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sexta-feira, 24 de novembro de 2023

"O Mistério de Candyman", de Bernard Rose (1989) vs. "A Lenda de Candyman, de Nia Da Costa (2019)

 



Bom jogo.

Dois bons times!

"O Mistério de Candyman", de 1989 já ocupa seu lugar entre os clássicos do terror, mas "A Lenda de Candyman", de 2019, não veio pra brincadeira e quer desbancar o favorito.

É o caso de remake que não é exatamente uma refilmagem, estaria mais para uma sequência, um reboot, uma vez que tem ligação com os fatos já acontecidos, faz referência a personagens da trama original, mas cria de tal forma um novo conceito que o termo re-fazer torna-se totalmente mais adequado.

No original, de 1989, uma pesquisadora acadêmica, Helen, em busca de um bom assunto para sua tese universitária, investiga uma suposta lenda urbana de um homem negro, com um gancho no lugar de uma das mãos, que, segundo dizem, aparece sempre que invocado, cada vez que seu nome é repetido cinco vezes diante de um espelho. Ela mergulha na pesquisa e descobre que, há mais de um século atrás, o homem em questão, um negro filho de escravos, dotado de grande talento artístico, contratado para pintar um retrato da filha de um importante aristocrata, teria sido morto cruelmente por um poderoso aristocrata,  depois de se apaixonar e engravidar a moça. O negro, conta a lenda, teria sido torturado, sua mão decepada e colocado um gancho em seu lugar, além de lambuzado em favos de mel, exposto a abelhas dentro de um antigo apiário, sendo picado até a morte e depois ainda, como se não bastasse jogado em uma fogueira. Ela visita um conjunto habitacional de baixo padrão na periferia de Chicago, o Cabrini-Green, construído no local onde há tempos atrás teria ocorrido a barbaridade com o artista, e onde moradores alegam ver a entidade, atribuindo a essa assombração a autoria de vários crimes ocorridos lá.

Ainda cética e incrédula quanto à lenda, ela invoca a entidade e a partir de então sua vida torna-se um inferno. Visões, apagões, pesadelos passam a fazer parte de seus dias, e assassinatos nos quais ela estivera presente nas cenas dos crimes, a tornam a principal suspeita das mortes, sendo que, sem memórias claras, nem ela mesmo tem certeza de não tê-los cometido.

É que Candyman, depois de invocado por Helen, passa a ter com ela uma estranha ligação e a exige em sacrifício em troca da vida de um bebê que sequestrara no Cabrini-Green. E, vingativo e ressentido, não pretende parar de matar até que Helen se entregue a ele e compense, de certa forma, a mulher por quem foi sacrificado.


"O Mistério de Candyman" - trailer


No novo, essa questão da injustiça social, do julgamento racial, de um negro pobre ser morto simplesmente por ser negro e pobre, ganha muito mais força e significação. Em "A Lenda de Candyman", todos aqueles fatos já teriam acontecido e agora ecoam como um boato, um mito distante, uma lenda, que quase ninguém leva a sério. No entanto, Anthony, um artista plástico em crise criativa, em busca de uma maior expressão em sua arte, que pretende recorrer às raízes do povo negro, suas mazelas, suas dores como inspiração para sua arte e nesta busca, numa conversa casual, esbarra na tal da lenda de Candyman. Descobre que o bairro onde vive localiza-se numa área hoje revitalizada mas que outrora abrigava um bairro de classe baixa tido como "barra pesada", onde um homem negro que costumava dar doces para as crianças, fora morto injustamente, linchado pela polícia. Resolve desenterrar a história e ver até onde aquilo tudo tem algum fundo de verdade. O próprio interesse dele na história, no personagem e sua verificação dos fatos e contestação dos acontecimentos desperta a força sobrenatural adormecida. Curioso, cada vez mais intrigado e envolvido com a história, meio que na brincadeira, ele resolve invocar a entidade, só que aquilo era tudo que Candyman precisava: um homem negro, angustiado, em busca de respostas, em busca de si mesmo... Quando esse negro se olha no espelho ele vê todos os negros injustiçados, subestimados, subvalorizados, pré-julgados, espancados, linchados, mortos, e todos esses negros estão simbolizados na figura de Candyman.

Inspirado pelo personagem que pesquisara e descobrira, Anthony cria uma instalação artística, uma espécie de espelho de banheiro, repleto de símbolos, imagens e recados em seu interior, que, exposta numa galeria causa alvoroço e incita alguns brancos desavisados, céticos, descrentes, ignorantes, a ousarem dizer seu nome na frente do espelho. "Candyman, Candyman,  Candyman, Candyman, Candyman...".  Branco, você não devia ter feito isso...

Se para um negro que o chama ele surge com essa força ancestral poderosa (assustadora, é verdade, difícil de incorporar com naturalidade), para um branco que o faz, por galhofa ou curiosidade, Candyman revela toda sua fúria justiceira deixando um rastro de sangue vingativo.

Aos poucos Candyman vai se apossando de Anthony. O que vemos é desagradável, não é bonito mas... é isso: nunca foi bonito. É a vez do artista encarnar toda a injustiça e a violência sofrida pelos negros ao longo dos tempos. Mas ele aceitará essa tarefa?


"A Lenda de Candyman" - trailer


Jogo duríssimo, hein...

Propostas de jogo parecidas mas com alternativas táticas diferentes.

Se o primeiro é um filme de serial-killer sobrenatural que toca em pontos sensíveis, como machismo, desigualdade social, violência policial, gentrificação e, sobretudo, racismo; o segundo coloca essas discussões no centro da trama e, ao contrário, faz do terror um acessório importante.

É o duelo dos técnicos! De um lado o britânico Bernard Rose que não brilhou muito em trabalhos posteriores mas que aqui mostra muita competência, e do outro a jovem treinadora Nia da Costa, cheia de novas ideias e já mostrando um ótimo trabalho em seu segundo longa. Mas com tramas tão bem desenvolvidas, mais do que um duelo de treinadores, a batalha dos Candyman revela-se uma guerra dos roteiristas. De um lado, nada menos que o mestre do terror Clive Barker, idealizador e roteirista do filme de 1989, e do outro um dos grandes nomes do gênero na atualidade, o excelente Jordan Peele.  Como dá pra notar, comissões técnicas de peso. 

E dentro de campo a coisa não é diferente. O antigo aposta nas individualidades com Virginia Madsen, do primeiro "Duna", numa ótima atuação, no papel da pesquisadora Helen, e o lendário Tony Todd, do remake de "Noite dos Mortos-Vivos", espetacular como o personagem que dá nome ao filme. O novo, sem nenhuma grande estrela, aposta no conjunto e como ponto a seu favor traz um  um elenco predominantemente preto num filme sobre questões negras.

Partida equilibradíssima!!!

Quem leva?

Tony Todd é um Candyman muito melhor, mais assustador, mais impressionante com aquele rosto crivado de abelhas, do que o inexpressivo Michael Hargorve que é o Candyman que aparece na maior parte das vezes na nova versão. Embora sejam utilizados outros atores também no papel ao longo do filme em diferentes situações, Hargrove é quase aquele jogador que joga 'no nome'. Impressiona porque é O CANDYMAN, pois qualquer ator podia estar ali que faria o mesmo efeito, tanto que, grande parte das vezes, sequer vemos seu rosto com nitidez. Candyman 89 abre o placar.

Nia da Costa mostra-se mais diretora que Bernard Rose com um produto final mais bem acabado. Cor, iluminação, direção de arte, opções estéticas... tudo depõe a favor da norte-americana que conduz seu time com fluidez para o gol. Candyman 2019 empata o jogo. Jogada com o dedo da treinadora.

Mas o time de 1989 tinha uma arma secreta. A trilha sonora ficara a cargo de ninguém menos que o gênio Philip Glass. E ele não decepciona, entregando uma atmosfera tensa mas ainda assim extremamente elegante e sofisticada. É Candyman 89, novamente à frente no placar. 2x1.

Num time sem grandes estrelas, a diferença está na casamata. A treinadora Nia da Costa desequilibra de novo, com três momentos incríveis: o flashback recontando a origem do Candyman e os acontecimentos em Cabrini-Green, contado com muita sensibilidade estética num teatro de sombras; a morte da crítica de arte, Rebecca, sendo erguida e arrastada por uma força invisível, no interior de seu apartamento, filmada numa tomada afastada, quase como um vizinho observando; e a evocação final de Brianna, a namorada de Anthony, dentro da viatura entendendo o verdadeiro significado do Candyman. Cena fantástica, linda mas brutal, violenta mas emocionante. Golaço! Candyman 2019 deixa tudo igual novamente, 2x2.

Michael Brown, Jesse Washington, Sarah Bland, Geroge Floyd...
Todos eles são Candyman.
Diga o nome deles.

Difícil dar a vitória para algum dos dois aqui mas... a denúncia social, o recado anti-racista, a incisividade do discurso, a reinvenção de um clássico, dão a vitória para "A Lenda de Candyman". 

A evocação de Candyman na frente do espelho é um convite a que cada negro olhe seu reflexo e entenda que a imagem que vê guarda consigo cada um dos outros tantos que foram escravizados, espancados, pendurados em árvores, injustiçados, vistos com desconfiança só por serem negros, presos só por serem negros, mortos por serem negros. Quando Nia da Costa propõe que seus personagens falem o nome de Candyman, remete ao "Say Her Name", movimento que defende mulheres vítimas de agressão policial. Uma provocação inteligente colocada de forma brilhante. Chamar o Candyman é um desafio para que evoquemos nomes como Jesse Washington, Michael Brown, George Floyd e outros tantos. Você, irmão, negro, não esqueça dos nomes deles e delas. Você, branco, você tem coragem de dizer o nome deles? É golaço! Sabe de quem? Candyman é o nome da emoção! 

Vitória da Lenda de Candyman. Mas não foi fácil. Dois times de respeito num jogo, daqueles, para não esquecer.


No alto, à esquerda, Helen, e à direita, Anthony, ambos em busca de respostas sobre Candyman.
Abaixo, os dois Candyman, à esquerda, o da primeira versão e, à direita, o (ou um dos) da refilmagem.



Parafraseando a letra daquela música que a galera canta no estádio:
"Porque esse time bota pra ferver
E o nome dele são vocês que vão dizer"

(Digam vocês porque eu tô fora!
Vai que ele apareça mesmo...)








por Cly Reis


sexta-feira, 26 de agosto de 2022

14 anos, 14 convidados

 








E o clyblog chega a seus 14 anos de idade.

Parabéns para nós!

E parabéns para nós, principalmente, por, durante todo esse período de existência, termos tido a honra de contar com colaborações valiosas de convidados das mais diversas áreas. Escritores, jornalistas, músicos, fotógrafos, artistas, deram suas contribuições a partir de suas experiências, preferências pessoais e respectivos repertórios culturais, abrilhantando momentos especiais do nosso blog em datas importantes, números redondos de publicações ou em nossos aniversários anteriores.

Para comemorar os 14 aninhos e essas colaborações maravilhosas, relembramos aqui, exatamente, 14 momentos, 14 participações especiais, 14 grandes convidados que nos proporcionaram publicações de altíssima qualidade e conteúdo valiosíssimo para o Clyblog.

Então aí vão 14 participações de convidados durante os 14 anos, até aqui, de ClyBlog:


1.
Em 2013, o escritor, teólogo, filósofo, ensaísta, crítico de arte, poeta e cronista gaúcho, Armindo Trevisan, nos deu de presente de Natal uma belíssima crônica que sugeria uma merecida reverência silenciosa a um momento tão importante como é o caso do nascimento de Cristo, no nosso 
Cotidianas Especial de Natal.

"(...)Que maravilhoso seria se, na comemoração do Natal, as nações cristãs, concordassem em instituir um minuto de silêncio em homenagem a tão grande Mistério!
Seria preciso que não se ouvisse som algum em nosso mundo!
Seria preciso que a paz, silenciosa como as estrelas (ao contrário de nossos ícones que, para serem ovacionados, inflamam as multidões) entrasse nos corações na ponta dos pés, e aí fizesse adormecer as almas ao som da Noite Feliz, traduzida para o português por um frei franciscano de Petrópolis, o qual preferiu o adjetivo feliz ao adjetivo original alemão stille: Noite Silenciosa! (...)"


Leia o texto na íntegra:

***

2.
Marcando a publicação de número 200 dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, convidamos um cara com autoridade para falar de sua banda favorita: Roberto Freitas, vocalista da banda The Smiths Cover Brasil, uma das mais respeitadas bandas cover do Brasil, revelou tudo sobre sua paixão pelo disco "Meat is Muder", o primeiro que teve da banda, e o álbum que o impulsionou a querer estar em cima de um palco.


"(...) As pessoas sempre me perguntam até hoje qual a minha musica preferida dos Smiths e eu respondo sem pensar muito :"Não tenho apenas uma tenho pelo menos umas dez e a maioria estão no álbum 'Meat is Murder' (...)"




Leia o texto na íntegra:


***

3.
Em 2018, para os nossos 10 anos, o convidado Wladymir Ungaretti, fotógrafo e professor de jornalismo da UFRGS, compartilhou conosco um de seus ensaios fotográficos para a nossa seção Click, chamado "Imagens para melhor imaginar". Modelos em situações sensuais, no limite do vulgar, do sujo. Erótico com um toque de mistério. Não poderia ter sido mais preciso no conceito: fotos que mostram, mas que deixam muito para a imaginação.



"(...) Este é um espaço reducionista. Escrevemos a partir de muitos pressupostos. São muitas as variáveis na conceituação do que seriam fotos pornográficas ou, simplesmente, eróticas. Conceitos determinados por cada contexto histórico e por cada cultura. Uma obviedade muitas vezes esquecida. Fotógrafos estão olhando, sempre, o trabalho de outros fotógrafos. Mesmo quando, por absoluto egocentrismo, digam que não, Faço questão de "copiar". De me deixar influenciar por outros fotógrafos. Busco o despojamento do surrealista Man Ray. A "pornografia" do japonês Araki. Os cenários surpreendentes de Jan Saudek. Pode parecer muita pretensão. Não canso de olhar livros dos fotógrafos que, por razões muitas vezes nada precisas, tocam o meu "olhar". Fotografei estas modelos inspirado pela ideia de Vilém Flusser que diz: "produzimos imagens para melhor imaginar".



Veja o ensaio:
Imagens para melhor imaginar



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4.
Para falar de uma banda e de um álbum, nada melhor do que alguém que criou a banda, foi seu integrante, compôs músicas e tocou no álbum. Carlos Gerbase, hoje, doutor em comunicação social, em outros tempos foi baterista e vocalista da banda Os Replicantes e para o ÁLBUNS FUNDAMENTAIS Especial de 5 anos do ClyBlog, falou sobre o lendário primeiro disco da banda, lá de 1986.


"(...) na hora de decidir como o nosso primeiro LP se chamaria, alguém sugeriu (provavelmente eu mesmo, mas não tenho certeza) que o disco se chamasse “O Futuro é Vortex”. Foi uma  boa escolha. Ele estava cheio de canções de ficção científica, e esse título era uma boa síntese (...)"




Leia o texto na íntegra:
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5.
O jornalista gaúcho Márcio Pinheiro, especialista na área de jornalismo cultural, com passagens pelas redações de jornais como Zero Hora, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, O Estado de S. Paulo, autor do recém lançado livro "Rato de Redação - Sig e a História do Pasquim", amante de música, especialmente de jazz e MPB, nos deu o privilégio de compartilhar sua admiração pelo disco "Quem é Quem", de João Donato, nos nossos 
ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Segue aí um trecho da resenha:


"[João Donato] Era um músico dos músicos, respeitado pelos seus pares mas pouco conhecido pelo público. Da convivência com o cantor Agostinho dos Santos, um grande incentivador de seu trabalho, nasceu a ideia de colocar letras nas suas músicas (...)"




Leia o texto na íntegra:

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6.
Cléber Teixeira Leão
, além de meu primo e um excelente músico, é professor de História e um de seus focos, nas aulas que ministra na rede estadual do Rio Grande do Sul tem sido as relações étnico-raciais, com foco no conceito do estudo crítico da branquitude. Nessa linha, falou para o Claquete do ClyBlog, sobre a representatividade negra nas mídias de entretenimento norte-americanas, nas comemorações de 12 anos do blog. Muito interessante o texto e análise do nosso convidado. Confere só:


"(...) Ainda que de forma ficcional, o Pantera Negra serviu e serve ainda hoje, como símbolo dessa quebra de padrões e imposições, além é claro de personificação imagética do antirracismo. Quando o Marvel Studios lançou em 2017 o filme "Pantera Negra" nos cinemas, a repercussão política e social do Blockbusters foi tanta, que gerou uma das maiores bilheterias da franquia de heróis até hoje (...)"




Leia o texto na íntegra:

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7.
Uma das histórias mais curiosas e engraçadas de bastidores já contadas no ClyBlog foi relatada por Castor Daudt, ex-guitarrista da banda DeFalla, sobre uma ocasião em que encontraram um integrante da banda New Order, num camarim de um show em São Paulo. Foi para o Cotidianas Especial de 10 anos do ClyBlog, em 2014. Não vou contar mais nada aqui porque vale a pena você mesmo ler.


"(...) Depois do show eu fiquei sozinho no camarim, descansando. Era raro ter um minuto de sossego, na época.
De repente entra um cara meio estranho, no camarim..."




Leia o texto na íntegra:


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8.
As andanças, por aí, dos nossos convidados também nos trazem colaborações muito interessantes. Fabrício Silveira, jornalista e escritor, quando de sua passagem por Manchester, na Inglaterra, cidade  berço de bandas como Joy Division, The Smiths, Stone Roses, The Fall, entre outras, presenciou, possivelmente, o surgimento de mais um nome para se guardar vindo daquele lugar: The Sleaford Mods, uma dupla de eletrônico, punk, minimalista..., estranha mas muito interessante. Nosso convidado nos contou da experiência de ter presenciado um show desses caras para o nosso ClyLive.


"Não há quase nada em cima do palco. Não há equipamento algum, além de um pedestal de microfone e uma mesa de bar, lado a lado. É até um pouco estranho encontrar ali aquele móvel rústico, com pernas dobráveis, trabalhado em madeira nobre. Sobre ele, há um laptop fechado, discreto, quase invisível, que se confunde aos desenhos e aos padrões cromáticos da toalha de mesa. Ao fundo, espessas cortinas de veludo escuro. Em contraste, há uma forte luz branca, opressiva e desconfortável. Este é o cenário. Não há mais nada em cima do palco (...)"



Leia o texto na íntegra:


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9.
Nosso convidado de um dos especiais dos 11 anos, lá de 2019, participou da gravação desse álbum histórico da música brasileira. Waldemar Falcão, músico, astrólogo e escritor, tocava na banda de Zé Ramalho quando o cantor gravou se clássico "Zé Ramalho 2" ou "A Peleja do Diabo com o Dono do Céu", de 1979. Ou seja, pouca gente estaria tão autorizada a comentar sobre a obra, as músicas, a atmosfera do álbum. Saca só...



"Quanto mais o tempo passa, mais nos damos conta de que ele na verdade voa mesmo... Quando penso que se passaram 40 anos desde que gravamos esse lendário LP (permitam-me...), chega a ser difícil de acreditar (...)"




Leia o texto na íntegra:

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10.
Um dos muitos convidados que participaram das nossas comemorações de 
10 anos, foi o ator e diretor de teatro Cleiton Echeveste que destacou para a nossa seção Claquete, o filme nacional "Tinta Bruta", de Filipe Matzembacher e Márcio Reolon, de 2018. E, na boa, se ele falou bem do filme, é porque é bom mesmo, porque de atuação e direção o cara conhece.



"(...) Na minha relação com a arte, busco ser o menos analítico possível ao vivenciá-la, esteja eu no lugar de criação ou de fruição. A análise é fria e requer distanciamento, e foi exatamente o contrário disso que “Tinta Bruta” me proporcionou: a vivência da minha humanidade, da minha falibilidade, de dores que são também minhas e que são, por isso, plenamente identificáveis(...)"




Leia o texto na íntegra:


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11.
Ele já havia sido 
ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, com seu disco  “Sambadi”, de 2013, e convidado a escrever sobre um disco de sua admiração para os 8 anos do Clyblog, o cantor, compositor e arranjador Lucas Arruda, escolheu falar sobre um dos trabalhos que mais o influenciara, "Robson Jorge & Lincoln Olivetti", de 1982. Um AF comentando sobre outro. Essa foi certamente uma participação especialíssima que tivemos.



"(...) Alegria imensa em poder falar um pouco deste álbum! Pessoalmente, é o disco que mais influenciou em termos de arranjo, sonoridade, composição. Minha bíblia! (...)"




Leia o texto na íntegra:


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12.
Esse cara sempre trazia coisas muito curiosas, interessantes e diversificadas pra o Clyblog. Cinéfilo, fã de cinema anos 70, filmes clássicos, faroeste, colecionador e admirador de cultura pop, além de conhecedor de literatura e folclore sul-americano, Francisco Bino colaborou com o blog durante alguns meses e sempre nos surpreendeu com assuntos instigantes e muita informação. 
Num desses textos, nos conta sobre as inspirações em religiões afro na clássica canção "Sympathy for the Devil", dos Rolling Stones. Dá só uma olhada:


"Em uma sexta-feira qualquer de 1968 depois de beber uma garrafa e meia de Jim Beam, Mick Jagger invadiu bêbado e meio "alto" a uma terreira de Candomblé em Salvador na Bahia (...)"



Leia o texto na íntegra:


***


13.
Colaboração ilustre e internacional no ClyBlog nos nossos 
12 anos. A escritora angolana Marta Santos aceitou nosso convite para falar sobre algum disco importante, segundo sua opinião, e nos surpreendeu com a ótima dica do trabalho de seu conterrâneo Elias Dya Kymuezu, com o disco "Elias", de 1969, cuja qualidade e influência é reconhecida na música brasileira por nomes como Martinho da Vila e Chico Buarque de Holanda. Abaixo, um trecho da resenha da nossa convidada:



"(...) Elias Dya Kimuezu é bangāo, cheio de classe. Faz lembrar os clássicos  americanos. Podemos facilmente perceber a humildade dele e a sua sensibilidade. A sua música, ou melhor, a essência das suas músicas, as suas canções são de lamento de quem lamenta a morte de alguém. Naquela altura, quando ainda eram colonizados, não se lamentava, só isso se lamentava, o sofrimento do povo, e até hoje o cantor não sai da sua canção, do seu ritmo. Porque a sua canção é invocação. Invoca a mãe, a dor invoca toda uma sociedade (...)"



Leia o texto na íntegra:


***


14.
Um Super-Álbuns Fundamentais! Isso foi o que o convidado Lucio Brancato, músico, jornalista, colunista musical e apresentador de TV e rádio, nos proporcionou no nosso aniversário de 
10 anos. Pedimos para que ele nos falasse sobre um disco de sua preferência e ele nos deu cinco de uma vez só: Crosby, Stills, Nash & Young, com  "Déjà Vu", de1970; Yes, com "Close to The Edge", de 1971; Dillard & Clark, com o disco The Fantastic Expedition of Dillard & Clark, de 1968; Faces, com seu "Oh La La", de1973; e Kinks, com o álbum Face to Face, de 1966. Não tinha maneira melhor de fechar essa lista de colaborações do que essa. 


"Mudei o pedido do Daniel Rodrigues para escrever sobre um disco importante na minha vida.
Foram tantos que ficaria muito difícil selecionar apenas um. E mesmo assim, esta lista nunca é definitiva.
Resolvi listar cinco fundamentais na minha formação e talvez os discos que mais escutei na vida."



Leia as resenhas completas:

***


Obrigado a todos os que colaboraram com o ClyBlog até aqui.
Todos os que foram lembrados nessa pequena listagem e a todos que não aparecem nela
 mas igualmente nos honraram com suas experiências, conhecimentos, bagagem e qualidade.
Muito obrigado a todos!  




C.R.
D.R.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

“Parasita”, de Bong Joon-Ho (2019)



O filósofo polonês Zygmunt Bauman, grande leitor dos nossos tempos, bem descreve que a modernidade “líquida” em que vivemos gera, por conta e culpa da globalização descontrolada, o que ele chama de “mixofobia urbana”, a tensão permanentemente desagradável e perturbadora da estranheza ao outro. Essa presença irritante entre estranhos da mesma cidade, vizinhos separados pelas diferenças sociais por meio de espaços “interditados”, é, segundo ele, “uma fonte inesgotável de ansiedade e de uma agressão geralmente adormecida, mas que explode continuamente”. O longa sul-coreano “Parasita”, escrito e dirigido por Bong Joon-Ho, é um dos filmes mais perspicazes na leitura destes tempos líquidos. Mordaz e crítico à sociedade capitalista, a obra expõe uma alegoria da vida real, em que, recorrendo aos mais animalescos recursos de sobrevivência nesta selva chamada cidade, todos os caminhos dessa violência sistêmica levam a uma coisa: a morte.

Palma de Ouro no Festival de Cannes e vencedor de três Globo de Ouro – Filme, Diretor e Roteiro –, “Parasita” retrata as ações de uma família pobre, os Kim, que manipula outra família, os abastados Park, para arrumar trabalho. Através de uma série de mentiras e planos mirabolantes, os vigaristas conseguem se "infiltrar" na mansão luxuosa, como um parasita que habita um corpo sem que ele perceba. A casa, no entanto, também está cheia de mistérios, que os Kim vão desvendando ao longo do desenrolar dos fatos, o que vai tornando a narrativa de um humor ácido para um terror psicológico. Muito bem fotografado e montado, alia ainda com precisão trilha sonora e edição de som para adensar essa atmosfera sinistra.

Os Kim: pobreza e miséria social que os assemelha a defuntos 
A densidade psicológica do filme, entretanto, é evidenciada logo de princípio com a fotografia suja da casa onde os Kim moram. Ou melhor: se entocam, haja vista as condições subumanas daquele porão escondido e da indignidade social a que são sujeitados. Para piorar, na era digital não são apenas as condições de moradia, trabalho e ensino que compõem a situação de miserabilidade: a tecnologia se torna mais um elemento de segregação. Se tem internet, está-se vivo; ao contrário, não. As pessoas da família Kim, esteticamente parte essencial deste cenário, são tão emporcalhadas daquela subvida que parecem defuntos. Eis um dos elementos narrativos principais do longa: a morbidez, expressa tanto nas peles e corpos quanto, mais simbolicamente, nas relações sociais e interpessoais. Cenas como o casal Kim deitado sobre o chão e enfileirados, o momento em que se arrastam para fugir da mansão sem serem percebidos ou o sono profundo do qual a senhora Park é acordada pela governanta denotam esse aspecto mórbido.

O designo irrefreável da morte que “Parasita” suscita, assim como em Kafka, é uma metáfora a vários níveis da sociedade, seja a da oriental sul-coreana, seja a nossa, do Ocidente. A exclusão das classes desfavorecidas, a displicência cruel do estado liberal, a americanização desmedida – que leva à descaracterização/morte cultural – e as feridas não curadas da guerra se embolam, formando um suco de insegurança e medo de todos os lados: os miseráveis, já muito próximos da morte caso não melhorem sua condição; e os ricos, permanentemente inseguros quanto à invasão do “estranho” às suas vidas estabelecidas. Assim, num sistema desequilibrado em que se privilegia o que está na superfície, aquilo que é feio e não quisto vai para baixo, é disfarçado, tapado, soterrado. Como defuntos sepultados – ou, pior, pessoas enterradas vivas. A casa dos Kim e o bunker da mansão dos Park – cujos portais simbólicos, a porta rodeada de objetos e a que dá acesso ao porão, fazem a ligação entre os espaços “interditados” – são cânceres que inevitavelmente coexistem com o mundo ideal do capitalismo. Mas mesmo que se finja não existirem, o lado escuro é retroalimentado pelo próprio sistema e suas desigualdades. Seus habitantes, proibidos à convivência “civilizada”, são como ratos e insetos que vivem de parasitar. Mas essa interdição, claro, tem seus limites, e é aí que se abre espaço para a explosão de toda a agressividade silenciada.

O portal simbólico que separa sonho de realidade
Tal tensão mixofóbica, vista também em filmes como “O Som ao Redor” (Kleber Mendonça, 2013) ou “Amores Brutos” (Iñárritu, 2000), inibe tanto a empatia quanto a razão. A tal ponto que resta apenas recorrer aos instintos. Não há planos para o futuro: apenas deixa-se os acontecimentos virem, como diz o personagem a certa altura. A esperteza murídea dos Kim de ascenderem do seu subterrâneo a qualquer custo, bem como a superficialidade nada inocente dos Park para com estes e entre eles próprios, são dois lados da mesma miséria. O sexo, a comida e o consumo para a satisfação física são, digamos, o lado “legal” desta instintividade. Mas as coisas complicam, obviamente, haja vista que ninguém recorre à consciência humana e, assim, a luta pela sobrevivência se impõe. É quanto o individualismo, a perversidade e a violência se juntam a este rol de comportamentos, que remetem ao mais animalesco dos seres. Brilhante a analogia com a figura mítica do índio – originária da criticada sociedade norte-americana –, elemento semiótico fundamental para a cena da festa. O roteiro merece aplausos também pela sequência da chuvarada, em que a natureza se mostra alertadora, visto que mais implacável do que qualquer disfarce social. Igualmente, a pedra, presenteada aos Kim como um amuleto, e que serviu, como nas cavernas, para abater o inimigo.

Song: atuação que merecia
indicação ao Oscar
Fazia certo tempo que não via um recente Palma de Ouro e, como sempre, ao contrário do que proporciona às vezes o Oscar – ao qual “Parasita” concorre como Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro, simultaneamente, além de Diretor, Roteiro Original, Montagem e Direção de Arte –, não decepciona. A aceitação à crítica e a diversidade ideológica sempre tiveram bastante espaço na premiação francesa, enquanto que, na norte-americana, não raro falte. Até por isso, é evidente que o filme, já ostentador do feito inédito de levar um título sul-coreano ao Oscar, não leve a principal estatueta da noite, mas provavelmente seja devidamente compensado – como ocorrera com o mexicano “Roma”, no ano passado –, com o de Melhor Estrangeiro. Talvez até pinte o de Roteiro, por exemplo, pois merece. Mas senti falta de ver o ator Kang-Ho Song, que faz o pai da família Kim, concorrendo, talvez até no lugar do meu admirado Leonardo DiCaprio, bem em “Era Uma Vez em... Hollywood”, mas abaixo do que já foi desafiado em ocasiões anteriores – inclusive, as várias em que não ganhou.

“Parasita” pode ser considerado daqueles divisores-de-águas no cinema. Em certo sentido, países capitalistas em emergência como a Coreia do Sul, o México e o Brasil estão enfrentando momentos de tensão sociopolítica semelhantes em alguns aspectos e diferente noutro, mas certamente transformadores de suas sociedades e, haja vista a polarização reinante a que somos acometidos atualmente, de alta carga de mixofobia. Talvez por isso não seja coincidência que o Brasil também viva um momento especial em seu cinema com filmes como “A Vida Invisível” e “Bacurau”, principalmente, que, igualmente a “Parasita”, demarcam um “pré” e um “pós” em termos de produção dos países em que se originam. “Bacurau”, aliás, assim como o filme de Joon Hoo, também toca na questão da invasão norte-americana e a tentativa de apagamento do outro, do “estranho”. Metáforas denunciadoras da “mixofobia líquida” que Bauman nos alertou. Espero, no entanto, que obras como “Parasita” não signifiquem apenas denúncia e resistência, mas um princípio de consciência e de mudança a quem as assista com olhos de alerta. Sinceramente, espero.

Trailer "Parasita"

Daniel Rodrigues

sábado, 14 de dezembro de 2019

"A Vida Invisível", de Karim Aïnouz (2019)



Que coisa boa ver um filme desses! Ainda enquanto estava na sessão, o filme nem havia terminado ainda, e eu já estava gratificado por estar assistindo àquilo, independentemente do final que viesse a ter. "A Vida Invisível", longa-metragem do cearense Karim Aïnouz, é merecedor de todo o reconhecimento, elogios e premiações que vem recebendo. Bem dirigido, bem estruturado, de escolhas artística e estéticas acertadíssimas e roteiro extremamente bem amarrado que mantém o espectador interessado e envolvido o tempo inteiro, o filme traça os caminhos de duas irmãs extremamente ligadas uma à outra, Guida e Eurídice, que são separadas, num primeiro momento, por uma aventura amorosa inconsequente de Guida, mas sobretudo, são afastadas definitivamente pela intolerância, pela ignorância e pelo machismo. A atitude covarde do pai das garotas ao não aceitar a filha aventureira de volta, grávida, e mentir sobre o destino da outra que ficara em casa, casara e tocara sua vida em frente, faz com que, cada uma, separada da outra e ignorante da verdade, passe a imaginar a vida da outra a partir do último momento que viveram juntas e do conhecimento dos projetos que a outra tinha. Eurídice imaginando que a irmã, que fugira com um marinheiro grego, era feliz na Grécia; e Guida, que Eurídice fazia sucesso na Áustria com seu enorme talento musical ao piano. Nada disso! a verdade era bem diferente. Guida, depois de colocada na rua pelo pai, comeu o pão que o diabo amassou, se virou como deu, criou o filho e por vias avessas, acabou encontrando uma família com a bondosa Filó, com quem fora morar e criara uma amizade inabalável. Eurídice, por sua vez, casada e relegada à vida de dona de casa, é frustrada pela renúncia a seu dom artístico e, mesmo passados anos da partida da irmã, trava uma busca incansável para encontrá-la, tendo como única pista o fato de que aquela embarcara para a Europa no início dos anos 50.
As irmãs, Guida (esq.) e Eurídice (dir.),
pouco antes da fuga que começou a separá-las.
O fato do filme ser tão saboroso enquanto obra de arte, como referi no início, não faz dele, no entanto, algo leve. "A Vida Invisível" é duro, é triste, é revoltante, é forte. O filme aborda o tema da mulher na sociedade e do machismo que permeia as relações familiares desde sempre, de forma pungente sem, contudo, se tornar cansativo ou panfletário, escancarando, de maneira muito clara, o quanto o apego a velhos valores preservados em nome da família, de tradições, de costumes, de orgulho, honra, etc., podem destruir vidas, especialmente de mulheres, e mostra como esses tais "valores" eram capazes disso nos anos 50, quando se passa a trama, e deixa a reflexão para o quanto são perigosos ainda hoje.
Não há como deixar de dedicar algumas linhas à breve mas não menos importante e significativa participação de Fernanda Montenegro, na parte final do filme, interpretando Eurídice já idosa. É uma aparição relativamente curta, não são muitas falas, mas a presença dela na tela e sua interpretação, sempre precisa, abrilhantam aqueles momentos e agregam ainda mais qualidade ao filme.
"A Vida Invisível", assim como o já comentado aqui "Bacurau", é outro daqueles casos de reposta à negação à cultura que o país vem promovendo, especialmente nos últimos meses. Quanto mais a cultura apanha, mais ela responde, e em grande estilo. Depois de ser reconhecido no último Festival de Cannes com o prêmio Un Certain Regard, o filme de Karim Aïnouz é o inscrito brasileiro para a pré-seleção do Oscar de Filme Estrangeiro e, sinceramente, não acharia nenhum absurdo se entrasse entre os cinco candidatos e levasse o tão perseguido prêmio. Aí sim, com um filme feminista, vetado para exibição pelo próprio governo em órgãos públicos, seria o mais lindo tapa na cara do atual governo poderia levar. Se bem que..., provavelmente eles diriam que esse pessoal da Academia de Hollywood é tudo um bando de comunista e viado.

"A Vida Invisível" - trailer


Cly Reis


sábado, 9 de novembro de 2019

Leia o que quiser ler



Nessa seção indicarei livros a partir de um fragmento.







"Eu vivo no meu relento".
"Menino do Mato" - Manoel de Barros








"Sempre que vou acompanhada a um restaurante nigeriano, o garçom cumprimenta o homem e me ignora. Os garçons são produto de uma sociedade onde se aprende que os homens são mais importantes do que as mulheres, e sei que eles não fazem por mal - mas há um abismo entre entender a mesma coisa emocionalmente. Toda a vez que eles me ignoram, eu me sinto invisível".
"Sejamos Todos Feministas" - Chimamanda Ngozi Adiche


"Aquele edifício era um verdadeiro labirinto, a vida inteira tinha sido assim, e isso enchia seu fim de paz. O demônio caminha em linha reta, diz um provérbio chinês. e evitar as retas é uma forma de debochar dos demônios."
"Fogo nas Entranhas" - Pedro Almodóvar







"Talvez a falta de solenidade seja o traço que se associa ao infantil, à leveza da brincadeira, nas coreografias do Corpo."
"Oito ou Nove ensaios do Grupo Corpo" - Inês Bogéa








“Fazemos parte de uma corrente de vida e, quando oferecemos um bastão de incenso dessa maneira,s abemos que estamos em contato com os nossos ancestrais. Eles não estão apenas no altar. Estão em mim também. Sou uma continuação deles – dos antepassados de sangue e dos antepassados espirituais. Quando conseguimos nos comunicar com nossos ancestrais, não estamos mais sozinhos.”
"Ensinamentos Sobre o Amor" - Thich Nhat Hanh





(Dobradinha sobre Astrologia!)

“Se soubéssemos controlar a nós mesmos, ao nosso terror, e poupar o gasto exagerado de tudo que tínhamos armazenado, nada aconteceria. Amanhã, depois, dentro de uma semana, um mês, os cães morreriam e poderíamos novamente abrir a casa, sair para o sol.” 
"360 graus - Inventário Astrológico de Caio Fernando Abreu" - Amanda Costa

"A Astrologia é uma ferramenta, dizem uns; é uma linguagem dizem outros. Ela é tudo isso e muito mais. Por essa razão pode ser vestida e adjetivada de várias formas (...) Por isso é desafiadora e estimulante a possibilidade de explicar os fundamentos dessa arte-ciência tão antiga e tão atual ao mesmo tempo." 
"A História da Astrologia Para Quem Tem Pressa" - Waldemar Falcão




por Leocádia Costa  
direto da Feira do Livro de Porto Alegre

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

"Coringa", de Todd Phillips (2019)




Uma obra de arte perigosa

por Vagner Rodrigues

Gotham City, 1981. Em meio a uma onda de violência e a uma greve dos lixeiros, que deixou a cidade imunda, o candidato Thomas Wayne (Brett Cullen) promete limpar a cidade na campanha para ser o novo prefeito. É neste cenário que Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) trabalha como palhaço para uma agência de talentos, com um agente social o acompanhando de perto, devido aos seus conhecidos problemas mentais.

Uma direção perfeita, tecnicamente impecável, uma atuação espetacular, uma das melhores construções de arco de personagem que já vi, fazem de “Coringa” uma obra de arte, que, no entanto, pode vir a se tornar extremamente perigosa se for interpretado de certas maneiras.

É, mas o fato de classificá-lo como perigoso, não deixa de ser também um mérito, uma vez que mostra o personagem principal como um homem que apenas está respondendo, tomando ações para confrontar a forma com que pessoas e o sistema, o tratam, levando um cidadão a atitudes e ações extremamente violentas, que na obra, dentro deste contexto, acabam mostrando-se justificadas. E digo que pode ser perigoso, no caso de qualquer um assistir ao filme e acabar se identificando com Arthur (o que é bem possível devido ao realismo da trama) e tudo aquilo servir como inspiração e um gatilho para atitudes parecidas. Então, cuidado! Procure conversar com alguém sobre o filme, ok?

Como obra cinematográfica, o longa chega perto da perfeição. Desde de um roteiro bem escrito, uma fotografia sublime, e uma direção que sabe o que quer, onde pretende chegar e nos levar. Mas o que torna o filme realmente memorável é atuação de Joaquin Phoenix. O homem está possuído em cena! Tudo, definitivamente TUDO, que ele faz no filme é ESPETACULAR! Uma atuação com o corpo todo, uma fisicalidade assustadora e visceral. Seus olhares, suas falas, até os momentos que está em silencio conseguem ser espetaculares. Me chamou muito atenção a mudança de postura de Arthur quando se transforma em Coringa: deixa de ser aquela pessoa com aparência fraca, corcunda para se tornar um homem poderoso, intimidador.

Um dos melhores estudos e construção de personagem dos últimos tempos no cinema. Um protagonista que sai do ponto A e vai até o ponto B muito bem conduzido pelo roteiro e direção, o que é ótimo de observar. Ver que ao final da história, não só o personagem mudou você também mudou. Isso é cinema e o seu melhor como arte. Aquilo que instiga, faz refletir e ainda é delicioso de se assistir. E como se não bastasse tudo isso, "Coringa" é uma bela homenagem a Scorsese e seu cinema da nova Hollywood.

Vá com calma, acompanhe toda jornada desse palhaço louco, tenha medo, mas não deixe de acompanhá-lo pelas perigosas ruas de  Nova..ops.. , quero dizer... Gotham.

Pura genialidade! Uma aula de atuação.
Algo que não se esquece tão cedo.


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A descida ao inferno

por Daniel Rodrigues

Poucos filmes me geraram tamanha expectativa antes de assisti-lo como “Coringa”, de Todd Phillips. Mas neste caso, foi mais do que expectativa: foi medo mesmo. Medo de ficar decepcionado com a comum ideologização permeada de parcialidade do cinema comercial norte-americano, com a superficialidade com que tratam muitas vezes assuntos profundos ou, pior, com a recorrente banalização de temas ricos como se fossem apenas produtos de entretenimento. Geralmente tento estar com a mente aberta ao que o filme me trará, não raro sem ler nada a seu respeito antes. Mas com Coringa era impossível, pois tinha receio que o deturpassem, e isso me irritaria muito, uma vez que me é um personagem caro. Já não basta o que fizeram com o seu arquirrival, Batman, cuja DC Comics, sem controle de seu personagem mais icônico na transposição para o cinema – diferentemente da Marvel para com as suas marcas – deixou que o Homem-Morcego fosse mais inexpressivo que os vilões nas versões de Tim Burton, virasse um existencialista falastrão na trilogia de Christopher Nolan e alterasse totalmente o porquê de seu embate com Superman por pura falta de colhões em reproduzir a obra original dos quadrinhos.

Com o Coringa não podiam cometer o mesmo erro. Não podiam desperdiçar uma mitologia tão rica, a oportunidade e contar uma história inigualavelmente promissora como ainda não se tinha feito. Quem como eu acompanhou os HQ’s de Batman nos anos 80 e 90 sabe o quanto este personagem é especial e – mesmo com o fio condutor que monta a sua biografia desde que foi criado – complexo. E foi exatamente isso que o filme de Phillips conseguiu: construir um personagem denso e crível, não apenas respeitando a sua saga como amarrando aspectos sociológicos e psicológicos com surpreendente minúcia. 

O ponto que mais me preocupava antes de assistir era o de se querer dar a um maníaco assassino como Coringa um caráter meramente vitimista para sustentar o clichê de que a sociedade moderna é a principal responsável por criar monstros como ele. Subterfúgio, claro, usado unicamente para imobilizar as consciências e manter tudo como está em favor daqueles que comandam o sistema. É quase isso, uma vez que a opressão social, política, ideológica e a consequente invisibilidade que esta condição subalterna dá aos desfavorecidos ou diferentes como ele é, sim, combustível para a formatação da persona Coringa a que o personagem Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) acaba por assumir em sua caminhada de loucura e dor. O problema é que Coringa é um velho conhecido, uma vez que não se trata de um personagem como os de vários filmes em que os elementos narrativos vão dando subsídios para que se construa do zero na cabeça do espectador o psicológico e a identidade dele. Trata-se, no caso do principal vilão dos quadrinhos do Batman – quiçá de toda a história dos HQ’s – de uma “pessoa” a quem já se sabe onde vai chegar e quais os traços essenciais o compõem enquanto sujeito. Ou seja: precisavam ser bastante críveis para me convencer.

Por isso, a questão é mais profunda quando se fala em Coringa. Entretanto, o roteiro do filme é muito feliz ao abarcar todos esses aspectos e ir ao cerne das coisas. Além da visível esquizofrenia e a propensão à psicopatia, controladas até certo ponto pelo sistema através não só de medicações como da opressão social, há nele uma motivação estritamente subjetiva e humana, que é a família. O histórico de maus tratos, o desajuste familiar e a condição de pobre, inadequado e fracassado poderiam até ser equalizadas se continuasse levando uma vida medíocre e sem visibilidade como de fato tinha. 

Mas é a perda da figura central da mãe (a quem ele duplamente perde, simbólica e materialmente, uma vez que ele mesmo a mata) a chave para o desencadeamento do que lhe havia de pior, para que se concretizasse o Coringa que conhecemos. Representa a ruptura, a definitiva descida ao que estava represado, a qual o cenário da escadaria simboliza na trama o caminho: para cima, a redenção, para baixo, o inferno. A mãe, única pessoa a quem ele podia dedicar carinho, era a como o pino de uma granada: se fosse removida, a bomba explodiria. E foi. Uma justificativa altamente plausível que, aí sim, juntada aos fatores externos da igualmente violenta sociedade é um prato cheio para o surgimento de indivíduos perigosos como Coringa. Ele é vítima, sim, mas é também produto do descuido da sociedade para com o dessemelhante, o cidadão não-comum, que não se encaixa nos padrões estabelecidos. Fosse pelo talento de artista, a encarnação do dualístico e bufão clown, fosse pela loucura latente que lhe prejudicava a socialização, nunca lhe deram atenção. Ninguém. Sua resposta veio em forma de um empedramento doentio e de vingança. Agora teriam que lhe dar atenção, da pior maneira possível.

O ótimo resultado de “Coringa” é em grande parte fruto da atuação exuberante de Phoenix – o que, aliás, mesmo com a desconfiança do que o filme apresentaria, tinha certeza de que seria brilhante. A construção que Phoenix dá a Coringa considera a trajetória dos HQ’s, a literatura, o imaginário social e todos os outros que vestiram o personagem antes dele no audiovisual. É possível enxergar Jack Nicholson, Heath Ledger, Cesar Romero e Jared Leto, assim como estão ali o Coringa dos HQ’s “A Piada Mortal”, “Asilo Arkham” ou “O Cavaleiro das Trevas”. Porém, Phoenix, até por esta capacidade cênica muito sensível de síntese, consegue o feito de superar todos. 

Mas fora o encanto que protagonista causa, tudo funciona em “Coringa”. A obra, mesmo que tenha na atuação justificadamente a sua maior força, é incrivelmente coesa, harmônica, forte e crítica. Um tapa na cara sem concessões ao modo de vida norte-americano e ao que a nação mais rica do mundo vende ao mundo como modelo de felicidade. Além disso, a fotografia suja e fantasmagórica, a trilha sonora econômica e muito bem escolhida, a direção de arte impecável e a edição, que faz questão de deixar subentendimentos em nome do foco da narrativa, são igualmente destaques. 

Dentro da crítica aos modelos norte-americanos que o longa traz, a referência a dois filmes de Martin Scorsese – não à toa ambos estrelados por Robert De Niro, brilhante no papel do apresentador de tevê Murray Franklin – são sintomáticas. Primeiro, “Taxi Driver” (1976), quando Arthur, em seu mundo interno, aponta um revólver para a televisão e para os “inimigos imaginários” de sua sala. A condição de degradação mental a que o ex-combatente do Vietã vivido por De Niro e a de um rejeitado como Arthur são sujeitados expõe o quanto a política dos Estados Unidos é capaz de gerar indivíduos tão desassistidos e doentes. Igualmente, “Coringa” retraz, ao abordar o stend-up comedy e os programas de auditório em que as massas riem do que lhe é imposto como piada, o controvertido “O Rei da Comédia” (1983). Naquele, a piada sem/com graça é o sequestro do astro da televisão Jerry Langford (Jerry Lewis) pelo obsessivo e igualmente invisível Rupert Pupkin (De Niro) para que este apresentasse seu número no lugar do apresentador oficial. A reflexão que “Coringa” levanta, assim como o filme de Scorsese, é um questionamento do que é “felicidade” numa sociedade acrítica e controlada pela indústria do entretenimento como a atual.

“Coringa” não tem nada a ver com os filmes de super-heróis explosivos, frenéticos e plastificados como os que Hollywood vem fazendo às pencas. É um drama sobre uma pessoa inventada mas talvez tão mais real quanto um ser humano de carne e osso. Um drama sobre um triste arquétipo da doença e da violência as quais somos submetidos hoje. Um drama sobre alguém que bem que poderia existir. E será que não existe mesmo?

Coringa na escadaria: a definitiva descida para o seu inferno interior