria da própria cidade é insuperável. Tanto que ocupa a 8ª posição no ranking de 250 filmes "The Greatest Films of All Time" da tradicional revista Sight & Sound e é considerado o melhor filme entre os 100 da BBC neste século, o qual mal começava e Lynch já dava as cartas.




03.
“Corra!”, Jordan Peele (2017)

Quando Jordan Peele estreou no cinema com “Corra!” já se sabia que ali nascia um ícone do cinema moderno. Negro, talentoso e com muita coisa a dizer, Peele surpreendeu o mundo do cinema – e o gênero de terror – com um filme que imediatamente foi elevado à categoria de obra-prima. Também pudera: a história do jovem fotógrafo Chris, que descobre uma sinistra rede de tráfico de negros para perturbadores finalidades rendeu ao diretor mais de 150 prêmios, incluindo o Oscar de Melhor Roteiro Original. “Corra!” redefine o terror no cinema. Em tempos de George Floyd, o terror não vem de fantasmas, zumbis, monstros ou extraterrestres. Vem de gente branca racista e supremacista.



04.
“Retrato de uma Jovem em Chamas”Céline Sciamma (2019)

Quanta delicadeza e força expressiva para contar uma história de algo que passou a ser um dos temas mais recorrentes dos tempos atuais, que é o LGBTQIAPN+, quando nem se pensava em classificar assim esses grupos. Céline Sciamma se esmera em contar a história de Marianne, uma jovem pintora francesa, no século 18, com a tarefa de pintar um retrato de Héloïse, com quem se vê cada vez mais próxima e atraída. As mesmas travas, os mesmos preconceitos, as mesmas opressões dos tempos atuais. Mas, otimistamente falando, a mesma possível liberdade de amar a quem se quiser mesmo que isso, necessariamente, gere consequências – ontem e hoje. Entre os diversos prêmios que "Retrato de Uma Jovem em Chamas" recebeu, o merecidíssimo César de Melhor Fotografia.



05. “Menina de Ouro”Clint Eastwood (2004)

O velho Eastwood, hein? À época, com seus 74 (hoje, quase centenário), depois de produzir sempre bem e bastante e de já ter posto seu nome na história do cinema norte-americano com filmes como “Bird” e o oscarizado “Os Imperdoáveis”, vem com essa obra-prima ao mesmo tempo delicada e pesada, triste e tocante. Tanto é que arrebatou a Academia em 2004, levando 4 dos 7 Oscar que concorreu: Melhor Filme, Diretor, Atriz e Ator Coadjuvante. A habilidade do experiente Eastwood em lidar com a luz e o mergulho nas sombras, seja no sentido estético quanto figurado, é de abismar. Impossível sair de uma sessão de “Menina de Ouro” sendo a mesma pessoa que entrou.

Clintão com a oscarizada Hillary Swank em um dos melhores filmes do século


06.
“O Pianista”, Roman Polanski (2002)

Daqueles filmes talhados a obra-prima. O tarimbado Polanski, cujo nome está gravado na história do cinema por filmes como “O Bebê de Rosemary”, “Chinatown” e “Cul-de-Sac”, acerta em tudo em “O Pianista”, uma obra pungente e necessária, inclusive para o próprio Polanski, judeu que perdera os pais no Holocausto. O filme venceu Palma de Ouro, Bafta e Cesar, mas o Academia do Oscar dos Estados Unidos, país onde Polanski é considerado fugitivo por um crime de estupro nos anos 70, não cedeu. Deu ao filme as estatuetas de Melhor Ator, Roteiro Adaptado e de Diretor, o qual o diretor recebeu e agradeceu via vídeo bem longe, na Europa. A de Filme, no entanto, não. A aclamação veio naturalmente.



07.
“O Segredo dos Seus Olhos”, Juan José Campanella (2010)

A Argentina já vinha preparando o terreno para que o mundo a reconhecesse como uma das principais produtoras do cinema da atualidade desde os anos 80. O Oscar de Filme Estrangeiro para “A História Oficial”, sobre a ditadura no país, já anunciava isso. Porém, o amadurecimento do cinema local e a formação de cineastas e profissionais do audiovisual colocaram o cinema a América Latina em real evidência no século 21 pela primeira vez. Ah! tem mais um fator a favor de "O Segredo dos seus Olhos", que se chama Ricardo Darín. O grande ator do novo cinema argentino é a cara dessa geração não poderia estar de fora daquele que é, mesmo com outros grandes concorrentes, o melhor filme da Argentina do século até aqui. Tanto que o Oscar de Filme Estrangeiro veio de novo, inevitavelmente. Naquele 2009, não teve pra ninguém com esse thriller que junta suspense, policial, romance, comédia e o velho dedo na ferida dos argentinos com a ditadura.



08.
“A Pele que Habito”, Pedro Almodóvar (2011)

Almodóvar é aquele diretor que é tão talentoso, que pode se dar ao luxo de fazer filmes menos expressivos dentro daquele seu universo kitsch e absurdo para, do nada, criar uma obra-prima surpreendente. “A Pele que Habito”, além de contar com velhos parceiros (Antonio Banderas, Marisa Paredes, Jean-Paul Gaultier, Alberto Iglesias) é, sem dúvida, uma revitalização do cinema do próprio cineasta espanhol, o filme que o reinventou (como se não bastasse já haver se reinventado outras várias vezes anterior e posteriormente). Espécie de “O Médico e o Monstro” com ares da bizarrice que marca os roteiros de Almodóvar: sexo, culpa, vingança, problemas psicológicos. Uma ressignificação de obras anteriores como “Matador”, “Ata-me” e “Carne Trêmula”.



09.
“Onde os Fracos não têm Vez”, Joel e Ethan Coen (2007)

Se nos anos 90, os Coen já haviam realizado sua obra-prima, “Fargo”, nos 2000 o seu grande filme é “Onde os Fracos não têm Vez”. Quase um aperfeiçoamento de “Fargo” em alguns aspectos, seja na trama errática, na câmera observante, na presença de personagens amorais ou na estética inospitaleira, o filme troca o branco da neve do primeiro pela aridez dos tons terrosos do deserto. E também volta a explorar a fragilidade do humanismo diante da brutalidade da sociedade. E ainda tem aquele que é um dos mais assustadores e marcantes psicopatas da história do cinema, o assassino de aluguel Anton Chigurh, vivido brilhantemente por Javier Barden. Arrebatou 4 Oscar: Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado e Ator Coadjuvante, além de ganhar três BAFTA, dois Globos de Ouro, American Film Institute e o National Board of Review of Motion Pictures.



10. “Cidade de Deus”, Fernando Meirelles e Katia Lund (2007)

Talvez apenas “Ganga Bruta”, “Rio 40 Graus”, “Terra em Transe”, “Dona Flor e Seus Dois Maridos” e, agora, "Ainda Estou Aqui", se equiparem em importância a “Cidade de Deus” para o cinema nacional. Determinador de um “antes” e um “depois” na produção audiovisual não apenas brasileira. Pode-se afirmar que influenciou de Hollywood a Bollywood, ajudando a provocar uma mudança nos conceitos da indústria cinematográfica mundial. Ou se acha que "Quem quer Ser um Milionário?" existiria sem antes ter existido "Cidade..."? Fernando Meirelles, bem como alguns atores e técnicos, ganharam escala internacional a partir de então. Tudo isso por conta do extraordinário filme, autoral, pop e inovador em estética, narrativa, abordagem e técnicas. Entre seus feitos, concorreu ao Oscar não como Filme Internacional, mas como Filme e Diretor, outra porta que abriu para “Ainda Estou Aqui”.


11. “Bastardos Inglórios”, Quentin Tarantino (2009)

A última frase dita no filme, na voz do célebre personagem Aldo, o Apache (Brad Pitt) é: "acho que eu fiz minha obra-prima". Está certo que Aldo se referia ao ferimento a faca que marcou na testa do igualmente histórico personagem Cel. Hans Landa (Christopher Waltz), mas é inegável que a frase é propositalmente ali posta por Quentin Tarantino por este reconhecer, sem falsa modéstia, que havia chegado, sim, à sua melhor realização. Ao menos, a mais madura e a mais bem produzida entre todos os seus nove longas. Se “Pulp Fiction” marcou uma nova era do cinema de autor nos anos 90, nos 2000 não tem igual a "Bastardos Inglórios".  um bingo!"... é assim que se diz na América: "um bingo"? 



12.
“A Fita Branca”, Michael Haneke (2009)

É difícil escolher um Haneke, esse cineasta peculiar que desde os anos 80 produz um cinema marcado pelo olhar crítico dos padrões da sociedade ocidental e o consequente declínio da moral hegeliana. Porém, “A Fita Branca”, além de seu congelante p&b e as assustadoramente reais atuações dos atores mirins, tem a incisividade de identificar o "ovo da serpente", ou seja: os impulsos que levaram às Grandes Guerras, tão definidoras de caminhos do mundo no século 20, principalmente da Europa, Cannes, que não é boba, identificou a essencialidade do filme para a cinematografia moderna dando-lhe a inconteste Palma de Ouro de 2009.



13.
“Roma”, Alfonso Cuarón (2019)

Há quem o considere "Roma" o filme mais injustiçado do Oscar dos últimos tempos, visto que merecedor do de Melhor Filme Estrangeiro, que venceu, como também de Melhor Filme, dado naquele 2019 ao contestado "Green Book". A triste história da empregada Cleo na Cidade do México nos anos 70 é contada com um misto de poesia, realismo e fatalismo pelo diretor Alfonso Cuarón, que também roteiriza, produz, edita, fotografa e conduz a própria câmera num p&b capaz de reinventar memórias. E quão potente é a sutil alusão à antiga cidade italiana, berço da civilização moderna. Seria mesmo uma sociedade "civilizada"? Além do Oscar, levou Leão de Ouro em Veneza, Globo de Ouro, Bafta e Chritcs Choice.



14.
“Bacurau”, Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (2019)

O pernambucano Kléber Mendonça Filho realiza, sem sombra de dúvida, o cinema mais completo do Brasil nos últimos anos. Sua filmografia de longas é só acerto. Primeiro, “O Som ao Redor”. Depois, “Aquarius”, passando por este e o documentário “Retratos Fantasmas”. “Bacurau”, no entanto, é daqueles filmes sui generis, um faroeste sertanejo sobre limpeza cultural, resistência ao imperialismo e o império da violência. Um retrato do Brasil ameaçado pelo fascismo e pela consequente americanização das mentes. Com a edição característica e as marcas da maneira de filmar de Kléber (fusões, zoons, closes x planos abertos), tem na trilha e nas atuações naturais outras de suas forças. Por imperícia da Academia Brasileira de Cinema, não foi o escolhido para concorrer pelo Brasil ao Oscar de Filme Estrangeiro, feito que somente agora “Ainda Estou Aqui” atingiu. Se tivesse ido, tinha boas chances. O próprio Bong Joon-ho, vencedor dessa categoria com “Parasita”, disse que ‘Bacurau” “tem uma energia única, traz uma força enigmática e primitiva.” É.



15. “A Vida dos Outros”, Florian Henckel von Donnersmarck (2006)

Retratos da Alemanha Oriental ainda hoje não são muito comuns no cinema. Talvez por vergonha do que acontecia de ruim do lado vermelho do Muro, talvez porque a vida fosse, de fato, muito monótona que não inspirasse filmes sobre aquela realidade. Este brilhante filme de Florian Henckel von Donnersmarck é, de certa forma, um pouco dessas duas coisas: uma mostra de que não era uma maravilha a vida sob o regime socialista alemão e que, sim, os dias não tinham muito sabor. Ao vigiar 24 horas a vida do escritor Georg Dreyman e de sua namorada a mando do governo, o militar Gerd Wiesler começa aos poucos a se dar conta da existência do amor, do companheirismo e da dor existencial de viver num país coercitivo e punidor que ele mesmo ajudava a manter. "Abaixo às ditaduras", sejam elas do lado que for. Oscar, César, British Academy e Donatello de Melhor Filme Estrangeiro, entre outros, "A Vida dos Outros" foi apontado pela revista National Review como o "O Melhor Filme dos Últimos 25 anos". Não podemos estar tão errados em elencá-lo também.

Memorável filme de von Donnersmarck reflexiona aquilo que o séc. 20 não ousou,
que é a crítica à ditadura - inclusive, as de esquerda


16.
“O Regresso”, Alejandro González Iñárritu (2015)

Iñarritu apareceu para o mundo do cinema no seu México natal, mas em seguida foi absorvido pela indústria dos Estados Unidos. Entre erros e acertos, completou sua trilogia iniciada em “Amores Perros” com “21 Gramas” e “Babel”, derrapou no confuso “Biutiful” e conquistou o Oscar com o ousado “Birdman”. Mas foi na narrativa tradicional de "O Regresso", ao contar a história real de vingança do personagem Hugh Glass, num inóspito Oeste norte-americano do século 19, que o cineasta foi só acerto. Teve como aliados, bem verdade, Leonardo DiCaprio atuando e Ryuichi Sakamoto na trilha. E a cena do ataque do urso?! O que é aquilo?! Só ela, já valia.



17.
“Zona de Interesse”, Jonathan Glazer (2024)

Somente a abertura do filme, com quase 1 minuto de tela preta sobre um som tenso, insistente e inconclusivo, já demostra a personalidade deste impactante filme. Difícil, aliás, encontrar alguém que não guarde o impacto que o filme lhe causou ao mostrar com crueza a comparação entre desumanidade e a normalidade da vida de uma abastada família alemã vizinha do campo de concentração de Auschwitz. “Zona de Interesse” não tem, inclusive, muito enredo. E um roteiro de poucos acontecimentos, que se presta a evidenciar sem filtros a perversidade humana. Filme que encerra a linha de títulos pós-Segunda Guerra inaugurado simbolicamente em 1947 com “Alemanha Ano Zero”, de Roberto Rosselini. O Oscar de Melhor Filme Internacional era-lhe certo, como de fato foi.



18.
“Match Point”, Woody Allen (2024)

Woody Allen é como Paul McCartney ou Caetano Veloso na música: não precisa provar nada depois do que já realizou. O cineasta dos geniais “Manhattan”, “Hannah e suas Irmãs”, “Crimes e Pecados” e outros já deixou sua contribuição para a história do cinema há muito tempo. Mas ele entrou os anos 2000 produzindo. E bastante. Após um período um tanto oscilante em termos de qualidade, Allen vem com este filme surpreendente, que começa parecendo uma comédia romântica, vira um drama, passa a ser um policial, até tornar-se um suspense eletrizante. Há outros de Allen de até mais sucesso deste período, como “Vicky Cristina Barcelona”, “Para Roma com Amor” e o queridinho “Meia-Noite em Paris”, mas nenhum bate “Match Point”, um filme único em sua extensa filmografia.



19.
“Melancolia”, Lars Von Trier (2011)

Lars Von Trier surgiu na Dinamarca dos anos 80 com um cinema autoral, criou e passou pelo Dogma 95 nos anos 90, chegou a Hollywood nos anos 2000 e tornou-se uma lenda viva do cinema mundial. “Melancolia”, seu 22º longa, parece arrecadar todas essas experiências, mas de uma maneira ainda assim particular. Estão nele o cinema de arte dos primeiros filmes, a câmera na mão e a montagem naturalista do Dogma e a convocação de grandes astros (Kirsten Dunst, Kiefer Sutherland, Charlotte Gainsbourg). Mas mais do que isso: "Melancolia" tem uma narrativa absolutamente instigante em uma ficção científica que faz uma metáfora da insustentabilidade dos cansados padrões sociais. O que isso resulta? Em catástrofe. Questionamentos urgentes que os novos tempos de pós-verdade exigem.



20. “O Pântano”, Lucrecia Martel (2001)

O cinema argentino conta com vários outros cineastas talentosos. Porém, nenhum deles possui um estilo tão pessoal como o de Lucrécia Martel. Dona de um cinema de linhagem moderna carregado e perspicaz, ela vale-se da dificultação do olhar e da fragmentação narrativa para expressar sentimentos e angústias da sociedade contemporânea, adentrando nas profundezas de seus personagens. Exímio em expressar esse universo, “O Pântano” fala sobre duas famílias que, em meio a um verão infernal na cidade de La Cienaga, entram em conflito. Texturas, sensorialidades e densidade se homogeinizam para expor tensões interpessoais, que se encaminham fatalmente para o pior. Uma reflexão visceral sobre classe, natureza, sexualidade e política, e uma das mais aclamadas estreias de realização contemporâneas. Prémio para Melhor Primeira Obra no Festival de Cinema de Berlim.


21.
“Holy Spider”, Ali Abbasi (2022)

Asghar Farhadi, Jafar Panahi, Mohammad Rasoulof, Nafiseh Zare e Peivand Eghtesadi são todos realizadores iranianos com grandes obras e que mantêm o alto nível do cinema deste complicado país islâmico. Outro cineasta, Ali Abbasi, no entanto, foi quem produziu aquele que pode ser considerado o mais impressionante filme desta safra do século 21 no Irã. "Holy Spider" acompanha a aterrorizante história real do serial killer mais temido do Irã, "Spider Killer", que atuou entre os anos de 2000 e 2001, vitimando 16 prostitutas em nome de uma jornada "espiritual" de limpar a cidade da corrupção e imoralidade. Este thriller policial desvela uma série de padrões sociais muito arraigados na sociedade islâmica com os quais a jornalista Arezoo Rahimi precisa se deparar. O anseio pela mudança da condição da mulher vem novamente à tona como em diversos outros filmes iranianos. Porém, parece que algo está evoluindo – mesmo que ainda seja mais vontade que realidade. 



22.
“Encontros e Desencontros”, Sofia Coppola (2003)

Pode-se contar nos dedos os cineastas que, de largada, fizeram seu melhor filme. Nem Renoir, nem Pasolini, nem Ophuls, nem Wilder, nem Kubrick. Nem mesmo Francis Ford Coppola, pai de Sofia que, esta sim, conseguiu tal feito. “Encontros e Desencontros”, o apaixonante e originalíssimo romance passado numa Tóquio tão populosa quanto inóspita, é um marco do cinema feminino neste século. Referências a Ozu, a Tati, a Tarkowsky, a Wenders. Mas, principalmente, a própria Sofia, que formula um cinema com a sua cara: profundo, plástico e autoral. Um dos grandes vencedores do Globo de Ouro daquele ano, ganhou como Melhor Filme em Comédia ou Musical, Ator em Comédia ou Musical (Bill Murray) e Roteiro, categoria na qual foi também premiado no Oscar. Que debut!



23.
“Drive my Car”, Ryūsuke Hamaguchi (2021)

Contar bem uma história é a essência do cinema. Agora, contar bem uma história longa e cheia de detalhes e encadeamentos sem perder a fruição é digno de aplauso. É o que o cineasta Ryūsuke Hamaguchi fez ao adaptar para a tela o conto do renomado escritor japonês Haruki Murakami. Em suma, embora todos os minutos das praticamente 3 horas de duração de "Drive my Car" sejam totalmente aproveitáveis, o filme nada mais é do que a narração da história de duas pessoas solitárias que encontram coragem para enfrentar o seu passado. Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, não teve pra outros em 2022. O Japão, aliás, sempre tão essencial para o cinema, segue rendendo bons frutos. Filmes como “Assunto de Família”, “Pais e Filhos” e “Monster” bem podiam estar aqui também.



24.
“O Cavalo de Turim”, Béla Tarr e Ágnes Hranitzky (2011)

O velho fazendeiro Ohlsdorfer e sua filha dividem um cotidiano dominado pela monotonia. A realidade dos dois é observada pela vista da janela e as mudanças são raras. Enquanto isso, o cavalo da família se recusa a comer e a andar. O filme é uma recriação do que teria ocorrido com o animal após ter sido salvo da tortura pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche durante uma viagem a Turim, na Itália. Este "épico do nada" foi o canto-do-cisne do aclamado diretor húngaro Béla Tarr, que disse que o filme aborda “o peso da existência humana”. Takes longos, poucos diálogos, trilha econômica e plasticidade carregada e altamente poética, marcas que Tarr dividiu a direção em sua última obra com a esposa e constate colaboradora Ágnes Hranitzky. Prêmio FIPRESCI e do Grande Júri em Berlim.



25. “Ainda Estou Aqui”, Walter Salles Jr. (2024)

Muito se falou nos últimos meses do filme que, enfim, conquistou o tão almejado Oscar para o Brasil. Somente por isso, o longa de Walter Salles já garantiria seu posto entre os mais importantes deste quarto de século 21 ao recolocar a América do Sul no mapa mundial da indústria do cinema. Porém, "Ainda Estou Aqui" é mais do que somente sua simbologia. De um roteiro cirúrgico e atuações marcantes, principalmente da oscarizável Fernanda Torres, tem o poder de tocar o espectador e de saber contar com sensibilidade uma história real e tão universal, que trata, antes de tudo, sobre liberdade. Além do Oscar e do Globo de Ouro para Fernandinha, vários prêmios de fina estirpe assinalam isso, como Veneza, Goya e Miami.

E fechamos com Fernandinha, que fez história no cinema brasileiro (e latino-americano)
neste final de primeiro quarto de século 21

PS: Mesmo não incluídos na lista acima, merecem “menção honrosa” estes outros 25, pois são todos excelentes filmes, que bem podiam estar ali: 

“Pina” (Win Wenders, 2011)
“Senhores do Crime” (David Cronenberg, 2007)
“Assunto de Família” (Hirokazu Koreeda, 2018)
“Edifício Master” (Eduardo Coutinho, 2002)
“Três Anúncios para um Crime” (Martin McDonagh, 2017)
“Moonlight” (Barry Jenkins, 2016)
“Sangue Negro” (Paul Thomas Anderson, 2007)
“Infiltrado na Klan” (Spike Lee, 2018)
“Interestelar” (Christopher Nolan, 2017)
“Film Socialisme” (Jean-Luc Godard, 2009)
“Visages, Villages” (Agnès Varda e JR, 2018)
“O Clã” (Pablo Trapero, 2015)
“A Separação” (Asghar Farhadi, 2011)
“Gran Torino” (Clint Eastwood, 2008)
“Assassinos da Lua das Flores” (Martin Scorsese, 2023)
“O Lobo de Wall Street” (Scorsese, 2013)
“Cópia Fiel” (Abbas Kiarostami, 2010)
“Elefante” (Gus Van Sant, 2003)
“Ela” (Spike Jonze, 2013)
“Eu, Daniel Blake” (Ken Loach, 2016)
"Kill Bill - vol. 1” (Quentin Tarantino, 2003)
“Irreversível” (Gaspar Noé, 2002)
“Nomadland” (Chloé Zhao, 2020)
“Anatomia de uma Queda” (Justine Triet, 2023)
“Triângulo da Tristeza” (Ruben Östlund, 2022)


Daniel Rodrigues


quinta-feira, 13 de março de 2025

"A Compadecida ", de George Jonas (1969) vs. "O Auto da Compadecida ", de Guel Arraes (2000)




No embalo do primeiro Oscar do cinema brasileiro e do sucesso de "O Auto da Compadecida 2", produção nacional que vem levando milhares de pessoas aos cinemas, o Clássico é Clássico (e vice-versa) traz aqui um confronto entre "O Auto da Compadecida ", de 2000, que impulsionou sua sequência de 2024 a ser esse novo fenômeno de bilheteria, e sua primeira versão cinematográfica, pouco conhecida, de 1969, "A Compadecida". Pois é, esta obra de Ariano Suassuna tem uma adaptação cinematográfica anterior à conhecidíssima e consagrada de 2000, e
que quase ninguém sabe que existe.
Diante da popularidade de "O Auto da Compadecida", de 2000, a maioria das pessoas não teria dúvidas em afirmar, mesmo sem ver o antigo, que não tem nem graça um duelo de um grande sucesso como esse contra um esquecido, empoeirado e desconhecido filme lá dos idos de não sei quando.
Tipo um time multicampeão, cheio de grandes jogadores contra um outro pouco badalado de um centro menos valorizado.
Barbada? 
Não é bem assim...
"A Compadecida" tem méritos inequívocos e consegue fazer frente ao novo em diversos quesitos.
Produzido com grande orçamento para a época, "A Compadecida" traz ecos ainda da estética da segunda fase do Cinema Novo, ainda que, curiosamente, para um projeto tão brasileiro contasse com um diretor húngaro, George Jonas, atrás das câmeras. A onda de treinadores estrangeiros já estava na moda, hein!
Além disso, time por time, o de 1969 não ficava devendo muito: tinha nada menos que feras como Antônio Fagundes, Armando Bógus, Regina Duarte e outros bons nomes como Felipe Carone, Jorge Cherques e Ari Toledo .
Como se não bastasse, a comissão técnica trazia nomes de peso como o artista plástico Francisco Brennand nos figurinos, a arquiteta Lina Bo Bardi na direção de arte, música a cargo de Sérgio Ricardo, e o próprio autor da peça, Ariano Suassuna, fazendo uma de auxiliar técnico, como responsável pelo roteiro.
Isso é só pra mostrar com quem estão lidando!
Com um jogo um pouco arrastado na primeira parte, "A Compadecida" cresce de produção e aos poucos vai mostrando a boa estrutura do time.
O aproveitamento da estética do sertão como pano de fundo natural, a exploração das tradições culturais, a teatralidade, a alegoria religiosa, tudo colabora para o bom desempenho em campo do time do técnico europeu George Jonas.
Do outro lado temos uma adaptação feita originalmente para minissérie de TV e que posteriormente foi editada e distribuída nos cinemas. A boa produção, recursos e aparato da maior rede de televisão do país, garantiam um produto final com qualidade e pronto para ser consumido com júbilo pelo público em geral. Produção padrão Globo! Ainda que a adaptação para o formato longa metragem comprometesse um pouco a montagem e tornasse abruptas algumas transições, a transposição para o cinema foi um sucesso e o então filme, não mais minissérie, tornou-se uma das maiores bilheterias do cinema nacional.
Para tal êxito, o diretor Guel Arraes, responsável pelo núcleo mais criativo e interessante da emissora, sempre com boas propostas de programas, séries, especiais, teve à sua disposição nada menos que toda a vitrine disponível da maior produtora de novelas da TV brasileira e por isso mesmo, um vasto e qualificado elenco para sua escolha. É  como um grande clube, com os melhores jogadores do mundo em seu elenco, que contrata um técnico e diz pra ele, " Tá aí. Escala quem você quiser". Guel optou pelo entrosamento, mesclou com a experiência e botou dois caras diferenciados para decidir. Chamou boa parte do elenco da antiga TV Pirata, Marco Nanini, Diogo Vilela e Denise Fraga, outros com quem já  trabalhara em seu núcleo na emissora, como Bruno Mazzeo e Virgínia Cavendish, deixou os medalhões Rogério Cardoso e Lima Duarte ali no meio só distribuindo o jogo, e deixou sua talentosíssima dupla de ataque, Selton Melo e Matheus Natchergale, à vontade pra enlouquecer a defesa adversária.
Na boa, Antônio Fagundes e Armamdo Bógus são talentosíssimos, mas o Chico e o João Grilo da nova versão são muito melhores! Mais carismáticos, mais protagonistas, mais engraçados. O humor da nova versão é mais convidativo, a proposição da obra é fazer rir e ela se sai muito bem no que pretende. O corpo de elenco é mais envolvido nessa tarefa do que no antigo que se propunha a ser um filme sobre sertanejos, com situações engraçadas.

"A Compadecida" (1969) - filme completo


"O Auto da Compadecida" (2000) - trailer


A vitória da nova versão passa por aí. Tem tantos méritos quanto o anterior mas é mais gostoso, mais cativante.
Cada um a seu modo transmite sua estética de sertão e aí é um gol para cada um. Se a Globo proporciona cenários bem acabados, locações bem escolhidas, materiais de qualidade, uma iluminação de primeira (1x0), a craque Lina Bo Bardi, encarregada da concepção artística do original, com sua noção diferenciada de espaço, desequilibra e deixa tudo igual nesse quesito. 1x1.
Nem a retaguarda da produção para a TV que pôs à disposição da equipe os melhores profissionais, estilistas e o guarda-roupa da maior emissora do país, impediu o gol de outro gênio, Francisco Brenant que com muita cor, alternâncias de tons, contrastes, elementos folclóricos, criou figurinos criativos e diferenciados desempatando a partida. 2x1 para A Compadecida.
O autor, Ariano Suassuna, jogava para o time de 1969, do qual fora roteirista e colaborara com as mais preciosas informações e impressões para o diretor George Jonas, mas, consultado pelo diretor da nova versão, Guel Arraes, sobre a inclusão de trechos de dois outros contos seus no roteiro da nova versão e concordando com a ideia, acabou jogando de bandido e fazendo gol contra. O acréscimo da parte da disputa pela filha do Coronel (de "Torturas de um Coração e a Pena da Lei") e da herança da avó da noiva com o cofrinho cheio de dinheiro (de "O Santo e a Porca), enriquecem a trama do remake e lhe garantem o gol de empate. 2x2. Ô, Seu Suassuna, o que é  isso? Jogando contra o próprio patrimônio...
A cena do ataque dos cangaceiros no original é pura poesia visual. Uma fascinante coreografia com contornos circenses que põe o time de '69 em vantagem. 3x2.
O julgamento dos pecadores pelo diabo tem méritos nos dois. Se no anterior a sequência é crua, externa, no meio do sertão, explorando a paisagem agreste local, e com uma edição espetacular, no recente tem um belíssimo cenário estilizado de uma capela de romeiros com efeitos digitais primários mas que comunicam bem e dialogam com a estética do cordel nordestino. 4x3. O antigo continua em vantagem.
No entanto, ainda nesta sequência, a craque Fernanda Montenegro desequilibra. Embora encarando uma boa adversária, a então jovem Regina Duarte, com sua interpretação serena e altiva, ela eterniza uma Nossa Senhora doce e maternal para o cinema brasileiro. Golaço pra empatar de novo a peleia!!! 4x4.
Cabe à dupla de ataque, João Grilo e Chicó, decidir o jogo. Num perfeito entrosamento e tabelinhas perfeitas, a dupla da nova versão, Selton e Natchergale, é hilária e tem passagens memoráveis. A da trama da bexiga de sangue, a do plano para o duelo com os valentões, a trapaça ao cangaceiro Severino, o pedido de casamento da filha do Coronel, a da ressurreição de João Grilo, todas cenas de chorar de rir. Tabela perfeita, desde a própria área até o outro lado do campo, sem deixar a bola cair, enganando todos os adversários, o padeiro, o padre, o cabo, o valentão, os cangaceiros, driblando até o diabo, dando um chapéu no coronel, até João Grilo deixar limpinha pra Chicó só completar praticamente em cima da linha, com o bumbum. 4x5. Dizem que o gol foi tão bonito que Chicó levou a bola, a bandeirinha de escanteio, o apito do juiz e até a rede pra casa. Dizem que pendurou a rede na varanda e dorme nela toda noite. "Como é que só dois enganaram toda essa gente? Padre, bispo, padeiro, polícia, cangaceiro, coronel e até o diabo?" Bom... Não sei. Só sei que foi assim.

(Sempre à esquerda o original)
No alto, as duplas Chicó e João Grilo;
na segunda linha João Grilo engambelando o cangaceiro Severino com a gaita mágica;
na terceira, o cenário natural do julgamento dos pecadores do filme de 1969,
e à direita o cenário da capela de romeiros do filme de 2000;
logo abaixo, o diabo diante de Jesus e Nossa Senhora, nas duas versões;
e por último a Compadecida, Regina Duarte no primeiro filme,
e Fernanda Montenegro na varsão nova.


É, muita gente achou que era barbada, páreo corrido,
 mas futebol (e cinema) não é assim.
Não tem jogo jogado.
Não é porque foi sucesso de público que a vitória tá garantida.
Foi suado, hein.





por Cly Reis

sábado, 1 de março de 2025

"Conclave", de Edward Berger (2024)


GANHADOR DO OSCAR DE
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
 

Existem algumas máximas quando se fala em cinema. Uma delas é: "isso acontece só mesmo em filmes". "Conclave", do diretor suíço Edward Berger, por melhor que seja - e é, sim, um filme bastante apreciável - não escapa de trazer à mente esse quase subterfúgio mesmo numa história baseada em fatos verídicos.

Na trama, com a morte do Papa, o Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) reúne um grupo de sacerdotes para eleger seu sucessor. Cercado por líderes do mundo todo nos corredores do Vaticano, e cada vez mais invadido pelo desejo de tornar-se Papa, ele descobre uma trilha de segredos profundos que podem abalar os fundamentos da Igreja Católica.

A boa atuação de Fiennes como protagonista (um dos 8 Oscar pelo qual "Conclave" concorre e passível de ganhar, o de Melhor Ator) e os excelentes trabalhos de arte, figurino e fotografia, que exploram as simetrias e composição visuais do pictorialismo secular da Igreja, ajudam a sustentar muito bem a trama de suspense que se cria em torno dos bastidores da escolha de um novo Sumo Pontífice. 

Contudo, o final, deixa a desejar. Embora funcione para a lógica do filme, cuja narrativa faz com que se torne crível a eleição de um/a papa/papisa para o sagrado - e misógino - posto do Vaticano, na vida real é muito pouco provável que tal "escárnio" acontecesse. 

Num ambiente altamente político e polarizado como o filme mostra e faz crer, onde a sede pelo poder é levada às últimas consequências (inclusive, incriminar o representante da Nigéria por puro racismo para tirá-lo do páreo, como se sucede), não é possível imaginar que deixassem incólume um cardeal de esquerda, desconhecido e envolto em mistérios só porque o antigo Papa o indicou. Ele sequer avançaria de fase no conclave, quanto menos vencer o pleito da Santa Sé. Indicação do Papa? Diriam: “Que se dane! Afinal, morto não fala (só Jesus)”.

Aquelas cobras vestidas de santidades, ainda mais os da ala reacionária e conservadora representada na figura do Cardeal de extrema-direita, Goffredo Tedesco (Sergio Castellitto), jamais iriam deixar que isso acontecesse se seus personagens não fossem "de mentirinha". Estes tipos odeiam minorias e se sentem - justificadamente - ameaçados por elas. Eles vasculhariam a vida do adversário. Fosse para valer, na segunda ocasião que o arcebispo mexicano, Cardeal Benitez (vivido por Carlos Diehz) tivesse obtido algum destaque diante do grupo, configurando-se em uma ameaça mesmo que incipiente - fato que ocorre no filme, quando este resolve pacificamente a discussão em torno da punição aos insurgentes externos à basílica - já teriam dado um jeito de lhe limar. O motivo para isso não seria nem difícil de encontrar, até porque, Cardeal Benitez não era um mentiroso, só mantinha discrição.

A sensação que se tem é a de que, faltando um argumento capaz de impactar no momento essencial do clímax, a solução a qual se recorreu para o final foi esta: um descuido da Igreja. Pouco razoável para uma instituição que sempre soube muito bem se blindar de tudo que lhe fora perigoso para sua manutenção por séculos, inclusive da própria tentativa de mulheres ao cargo. Recuperando-se um pouco da História, é sabido que a Igreja submetia os candidatos a Papa a um constrangedor teste nas partes íntimas para verificar quem tinha colhões ou não (supõe-se que o autor da obra original e o roteirista saibam disso). 

Talvez hoje no Vaticano se valham de alguma tecnologia menos invasiva e não precisem recorrer mais a métodos tão arcaicos para obter o mesmo resultado - mas que devem se precaver de alguma maneira, devem. O fato é que o desfecho de “Conclave” é daqueles que passa por verdade somente em cinema, pois dificilmente aquela gente esperta e manipuladora se deixaria ser enganada tão vergonhosamente. Isso pesa para um filme que, mesmo bom, presta-se a ser realista.

Fosse preciso, na vida real, a Santa Igreja descobria de um jeito ou de outro o segredo do Papa "não-homem": com constrangimento ou não. (Se bem que, em se tratando da Igreja, é bem possível que ainda queiram manter sádicas "tradições"...)

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trailer de "Conclave"


"Conclave"
Título Original: "Conclave"
Direção: Edward Berger
Gênero: Drama/Suspense
Elenco: Ralph Fiennes, Stanley Tucci, John Lithgow, Sergio Castellitto, Isabella Rossellini
Duração: 120 min
Ano: 2024
País: Reino Unido/Estados Unidos
Onde assistir: Cinemas

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Daniel Rodrigues


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

"Emilia Pérez", de Jaques Audiard (2024)

 

GANHADOR DO OSCAR DE
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE (ZOE SALDAÑA) MELHOR CANÇÃO ORIGINAL (“EL MAL”)

Ao contrário da maioria dos brasileiros que foi assistir "Emilia Pérez" já  com a faca nos dentes, prontos para desqualificar o rival de "Ainda Estou Aqui", fui com toda a boa vontade e a recomendação de um filme de sucesso em diversos festivais e que conta com a admiração de personalidades relevantes do mundo do cinema.

No entanto, nem tudo isso seria suficiente  para me convencer que trata-se de um grande filme digno das incríveis 13 indicações ao Oscar.

Sem entrar no mérito das polêmicas de representatividade, lugar de fala, estereotipação, que tem cercado o longa desde que se instaurou uma verdadeira guerra nas trincheiras das redes sociais, o produto final "Emilia "Pérez" me parece uma obra sem brilho. Um filme comum cujo grande diferencial é ser um musical dentro de uma trama de máfias e cartéis, mas cuja proposta é  tão mal aplicada que deixa de ser virtude.

Os números musicais, além de maçantes, inoportunos, são utilizados em momentos pouco propícios, mais atrapalhando o desenvolvimento do enredo do que ajudando. Um diálogo bem elaborado seria mais produtivo do que quatro minutos de música com coreografia.

Sem falar que as canções não são nada cativantes. Nada que a gente venha a lembrar daqui a vinte anos, quando escutar de novo, e dizer, "Olha, aquela música do filme 'Emilia Pérez'!".

Gosto muito do filme enquanto um 'policial' de gangues com uma reviravolta inesperada do tipo "mafioso coisa ruim que quer mudar de cara, de vida, desaparecer mas cujo passado não permite essa nova chance", mas até isso a gente encontra em qualquer filmezinho de ação  hollywoodiano do John Woo. E quanto à parte dramática, do remorso, dos desaparecidos, dentro do quadro todo, parece mais uma colagem mal aplicada, e quanto ao tema, o assunto em si, a denúncia, bom...aí o diretor que se entenda com os mexicanos que, pelo jeito, não gostaram nada de um francês metendo o nariz no que não lhe diz respeito.

Não achei um lixo, uma porcaria como muitos compatriotas torcedores consideram. Mas na minha visão, é MUUUITO menor do que parece ser, da ideia que venderam do filme e do tamanho que alcançou. Treze indicações?! Convenhamos, mesmo com todos os méritos que possa ter, é um exagero.

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trailer de "Emília Pérez"



"Emilia Pérez"
Título Original: "Emilia Pérez"
Direção: Jaques Audiard
Gênero: Musical/ Comédia /Drama/ Crime
Elenco: Zoë Saldaña, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez
Duração: 130 min
Ano: 2024
País: França / México
Onde assistir: Cinemas

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por Cly Reis