Eu se fosse você ia na pilha do SIG, viu? Afinal, o MDC desta semana está adoravelmente neurótico. Vai ter de Public Enemy a Clementina de Jesus, de Pequeno Cidadão a Curtis Mayfield, de Keith Richards a Maria Bethânia. E tem também Cabeça dos Outros, igual o SIGmund Freud, que cuidava exatamente disso. Saudando e com saudades de Jaguar, o programa vai ao ar às 21h na satírica Rádio Elétrica. Produção, apresentação e mais uma dose pra salvar Jaguar: Daniel Rodrigues.
www.radioeletrica.comquarta-feira, 27 de agosto de 2025
quarta-feira, 22 de maio de 2024
Exposição "“FUNK: Um grito de ousadia e liberdade” - Museu de Arte do Rio (MAR) - Rio de Janeiro/RJ (25/04/2024)
Ir ao Museu de Arte do Rio, o MAR, é sempre uma experiência rica e penosa. Rica pelo óbvio: a qualidade das exposições que lá circulam, não raro as mais bem curadas e capitalizadas que passam pelo Rio de Janeiro (esta, por sinal, a cidade de maior concentração de grandes exposições do Brasil junto ou até mais do que São Paulo). Mas também penosa porque, além de extensas (o que, por mais gratificante que seja, é também cansativo), dificilmente se consegue aproveitar tudo que o MAR oferece simultaneamente. No caso, foram seis mostras, das quais pude, na companhia de Leocádia e do amigo Eduardo Almeida, ver com um pouco mais de atenção três delas.
Uma destas, contudo, posso dizer que foi a melhor que
presenciei no Rio desta feita: “FUNK: Um grito de ousadia e liberdade”. Um
espetáculo. Com curadoria da Equipe MAR junto a Taísa Machado e ninguém menos
que o lendário Dom Filó – um dos principais ativistas da causa negra e
agitadores culturais do funk dos anos 70, responsável pela descoberta de que
ninguém menos que gente como a Banda Black Rio e Carlos Dafé –, a principal
mostra do ano do MAR perpassa os contextos do funk carioca através da história.
A temática da exposição apresenta e articula a história do funk, para além da
sua sonoridade, também evidenciando a matriz cultural urbana, periférica, a sua
dimensão coreográfica, as suas comunidades.
Para chegar aos morros e favelas onde o funk carioca se
tornou obra e sinônimo e estilo, a mostra traz com muita propriedade toda a construção
desdobramentos estéticos, políticos e econômicos ao imaginário que em torno
dele foi constituído, recuperando as audições públicas do início do século XX, os clubes para negros dos anos 40/50, os bailes hi-fi dos anos 60, até chegar, aí sim, no fenômeno das
festas black dos anos 70. Influenciados pelo movimento Black Power, Panteras Negras,
a Blackexplotation e, claro, a música soul norte-americana e outros, a galera tomou conta de ginásios e galpões da Zona Norte e
mandou ver no movimento mais libertário e dançante que o Brasil moderno já viu.
E tudo isso estava representado na exposição através de fotos, posters, pinturas,
capas de disco, e também em som, seja dos hinos funk até o poderoso off do
próprio Dom Filó. Ninguém melhor que ele para a tarefa de contar a história
daquele momento crucial para a cultura pop no Brasil, o que viria a dar no funk
carioca tal qual conhecemos.
Toda a parte que mostra a evolução do funk em terras
cariocas é bem interessante, evidenciando as etapas vividas nos anos 90, a
entrada no século XXI e o advento/chegada das novas tecnologias no morro. O
contraste – inevitável, proposital, ressignificado – entre pobreza e riqueza,
periferia e centralidade, comunidade e cosmopolitismo, é de uma riqueza
incalculável, muito a se assimilar. Porém, mesmo com bastante material, esta
segunda metade da exposição, mesmo sendo o crucial do projeto, não é tão
interessante quanto a sua primeira, a que traz a pré-história do funk do Rio.
Talvez pelo fascínio que a mim tem a era Black Rio, suas inspirações políticas,
comportamentais e culturais que bebem nos Estados Unidos, isso tenha me
prendido mais a atenção – embora tenha a sensação de que, documentalmente
falando, seja pelos áudios, obras, objetos, músicas, etc., esta parte
introdutória pareça mais completa.
Contudo, a principal sensação que se sai é a de que, enfim, chegamos aos espaços de arte. Embora eu não tenha relação e nem pertença ao universo do funk carioca (embora o seja contemporâneo, mesmo que de longe), a exposição fez-me aludir aos versos de Cartola em sua música "Tempos Idos", quando ele via seu samba assumindo a nobreza que lhe é merecida: "O nosso samba, humilde samba/ Foi de conquistas em conquistas/ Conseguiu penetrar no Municipal". Aqui, é a cultura pop na melhor acepção da palavra que adentrou os salões nobres das Belas Artes, o que suscita um sentimento de pertencimento. Ver meus ídolos da música pop negra brasileira - Black Rio, Dafé, Gerson King Combo, Tim Maia, Cassiano, Toni Tornado, Sandra Sá, Dom Salvador - e internacional - James Brown, Isaac Hayes, Parliament/Funladelic, Chic, Curtis Mayfield, Marvin Gaye - estampados, um mais bonito que outro, redimensionando suas belezas estéticas e simbólicas, é algo que realmente preenche o coração.
Todos os desdobramentos artísticos explícitos e implícitos são, no mínimo, admiráveis, se não objeto de muita apreciação e análise, como a hipnotizante dança do passinho, as pichações, a estética das armas, a sensualidade, a pele preta à mostra, a luz tropical, os cortes de cabelo. Na música, a constatação de que o funk carioca, original, é muito mais advindo dos ritmos africanos (inclusive do Nordeste da África, na Península Arábica) do que somente do funk importado dos states. Tem mais macumba do que enlatado.
Independentemente, vale a pena demais a visita ao MAR, nem que seja para ver apenas esta exposição. Mas se for, aviso: vá com tempo.
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| Já na entrada, o maravilhoso corredor com as pichações iluminadas |
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| King Combo: mandamentos black, brother |
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| Edu "tatuado" pela projeção de uma das obras de Gê Viana da série "Atualizações Traumáticas de Debret" |
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| A pré-história do funk: Pixinguinha puxa Ângela Maria (esq.) pra dança e Jackson do Pandeiro punha be-bop no samba, tropicalizando a globalização - e não o contrário |
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| As desbotadas cores dos antigos bailes hi-fi revistas por Gê Viana |
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| O artista Blecaute também reconta os apagados eventos sociais negros do passado em novas cores |
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| Mais de Gê Viana em sua série em que recria Debret: genial quebra do tempo simbólico e cronológico Outra arte imponente, esta de Maria de Lurdes Santiago |
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| Anos 60/70: as referências de fora chegaram. Nunca mais o mundo foi o mesmo |
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| Reprodução de cartazes dos Black Panthers: a coisa ficou séria agora |
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| Dom Filó e sua turma da Soul Grand Prix, promotores das festas black da Zona Norte |
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| Os pisantes, indispensáveis nos clubes soul em arte de André Vargas |
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| James Brown, uma das referências máximas da galera, em fotos no Brasil |
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| Encerrando a primeira parte da exposição, obras da genial gaúcha (e preta) Maria Lídia Magliani |
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| Mais Magliani |
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| Já nos anos 90, a beleza dos passinhos se mistura à fúria violenta dos excluídos |
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| Esta cocota que vos escreve rebolando até o chão |
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| E esta incrível pintura, que mais parece serigrafia? |
sexta-feira, 18 de setembro de 2020
Donald Byrd - "Black Byrd" (1973)
Byrd dá rédea solta ao produtor/arranjador/compositor Larry Mizell, que cria uma série de peças melódicas fortemente focadas, muitas vezes em dívida com as orquestrações mais longas de Isaac Hayes e Curtis Mayfield. Eles são construídos sobre os ritmos funk mais simples que Byrd já enfrentou, e se as estruturas não são tão soltas ou complexas como seu material de fusão anterior, elas compensam com um senso funky de groove que é quase irresistível.
Os solos de Byrd são principalmente melódicos e econômicos, mas isso permite que o funk ocupe o centro do palco. Claro, talvez o piano elétrico, os efeitos sonoros e a onipresente flauta de Roger Glenn datem um pouco a música, mas isso é realmente parte de seu charme. "Black Byrd" era o que há de mais moderno para a época e estabeleceu um novo padrão para todas as futuras fusões jazz/R&B/funk - das quais havia muitas. Byrd continuaria a refinar esse som em álbuns igualmente essenciais como "Street Lady" e os fantásticos "Places and Spaces", Mas "Black Byrd" se mantém como sua declaração de assinatura inovadora.
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FAIXAS:
segunda-feira, 22 de junho de 2020
Curtis Mayfield - "Curtis" (1970)
Com Curtis Mayfield aconteceu algo semelhante. Um dos integrantes do grupo vocal de rhythm and blues de Chicago The Impressions, ele rapidamente destacou-se sobre seus companheiros, igualmente bons cantores como ele, mas não apenas pela afinadíssima voz tenor e, sim, pela incrível capacidade compositiva e de liderança que o diferia dos demais. Quem escuta os discos da banda, a qual pertenceu de 1963 a 1969, percebe que, desde a composição do primeiro sucesso, a clássica "Gypsy Woman", até o último disco como integrante, “The Young Mods' Forgotten Story”, todo escrito por ele, Curtis se tornara maior do que a Impressions. Ele não cabia mais num trio: precisava ser uno. Precisava alçar o voo solo.
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| Baldwin e Angela: referências da luta racial nos anos 70 |
Ouvem-se, então, os primeiros acordes do disco: um som grave de baixo, que prenuncia um riff cheio de groove e inteligência musical. Talvez os “brothers and sisters” que a escutavam pela primeira vez naquele setembro de 1970 não percebessem que estavam diante de um dos mais célebres começos de disco de todos os tempos na música pop. Entram, na sequência, bongôs de matiz africano e vozes entrecruzadas levantando questões polêmicas, as quais são logo catalisadas pela do próprio Curtis, que anuncia com ecos retumbantes: “Não se preocupem: se houver um inferno abaixo de nós, para lá todos iremos!” É “(Don’t Worry”) If There's a Hell Below We're All Going to Go”, a arrebatadora faixa de abertura de um disco que não podia ter outro nome que não, simplesmente, “Curtis”. À exceção do tom pastel da capa, trata-se de um álbum negro em todas as dimensões possíveis: na sonoridade, no resgate da ancestralidade, na mensagem afirmativa e de denúncia e no comprometimento com o movimento negro.
Era a confirmação de que Curtis registrava sua emancipação como artista. A música conhecia pela primeira vez sua obra autoral, que abria com esse funk de reverências a James Brown e à africanidade. Curtis, consciente de seu papel, não fugia às discussões sérias, falando sobre preconceito, violência policial e repressão política: “Irmãs, irmãos e desfavorecidos/ negros e mulatos/ A polícia e os seus apoiadores/ Eles são todos os atores políticos”. “If There's...” antecipava outro trunfo da música soul daquele início de anos 70: a Blackexplotation. Quem escuta o primoroso arranjo de cordas, as percussões afro e o baixo marcado da faixa é impossível não associá-la às trilhas sonoras de filmes feitos com e para negros que “explodiriam” àquela época na indústria cinematográfica norte-americana – dentre as quais, a de “Superfly”, que Curtis assinaria poucos anos mais tarde.
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| Curtis tocando ao vivo à época do disco:talento confirmado como artista solo |
A harmonia entre os homens, entretanto, está longe de se concretizar, e Curtis tinha consciência disso. Não à toa, vem, na sequência, a reflexiva “We People Who Are Darker Than Blue” (“Nós, pessoas que somos mais escuras que o azul”). Não por acaso também se trata de um lamentoso blues, o qual seu lindo canto cadencia versos como: “Nós, pessoas que somos mais escuras do que o azul/ Não há tempo para segregar/ Eu estou falando sobre marrom e amarelo também/ Garota tão amarela que você não pode contar/ Eu sou apenas a superfície do nosso poço profundo e escuro/ Se a sua mente puder realmente ver/ Você veria que sua cor é igual à minha”.
Outra preciosidade de "Curtis" é "Move on Up", grande sucesso da carreira solo do artista que prova o quanto ainda sabia escrever hits (a versão reduzida dos mais de 8 min originais passou 10 semanas no top 50 da parada de singles do Reino Unido em 1971, chegando ao 12º lugar, e se tornou um clássico da música soul ao longo dos anos). Esta empolgante soul, com exuberantes arranjos de cordas e metais, traz mais uma vez a intensa percussão afro e uma performance impecável de Curtis, responsável não apenas pela guitarra, mas por vários outros instrumentos. Aqui nota-se um músico totalmente dono de sua obra: ao mesmo tempo em que se vale de sua música para a crítica, também domina a arte de criar canções para as massas. Para os que acham que seu auge é "Superfly", "Move..." prova que este momento já estava em “Curtis”.
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| Curtis com a filha ainda criança, nos anos 70 |
A suave "Give it Up" tem a primazia de fechar o brilhante debut de Curtis Mayfield, trabalho assustadoramente atual mesmo 50 anos após seu lançamento. A catarse mundial gerada pela revoltante morte do ex-segurança George Floyd, vitimado recentemente pela violência da polícia e da sociedade norte-americana, evidenciou o quanto as questões levantada neste disco, há cinco décadas, estão longe de serem resolvidas. Se o racismo ainda está aí, Curtis é morto desde 1999, quando, após complicações motivadas por um fatídico acidente que o deixara paraplégico, despedia-se prematuramente aos 57 anos. Só assim para frear o seu talento.
Embora não tenha feito o mesmo sucesso que seus contemporâneos de black music Marvin Gaye, Al Green, Stevie Wonder e Barry White, Curtis pode tranquilamente ser considerado integrante do.panteão dos grandes criadores da soul norte-americana. Ele é daqueles autores cuja obra demarca um “antes” e um “depois”, tanto pela beleza única de suas composições quanto pelo o que representou para o movimento negro e a luta pelos Direitos Civis norte-americanos naquele inicio de década de 70. O disco “Curtis” antecipa em um ano, inclusive, uma trinca de obras que se eternizaria, entre outras qualidades, justamente pelo teor de resistência: “What’s Going On”, de Gaye, “Pieces of a Man”, de Gil Scott-Heron, e “There’s a Riot Goin’ On”, da Sly. Curtis dizia que suas músicas sempre vieram de perguntas para as quais precisava de respostas. Vendo o quadro político-social de hoje ainda tão desigual, se estivesse vivo, 50 anos depois de ter levantado e respondido várias dessas questões, provavelmente voltaria numa delas e se indagaria: “o inferno, que eu pensava estar abaixo de nós, é aqui mesmo, então?”
Curtis Mayfield - "Move on Up"
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FAIXAS:
1. "(Don't Worry) If There's a Hell Below, We're All Going to Go" - 7:50
2. "The Other Side of Town" - 4:01
3. "The Makings of You" - 3:43
4. "We the People Who Are Darker Than Blue" - 6:05
5. "Move On Up" - 8:45
6. "Miss Black America" - 2:53
7. "Wild and Free" - 3:16
8. "Give It Up" - 3:49
Todas as composições de autoria de Curtis Mayfield
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OUÇA O DISCO
Curtis Mayfield - "Curtis"
segunda-feira, 20 de abril de 2020
Discos para (e de) quarentena
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| A Queen, isolada numa fazenda para gravar sua obra-prima |
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| Woodland, a casa que viu nascer "Trout...", da Captain Beefheart |
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Colaboração: Cly Reis









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