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segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Os 100 Melhores Filmes de Terror da IndieWiere (e aquelas 12 títulos que faltaram)


 
Cada vez mais fica claro que listas são feitas para serem complementadas. As famosas (e polêmicas) seleções de melhores do cinema não desmentem: por mais criteriosas que sejam em suas elaborações, sempre deixam aquela sensação de que algo faltou. Ainda mais quando o tema envolve os melhores “de todos os tempos ", que, por motivos óbvios - o de abarcar tudo que o universo daquela temática ou recorte deve oferecer -, corre muito mais risco de erro.

"O Iluminado", um clássico do terror incontestável.
Mas há outros
Caso da lista divulgada recentemente pelo IndieWire, reconhecido portal sobre cinema, que elaborou uma publicação com os 100 melhores filmes de terror de todos os tempos. Por si só, aliás, um gênero polêmico, seja pela classificação de um filme dentro desse gênero (às vezes, discutível se é terror ou não), seja pela paixão que exerce sobre seus milhares de fãs (o que supõe uma maior diversidade de preferências). 

Porém, a IndieWire encarou a empreitada. E o fez muito bem, por sinal. Tem de tudo: zumbi, monstro, slasher, vampiro, espírito, lobisomem. Sangue, morte e medo para todos os gostos. Podem se achar listados os principais filmes de terror que se conhece. Clássicos incontestes como "O Iluminado", "O Bebê de Rosemary", "Tubarão" e "O Massacre da Serra Elétrica" estão lá. Igualmente, a consideração a obras nem tão badaladas, mas inegavelmente merecedoras, tal "A Beira da Loucura", de John Carpenter (69°), "Irmãs Diabólicas", de Brian De Palma (87°) e "Violência Gratuita", de Michael Haneke (15°). Até mesmo a primeira colocação a "Possessão" (de Andrezej Żulawski) surpreende, mas é bem interessante em se tratando de uma lista claramente revisionista. Também é apreciável o prestígio aos orientais com várias produções do Japão e Coreia do Sul da década de 50 até a de 2000. Como diz a própria publicação, “prestamos atenção às seleções que abriram caminho em inovações para o gênero e para o cinema como um todo”.

No entanto, há controvérsias, claro. A começar pela má colocação de alguns títulos que fazem jus a uma melhor pontuação, seja por sua importância para o gênero ou para a própria história do cinema, como "A Hora do Pesadelo", pondo o icônico Freddie Krugger apenas no 98° lugar; o referencial "Psicose", obra-prima de Alfred Hitchcock e possivelmente top of the tops numa relação mais tradicional, aqui contentando-se somente com o 39° posto; ou o já citado "O Bebê...", 42°, recorrentemente tido como um dos principais filmes da história do cinema em todos os gêneros. E "Nosferatu" de Murnau, na 40ª? Ou "O Exorcista" só 51ª? Sinistro...

Mas são as ausências que mais gritam tal qual a mocinha clichê fugindo do serial killer no meio da noite. Ver uma seleção de 10 dezenas de obras de terror e enxergar algumas sendo esquecidas (ou preteridas) motiva àquilo que referimos no início do texto: o ímpeto de querer complementá-la. Por isso, trazemos aqui 12 títulos não listados pela IndieWire, mas que consideramos essenciais de constarem. Tirar alguns? Ampliar? Adicionar aquele "plus"? Tanto faz. Importante é contribuir com mais filmes certamente cabíveis numa lista como esta: legal, mas incompleta. Os amantes do terror hão de concordar.


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"O MAL QUE NOS HABITA", de Damián Rugna - ARG (2023) - Um desses recentes, mas que já mexeu com as estruturas do universo do horror é o aterrorizante argentino "O Mal Que nos Habita". Tem possessão, tem gore, tem violência extrema, tem canibalismo, tem sobrenatural, tem perseguição e, de quebra, ainda, na entrelinha, crítica social. A gente fica apavorado com o que vê, cenas gráficas e sangrentas daquelas de fechar os olhos, como a famosa sequência do cachorro matando a menininha; espantado com o que aconteceu mas não viu, como o garoto que comeu a avó; e amedrontado pelo que não vê, a maldição que persegue os moradores de uma cidadezinha interiorana na argentina e que pode estar em qualquer um, em qualquer lugar. Um dos grandes filmes do gênero nos último anos.





"TERRIFIER", de Damien Leone - USA (2016) - "Terrifier" surgiu meio que como um cult. Era uma espécie de clássico do underground daqueles que só tinha visto quem conseguia por algum meio menos convencional. Mas o fato é que, mesmo difícil, restrito a alguns fanáticos sanguinários e incansáveis ratos de internet, o filme era muito comentado pelas barbaridades, atrocidades e brutalidades de um palhaço mímico que comete uma verdadeira carnificina numa noite de Halloween. E de fato, a fama não era a toa. "Terrifier" é dos filmes mais brutais que já assisti. As coisas que faz o palhaço Art são duvidáveis até para o mais acostumado fã de slashers. Tipo, "Ele não vai fazer isso... não vai fazer...  Fez!!!". O visual da fantasia preto e branco com uma mini-cartola, aquele sorriso sujo assustadoramente amplo, a determinação em seus objetivos assassinos, o sadismo doentio, e o talento para as execuções de suas vítimas fazem de Art um dos novos grandes matadores do cinema e mais um personagem clássico do horror.



"INVASÃO ZUMBI", de Yeon Sang-ho - KOR (2016) - Os zumbis foram mudando ao longo da história do cinema desde que George Romero os 'inventou". Já foram apalermados, organizados, individualistas, inconscientes, cruéis, devoradores, possuídos, experimentais... Em "Invasão Zumbi" um dos grandes baratos é que ao invés de zumbis lentos, descoordenados, capengando com os braço estendidos para a frente e babando, temos zumbis rápidos. Velozes, determinados, imparáveis e vorazes! A partir do momento que o primeiro infectado entra no trem de Seul para Busan o frenesi não tem mais fim. Aí ele morde um que morde outro que morde outro, e os corredores apertados do trem são o cenário perfeito para um dos filmes de zumbi mais alucinantes que já se viu.





"ATIVIDADE PARANORMAL", de Oren Peli - USA (2007) - Sei que o found-footage já tá enchendo no saco de tanta coisa que se fez no formato desde o sucesso do fenômeno "A Bruxa de Blair", mas não dá pra ignorar e deixar de fora o igualmente criativo "Atividade Paranormal". Basicamente uma câmera num tripé posicionada no quarto de um jovem casal que suspeita sua casa, suas vidas, estejam sendo atormentadas por alguma força sobrenatural, um espírito, um demônio ou algo assim. Para tentar tranquilizar a esposa Katie e esclarecer as dúvidas, o marido, Micah, aficionado por eletrônicos, vídeos, filmagens, coloca câmeras gravando o tempo inteiro em vários pontos da casa, inclusive no dormitório do casal. É, e para desespero dos dois, as imagens revisadas nos dias seguintes às gravações, depois de suas noites de sono, confirmam seus piores temores: tem alguma coisa lá. Simples? Sim, mas eficiente. O passar dos dias, o aumento gradual da atividade, dos fenômenos mantém o interesse do espectador. Sem graça? Uma câmera fixa na mesma posição... Que nada! Aquele silêncio, aquela imagem parada na amplitude do quarto faz a gente ficar com o olho atento a cada detalhe, a cada cantinho. Será que a porta vai mexer? Será que sai alguma coisa debaixo da cama? E o lençol? E o chinelo? E o pé dela? E o pé dele?... Pior é, depois de ver o filme, ir dormir e ter que apagar a luz do quarto.



"CREEPSHOW", de George A. Romero - USA (1982) - Se um filme dirigido por George A. Romero com argumento e roteiro de Stephen King, inspirado nos clássicos quadrinhos de terror dos anos 50 não é uma das melhores coisas do mundo do terror, eu não sei mais o que é bom ou não. Com todo aquele colorido e visual de HQ na tela, com arte desenhada, fontes Comic Sans, layout de tela como uma página de papel, os mestres do terror nos apresentam cinco contos recheados de medo, morte, sangue e humor, com mortos-vivos, criaturas assassinas, coisas de outros planetas, infestações incontroláveis, em tramas envolventes que desfilam ódio, traição, vingança, ambição e repugnância. King, Romero, quadrinhos, sangue, decapitações, zumbis, insetos nojentos, monstros... O que pode ser melhor que isso?







trailer de "Creepshow"



"O SEGREDO DA CABANA"
, de Drew Godard - USA/CAN (2012) - Reverência e crítica ao mesmo tempo, "O Segredo da Cabana" brinca com os clichês dos filmes de horror construindo a partir disso, por incrível que possa parecer, uma obra inteligente e singular. Grupo de jovens, cabana no meio do nada, lenda local, livro no porão, despertar de algo sobrenatural... Sei, sei. Já vimos tudo isso. Mas e se tudo isso estivesse sendo meticulosamente controlado por uma espécie de central mundial de eventos paranormais que decide qual monstro, assombração ou criatura será destinado para cada local, e quando e como o maligno deverá agir? Tipo de arma, tipo de morte, ambiente, essas coisas... Enquanto o 'escolhido' entra em ação, os funcionários do local, que já prepararam tudo, luz, nevoeiro, trilhas, dificuldades, obstáculos, apostam entre si, enquanto assistem por um circuito privado de vídeo, como se dará, efetivamente, cada execução: morte rápida, lenta, decapitação, mutilação, estrangulamento, muito sangue, pouco sangue, etc. Lá pelas tantas as coisas fogem do controle desse pessoal da retaguarda da 'empresa' e dois dos jovens descobrem suas instalações secretas subterrâneas, e é quando muita coisa passa a entrar em jogo, incluindo a existência da humanidade se aquela horda de aberrações, mantida até então sob controle, for libertada e sair pelo mundo afora. A hora em que os garotos abrem os elevadores das criaturas é um dos momentos de maior caos que já se viu em filmes do gênero, e ao mesmo tempo um dos momentos mais "lindos" para fãs de terror. Tudo está ali: Lobisomens, vampiros, bruxas, ciclopes, górgonas, dragões, duendes doentios, crianças malignas, palhaços assassinos, répteis gigantes, zumbis famintos, surgem todos ao mesmo tempo, remetendo a diversas referências do mundo do cinema que entusiastas do gênero com certeza não deixam de notar. "Hellraiser", "It", "O Chamado", "Poltergeist", "O Iluminado", "A Noite dos Mortos-Vivos", "A Múmia", "O Monstro da Lagoa Negra", "O Massacre da Serra Elétrica" e outros mais... todos estão homenageados nas celas de vidro ou corredores de sangue da tal 'empresa', a fábrica de pesadelos do diretor Drew Godard. Um deleite para nós, cultuadores desses filmes! Uma crítica ao cinema hollywoodiano, seus vícios, seus padrões, seus métodos, sua influência e abrangência, mas também, de certa forma, uma cutucada quanto ao mundo em que vivemos como um todo, no qual uma minoria de poderosos, 'donos do mundo', decide como as coisas são e como devem continuar sendo. 


"POLTERGEIST, O FENÔMENO", de Tobe Hooper – USA (1982) - Assim como "O Exorcista", "Tubarão" e "Pânico", o filme de Tobe Hooper - àquela altura, início dos anos 80, bem melhor aparado pela indústria do cinema do que quando realizou na raça o independente "O Massacre da Serra Elétrica" em 1974 - é daqueles que títulos que, independentemente da colocação conforme o critério adotado para a seleção, não pode faltar a uma lista de 100 best horror of all times de jeito nenhum. Produzido por Steven Spielberg e com trilha do craque Jerry Goldsmith, além do enorme sucesso que fez à época de lançamento, tornando-se um marco dos filmes de terror assim como os citados acima, "Poltergeist" "cumpre" algo que nem sempre filmes do gênero, por mais bem feitos que sejam, conseguem alcançar: ele assusta. Depois de assisti-lo, nunca mais se olha para uma árvore ao lado da janela da mesma maneira.



“O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO”, de José Mojica Marins - BRA (1968) - O máximo que a lista da IndieWire vai fora da América do Norte, da Ásia ou da Europa é um filme do Oriente Médio (“Garota Sombria Caminha pela Noite”, do Irã) e outro da América do Sul, o chileno “Santa Sangre”. Talvez por essa pouca atenção além do circuito tradicional tenham deixado de voltar seu olhar para o Brasil e o seu grande ícone do cinema de horror: José Mojica Marins, o homem por trás do personagem cujo mundo é tão estranho quanto magnífico. Os gringos que não se façam de loucos, pois o conhecem muito bem como Coffin Joe, quando o brasileiro foi descoberto nos festivais internacionais de cinema como Avoriaz, nos anos 90, e passou a ser cultuado. Poderia ser o seminal “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” ou o lisérgico “O Despertar da Besta”, mas “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” é sua obra mais bem acabada e sintética do estilo híbrido de seu cinema, que vai do trash e o vampirismo ao gótico e o body horror.



“O MENSAGEIRO DO DIABO”, de Charles Laughton – USA (1955) - Se tem um filme absolutamente injustiçado nessa listagem publicada esse filme é "O Mensageiro do Diabo". Clássico da segunda fase do cinema noir, o único longa dirigido pelo experiente ator inglês Charles Laughton impressiona pela perfeição em todos os aspectos fílmicos: fotografia, roteiro, edição, trilha, atuações. E que atuações! Robert Mitchum, que encarnaria o perigoso Max Cady na primeira versão de "Cape Fear" 12 anos depois, leva muito para aquele papel o clima do personagem deste filme, o assassino de viúvas ricas Harry Powell. Mas não só Mitchum: a perseguida Willa, vivida por Shelley Winters e, principalmente, as crianças (Lilian Gish e Billy Chapin) dão um show de interpretação, lembrando o desempenho acima da média de outra dupla de pequenos atores noutro título clássico do terror: "Os Inocentes" (41° da lista).





“AS DIABÓLICAS”, de Henri-Georges Clouzot – FRA (1955) - Um dos critérios adotados pela IndieWire para compor a lista é de que os filmes não fossem somente fantásticos, mas também dessem medo. Seguindo esta lógica, "As Diabólicas" não estar presente é definitivamente um equívoco. Uma das mais marcantes obras da cinematografia francesa dos anos 50 pré-Nouvelle Vague, "As Diabólicas" assusta pra caramba! Michel Delassalle dirige com mão de ferro um pensionato para meninos, assistida por sua doce esposa Christina. Ele tem por amante Nicole Horner, professora da instituição. Cansadas do despotismo de Michel, as duas mulheres unem para assassiná-lo. Alguns dias depois do crime, no entanto, o cadáver desaparece e situações estranhas começam a se suceder. Esteticamente impressionante, algo expressionista, é contado de forma magistral pelo diretor Henri-Georges Clouzot, mestre de narrativas tensas a se ver pelo sufocante Palma de Ouro "O Salário do Medo", de 1953. O ambiente sombrio do pensionato, a figura arrepiante de Simone Signoret como a fria Nicole e, principalmente, as reviravoltas do roteiro, fazem deste filme uma obra-prima do gênero do terror. Ah: e é uma das inspirações de Hitchcock para produzir "Psicose". Não precisa dizer mais nada, né?


trailer de "As Diabólicas"



"A CASA QUE PINGAVA SANGUE", de Peter Duffell - ING/IRL (1971) - Típico filme de terror inglês "das antigas": histórias criativas, instigantes e bem contadas. Reunião de quatro histórias que são contadas ao Inspetor Holloway, que investiga o misterioso desaparecimento do ator de filmes de terror Paul Henderson após mudar-se para uma antiga casa. Assassinos que saem dos livros para a realidade, um museu de cera que desperta desejos proibidos, uma menina alijada de uma boneca e uma capa capaz de dar poderes a um homem fazem dessa reunião de pequenos filmes - mas interligados entre si - daqueles clássicos que dava gosto de assistir na tevê com a dublagem da TKS. E ainda conta no elenco com o veterano Peter Cushing, que viveria Sherlock Holmes no cinema em 1984, e ele: Christopher Lee, lenda do terror.





“HALLOWEEN III – A NOITE DAS BRXAS”, de Tommy Lee Wallace – USA (1982) - Tá ok: já tem o clássico “Halloween” do Carpenter, o filme que melhor captou o lado sombrio dessa comemoração muito peculiar da cultura norte-americana, abrindo a porta para uma interminável sequência que perdura até hoje, mais de 40 anos após seu lançamento. Mas é impossível não referir nessa relação de melhores de terror uma dessas sequências, a de nº 3. Curiosamente (e isso é uma das qualidades do filme de Tommy Lee Wallace), não tem nada a ver com a história do assassino Michael Myers entabulada nos até então outros dois anteriores. Mas a principal qualidade de “Halloween III” é o de ser absolutamente arrepiante como poucos filmes o são. Antecipando a viagem paranoico-televisiva de “Videodrome” de Cronenberg e resgatando ideias de obras como “Invasores de Corpos”, dos filmes de zumbis, inova a abordagem dos filmes de bruxa ao adicionar, inclusive, a crítica ao sistema capitalista, capaz de penetrar no cérebro dos consumidores e lobotomizá-los para vender seus produtos. Isso tudo sem deixar de ser sanguinolento. Em uma época em que se começava a discutir os efeitos nefastos da propaganda subliminar, é de arrepiar só de ouvir aquele jingle maldito mas aparentemente inocente.



Cly Reis
Daniel Rodrigues

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

"A Mesa da Sala de Jantar", de Caye Casas (2022)


"Acho que nunca, 
nem uma vez na vossa vida, 
viram um filme tão sombrio como este. 
É horrível e terrivelmente engraçado. 
É o sonho mais negro dos irmãos Coen."
Stephen King



Fui levado a crer, pelo título, que a mesinha seria o centro da trama, algo demoníaco, sobrenatural, amaldiçoado. O diretor Caye Casas bem que astutamente colabora para essa indução começando o filme com um parto, depois entrando com uma cena longa em que um casal, com um bebê do colo, compra a mesa de centro de um vendedor um tanto bizarro e insistente, numa loja meio obscura... A gente logo pensa, "tem coisa aí". Mas não tem! Na verdade, "A Mesa da Sala de Jantar" é mesmo um terror psicológico familiar angustiante e, embora o móvel tenha papel crucial nos acontecimentos, o desenvolvimento todo não se fixa nele.
Não vou entrar em detalhes, para quem não tenha assistido, mas, basicamente, um trágico acidente doméstico acontece às voltas com uma mesa de centro recém adquirida e o proprietário do novo móvel, Jesus, se vê sem saída diante das atitudes a tomar antes que a esposa volte do supermercado e das consequências que o incidente, inevitavelmente, virá a ter... mais cedo ou mais tarde.
Olha, é impactante, é inquietante, chocante, de roer as unhas. Nos vemos tão ansiosos e sem soluções quanto o perdido e desesperado Jesus.
Havia ouvido falar bem desse filme mas ele me surpreendeu além da expectativa. 
Pra ter uma ideia do quanto estava bem falado, até o Stephen King elogiou!
E se até o cara que é mestre nesse tipo de coisa gostou, quem seria eu para discordar?

O casal sendo convencido pelo esquisito vendedor e,
diante deles, a tal mesinha.


"A Mesa de Café"
Título Original: "La Mesita del Comedor"
Direção: Caye Casas
Com: David Pareja e Estefania de Los Santos
Gênero: Terror Psicológico/Suspense/ Comédia de Humor-Negro
Duração: 91 min.
Ano: 2022
País: Espanha

🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬


por Cly Reis

quinta-feira, 21 de março de 2019

"Carrie, A Estranha", de Brian De Palma (1976) vs. "Carrie, A Estranha", de Kimberly Peirce (2013)



Um olhar feminino sobre questões como adolescência, sexualidade, relação mãe e filha talvez justificasse o fato da diretora Kimberly Peirce tentar refilmar o cultuado "Carrie, a estranha", dirigido originalmente por Brian de Palma, a partir da obra de Stephen King, porém, como nenhum destes aspectos levantados tem relevância suficiente na nova versão, o filme da diretora norte-americana torna-se completamente dispensável. E olha que nem vou me dar o trabalho de falar inexpressiva da refilmagem de 2002 ou da infame "sequência de 1999.
Mais interessado em provocar sustos, jorrar sangue e exibir efeitos visuais, o remake na ânsia de rejuvenescer o contexto acaba tornando-se apenas mais um terror tem cheio de clichês. Se essa atualização tem alguma vantagem em relação ao antigo é no que diz respeito à difusão da imagem da pobre Carrie em redes sociais por meio dos celulares. Esse, sim, considero uma bola dentro da nova versão, amplificando o alcance da exposição e agravando ainda mais a humilhação sofrida pela garota. De resto, a refilmagem erra em uma série de escolhas e não apresenta, no fim das contas, quase nenhum mérito.
Do outro lado temos a versão original, de 1976, na qual a condução de Brian de Palma, que sabendo exatamente o que quer de cada cena, cada segmento, cada enquadramento, lhes dá tratamentos diferenciados de acordo com a tensão que pretende imprimir. Desde quebras de ritmo e inversões de expectativa como na cena inicial em que um momento de ternura entre adolescentes, filmado em câmera lenta e emoldurado por uma música suave, é interrompido pela surpresa de um misterioso sangue, numa espécie de recriação da cena do chuveiro de Hitchcock mas desta vez com o sangue do florescer da puberdade de uma menina. Ou quando da escolha do casal Carrie e Tommy como reis do baile, quando a cena, sob uma trilha triunfante, toda conduzida em câmera lenta, como se a protagonista quisesse que aquele momento durasse para sempre, tem quebrado seu encanto com a queda do balde de sangue sobre a nossa protagonista, desencadeando todos os acontecimentos trágicos do baile. Sequência esta, por sinal, na qual se dá o maior show da direção de De Palma no filme, com a manifestação dos poderes da garota sob uma edição alucinante, divisões de tela que deixam o espectador aturdido, closes rápidos, aceleração de movimentos, variações de iluminação que ajudam a induzir as sensações do público e toda uma maestria na execução que fazem está cena uma das grandes passagens da história do cinema.

cena da fúria de Carrie (1976)

Além de tudo isso, a escolha da protagonista, no mais recente, a bonita e graciosa Chlöe Grace Moretz, "normal" demais, do ponto de vista físico, parece-me pouco apropriada, ao passo que o antigo contava com a esmilinguida Sissi Spacek, um verdadeiro bichinho-da-goiaba que chegava a dar pena só de ver, muito mais pertinente à situação de bullying que, no atual, praticamente só pode se apegar à condição religiosa da garota, uma vez que, no mais, ela não difere muito das outras. Julianne Moore até se sai bem como a mãe fanática religiosa na nova versão, mas nada consegue superar aquela interpretação, em alguns momentos quase obscena, de Piper Laurie no original. Se na original, Sue, a garota arrependida do bullying com Carrie, a que pede para que o namorado leve a esquisita à festa, é discreta e adequada ao papel (Amy Irving), no remake é uma Barbie chamativa e destalentosa; enquanto o garotão, Tony Ross que até está simpático no novo, mas é tão insignificante que durante boa parte do filme a gente fica procurando por ele, no velho filme é marcante na figura de William Katt, praticamente um rock star (lembra Robert Plant em seu melhor momento), um anjo loiro, tão impressionante e imponente que não teria como não olhar para ele e não saber que aquele rapaz é "o cara" da escola. E a nossa vilã? O que dizer dela? Ai, a garota que implica mais incisivamente com a nossa heroína é simplesmente sofrível!!! Uma atriz inexpressiva que abusa das caras e bocas com clichês de atuação constrangedores, que não dá nem para comparar com a clássica atriz de Brian De Palma, Nancy Allen, que, embora também um tanto teatral demais, serve perfeitamente dentro do tipo de proposta dramática das cenas do diretor.
O original faz quatro ao natural. Aquele jogo que até poderia ter sido mais, mas o time grande tira o pé porque não tem mais o que provar. Um, por que tem mais recurso técnico, time bom que toca quando tem que tocar e parte pra cima na hora que tem quer definir a jogada (ou seja, conduz com sabedoria as cenas de drama, dá o ritmo certo o tempo todo e deixa o espectador sem respirar nas cenas de terror). Dois, pela escalação. Um time muito mais bem escolhido com o jogador certo em cada posição (a mãe, impecável; a vilã, perfeita; o galã, muito adequado e a 'matadora', não poderia ter sido melhor escolha), enquanto o adversário além de escalar jogadores fracos, colocou alguns fora da função onde poderiam render mais. Três, pelo pequeno plano-sequência que sai da mesa do casal, denuncia a troca dos votos, passa por baixo da escada, acompanha a corda do balde, chega até ele em cima do palco e reencontra frontalmente Tommy e Carrie na mesa prestes a se consagrarem rei e rainha do baile. Golaço! E mais um pela cena final. Lenta, "despretensiosa"... Quando parece que não vai acontecer mais nada, dá um cagaço no espectador mais despreparado. Foi o caso comigo. O timezinho remake até faz um por conta da boa inserção dos celulares e mídias sociais na história, mas fica por aí mesmo. Saiu barato!

À esquerda a Carrie de Brian De Palma e à direita, a de Kimberly Peirce.

Sissy Spacek, a Carrie, de Brian de Palma, literalmente, incendeia a torcida
e dá um banho de água fria nas pretensões do filme de Kimberly Peirce de se igualar ao original. 
Um verdadeiro baile! 





Cly Reis

sábado, 10 de março de 2018

Elas metem medo




As canadenses irmãs Soska
nomes de destaque na nova cena feminina do terror.
Durante muito tempo, devo admitir, nutri uma série de restrições a filmes dirigidos por mulheres. Com exceção de algumas diretoras como Agnés Varda, Jane Campion, Agnieszka Holland, Sophia Coppola e mais uma que outra ou alguma obra eventual, de um modo geral torcia o nariz para filmes de realizadoras. Não por julgá-las menos capazes ou talentosas para a atividade, mas muito em função da própria identidade criada em torno de suas obras, fruto das limitações ou das imposições  estabelecidas pelos estúdios e da própria expectativa comportamental apregoada pela sociedade machista, que com seus dogmas como "isso não é coisa de menina", "mulher tem que ser comportada", entre outros tantos, acabou por padronizar o produto cinematográfico feminino tornando-o, muitas vezes, previsível e enfadonho.
Mas os novos tempos, o surgimento de um novo pensamento no tocante a gêneros e uma nova atitude feminina, associada à abertura, ainda que pequena, de oportunidades e confiança por parte de produtores fez surgir uma nova geração de cineastas "de saias" cheia de ideias, vigor e talento. Desatreladas dos padrões estabelecidos como "femininos", elas abordam, sim, assuntos pertinentes à sua condição de mulher, mas o fazem de maneira mais inventiva, ousada e reflexiva. No terror, por exemplo, estilo cujos princípios básicos sempre foram veementemente apartados das mulheres desde suas infâncias ("menina não vê essas coisas", "isso é muito nojento", "tem que ver filme de princesa"...), e no qual muito raramente figuravam até dez, quinze anos atrás, parece agora encontrar uma safra criativa, madura e livre dessas amarras estéticas e morais capaz de produzir bons trabalhos e imprimir sua identidade. Selecionamos, aqui, alguns destes filmes dirigidos por mulheres que mostram que elas começam a se destacar num dos gêneros até então mais predominantemente masculinos do cinema, com bons argumentos e trabalhos muitíssimo bem realizados. Podem começar a ficar com medo porque elas estão chegando.




1. "O Babadook", de Jennifer Kent (2014) - Um dos filmes de terror mais assustadores dos últimos tempos numa história repleta de símbolos e metáforas que aborda temas como perdas, a maternidade sozinha e estados psicológicos conflitantes e relação a um filho, com muita criatividade e inteligência.
Amelia perde o marido em um acidente de carro no dia em que está para ter seu bebê e a partir dali passa a, de certa forma, responsabilizar o filho pela perda e a todos os problemas decorrentes daquela ausência, nunca dedicando o amor e a dedicação que deveria a ele. O menino Samuel, com 6 anos, tem problemas de comportamento na escola, um temperamento difícil e uma mente muito inventiva e a mãe não lida nada bem com nenhuma destas situações tratando-o com indiferença, negligência e até raiva. Num dos raros momentos em que reúne paciência para dar alguma atenção ao garoto, resolve ler para ele e encontra na estante um livro que não conhecia chamado Mister Babadook e aí que os problemas começam de verdade pois o personagem do livro, um homem de capa, cartola, corpo esticado e unhas enormes, lembrando um figura de expressionismo alemão, começa a atormentar e ameaçar o garoto e a mãe e, pelas páginas do livro anuncia que não irá deixá-los em paz.
Talvez a criatura seja somente fruto da mente confusa e inventiva de Samuel, talvez seja realmente apenas um livro do mal, talvez o pai retornando do além, ou ainda, talvez seja nada menos do que o próprio estado mental de Amelia em relação ao filho e a projeção e materialização de sua negação a ele, da qual ela só conseguirá se livrar se conseguir lidar com isso.





2. "Raw", de Julia Ducournau (2016) - Terror forte, intenso, pesado, chocante, com cenas gráficas de canibalismo mas que não deixa de trazer assuntos interessantes à tona. Maturidade, sexualidade, autodescoberta e autoaceitação são alguns dos temas presentes em "Raw" , ótimo filme da francesa Julia Ducournau de apenas 34 anos.
Uma garota vegetariana que acaba de entrar na faculdade de veterinária, Justine, em um dos trotes pesados impostos pelos veteranos é obrigada a comer rim de coelho, mudando então drasticamente seu comportamento a partir deste momento, passando não somente a comer carne como a ter atitudes estranhas e assustadoras. A carne parece ter libertado a Justine que estava presa dentro dela. A verdadeira Justine. Uma pessoa que se escondia atrás do vegetarianismo, da virgindade, da pureza, de valores que na verdade talvez não tivessem a importância que ela queria fazer crer. Uma volta ao mais primário instinto do homem. O instinto animal.






3. "Boa Noite, Mamãe", de Veronika Franz e Severin Fiala (2016) - Um dos filmes mais perturbadores que já assisti. "Boa Noite, Mamãe" é tenso do início ao fim. Sua limpidez e calmaria, sem sustos ou sobressaltos, contrasta com a tensão presente no ar o tempo inteiro. Uma mulher volta para casa depois de uma cirurgia plástica no rosto mas seus dois filhos gêmeos, Elias e Lukas, têm dúvidas se aquela mulher que retorna é mesmo sua mãe. A atadura no rosto, sua atitude ríspida, sua indiferença e uma série de outros pequenos indícios fazem com que os garotos, num primeiro momento a confrontem e adiante, a mantenham prisioneira chegando a torturá-la física e psicologicamente em busca de uma confissão e da revelação do paradeiro da verdadeira mãe.
O filme muito bem dirigido pela austríaca Veronika Franz em parceria com Severin Fiala faz questão de deixar uma série de questões em aberto de modo a manter o espectador curioso e intrigado. O que houve com a mulher para que fizesse uma cirurgia plástica? Houve um acidente? Um incêndio? Os meninos teriam algo a ver com isso? Será por isso que a "mãe" proíbe isqueiros? Será por isso que ela ignora um dos gêmeos? E será que realmente são duas crianças?... Assista e tire suas próprias conclusões.






5. "Acorrentados", de Jennifer Lynch (2002) - Essa é filha de peixe! Tem seu talento, tem seu estilo, tem suas próprias ideias mas não dá pra ignorar que ter sido criada no lar de um dos mestes do cinema contemporâneo ajuda muito na formação. E no caso de Jennifer Lynch parece que não apenas na escolha do caminho como na linguagem, uma vez que faz a linha esquisitona do pai com temas sombrios, violentos, surreais e grotescos, o que já ficava evidente em sua estreia com o bizarro "Encaixotando Helena" de 1993. Em "Acorrentados" ela volta ao maníaco obsessivo e dominador desta vez com um taxista que sequestra uma mulher e seu filho na saída do cinema. Bob, o taxista, estupra e mata a mulher mas mantém o garoto de nove anos como prisioneiro e o faz permanecer assim por muitos anos, até a adolescência, acorrentado, sempre presenciando outros sequestros e crimes contra mulheres.
A violência contra a mulher e aquela ideia que muitos homens tem que por usar determinada roupa ou agir de tal maneira a mulher "está pedindo pra ser estuprada" são assuntos evidentes na abordagem da diretora, mas temas como violência doméstica na infância e traumas psicológicos ligados à família também aparecem principalmente no que diz respeito ao vilão Bob.
Esse não é exatamente um terror, mas vindo da família Lynch, no mínimo é de mexer com a cabeça de qualquer um.






6. "Garota Sombria Caminha Pela Noite", de Ana Lily Amirpur (2014) - Uma espécie de justiceira sobrenatural que vaga pelas noites iranianas colocando machões, abusadores e traficantes no seu devido lugar e que, numa dessas perambulações noturnas, topa com Arash, um rapaz envolvido com traficantes e cujo pai é viciado, que está exatamente tentando se afastar daquele universo envenenado de Bad City, a cidade fictícia onde vivem. O encontro dos dois, criaturas que de alguma forma precisam de algo que complete ou que justifique suas vidas, parece frear um pouco os ímpetos da garota e quem sabe, amenizar sua sede de sangue.
Típico cult movie. Preto e branco, cenas longas, diálogos breves, silêncios, quadros estáticos e ação mais psicológica do que prática. Muito interessante a direção de arte que, mesmo com orçamento baixíssimo, mistura elementos dos de épocas diferentes deixando indeterminado o momento em que acontece a ação, bem como a trilha sonora que reforça essa sensação de indefinição de tempo e local, com ênfase em música americana dos anos 80, mas com momentos de música clássica e canções regionais iranianas. Embora seja cheio de referências à cultura e ao cinema americano, "Garota Sombria Caminha Pela Noite", por seu ritmo, sua estética e dinâmica é um daqueles filmes para quem está interessado numa proposta diferente como filmes de arte e "filmes cabeça".





7. "American Mary", de Jen e Sylvia Soska (2012) - Terror com toques de fetichismo. "American Mary" conta a história de uma estudante de medicina que, ainda durante o curso, decepcionada com o universo da profissão que escolhera e vendo sua situação financeira cada dia pior, ao tentar a carreira de stripper sendo que em seu primeiro dia na boate, uma circunstância inesperada faz com que tenha que pôr em prática suas habilidades médicas. a partir dali entra para o ramo de cirurgias clandestinas de modificações corporais executando algumasoperações absolutamente bizarras.
O que começa como uma necessidade financeira que ela realiza cheia de relutância e até repugnância, transforma-se numa atividade sádica e prazerosa e um objeto de vingança. 
Forte, sangrento, sádico, "American Mary" de certa forma coloca em discussão os sonhos profissionais, a ética dentro de uma atividade, os caminhos que podem levar uma pessoa a realizar algo fora de seus padrões morais e mais uma vez, os abusos sexuais contra mulheres. Uma boa mostra do cinema das promissoras irmãs Soska que, sem dúvida, tem muito mais coisas interessantes a oferecer.







8. "O Convite", de Karyn Kusama (2015) - Will e sua namorada Kyra são convidados para um jantar com amigos do tempo de colégio e faculdade na casa da ex-esposa dele, Eden, depois de anos sem se verem e de terem superado, ambos, separados, à distância, a tragédia em comum da morte de seu filho. Eden, agora com um novo marido parece refeita e animada, no entanto o convite e o jantar parece esconder algo de muito suspeito que apenas Will parece perceber mas que é ignorado e subestimado pelos demais convidados supondo que a desconfiança de Will se dê em função de todo o trauma que sofrera.
Embora não seja brilhante, o filme tem o mérito de manter essa dúvida de estar ou não acontecendo alguma coisa estranha e o espectador vai sendo absorvido e cada vez mais envolvido na trama em grande parte graças à atuação do ator Logan Marshall-Green que, sendo o centro de observações dos fatos e das ações dos outros personagens, nos transmite todas as sensações com de maneira muito convincente.
O roteiro meio que escorrega lá pela metade, a justificativa toda em si não é das mais válidas, mas a cena final do filme é simplesmente inquietante.






9. "Quando Chega a Escuridão", de Katrhyn Bigelow (1987) - Este provavelmente é o mais fraco da lista mas vai apenas para destacar a diretora que seria a primeira mulher a ganhar um Oscar de melhor direção, aqui ainda em seu segundo longa. "Quando Chega a Escuridão" é uma espécie de terror road-movie- western de vampiros. Entendeu?
Tudo começa quando um rapaz, Caleb, conhece Mae e no fim da noite ela lhe pede uma carona para casa. Só que durante o caminho ela começa a demonstrar algum pânico pela inevitável chegada da manhã e aí, né, já sabemos porquê. Ele não escapa dos dentinhos dela e é lavado até um grupo de amigos da garota, saqueadores e baderneiros, todos vampiros, é claro, onde ele terá que passar por uma prova para entrar para a gangue uma vez que não é bem-vindo. 
O filme de Bigelow se distingue de muitos do gênero pelo caráter humano que ela confere às criaturas da noite, não mencionado, por exemplo, a palavra vampiro em momento algum do filme. O roteiro se perde um pouco em alguns momentos, a trama acaba corrida demais e o final fica um pouco em desacordo com o que foi todo o resto do filme mas mesmo assim é interessante observar o crescimento do cinema da cineasta. Com certeza que valeu pela experiência e aprendizado até chegar à estatueta dourada.





10. "O Cemitério Maldito", de Mary Lambert (1989) - Esse é um bônus! Outro que não é da nova geração mas serve bem para ilustrar o trabalho das mulheres no cinema de terror.
Uma família se muda para uma nova casa na beira de uma rodovia movimentada. Lá, o gato da família morre atropelado na estrada destino que muitos outros mascotes já vieram a ter, conforme conta Ju, o vizinho ao dr. Louis Creed, o novo morador. Sensibilizado pela tristeza que a morte do bichano causaria ao menininho, filho de Louis, o velhote revela que ali perto existe um antigo cemitério indígena no qual se crê que quem for enterrado lá volta à vida. O médico usa o artifício com o gato e o resultado é positivo apenas em parte pois o bicho volta à vida mas diferente do que era, muito mais agressivo e perigoso. Vendo, logo em seguida seu filho, Gage, ter o mesmo destino na movimentada estrada, Louis não hesita em enterrá-lo no cemitério dos bichos para trazê-lo de volta mas o retorno do filho é ainda pior do que o do animalzinho de estimação. 
Baseado no romance "O Cemitério" de Stephen King e roteirizado pelo mesmo, "O Cemitério Maldito" é um clássico do terror sendo frequentemente lembrado em listas de melhores pelos cinéfilos amantes do gênero. Destaque ainda para o tema musical do filme, "Pet Sematary" dos Ramones, que além da boa história, bom roteiro, maquiagem assustadora e climão aterrorizante, é mais um ponto a seu favor.




Cly Reis

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Os 12 personagens mais assustadores do cinema


O cinema é capaz de mexer com as nossas emoções como pouca coisa consegue, mesmo a gente sabendo que, na grande maioria das vezes, aquilo que estamos vendo seja apenas uma encenação. Somos, com total aceitação, levados a acreditar na “mentira” e com ela se comover. Jean-Claude Carrière, fascinado por essa magia que talvez apenas o cinema tenha no universo das artes, comenta em seu “A Linguagem Secreta do Cinema” que os instrumentos de persuasão do cinema podem parecer simples: emoção, sensação de medo, repulsa, irritação, raiva, angústia. Mas, pontua ele, “na realidade, o processo é muito mais complexo”, provavelmente até indefinível. “Envolve os mais secretos mecanismos do nosso cérebro, incluindo, talvez a preguiça, a natural indolência, a disposição para renunciar às suas virtudes por qualquer adulação.”

Isso explica em parte porque sentimos tanto medo de alguns personagens. E não estou falando apenas dos assassinos dos filmes de terror: há pessoas (afinal, acreditamos que elas, mesmo lá dentro da tela, existam de verdade) que, mesmo num drama ou outro gênero menos horripilante nos provocam igual sensação de temor. Quando essa magia intrínseca do cinema observada por Carrière se junta ao talento de cineastas e atores, a química é bem dizer infalível. Aí, soma-se a isso ainda nossa aceitação quase pueril ao que vemos e dá pra imaginar o que acontece: frio na espinha.

Ainda por cima, o universo dos vilões aterrorizantes é inegavelmente fascinante. Quem, mesmo tremendo as pernas a cada gesto que o dito cujo venha a dar, não aprecia (ou pelo menos reconhece que é sui genneris) a figura de um Freddy Krueger ou Michael Myers? Mas, como disse, não tratamos aqui somente dos carniceiros, afinal, destes é até previsível que imputem medo. Elencamos aqueles personagens e seus respectivos atores cujos papeis são tão críveis que não faríamos nenhuma questão de cruzar com eles algum dia na vida – e não precisa nem ser uma pessoa, inclusive.



O penetrante olhar do canibal Lecter.
1 – Hannibal Lecter (Anthony Hopkins)
O absolutamente frio psiquiatra, que atravessou a fronteira da sanidade para passar a matar por prazer – às vezes, até se alimentando de suas vítimas, dando-lhe o simpático apelido de Hannibal “Canibal” –, é provavelmente o mais célebre psicopata da história do cinema. Hopkins, com talento e muita sensibilidade, dá vida ao personagem do escritor Thomas Harris, o qual aparece pela primeira vez na tela no clássico “O Silêncio dos Inocentes” (Demme, 1991). Continuou assustador em outros longas, “Hannibal” (2001), “Dragão Vermelho” (2002) e “Hannibal - A Origem do Mal” (2007), mas vê-lo no primeiro e disparado melhor da série é até hoje imbatível em termos de qualidade cênica – e de medo também.





2 – Norman Bates (Anthony Perkins)
É inegável que as patologias psíquicas dão muito substrato para a criação deste tipo de personagem, seja na literatura ou no cinema. E claro que os diversos transtornos mentais existentes são um prato cheio para roteiristas. Norman Bates, psicótico atormentando pelo Complexo de Édipo encarnado como jamais o próprio Perkins conseguiu igualar, é até hoje um enigma que desafia os psiquiatras. Mas numa coisa todo mundo concorda: o cara dá medo pacas! Com a mão habilidosa de Alfred Hitchcock"Psicose", de 1960, tem talvez o melhor personagem de um thriller no melhor filme do mestre do suspense.


Monólogo final de Norman Bates - "Psicose"


Pacino, mais assustador que
muito serial-killer.
3 – Michael Corleone (Al Pacino)
Os filmes de máfia são recheados de personagens marcantes e não raro assustadores, pois altamente violentos. Porém, talvez pelo tratamento literário de drama dado por Mario Puzo, pela escolha acertada de Coppola do jovem Pacino para o papel e, obviamente, pelo talento do ator, nenhum se compare ao filho mais novo de Don Corleone. Empurrado pelo destino para o crime organizado, o ex-oficial do Exército tornou-se, mais do que qualquer outro de seus irmãos, o chefão mais impiedoso e frio da cosa nostra. Se no primeiro longa vê-se sua conversão à máfia até a natural sucessão ao pai, em "O Poderoso Chefão - parte 2", de 1974, ele está mais apavorante do que muito serial killer. Com um olhar, ele faz qualquer um congelar. Poderoso, dá-se direito a qualquer coisa, e nunca se sabe o que está maquinando naquela mente obsessiva. Coisa boa, não é. Seja nos acessos de raiva, seja no mais contido e calculista silêncio, Michael é apavorante.





Close com um sorriso nada covidativo.
4 - Alex Forrest (Glenn Close)
Não são apenas homens que fazem o espectador arrepiar. A maníaca de Alex Forrest, de “Atração Fatal” (Lyne, 1988), vivida por Glenn Close, é o melhor exemplo. Inconformada com um “pé na bunda” que levara de um homem casado, Dan Gallagher (Michael Douglas), com quem tivera um caso, ela passa a persegui-lo e a assombrar não apenas a ele, mas toda a sua família. Memoráveis cenas, como a do coelhinho de estimação da filha de Dan cozinhando na panela ou quando, depois de uma briga em que ele quase a estrangula, ela solta um sorriso horripilante, não deixam dúvida da força dessa personagem. Aliás, através da psicopatia, um símbolo à época do novo comportamento feminino, que não aceita mais a imposição machista nas relações. Não tem mais perdão: traiu, é penalizado.





5 - Alien (Bolaji Badejo)
Na magia do cinema, o medo pode vir da maneira que se bem entender. Pois não é a forma humana do ator nigeriano Bolaji Badejo que configura o seu personagem mais marcante. É a fantasia que ele veste, a do extraterrestre mais apavorante do cinema: Alien. Vários da mesma espécie dão as caras no bom “Aliens - O Resgate” (Cameron, 1986) e nas desnecessárias sequências. Mas nada se compara à excelente ficção-terror de 1979, de Ridley Scott, em que apenas um exemplar da espécie vai parar dentro da nave espacial em uma missão cheia de problemas. Um, aliás, é mais que suficiente para botar terror em todo mundo. O mais interessante é que o bicho não é muito visto, pois há o recurso fotográfico e cênico de dificultação do olhar, como pede um bom thiller. O vemos de fato, por inteiro e em luz suficiente, apenas mais para o fim da fita, quando o clímax já está lá em cima. Aí, só resta se segurar na poltrona.


Cena do gato de Ripley - "Alien, o oitavo passageiro"


O Cady da primeira e o da segunda vaersão.
6 - Max Cady (Robert De Niro)
Um dos maiores atores da história, De Niro de tempo em tempo encarna figuras assustadoras, desde o taxista louco de “Taxi Driver’ até o comerciante de escravos Rodrigo Mendoza de “A Missão”. Mas nada se compara a Cady, em que revive o já ótimo personagem de Robert Mitchum na versão que inspirou Martin Scorsese a rodar "Cabo do Medo", de 1991 (“Círculo  do Medo”, 1962). União de QI elevado e músculos, o algoz da família Bowden é capaz de, aliado à abordagem do roteiro, confundir os papeis de vilão e herói. Quem é mais filha da puta ali: o ex-presidiário que se vale da liberdade para perseguir os outros, o advogado que o prendeu deliberadamente, a esposa conivente ou as leis da sociedade, interpretáveis e permissivas?






7 - HAL-9000 (Douglas Rain – voz)
Quem disse que só a violência do homem ou a selvageria do bicho podem assustar? A inteligência, quando direcionada para o lado ruim, é devastadora. Ainda mais quando essa inteligência for artificial, como a do computador HAL-9000, o cérebro-mãe da nave especial de "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968). Kubrick e Clarke criam o personagem mais estático e, talvez até por isso, amedrontador do cinema moderno. Mirar aquele seu “olho” de plástico é deparar-se com a frieza inumana capaz das piores coisas. Através de meticulosos comandos, a máquina, rebelde e neurótica, põe à sua mercê toda a tripulação, afetando, mesmo depois de “morto”, toda a expedição. Detalhe: a voz original de Douglas Rain já é suficientemente aterradora, mas a da dublagem para o português, feita pelo célebre Marcio Seixas na clássica versão da Herbert Richards, consegue superar.

Dublagem clássica de HAL-9000 - "2001: Uma Odisseia no Espaço"




8 - Zé Pequeno/Dadinho (Leandro Firmino da Hora/ Douglas Silva)
Tem que ser muito sem noção para dizer para um mal-encarado “como é que tu chega assim na minha boca?!” Não precisa ser cinéfilo pra conhecer a resposta que é dada, pois é naquela cena que um dos personagens mais incríveis do cinema dos últimos 30 anos surgia ainda mais temível. Se o pequeno Dadinho já apavorava por se ver uma criança com sede de matar nos olhos, o jovem traficante vivido magistralmente por Firmino em “Cidade de Deus” (2002), então, “lavou a égua” neste quesito. Violento, entorpecido, marginal, cruel. Como não esbugalhar os olhos quando esse cara manda matar uma criança pequena a sangue frio? Ninguém se meta com Dadinho! Ops! Agora é Zé Pequeno, foi mal aí.






O brilhante personagem de Barden.
9 - Anton Chigurh (Javier Barden)
Os irmãos Cohen são mestres do anticlímax, uma vez que seus filmes se valem largamente desse expediente, usado por eles com muita habilidade de forma a gerar impactos surpreendentes no espectador pelo jogo oportuno de quebra ou confirmação da expectativa. O personagem Anton Chigurh, encarnado por Javier Barden no faroeste moderno "Onde Os Fracos Não Tem Vez" (2007), é montado todo em cima dessa premissa. Absolutamente inexpressivo e unidirecional, o psicótico Anton não sente nada, apenas mata. A naturalidade com que ele elimina suas vítimas não tem glamour nenhum. Ele simplesmente pega e mata, e nada é capaz de freá-lo. Fora isso, dá um pavor danado sempre que ele aparece com aquela arma de ar comprimido.







10 - Harry Powell (Robert Mitchum)
“Lobo em pele de cordeiro” é a melhor definição para Harry Powell. Afinal, quem desconfiaria que um pastor aparentemente cheio de boas intenções se revelaria um tirano doméstico da pior espécie? Se a interpretação de Mitchum fora superada pela de De Niro como Max Cady, esta de "O Mensageiro do Diabo" (Laughton, 1955) fica para a história do cinema como uma das mais fortes e impressionantes já vistas nas telas. Filme impecável, também mas não apenas pelas atuações. Mas Mitchum, inegavelmente é o destaque.

"Amor-Ódio" - "O Mensageiro do Diabo"



Mais insano que qualquer outro Coringa.
11 – Coringa (Heath Ledger)
 O alucinado e diabólico vilão das histórias do Batman é um dos personagens mais originais da cultura pop mundial. Interpretá-lo é, obviamente, um privilégio. George Romero o fez muito bem na série e até o craque Jack Nicholson mandou muito bem no papel, mas nada se compara ao que Heath Ledger fez em "O Cavaleiro das Trevas" (Nolan, 2008). Ele encarna Coringa, a ponto de, dizem, amaldiçoar-se, haja vista que morreu logo depois das filmagens. Ledger achou como poucos atores para o limiar entre a loucura e a lucidez, entre o burlesco e o austero. Menção que não podia deixar de faltar na lista.






12 - Jack Torrance (Jack Nicholson)
Se Stanley Kubrick já conseguira assustar com um computador, imagina quando ele volta toda a história para isso. É o caso do perfeito "O Iluminado" (1979), outra das obras-primas do cineasta costumeiramente reconhecido como o grande filme de terror de todos os tempos e a melhor adaptação de Stephen King para as telas. Mas seu impacto certamente não seria o mesmo se não tivesse a força de Nicholson no papel de Jack Torrance. Ele vale-se de toda sua técnica e sensibilidade cênicas a serviço da construção do personagem que vai perdendo o controle de sua sanidade, pois, mediunicamente vulnerável, sucumbe aos espíritos “sanguessugas” ligados àquele que Jack foi na vida passada: um serial killer que matou toda sua família.

por Daniel Rodrigues