Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta cartola. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta cartola. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Música da Cabeça - Programa #186

 

O MDC vem tal essa imagem aí da bandeira: separando o joio do trigo. Nessa com a gente estão Moacir Santos, Steely Dan, Cartola, New Order, Gilberto Gil, Lobão e mais. Além da conquista democrática dos hermanos chilenos no "Música de Fato", vamos ter um "Sete-List" lembrando os 80 de Pelé e um "Palavra, Lê" para o também recém aniversariante Milton Nascimento. Tudo assim hoje: sem resquício de autoritarismo, 21h, na constitucional Rádio Elétrica. Produção, apresentação e estallido social: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Música da Cabeça - Programa #191

Até os deuses morrem. Na semana em que nos despedimos do mais humano deles, Maradona, também falamos da perda do artista visual Gelson Radaelli rodando a entrevista que fizemos com ele em nosso programa de nº 20, em agosto de 2017. Mas não só isso: o MDC de hoje terá também Jorge Ben Jor, Red Hot Chili Peppers, Miles Davis, Cameo, Cartola e mais. "La mano de Dios" vai agir sobre nosso programa hoje, com hora marcada: às 21h, na milagrosa Rádio Elétrica. Produção, apresentação e presenciamento: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Copa do Mundo The Cure - Campeã


E chegou a hora, torcedor !
Um clássico local, ou seja, duas músicas do mesmo álbum, "M" e "A Forest" do "Seventeen Seconds" de 1980, decidem a Copa do Mundo The Cure.
Nossos especialistas Christian Ordoque, Daniel Rodrigues, Anderson Reis, juntamente comigo e contando com as manifestações dos amigos da nossa página no facebook, elegeram a grande campeã.
Confira abaixo as avaliações da bancada cureística e seu 'verdedito' final:




>>> "M" x "A FOREST" <<<



Cly Reis
Não tem jeito. "M" pode ser muito boa, muito certinha, uma ótima representante do pós-punk do Cure, mas diante de "A Forest" não segura. "A Forest" simplesmente se impõe e faz 3x0. Mas não aquele três a zero humilhante de goleada. É um 2x0 no primeiro tempo, tirando o pé do acelerador quando vê que o jogo tá sob controle e um golzinho no segundo tempo, no contra-ataque só pra sacramentar. Não tinha como dar outra. 
A FOREST VENCE.






********************************



Anderson Reis
Nem preciso pensar. É "A Forest", certo! Sinceramente, eu acho que dá uns 3x0 para "A Forest". 
A FOREST VENCE.






********************************



Christian Ordoque
Baaaaahhhhhh, complicado! Repito o que disse sobre A Forest no confronto anterior: M perde para A Forest por um simples motivo: Foi a única música que vi tocada ao vivo onde milhares de pessoas a aplaudiu NO MEIO da execução ! A Forest é a Hey Jude do The Cure. Pode parecer monótona ou coisa de fã, mas só quem está no meio da multidão pode saber e sentir do que se trata. A Forest é a vencedora deste confronto e pela minha escolha é a campeã.
Não tem como ser diferente.
A FOREST VENCE





*********************************


Daniel Rodrigues
Dois tempos bem distintos. No primeiro, “M”, com personalidade e a confiança de quem passou por pedreiras como “End” a “A Night Like This” por estar ali, sai apavorando, botando pressão, inesperada para “A Forest”. E deu resultado. Aos 14, “M” marca o primeiro numa roubada de bola na intermediária, passe pro atacante matador que ainda dribla um zagueiro e chuta cruzado, meio mascado, mas suficiente pro goleiro não alcançar e estufar as redes. 1 x 0 surpreendente no inicinho do jogo. E agora, “A Forest”, e o favoritismo? E os prognósticos da imprensa que lhe davam vantagem? E a campanha irreparável, em que bateu fortíssimos concorrentes do calibre de “Friday I’m in Love”, “The Caterpillar” até com facilidade? É, o negócio ficou feio pro lado de “A Forest”: aos 21, logo em seguidinha do primeiro gol, “M” botou uma na trave e, mais pro final do primeiro tempo, quase marcou de novo, numa cabeçada do zagueiro no escanteio, que o goleiro fez milagre. Mas acabou assim os primeiros 45 min, com vantagem para “M”, que podia ter sido maior, mas não foi.
Mas aquela máxima do futebol que não falha: quem não faz leva. “M”, que teve duas chances claras de marcar no primeiro tempo e fechar definitivamente o placar, levando o caneco pra casa, desperdiçou. Então que os deuses do futebol não perdoam. Aguerrido e agressivo como na sua versão do “Concert”, “A Forest” tira da cartola um empate aos 30 min e dali pra diante, meus senhores, foi um verdadeiro filme de terror pra “M”. Bola pra área, chute da intermediária, pênalti claro pra “A Forest” que o juiz não marcou. Bombardeio. No abafa, na pressão, “A Forest”, aos 41, num escanteio ensaiado, o lateral esquerdo escora a bola na segunda trave e o zagueiro central entra com tudo no meio da área de cabeça. Gol da vitória que sacramenta o título. 2 x 1 e...

A FOREST VENCE


 A FOREST CAMPEÃ
A MELHOR MÚSICA DO THE CURE


The Cure - A Forest 

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Madeleine Peyroux - Teatro Bourbon Country - Porto Alegre/RS (09/11/2017)



Pra começar, um aviso: se você é fã da cantora Madeleine Peyroux, não siga em frente. Você vai ficar muito irritado e vai me xingar, me destratar e até vai ter vontade de me dar uns tapas. Por quê? Porque nunca gostei de sua voz (aquele timbre "billieholidayesco" só funciona com a própria) e acho que o resultado final de sua música é mediano. Não tem brilho.

Com seus músicos no palco
Posto isso, depois de ignorar os shows anteriores dela, resolvi dar uma chance de ser surpreendido. Afinal, a formação é jazzística - violão e ukulele mais guitarra e baixo acústico – para o show no Teatro Bourbon Country, em Porto Alegre. E o guitarrista era o grande Jon Herrington, que toca com o Steely Dan há muito tempo.

O show começou morno, demorando pra deslanchar. Diga-se a favor de Peyroux, que ela foi muito simpática ao se comunicar com a plateia em português. Musicalmente, os altos momentos foram "A Good Man is Hard to Find", dedicada às mulheres; "Everything I Do Gonna be Funky", do mestre de New Orleans, Allen Toussaint; e até mesmo "um cantchinho e um violaaaao", "Corcovado". Em compensação, o pior veio logo depois: uma versão horrorosa de "Água de Beber", também de Tom Jobim, interpretada ao ukulele, como se o maestro tivesse vivido em Maui, ao invés do Rio.

Para salvar o show, Peyroux e seus rapazes puxaram da cartola "Dance me to the End of Love", de Leonard Cohen, no encerramento. Ainda não foi desta vez que Madeleine Peyroux me convenceu. Não sei se terá outra chance.

texto: Paulo Moreira
fotos: Cris Moreira/Divulgação

terça-feira, 26 de março de 2024

cotidianas #825 - Novas Versões para Antigos Clássicos da Literatura - "Alice na Toca do Coelho"




Alice já estava cansada de ficar sentada no banco sem nada para fazer. Foi quando, de repente, um Coelho Branco de olhos cor-de-rosa passou correndo perto dela. Não havia nada de tão incrível nisso fora o fato do Coelho Branco repetir continuamente para si mesmo: — Ai, rapaz! Ai, rapaz! Vou me atrasar. Alice se alvoroçou mesmo foi quando o Coelho Branco sacou um relógio do bolso de seu colete, checou as horas e saiu apressado. Ela se deu conta de que nunca tinha visto um coelho com um relógio no bolso do colete. Ardendo de curiosidade, correu atrás dele a tempo de vê-lo se emburacar toca adentro no pé de uma cerca. 

No instante seguinte, era Alice quem se entocava ali. Decidiu perseguir o Coelho Branco sem refletir sobre como sairia daquele buraco. 

A toca tinha um trecho reto semelhante a um túnel. Depois, inclinava-se bruscamente para baixo, tão bruscamente que Alice não foi sequer capaz de pensar em frear. Simplesmente despencou em um poço de grande profundidade. 

Alice caía, caía, caía... Será que aquela queda não acabaria nunca? — Então, de repente: plunct! Aterrissou em um amontoado de gravetos e folhas secas. A queda havia chegado ao fim. 

Sem nenhum arranhão, ela se levantou em um instante. Olhou para cima, mas sobre sua cabeça tudo estava escuro. Atrás de Alice havia outra passagem longa, onde ainda se podia ver o Coelho Branco descendo bem depressa. Não dava para perder nem um segundo: lá foi a menina, veloz como o vento ainda a tempo de vê-lo fazer a curva. Alice estava perto dele ao fazer, mas o Coelho Branco já não podia mais ser visto. Sumira na escuridão de um salão comprido, baixo e mal iluminado. 

De repente, de um ponto qualquer na escuridão do fundo do salão, viu surgir o Coelho que avançou lentamente para uma faixa um pouco mais iluminada onde ela podia distingui-lo melhor. Ele estancou a encará-la e Alice, por sua vez, o olhou com curiosidade. 

De trás do Coelho Branco, também daquela treva, surgiram à luz algumas figuras no mínimo excêntricas: um tipo alto com uma cartola extravagante, um homenzinho baixo tão gordo que se assemelhava a um ovo, um par de gêmeos rechonchudos vestidos de forma rigorosamente igual, e um gato que a encarava com um sorriso sinistro na cara. 

O Coelho, girando a corrente do relógio de bolso, e agora parecendo ignorar a presença da menina, depois de um angustiante período de silêncio, finalmente abriu a boca e falou: - Eu não disse que ela ia me seguir? Tá aí ela, gente. Podem descer a porrada.



Cly Reis
livremente inspirado em "Alice no País das Maravilhas",
de Lewis Carrol

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Música da Cabeça - Programa #289

 

Mania essa de dizer que esse tipo de coisa é obra de alienígena! Isso é porque ainda não conhecem o poder revelador do MDC. Deixam seus sinais marcados no programa de hoje Seals & Crofts, Os Paralamas do Sucesso, Cartola, Big Star, Camisa de Vênus e outros, além de um Cabeção em comemoração aos 100 anos de nascimento do pioneiro da música de vanguarda no Brasil Gilberto Mendes. Desenhos musicais surgem nas plantações misteriosas da Rádio Elétrica hoje, às 21h. Produção, apresentação e agroglifos: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:

http://www.radioeletrica.com/

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 12 ANOS DO CLYBLOG - Deee-Lite - "World Clique" (1990)


"Entrançados pelas revoluções musicais no jardim de Deee-Lite, os três groov-nicks estavam destinados a esbarrar um no outro. Três culturas diferentes unificadas na era da comunicação."
Trechos do texto do HQ do encarte do disco

"Como se diz delicioso?
Como se diz adorável?
Como se diz deliciosa?
Como se diz divina?
Como se diz de-groovy?
"De" com isso?
Como se diz Deee-Lite?"
Bordão da banda

Em 9 de novembro de 1989, afora a multidão presente in loco para presenciar aquele acontecimento histórico para a humanidade, o mundo todo parava para assistir pela TV a queda do Muro de Berlim. Mais do que apenas concreto, quebravam-se, naquele momento, diferenças. Tudo que a Guerra Fria alimentava com as sobras mal mastigadas da Segunda Guerra se dissolvia, tornando possível que, não apenas a Alemanha se reunificasse, como novas e saudáveis conexões e comunicações entre culturas acontecessem. Ocidente e Oriente não restavam mais apartados. Sua queda não apenas reidentificava uma dualidade ideológica, mas também simbolizava a quebra de preconceitos maiores, como de raça, gênero, cor, cultura e nacionalidade, fosse alemão, soviético, japonês ou norte-americano. Vislumbrava-se, ali, um renovado olhar para o respeito ao outro.

A música não demorou em captar estes ventos de liberdade e comunhão. Precisou, na verdade, precisamente de apenas 268 dias, bem pouco para quem suportou 9.490 deles dos 26 anos desde que o muro foi erguido, em 1963. Artista rapidamente tocada pela reconfiguração planetária de então foi Lady Miss Kier Kirby. A norte-americana, cantora, DJ, modelo e designer de moda aproveitou a passagem aberta pelo muro derrubado para, saída de seu país, passar por sobre seus escombros em direção a até bem pouco tempo inimiga Rússia e recrutar o talentoso Super DJ Dimitry. Sem guardas na fronteira, ela andou ainda mais e foi parar no Japão, desta vez para capturar outro “às” nas manipulações sonoro-digitais: Jungle DJ Towa Towa. Juntos, fizeram de QG, claro, a universal Nova York. Pronto: estava composta a primeira banda de música pop fruto da nova configuração mundial: a Deee-Lite.

O som dançante, alegre e altamente melodioso do trio fazia reverências retrô à música negra norte-americana, mas também a modernizava ao valer-se de elementos peculiares da experiência nativa de seus integrantes, do som das pistas noturnas e das novidades tecno que aquele início da última década do século XX passava a oferecer. Estavam ali a efervescente acid house mas também o hip-hop, o funk, a soul, o eletro-pop, a disco, o jazz, o AOR e o synth. Essa misturança criativa e libertária se materializava no primeiro e disparado melhor disco do grupo: “World Clique”, que completa 30 anos de lançamento neste dia 7 de agosto.

Japão (Towa), Rússia (Dimitry) e Estados Unidos (Kier) juntos para fazer o som da nova era
E como representar aquele novo momento mundial? Com festa, é claro! Sintonizados com o clima de diversão regada à música eletrônica da era clubber, a balada da Deee-Lite começa em altas vibes com “Good Beat”. Samples, beats, grooves e o canto de Miss Kier, que lembra o das grandes divas da era disco. Está aberta a pista, que lota de pronto! Pra não baixar a empolgação, outro arraso: “Power of Love”. Um acorde de piano muito jazzy chama as batidas secas da acid house, que reverberam fortes e fazem impactar o plexo solar. Mas não só: o vocal entra juntamente, formando uma dance tomada de soul anos 70, resumo daquela sonoridade nova que a Deee-Lite trazia em seu balaio cosmopolita. Impossível ficar parado!

Além do som, era importantíssima a Deee-Lite também a parte visual. Eles sintetizavam a “montação” da indumentária clubber, com suas saias e calças coloridas, leggings, tênis sneaker e esportivos, pulseiras, colares, tic-tacs, piranhas e anéis, além de vernizes, maquiagens brilhantes, piercings, tatuagens tribais, cabelos em cortes à frente da moda ou em tons berrantes como o verde-limão e a rosa-choque. Em elementos siderais divertidos e coloridos como os de um cartoon da Hanna-Barbera e tipografia retrô anos 50, a capa de “World...” traz os três integrantes em roupas não menos avivadas e extravagantes mas, principalmente, destaca seus traços antropomórficos típicos: Miss Kier, uma vistosa mulher com os ares latinos da América miscigenada; Dimitry, cujo tipo eslavo em roupas fashion prenunciava a aderência russa ao capitalismo a partir de então; e Towa Towa, de estatura baixa e cabelos pretos lisos típicos de um oriental, o qual trazia para aquela arquitetura estética a cultura pop dos animes japoneses. Todos prontos para a balada!

Mas não se pense que se trata de qualquer festinha! Na “delicious party” da Deee-Lite, além da importância do traje (quanto mais espalhafatoso, melhor), havia também convidados ilustres. O lendário Bootsy Collins é um deles. Baixista de grupos icônicos da black music, como a banda de James Brown e o combo de George Clinton, a Parliament/Funkadelic – a quem Towa Towa faz referência em seu boné na capa do disco – Bootsy empresta não apenas seu estilo único de tocar e o visual de “cartum ambulante” (o qual inclui, fora os óculos esquisitões e não raro uma cartola idem, um sorrisão irresistível) como, tanto quanto, a presença de alguém da “velha guarda” naquele projeto. Como uma chancela para a nova geração. É ele quem comanda baixo e guitarra do funkão pra lá de suingado “Try me On... I’m Very You”, onde Miss Kier, aliás, dá um show de vocal.

Bootsy: velha guarda da black music
dando aval para a nova geração
Bootsy volta a aparecer na pista em outro funk, a gostosa “Smile On”, mas desta vez acompanhado de outros convidados de pulseirinha vip com ele: os craques Maceo Parker, no sax, e Fred Wesley, além das cantoras Sahira e Sheila Slappy. Estas duas, aliás, não arredam pé do “queijão” em nenhum momento, sacolejando-se o tempo todo e fazendo o backing do disco inteiro, dando uma trégua apenas na brilhante “What is Love?” em que os DJ’s Dimitry e Towa homenageiam com muita propriedade a Kraftwerk, fazendo lembrar temas dos alemães como “Sex Object”, por causa da voz grave e sensual de Mike Rogers, mas também a sonoridade de coisas de “Computer World” e “The Man-Machine”.

A faixa título e “E.S.P.” mostram porque a Deee-Lite, principalmente na figura de Miss Kier, se tornou um ícone para a comunidade LGBTQ+. Uma ode ao hedonismo, à estética e ao amor. E o que dizer, então, de “Groove Is In The Heart”? Hit do disco, tornou-se um sucesso mundial, que estourou com clipe na MTV à época e fez com que a Deee-Lite tivesse seu maior reconhecimento, colocando o disco no 20º posto entre os mais vendidos. A música ficou entre as cinco primeiras no Hot 100 da Billboard dos EUA e do Reino Unido, bem como ocupou o 1º lugar na parada Hot Dance Club Play dos EUA. Não à toa. Resumo da proposta do trio, “Groove...” é ainda hoje uma referência quando se pensa em música alegre ou pra se dançar, tanto quanto uma “Stay in the Light” ou “YMCA”. Como não, aliás, entrar nessa com eles?! Pura energia boa. Sampler com a base de “Bring Down the Birds", de Herbie Hancock, o baixo saltitante de Bootsy, os metais de Maceo e Fred, o rap de Q-Trip e toda aquela galera ao fundo curtindo a balada.

Fecham “World...” as também ótimas "Who Was That?", um funk suingado cheio de “sampladelics relics” engendradas pelos DJ’s e um refrão pegajoso; e “Deep Ending”, acid house clássica que lembra, pelos acordes de teclados, Depeche Mode e New Order em seu uso menos convencional dos elementos eletrônicos, ora até num tom soturno herdado do gothic punk.

O HQ do encarte de "World Clique"
Porém, como toda balada animada, assim como começou, logo que raiou o dia, a rave da Deee-Lite se encerrou. O grande sucesso do disco de estreia da banda lhes renderia, inclusive, uma vinda ao Brasil para o Rock in Rio 1991. Mas ficou basicamente por aí. Soltariam apenas mais dois álbuns: o longo e inconstante "Infinity Within" (1992) e o derradeiro ”Dewdrops In The Garden” (1994), este último, praticamente já sem a principal cabeça compositiva da banda, o DJ Towa Towa, o qual começava a se aprumar para uma carreira solo deslumbrante agora rebatizado com o nome artístico pelo qual passaria a ser conhecido: Towa Tei. Diferenças e rusgas afastaram o trio cada um para seu canto. Dmitry, baseado atualmente na Berlim sem muros, segue trabalhando como DJ, compositor e produtor, remixando, inclusive, vários artistas, como Sinead O'Connor, Ziggy Marley, Nina Hagen e Ultra Naté. Além disso, seu conturbado relacionamento com Miss Kier inviabilizava totalmente a continuidade de qualquer projeto em comum. Ela, por seu turno, segue trabalhando agora em Londres como cantora e DJ, além de cumprir o importante papel de ativista da causa LGBTQ+, a qual ocupa posto de porta-voz. Uma perfeita drag queen em pele de mulher.

As portas da boate daquele improvável trio, que unia gente da América, a Europa e o Oriente, fechavam-se para receber outras e novas festas anos 90 afora. Se hoje é normal ver grupos como Black Eyed Peas e Fugees com integrantes de várias nacionalidades ou artistas identificados com a cultura queer, como RuPaul, Army of Lovers, Right Said Fred e Lady Gaga, isso não era comum naquele mundo pré-globalização da Deee-Lite. Eles, com alto astral e muita musicalidade, representaram o começo de uma era e transformaram para sempre a música pop, derrubando muros simbólicos e abrindo portas – e armários – para toda uma geração prestes a entrar no tão aguardado século XXI. Bastou darem um “clique”, para o “mundo” nunca mais ser o mesmo.

*********

O formato CD traz duas faixas não inclusas na edição original: a fantástica “Deee-Lite Theme”, parceria com Herbie Hancock, que prenuncia o que, principalmente, temas que Towa Tei faria em carreira-solo, como “Sound Museum”, de 1997. Além desta, “Build the Bridge”, cantada por Bill Coleman.

*********

Deee-Lite - "Groove Is In The Heart"


*********

FAIXAS:
1; “Good Beat” - 4:40
2. “Power Of Love” - 4:40
3. “Try Me On ... I'm Very You” - 5:14
4. “Smile On” - 3:55
5. “What Is Love?” - 3:38
6. ”World Clique” - 3:20
7. ”E.S.P.” - 3:43
8. “Groove Is In The Heart” (Deee-Lite/Herbie Hancock/Jonathan Davis) - 3:51
9. “Who Was That?” - 4:35
10. “Deep Ending” - 3:47
+ Bônus (versão CD):
- “Deee-Lite Theme” ((Deee-Lite/Hancock) - 2:08
- “Build The Bridge” - 4:32
Todas as composições de autoria de Deee-Lite, exceto indicadas

*********

OUÇA O DISCO
Deee-Lite - "World Clique"

Daniel Rodrigues

terça-feira, 4 de junho de 2013

Jamelão - "Jamelão Interpreta Lupicínio Rodrigues" (1972)





“Eu não sou músico, não sou compositor,
não sou cantor, não sou nada.
Eu sou é boêmio.”
Lupicínio Rodrigues


Há quem ironize que Lupicínio Rodrigues era, como cantor, um grande compositor. O célebre músico gaúcho é, inegavelmente, um dos maiores nomes da história da música brasileira, precursor do chamado samba-canção, antes mesmo de contemporâneos seus como Cartola, Herivelto Martins e Nelson Cavaquinho. É reconhecido nacionalmente – mesmo nunca tendo saído da (até hoje) nada promissora mercadologicamente terra-natal Porto Alegre – e já foi gravado por centenas de intérpretes das mais distintas gerações e vertentes, que vão de Orlando Silva a Elis Regina, de Ângela Maria a João Gilbertode Isaura Garcia a Caetano Velosode Nelson Gonçalves a Arrigo Barnabé. Mas era comum acharem que Lupi não servia para cantar. A voz miúda, a la Mário Reis, dolorida como suas letras, não tinha, principalmente naquele longínquos anos 30, quando surgiu para a música, nada a ver com o, este sim, apreciado vozeirão dos cantores impecáveis e técnicos da Rádio Nacional, a “Globo” da época, primeira era Vargas.

Há controvérsias. Tanto que o histórico “Roteiro de um Boêmio”, álbum com quatro discos de 78 rpm gravado em 1952 por Lupicínio com seu vocal original, daquele jeito mesmo, cool e sutil, é considerado por fãs como o definitivo registro do autor de “Se Acaso Você Chegasse”. Mas o jornalista e compositor Hamilton Chaves, mesmo tentando dar uma força ao amigo, mandou-lhe ver na veracidade: “Tu não é cantor, rapaz. Põe na tua cabeça! Neste país subdesenvolvido, cantor é quem tem voz operística”. O próprio Lupi sabia que estava longe de um Caruso. Considerava-se, antes de tudo, um boêmio – o que, de fato, era acima de qualquer coisa. As paixões, os remorsos, as angústias, as brigas, as bebedeiras, as traições, as desilusões, enfim, tudo o que há de mais intenso e sentimental vivido por ele de bar em bar pelas ruas da cidade servia de substrato para o universo de suas composições. Misto de Lord Byron com Nelson Rodrigues, este dândi do subúrbio compôs, fosse sozinho ou com parceiros de copo e canção (como Alcides Gonçalves, Felisberto Martins e David Nasser), obras-primas do chamado samba “dor-de-cotovelo”, uma magnífica metonímia inventada por ele próprio para classificar seu estilo mais característico.

Porém, como dizia outro célebre sambista, Ataulfo Alves, “a maldade desta gente é uma arte”, e a desconfiança com sua autointerpretação sempre pairou, ainda mais por quem, a estas alturas, já tinha sido imortalizado na voz de Francisco Alves, Cyro Monteiro e uma penca de cantores “oficiais”.

Até que surge alguém para dar ponto final à discussão. Amigo pessoal de Lupicínio desde quando, excursionando pelo Rio Grande do Sul nos anos 50, o conheceu, o ilustre Jamelão se encantou com a obra de Lupi e passou a incluir suas músicas em seu repertório tanto de shows como em discos. Autointitula-se, então, sem o menor zelo, como seu principal intérprete. E tinha razão. Nem a impostação excessiva, nem o minimalismo asséptico, mas, sim, um canto possante com toques da malandragem do morro. A lapidação disso está em “Jamelão Interpreta Lupicínio Rodrigues” (Continental, 1972), que traz 12 joias representativas do tesouro que é a obra deste autor, desde as primeiras canções “Meu Pecado” e “Sozinha”, os sucessos radiofônicos “Exemplo” e “Vingança” até clássicos absolutos, como “Nervos de Aço” – aqui, bonita num compasso mais ligeiro que o normal.

Carrancudo e de personalidade forte, Jamelão, antes de tornar-se marca registrada do Carnaval do Rio de Janeiro como o maior puxador de sambas-enredo pela escola Mangueira, desde os anos 60, já era conhecido nas gafieiras como crooner por sua voz encorpada tomada de intensidade e sentimento. E o cancioneiro de Lupicínio fecha totalmente com isso. Acompanhado da excepcional Orquestra Tabajara, uma big-band ao estilo dos grandes grupos de jazz norte-americanos, Jamelão dá um verdadeiro show. Os arranjos, notados com perfeição pelo maestro Severino Araújo, também caem como uma luva, o que não é de se estranhar, uma vez que a melodia lupiciniana, marcadamente escrita em tom menor, carrega com bastante originalidade o arrebatamento sensual do tango e a breguice cult do bolero - além, é claro, da malemolência do samba carioca. Jamelão, por sua vez, solta o gogó a serviço da obra do amigo, um constante flerte entre o vulgar e o sofisticado, entre o coloquialismo e a alta literatura, entre a ironia e o drama. As versões incluídas neste trabalho ganham, assim, a força interpretativa do cantor e o apuro das harmonias, achando a roupagem certa que a música do mulatinho merece.

“Vingança”, de abertura pontuada no naipe de sopros, é notável. “O remorso talvez seja a causa/ Do seu desespero/ Ela deve estar bem consciente/ Do que praticou/ Me fazer passar tanta vergonha/ Com um companheiro/ E a vergonha/ É a herança maior que meu pai me deixou”. Versos de um gênio. A interpretação, que parece sair do âmago de Jamelão, é intensificada pela orquestração, que intercala o andamento suave do piano com os arroubos emocionados da orquestra. “Ela disse-me assim”, a respeito da culpa torturante de um homem pego com as calças na mão pelo marido da amante com ela, é outro destaque do disco: cadenciada, sentida, quase chorosa.

Mais uma história tragicômica é contada em “Um favor”, em que um pobre-diabo pede a quem lhe possa ajudar a encontrar a amada que lhe deu um pé na bunda (“Faça esse mundo acordar/ Para que onde ela esteja/ Saiba que alguém rasteja/ Pedindo pra ela voltar”). O arranjo é especial, principalmente na “deixa” metalinguística da letra ao clamar que músicos e seus instrumentos auxiliem neste chamado desesperado. Claro que a “flauta o trombone e clarim” atenderam. E assim segue em todas as faixas, repletas de dor, angústia e amores não correspondidos como é típico na música de Lupicínio Rodrigues. E Lupicínio Rodrigues cantado por Jamelão, aí mesmo que fica insuperável.

********************************************************

FAIXAS:

1. Meu recado (Felisberto Martins/ Lupicínio Rodrigues)
2. Homenagem
3. Sozinha
4. Um favor
5. Exemplo
6. Quem há de dizer (Alcides Gonçalves/Lupicínio)
7. Cigano (Martins/Lupicínio)
8. Amigo ciúme (Onofre Pontes/Lupicínio)
9. Torre de babel
10. Nervos de aço
11. Ela disse-me assim
12. Vingança

todas de Lupicínio Rodrigues, exceto indicadas

*******************************************
Ouça:




terça-feira, 22 de abril de 2014

João Bosco - "Galos de Briga" (1976)




Não é o sucesso, é o contrário: é o sufoco mesmo,
é a vontade de cantar e de falar.
Só que de repente isso não foi possível de acontecer a nível popular,
porque a cada dia as pessoas têm mais medo, não têm defesa,
cada vez sabem menos o que está acontecendo.
Aí você vem e começa a cantar umas coisas
que elas gostariam de dizer e cantar.
A razão do sucesso, então, não é bem ele mesmo.
Talvez a razão dele seja o fracasso de todo mundo.”
João Bosco,
em entrevista de 1976
sobre o disco “Galos de Briga”



Este mês de abril de 2014 não ficará marcado apenas pelas vésperas de Copa do Mundo no Brasil (quando se espera dos cidadãos, sem querer pedir muito, civilidade) ou pelas celebrações de 222 anos pela memória do “patrono cívico” brasileiro, Tiradentes, mas, também, por outra data de importância patriótica menos feliz, porém necessariamente rememorável: os 50 anos do começo da Ditadura Militar, em 1º de abril de 1964. Diante de tantas manifestações contra a realização da Copa, de mais um feriado que não se acessa o verdadeiro motivo da paralisação nacional e de tantas controvérsias em razão dos arquivos ainda velados dos porões da ditadura, o que seria capaz de unir de alguma forma futebol, liberdade civil e política, representando essas três datas distantes cronologicamente, mas próximas em simbologia?

Um disco que une esses três polos como nenhum outro é “Galos de Briga”, terceiro da carreira de João Bosco. Gravado em 1976 pela RCA Victor, este sucesso de público e crítica à época é fruto, curiosamente, de um momento de alta ebulição no Brasil: enquanto Geisel iniciava seu governo anunciando uma “abertura lenta e gradual”, o AI-5 inda vigorava e barbaridades aos direitos humanos ainda ocorriam em todos os cantos do País. A Lei Falcão punha uma mordaça na oposição política; a estilista e mãe de guerrilheiro Zuzu Angel, pedra no sapato dos militares, morria num ainda inexplicado acidente de carro no mesmo fatídico abril; meses antes, o jornalista Vladmir Herzog era assassinado dentro do DOI-CODI. Torturas tomavam os porões do DOPS e pessoas desapareciam sem praticamente ninguém saber. Porém, a resistência se mostrava forte: o rabino Henry Sobel e Dom Evaristo Arns comandam a missa ecumênica em nome de Vlado na Praça da Sé, reunindo milhares de pessoas que, sob o olhar e a mira dos policiais, rezam silenciosamente; Ulysses Guimarães fundava a OPB, Ordem dos Parlamentares do Brasil, associação sem vínculos partidários, religiosos ou sociais que representava a luta pela abertura política; o PCdoB, esfacelado na Guerrilha do Araguaia, voltava a se reorganizar através das lideranças estudantis. O Brasil estava pegando fogo, e a classe artística, obviamente, ansiava por se manifestar, por resistir de alguma forma.

Eis então que, no início dos anos 70, através do meio universitário, se dá o encontro de João Bosco com Aldir Blanc. João, um mineiro que virou carioca, mas que nunca perdeu a vastidão poética de Minas Gerais dentro de si. Aldir Blanc, típico poeta maldito da Rio de Janeiro carnavalesca e vadia, do fervor pelo futebol e pela militância política. A fusão dessas duas forças artísticas foi explosiva, e eles criam com “Galos de Briga” uma obra que é tapa contundente na cara do regime em mensagens inteligentes aos milicos e aos mantenedores do sistema. Com crítica social, combatividade e um posicionamento de esquerda visível, o álbum só podia ter este título, uma vez que, como animais de rinha, eles vão para o enfrentamento com as armas que têm: os sons e a palavra.

Exímio violonista e compositor, amante de Clementina de Jesus, dos mitos da Rádio Nacional, de sambas antigos, de João Gilberto e do populacho das rádios AM, João consegue criar desde boleros emanados dos puteiros do baixo meretrício da Lapa até sambas gingados, passando por ritmos portugueses e marchas da antiga. Isso, aliado à poesia afiada de Aldir. É esse arsenal rítmico e melódico que “Galos de Briga” traz, como uma dupla de atacantes habilidosos que tiram da cartola jogadas inesperadas. O clássico samba "Incompatibilidade de Gênios" dá o pontapé inicial com seu humor ácido, já pontuando a crítica social de um país que persegue e mata seus filhos enquanto, dentro dos lares, a violência e a incompreensão reinam. A referência ao futebol, tanto como paixão do brasileiro como fuga da realidade, já aparece no primeiro verso na rusga entre marido e mulher: “Dotô, jogava o Flamengo, eu queria escutar/ Chegou, mudou de estação, começou a cantá...” Na mesma linha, porém ainda mais aguda, “Gol Anulado” usa o futebol de forma metafórica para expressar a mesma incompatibilidade entre amor e o momento político de dureza e opressão, o que, numa sociedade ignorante, machista e inculta, desemboca na válvula de escape, o futebol. É o caso do marido que espanca a mulher por que ela mentia ser vascaína como ele, mas, na verdade, torcia pelo rival Flamengo. “Quando você gritou Mengo/ No segundo gol do Zico/ Tirei sem pensar o cinto/ E bati até cansar...” E desfecha, reforçando esse simbolismo maléfico que o entretenimento futebol desgraçadamente pode ter: “Eu aprendi que a alegria/ De quem está apaixonado/ É como a falsa euforia/ De um gol anulado”.

De igual potência crítica, “O Cavaleiro e os Moinhos”, das canções imortalizadas na voz de Elis Regina (lançadora de João e Aldir em 1972, ao gravar-lhes o hit “Bala com Bala”), inicia com um provocador ritmo de marcha militar sob os versos: “Arrebentar/ a corrente que envolve o amanhã/ Despertar as espadas/ Varrer as esfinges das encruzilhadas...”. De repente, o clima marcial se transforma numa debochada rumba! E a letra, pontuda como um bico de galo, continua atacando: “Todo esse tempo/ foi igual a dormir num navio/ sem fazer movimento/ mas tecendo o fio da água e do vento/ Eu, baderneiro/ me tornei cavaleiro/ malandramente/ pelos caminhos”. E, exaltando os diversos grupos da guerrilha armada, finaliza referenciando Cervantes: “Meu companheiro/ tá armado até os dentes/ já não há mais moinhos/ como os de antigamente”. Afinal, numa época como aquela, quem era o “louco Quixote” e quem era o “moinho”?

O suingue caribenho reaparece na gostosa “Rumbando”, assim como o bolero nas não menos deliciosas “Latin Lover” (já gravada por Simone um ano antes) e “Miss Suéter”, o antigo certame que destacava as jovens que apresentavam os bustos, digamos, mais avantajados. Aldir penetra no universo brega de forma engraçada e crônica (“Eu conheço uma assim/ Uma dessas mulheres/ Que um homem não esquece/ Ex-atriz de TV/ Hoje é escriturária do INPS/ E que, dia atrás/ Venceu lá no concurso de Miss Suéter...”) e João realiza o sonho de fazer duo com uma de suas divas, Ângela Maria, que executa uma impressionante progressão tonal no riff com sua treinada voz de contralto.

Embora ainda tenha o divertido partido-alto “Feminismo no Estácio“ e o samba-canção “Vida Noturna”, típica fossa-boemia-carioca, o negócio naquele momento era mesmo partir para a briga. Aí é que o jogo engrossa! “Transversal do Tempo”, outra eternizada por Elis (foi título de disco e espetáculo dela, em 1978), que fala sobre pobreza (“As coisas que eu sei de mim/ São pivetes da cidade/ Pedem, insistem e eu/ Me sinto pouco à vontade/ Fechada dentro de um táxi/ Numa transversal do tempo”), exílio (“As coisas que eu sei de mim/ Tentam vencer a distância/ E é como se aguardassem feridas/ Numa ambulância”) e desesperança (“Acho que o amor/ É a ausência de engarrafamento”). Pungente. Igualmente, o fado lusitano que dá título ao álbum, de poesia rebuscada e caráter combativo: “Não o rubrancor da vergonha/ mas os rubros de ataduras/ o rubro das brigas duras/ dos galos de fogo puro/ rubro gengivas de ódio/ antes das manchas do muro”. (Sim, não é coincidência que a imagem das pichações com palavras de ordem contra a ditadura venha à cabeça.)

Mas não para por aí. A raiva de toda a sociedade civil oprimida e sem voz parecia não caber em apenas poucas músicas para João e Aldir. Tinham que falar, exatamente, desta raiva, deste inconformismo. Pois então, toma!: “O Ronco da Cuíca”. Tal samba-enredo, literalmente, enredou a censura que, burra e limitada, embaralhou-se com seus versos circulares e envolventes, que a denunciavam como que dizendo: “vocês até podem parar nossa reação através das força, mas jamais serão capazes de conter nosso desejo pela liberdade”. Uma “Opinião”, de Zé Keti, revisitada. Letra e música geniais, que expande os sentidos e simbologias das palavras (como na personificação do instrumento “cuíca”, dando-lhe vida e politizando-o), uma vez que o próprio termo “fome” tanto pode significar a crítica econômico-social da falta de comida ao povo (talvez tenha sido isso que induzira os milicos ao erro) quanto, num espectro maior, a urgência da democracia.

Pra terminar, o “tiro de misericórdia” (não à toa, título do LP seguinte de João Bosco, de 1977): “O Rancho da Goiabada”, uma marcha-rancho aparentemente festiva mas que, como em poucas obras do cancioneiro brasileiro, denunciam algo que se falava somente nas esquinas e a boca pequena: a situação desumana dos boias-frias – trabalhadores rurais escravos apelidados assim por causa das refeições que levavam em recipientes sem isolamento térmico desde que saíam de casa, de manhã cedo, o que faz com que estas já estejam frias na hora do almoço. Os versos pintam um quadro sócio-profissional perturbador, que contrasta com o ritmo de carnaval da melodia: “Os boias-frias quando tomam umas biritas/ Espantando a tristeza/ Sonham, com bife a cavalo, batata frita/ E a sobremesa/ É goiabada cascão/ com muito queijo...”. E finaliza condenando sem meias-palavras os latifundiários criminosos em suas fantasias de homens poderosos comparando-os aos soberanos egípcios cujo tempo já passou dizendo que, bravamente, os boias-frias: “São pais de santos, paus de arara, são passistas/ São flagelados, são pingentes, balconistas/ Palhaços, marcianos, canibais, lírios pirados/ Dançando, dormindo de olhos abertos/ À sombra da alegoria/ Dos faraós embalsamados”.

João e Aldir criaram um disco que é o retrato de um país em período de mudanças, as quais só se concretizaram por que artistas corajosos como eles, junto a centenas de opositores ativos – entre estes, vários desaparecidos –, ofereceram resistência, seja em armas ou em ideias. Estes são grandes responsáveis pela democracia que se vive hoje num País capaz de receber, inclusive, uma Copa do Mundo sem a sombra da vigília militar como ocorrera na Argentina em 1978. Afinal, naquele tempo, quem se opunha sabia claramente o porquê de estar fazendo. Não era por 20 centavos: era para viver num país livre.

.........................................

Certamente, foi por uma causa nobre como esta que, naquele mesmo 1976, João Bosco e Aldir Blanc recusaram o prêmio Golfinho de Ouro, conferido pelo Governo do Rio de Janeiro, pois queriam que o premiado fosse Cartola, uma vez que consideravam, sem modéstia burra, o trabalho do compositor daquele ano, o histórico LP com “As Rosas não Falam” e “O Mundo é um Moinho”, melhor do que o seu. A dupla recebeu, então, o troféu de Compositores do Ano pela Associação Brasileira dos Produtores de Disco.
******************************

FAIXAS
1 - Incompatibilidade de Gênios
2 - Gol Anulado
3 - O Cavaleiro e os Moinhos
4 - Rumbando
5 - Vida Noturna
6 - O Ronco da Cuíca
7 - Miss Suéter
8 - Latin Lover
9 - Galos de Briga
10 - Feminismo no Estácio
11 - Transversal do Tempo
12 - O Rancho da Goiabada
todas as músicas são de autoria de João Bosco e Aldir Blanc

***********************************************
OUÇA O DISCO






quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

João Gilberto - "João Gilberto" (1973)



“Melhor do que o silêncio, só João.”
Caetano Veloso



"João Gilberto", de 1973, não é tão importante quanto “Getz/Gilberto” (1964), obra-prima e definitiva difusora da bossa nova para o mundo; não sustenta a idolatria e o pioneirismo de “Chega de Saudade” (1958), precursor de todo o movimento e referência a TODOS os artistas de MPB a partir de então; nem é tão clássico quanto “Amoroso” (1977), cujo repertório escolhido a dedo traz orquestrações que se harmonizam à voz e ao violão com assombroso requinte. Mas “João Gilberto” é, certamente, o mais João Gilberto dos João Gilberto. Mínimo, detalhista, preciso, econômico, delicado. Perfeito.
De fato, é difícil apontar apenas um disco de João como fundamental. Sua obra é um verdadeiro evangelho de toda a música popular brasileira moderna. E isso se reafirma a cada esporádica gravação que faz. Seu estilo revisita toda a tradição do samba, de Nazareth ao batuque do morro. Moderno e tradicional ao mesmo tempo, o modo de cantar de João passeia com naturalidade de Orlando Silva a Chet Baker, passando por Mário Reis, Carlos Gardel, Vicente Celestino, Cartola, Bola de Nieve e Elizeth Cardoso num lance. Isso tudo aliado a uma técnica inovadora de tocar e, mais do que isso, de estruturar a melodia.
Até o advento da bossa nova, as notas dissonantes nunca haviam sido empregadas em música popular em nenhum lugar do mundo com tamanha exatidão e consciência e em sintonia perfeita (mesmo quando “fora” do compasso, coisa comum em João) como as que consegue extrair de seu violão. Toda essa gama de referências poderia muito bem virar uma salada sonora ininteligível; mas nas mãos e no gogó dele se cristalizaram no mínimo, no volume baixo e apenas audível, no controle absoluto da voz e dos silêncios. Num acorde tão bem elaborado e executado que vale por uma escola de samba inteira.
O que dizer, então, do álbum? Para começar, nada mais, nada menos, talvez a mais bela gravação da mais bela música já composta nesses pagos tupiniquins: “Águas de Março”, de  Tom Jobim .
Já está ali a tônica do disco: voz e violão perfeitamente modulados – a ponto de se escutar os trastes do violão, a respiração e a umidade da língua – acompanhados de uma econômica percussão. Nada mais (e precisa?). A harmonia feita sobre esta melodia indefectível é de uma beleza tamanha que chega a me fugir à compreensão. Faz-me lembrar o que o fã incondicional Caetano Veloso  diz sobre o ídolo: “ninguém consegue mudar tanto mudando tão pouco”. É, de fato, complexo e mínimo como um traçado de Niemeyer, como uma remoinhante de Van Gogh, como um solo de  Miles Davis .
Na sequência, “Undiú”, das raras composições do próprio João e uma de suas mais inspiradas. Trata-se de um samba-de-roda meio baião Gonzaga, meio valsa minimalista, meio canto de pescadores a la Caymmi, em que João articula, com uma afinação incrível, alguns fonemas sem sentido sintático, mas repletos de sentido melódico. Em seguida, o baiano verte outro clássico da MPB. Ou melhor: o reelabora. “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso, vira uma peça instrumental tão bem arranjada e executada que sua partitura poderia muito bem servir como o 13º Estudo para Violão de Villa-Lobos.
Em “Avarandado” e “Eu Vim da Bahia”, dos então “novos baianos” Caetano Veloso e Gilberto Gil , respectivamente, o “velho baiano” tem a coragem de gravar os amigos conterrâneos recém retornados do exílio – ou seja, ainda sob vigília pelo governo militar. Mas João nem quis saber. E as duas músicas são lindas: “Avarandado”, brejeira e apaixonada, e “Eu vim...”, aquele samba radiante e colorido cheio de África-Brasil por todas as notas como só Gil sabe fazer.
Entre as que mais escuto estão “Falsa Baiana” e “Eu Quero um Samba”, tomadas de “requebros e maneiras”, de um swing pleno e natural. Aí vem “Valsa” ou “Bebel” ou “Como São Lindos os Youguis”, outra de autoria de João composta para a filha, a hoje mundialmente conhecida Bebel Gilberto, à época com 6 anos. É uma bela “valsa de ninar”, sem letra, só cantarolada. Imagino que os “Youguis” do subtítulo deviam fazer muito sentido para aquela criança (tanto que os considerava “lindos”). Mas que privilégio ser ninada com uma maravilha dessas, hein? Só podia virar cantora.
A triste “É Preciso Perdoar” e o divertido samba-crônica “Izaura”, a única em que divide os vocais – o que o fez muito bem com Miúcha, mãe de Bebel e então esposa –, fecham este disco inigualável dentro da música brasileira por sua simplicidade e coesão. Seria ridículo dizer que aqui João Gilberto atinge a maturidade musical, pois se trata de um artista que já nasceu maduro. Mas faz sentido pensar que, nesses idos, início dos 70, a bossa nova teve tempo de ser criada, exportada e assimilada por tropicalistas e outrem, a ponto de suas notas dissonantes se integrarem ao som dos imbecis. Tom, Vinícius e ele já haviam entrado para a história pela criação de um estilo musical tão rico que somente meia dúzia de jazzistas, roqueiros e eruditos da vanguarda conseguiram tal feito no século XX. Então, era hora de pegar o banquinho, o violão, aquele amor e 10 canções selecionadas com primor como João sempre soube fazer. Tudo isso para quê? Para ensinar ao mundo como se ouve o silêncio.

****************************

FAIXAS:
1 - "Águas de Março" (Tom Jobim) – 5:23
2 - "Undiú" (João Gilberto) – 6:37
3 - "Na Baixa do Sapateiro" (Ary Barroso) – 4:43
4 - "Avarandado" (Caetano Veloso) – 4:29
5 - "Falsa Baiana" (Geraldo Pereira) – 3:45
6 - "Eu Quero um Samba" (Janet de Almeida, Haroldo Barbosa) – 4:46
7 - "Eu Vim da Bahia" (Gilberto Gil) – 5:52
8 - "Valsa (Como são Lindos os Youguis)" (João Gilberto) – 3:19
9 - "É Preciso Perdoar" (Alcivando Luz, Carlos Coqueijo) – 5:08
10 - "Izaura" (Roberto Roberti, Herivelto Martins) – 5:28

*************************
Ouça:
João Gilberto 1973



quarta-feira, 5 de abril de 2017

James Taylor e Elton John – Anfiteatro Beira-Rio – Porto Alegre /RS (04/04/2017)


Duas ou três palavras sobre o show de ontem de James Taylor e de Elton John. Em primeiro lugar, sou fã declarado e juramentado dos dois. Acompanho o Elton John desde meus 12 anos, quando ouvi pela primeira vez "Rocket Man" e pedi para minha professora de inglês no colégio. Já o JT foi um pouquinho adiante, quando começou a tocar "You've Got a Friend" e "Fire and Rain" na Continental. Entrei no glorioso Beira-Rio já gostando. 

Não me surpreendeu eles se apresentarem com bandas acima de qualquer suspeita. O James Taylor sempre se fez acompanhar pelo melhor dos estúdios americanos. Só que desta vez ele extrapolou!! Steve Gadd na bateria é um luxo só. Um dos maiores bateristas do mundo que tocou com todo mundo, desde Steely Dan até Bee Gees (é, o batera que vocês ouvem em “Stayin’ Alive” e Night fever” é ele!!!); Lou Marini no sax (da banda dos Blues Brothers); o trompetista e tecladista Walt Fowler, que integrou a banda de Frank Zappa e o espetacular Arnold McCuller, provavelmente o melhor backing vocal do planeta. Com tudo isso, mais aquele repertório maravilhoso de quase 50 anos de carreira só podia dar no que deu: um show impecável, com ele se esforçando para se comunicar com o público e ainda tirando da cartola “Steamroller”, aquele blues que mandou no meio do show. Só faltou uma namorada para abraçar na hora do “Handy Man” e do “Shower the People”. 

Já Elton John resolveu tirar as backing vocals do espetáculo anterior e a banda ganhou um punch roqueiro muito interessante. Parecia que estava vendo um show do começo dos anos 70. O repertório foi nessa linha: “Levon”, “Tiny Dancer”, “Skyline Pigeon”, “Your Song”, “Burn Down the Mission” em, especialmente pra mim, que sou fãzaço do disco “Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy”, “Someone Saved my Life Tonight”. Isso sem falar nos hits, que são obrigatórios. Endiabrado ao piano, solando como senão houvesse amanhã, ele colocou pra fora toda a influência do jazz de New Orleans no seu jeito de tocar. O público meio morno é que pareceu esperar pelas chatérrimas “Nikita” e “Sacrifice”, canções menores na carreira de Elton. Pra mim, foi um banho de música pop com os melhores do gênero. Alma lavada foi pouco.

por Paulo Moreira
Fotos gentilmente cedidas por Marcelo Bender da Silva