Pela terceira vez uma mulher leva a Palma de Ouro em Cannes. A francesa Justine Triet foi a vencedora desta vez com seu "Anatomia de uma Queda" ("Anatomy d'Une Chute"). O longa narra o drama de uma mulher acusada pelo assassinato do marido, morto em circunstâncias suspeitas, e sua luta para provar sua inocência.
Na cerimônia, realizada no último sábado, dia 27/05, e conduzida pelo presidente do júri, o sueco Ruben Östlund, "bicampeão" de Cannes com "The Square" e "Triângulo da Tristeza", também houve destaque para o Brasil com o prêmio d'Esamble, para o filme "A Flor de Buriti, de João Salaviza e Renée Nader Messora, na Mostra Um Certo Olhar; e com o prêmio de melhor filme de estreia, na Mostra paralela, por "Levante", de Lilah Halah. Brasileiros também apareceram em produções: Karim Aïnouz teve seu "Firebrand", estrelado por Alicia Wikander, disputando o prêmio principal, e Kléber Mendonça Filho teve exibido, fora de competição, seu "Retratos Fantasmas".
Confira, abaixo, a lista completa com todos os premiados nesta edição do festival:
O julgamento em "Anatomia de uma queda"
Palma de Ouro: Anatomy of a Fall, de Justine Triet
Grand Prix: The Zone of Interest, de Jonathan Glazer
Prêmio do júri: Fallen Leaves, de Aki Kaurismäki
Melhor diretor: Tran Anh Hùng, de The Pot au Feu
Melhor ator: Koji Yakusho, de Perfect Days
Melhor atriz: Merve Dizdar, de About Dry Glasses
Melhor roteiro: Sakamoto Yuji, de Monster
Palma de Ouro (Curta-metragem): 27, de Flóra Anna Buda
Menção Especial (Curta-metragem): Fár, de Gunnur Martinsdóttir Schlüte
Câmera de Ouro: Inside the Yellow Cocoon Shell, de Thien An Pham
Pronto! Chega de especulações. Depois do Globo de Ouro, Sindicato, Critics Choice, etc., premiações que balizam e meio que alimentam as hipóteses e aumentam as apostas em relação aos indicados ao Oscar, finalmente os temos, oficialmente, os nominados pela Academia. Como era de se esperar, "Oppenheimer", de Christopher Nolan leva um caminhão de indicações (treze); "Barbie", a outra sensação da temporada, também tem bastantes indicações (oito) mas menos do que eu particularmente esperava; por mais que se reclamasse da duração, não tinha como se ignorar "Assassinos da Lua das Flores" que ficou com dez indicações; e o azarão, diante das superproduções badaladas, mas que vem ganhando reconhecimento e força, "Pobres Criaturas", do sempre intenso Yargos Lanthimos, corre por fora concorrendo também para onze categorias.
Devo admitir que, ao contrário da maioria das pessoas, não me surpreendi com a não indicação de Margot Robbie para melhor atriz por "Barbie", um papel meramente competente na minha opinião, mas não estranharia nada se a diretora Greta Gerwig tivesse seu nome entre os indicados para direção. A propósito de diretoras, Justine Triet, vencedora da Palma de Ouro em Cannes, por "Anatomia de uma Queda", é nome forte e também pode surpreender no prêmio principal, quem sabe igualando o recente "Parasita" com uma dobradinha das duas principais premiações do mundo do cinema. No mais, imaginava que o "Napoleão" de Ridley Scott tivesse mais e melhores indicações, já prevejo histeria e gritaria das/dos leonardetes pelo fato de Leonardo DiCaprio não ter entrado para melhor ator, e celebro a indicação de Lily Gladstone para melhor atriz, a primeira indígena norte-americana a ser indicada para um Oscar.
Fique, abaixo, com todos os indicados ao Oscar 2024:
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MELHOR FILME
• American Fiction
• Anatomia de uma Queda
• Barbie
• Os Rejeitados
• Assassinos da Lua das Flores
• Maestro
• Oppenheimer
• Vidas Passadas
• Pobres Criaturas
• A Zona de Interesse
MELHOR DIREÇÃO
• Justine Triet, por Anatomia de uma Queda
• Martin Scorsese, por Assassinos da Lua das Flores
• Christopher Nolan, por Oppenheimer
• Yorgos Lanthimos, por Pobres Criaturas
• Jonathan Glazer, por A Zona de Interesse
MELHOR ATOR
• Bradley Cooper, por Maestro
• Colman Domingo, por Rustin
• Paul Giamatti, por Os Rejeitados
• Cillian Murphy, por Oppenheimer
• Jeffrey Wright, por American Fiction
MELHOR ATRIZ
• Annette Bening, por NYAD
• Lily Gladstone, por Assassinos da Lua das Flores
• Sandra Hüller, por Anatomia de uma Queda
• Carey Mulligan, por Maestro
• Emma Stone, por Pobres Criaturas
MELHOR ATOR COADJUVANTE
• Sterling K. Brown, por American Fiction
• Robert De Niro, por Assassinos da Lua das Flores
• Robert Downey Jr., por Oppenheimer
• Ryan Gosling, por Barbie
• Mark Ruffalo, por Pobres Criaturas
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
• Emily Blunt, por Oppenheimer
• Danielle Brooks, por A Cor Púrpura
• America Ferrera, por Barbie
• Jodie Foster, por NYAD
• Da'Vine Joy Randolph, por Os Rejeitados
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
• Justine Triet & Arthur Harari, por Anatomia de uma Queda
• David Hemingson, por Os Rejeitados
• Bradley Cooper & Josh Singer, por Maestro
• Sammy Burch, por Segredos de um Escândalo
• Celine Song, por Vidas Passadas
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
• Cord Jefferson, por American Fiction
• Greta Gerwig & Noah Baumbach, por Barbie
• Christopher Nolan, por Oppenheimer
• Tony McNamara, por Pobres Criaturas
• Jonathan Glazer, por A Zona de Interesse
MELHOR ANIMAÇÃO
• O Menino e a Garça
• Elementos
• Nimona
• Meu Amigo Robô
• Homem-Aranha: Através do Aranhaverso
MELHOR FILME INTERNACIONAL
• Io Capitano (Itália)
• Perfect Days (Japão)
• A Sociedade da Neve (Espanha)
• The Teacher's Lounge (Alemanha)
• A Zona de Interesse (Reino Unido)
MELHOR DOCUMENTÁRIO
• Bobi Wine: The People's President
• The Eternal Memory
• Four Daughters
• To Kill a Tiger
• 20 Days in Mariupol
MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM
• The ABCs of Book Banning
• The Barber of Little Rock
• Island in Between
• The Last Repair Shop
• Nai Nai & Wai Po
MELHOR CURTA-METRAGEM
• The After
• Invincible
• Knight of Fortune
• Red, White & Blue
• The Wonderful Story of Henry Sugar
MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO
• Letter to a Pig
• 95 Senses
• Our Uniform
• Pachyderme
• War is Over (inspired by the music of John & Yoko)
MELHOR TRILHA SONORA
• Laura Karpman, por American Fiction
• John Williams, Indiana Jones e a Relíquia do Destino
• Robbie Robertson, por Assassinos da Lua das Flores
• Ludwig Göransson, por Oppenheimer
• Jerskin Fendrix, por Pobres Criaturas
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
• "The Fire Inside" (Flamin' Hot)
• "I'm Just Ken" (Barbie)
• "It Never Went Away" (American Symphony)
• "Wahzhazhe (A Song for My People)" (Assassinos da Lua das Flores)
• "What Was I Made For?" (Barbie)
MELHOR SOM
• Resistência
• Maestro
• Missão: Impossível - Acerto de Contas
• Oppenheimer
• A Zona de Interesse
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
• Sarah Greenwood, por Barbie
• Jack Fisk, por Assassinos da Lua das Flores
• Arthur Max, por Napoleão
• Ruth De Jong, por Oppenheimer
• Shona Heath, por Pobres Criaturas
MELHOR FOTOGRAFIA
• Edward Lachman, por El Conde
• Rodrigo Prieto, por Assassinos da Lua das Flores
• Matthew Libatique, por Maestro
• Hoyte van Hoytema, por Oppenheimer
• Robbie Ryan, por Pobres Criaturas
MELHOR CABELO E MAQUIAGEM
• Golda
• Maestro
• Oppenheimer
• Pobres Criaturas
• A Sociedade da Neve
MELHOR FIGURINO
• Jacqueline Durran, por Barbie
• Jacqueline West, por Assassinos da Lua das Flores
• Janty Yates, por Napoleão
• Ellen Mirojnick, por Oppenheimer
• Holly Waddington, por Pobres Criaturas
MELHOR MONTAGEM
• Laurent Sénéchal, por Anatomia de uma Queda
• Kevin Tent, por Os Rejeitados
• Thelma Schoonmaker, por Assassinos da Lua das Flores
Pouco menos de oito minutos são o suficiente para que sejamos empurrados para o mistério. A queda foi acidental, foi provocada, foi suicídio...? Depois de uma breve tentativa de entrevista com uma renomada escritora, interrompida, inconvenientemente, pelo barulho proposital do marido no andar de cima, no retorno do filho do casal, após um passeio pelo bosque, próximo à casa, com seu cão, o corpo do pai, Samuel, é encontrado pelo garoto, na neve, com evidentes sinais de queda dos andares superiores da casa. A polícia especula acidente, uma vez que Samuel fazia reformas no andar de cima, especula que outra pessoa pudesse ter entrado na casa, especula suicídio, mas diante de uma série de contradições, omissões e pequenos indícios, passa a suspeitar da esposa, Sandra, e tratar o caso como possível homicídio.
Mais do que apenas um filme de mistério tradicional, no qual há todo um quebra-cabeças para encontrar o culpado, "Anatomia de Uma Queda", utiliza-se do ocorrido para remontar situações externas que teriam sido determinantes para aquele destino e todos os aspectos emocionais que levaram até ele. A relação desgastada do casal, a frustração profissional de Samuel e seu estado emocional instável, sua incapacidade de reagir aos problemas, a personalidade manipuladora de Sandra, a suposta apropriação da produção literária do marido, o problema de visão do filho e a versão de cada um para a dedicação dada a ele, tudo vai sendo destrinchado, vai aparecendo aos poucos, em evidências da polícia, em depoimentos no tribunal, nas contradições de Sandra, e em novas provas que surgem e são apresentadas.
Durante boa parte de sua duração, "Anatomia de Uma Queda" é um filme de tribunal, "gênero" que muita gente têm uma certa resistência, mas neste caso específico, o longa é de uma riqueza retórica e argumentativa, que passa longe de ser "chato". As coisas todas vão se encaixando e se desencaixando de acordo com cada nova testemunha, cada dia do julgamento, cada novidade... A anatomia da queda vai sendo montada pedacinho por pedacinho mas a diretora Justine Triet, com uma condução brilhante, faz questão que não tenhamos certeza alguma durante o tempo todo, de modo que levemos em consideração todas as possibilidades e, bem como o júri, façamos nossos juízos a respeito do caso.
Um dos melhores filmes da temporada! Não à toa vencedor da última Palma de Ouro em Cannes e candidato ao Oscar de Melhor Filme, podendo repetir o arrebatador "Parasita", em 2020, com as conquistas dos dois prêmios mais significativos da indústria do cinema. Na minha opinião, não seria nenhum absurdo.
Quatro momentos do filme: em cima, Daniel, o filho, encontrando o corpo; e Sandra em conversa com seu advogado. Em baixo, o promotor incisivo e implacável contra Sandra; e, à direita, a ré, diante do júri.
O ano de 2024 foi desafiador para todo gaúcho por conta dos desastres climáticos de maio. A área do cinema, claro, foi bastante afetada, seja pela interrupção das atividades, seja pelo prejuízo material a espaços e salas de cinema, seja pela natural inserção no cenário local enquanto atividade cultural e econômica, Claro que, indireta e até diretamente em alguns casos, a Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs), em seu 16º ano de atividade, também foi afetada. Atividades que ocorreriam em junho não se realizaram e outras nem se pode cogitar isso. Porém, uma delas, foi mantida: a já tradicional eleição dos Melhores do Ano, que tem por base produções lançadas em mostras e festivais, no circuito comercial e também em plataformas de streaming, no caso, de 2024.
Dividida em dois turnos, a votação selecionou os melhores longas-metragens estrangeiro, brasileiro e gaúcho, além do melhor curta gaúcho do ano. Ainda, os membros da associação entregam, desde a primeira edição dos Melhores do Ano, o Prêmio Luís César Cozzatti, que reconhece filmes, projetos, instituições ou pessoas de destaque no cenário audiovisual gaúcho. Os vencedores foram revelados em primeira mão durante evento sobre crítica online e atuação internacional com o historiador e crítico de cinema Waldemar Dalenogare, realizado no dia 14 de janeiro, na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana, o qual tive o privilégio de mediar. Sala lotada, público interessado, muitas interações e selfies.
Confira, então, os vencedores do Prêmio Accirs 2024:
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Melhor curta-metragem gaúcho: "Pastrana", de Melissa Brogni e Gabriel Motta
É hat-trick que se fala quando no esporte alguém atinge a marca de repetir três vezes o mesmo feito, né? Podemos dizer que "Pastrana", dos jovens cineastas Melissa e Gabriel, marcou esse triplete. Primeiro, no 52º Festival de Gramado, em agosto, quando nosso júri do "Gauchão", o Prêmio Accirs para curtas-metragens gaúchos dentro da Mostra Assembleia Legislativa, votou nesta produção para o filme. Mais adiante, em novembro, igual: nosso júri de crítica formado para o 2º Festival de Cinema de Canoas o escolheu. Agora, para ratificar, o grupo de membros consagra este belo documentário de montagem ágil, imagens impactantes e narrativa tocante que presta, por meio de um enfoque muito pessoal, homenagem ao skatista de downhill Allysson Pastrana, falecido trágica e precocemente em 2018 durante uma competição.
Melhor longa-metragem gaúcho:
"Até Que a Música Pare", de Cristiane Oliveira
A Accirs ainda não havia premiado Cristiane nem com o belo "A Primeira Morte de Joana", de 2023, como também ao brilhante "Mulher do Pai", de 2017, um dos mais importantes filmes da nova cinematografia gaúcha. Agora, enfim, veio o reconhecimento ao seu terceiro longa, que conta a história de Chiara, matriarca de uma família de descendência italiana, e seu marido, Alfredo, que decide acompanhá-lo em uma de suas viagens a trabalho para não ficar só em casa depois que o último de seus filhos sai do lar para morar sozinho. A sensível história, contada com ainda mais sensibilidade pela cineasta, põe o casal diante do maior desafio de suas vidas com o casamento de 50 anos à prova.
Longa-metragem nacional:
"Ainda Estou Aqui", de Walter Salles
O filme que arrebatou crítica e, incrivelmente, público fora e dentro do Brasil. Mas o fenômeno "Ainda Estou Aqui", embora raro para o cinema brasileiro, tendo em vista o tema e a abordagem competentes mas nada pop como as comédias da Globo Filmes, é totalmente merecido. O filme que levou Fernanda Torres ao Globo de Ouro e o Brasil ao Oscar é uma sensível e comprometida reconstrução da história real da família Paiva, que viu o pai de cinco filhos e marido da resistente Eunice Paiva ser levado pelos militares para nunca mais voltar. Obra forte e necessária - principalmente, no atual momento em que as manifestações fascistas volta a ameaçar as democracias e os direitos humanos.
Longa-metragem Internacional:
"Anatomia de uma Queda", de Justine Triet
O que os olhos enxergam? Que olhos são esses, o do espectador? O da diretora? O de um personagem cego? Os de um cão de olhos sadios, mas irracional? O olhar da Justiça? O brilhante e incomum thriller de Justine é um misto muito bem argumentado de drama familiar, filme de tribunal e análise sociocomportamental da sociedade francesa. Todas as interrogações que o filme levanta e convida o espectador a acompanhar o desenrolar da trama, ora desvendando, ora impondo novos questionamentos. Com isso, outros pontos também surgem: o cinema não seria exatamente isso, a dúvida do que se vê ou se escuta? Mesmo com outros ótimos filmes internacionais em 2024, como "Dias Perfeitos", "Os Colonos" e "Pobres Criaturas", a Accirs teve a lucidez de premiar "Anatomia de uma Queda", outra obra de cineasta mulher assim como os brasileiros "Pastrana" e "Até que...".
Prêmio Luís César Cozzatti (destaque gaúcho):
Hélio Nascimento
Um dos mais respeitados críticos de cinema em atividade no Brasil, Hélio Nascimento assina há 64 anos uma coluna semanal sobre cinema no Jornal do Comércio, de Porto Alegre. Atualmente com 88 anos de idade, foi agraciado, em 2022, com o Prêmio Gramado 50 Anos no Festival de Cinema de Gramado, honraria destinada a pessoas cujas trajetórias em cinema se destacaram ao longo das décadas. Hélio tem dois livros lançados: "Cinema Brasileiro", de 1981, e "O Reino da Imagem", de 2002, e integra o livro "50 Olhares da Crítica Sobre o Cinema Gaúcho", publicado em 2021 pela Accirs e da qual é sócio-honorário.
A noite deste domingo, dia 10 de março, marcou a cerimônia da 96ª edição do Oscar, na qual "Oppenheimer", filme do diretor Christopher Nolan, foi o grande vencedor, com sete estatuetas, mas com grande destaque para "Pobres Criaturas", de Yorgos Lanthimos, que levou quatro.
Apresentada pelo comediante Jimmy Kimmel, a festa não teve grandes novidades nem surpresas. A presença de cinco apresentadores, todos já vencedores, para apresentar os prêmios de atuação foi algo interessante, John cena apresentando "pelado" o prêmio de figurino foi engraçado, Slash, do Guns'n' Roses, dando uma canja na performance de "I'm Just Ken" foi muito show, e o momento mais emocionante, sem dúvida, ficou com o diretor do documentário "20 dias em Mariupol", sobre a guerra da Ucrânia, Mstyslav Chernov, emocionado, declarando que gostaria de nunca precisar ter feito um filme sobre algo assim.
A meu ver, nenhuma grande injustiça. "Anatomia de Uma Queda", de enredo brilhante, justamente agraciado com o prêmio de roteiro original, "Zona de Interesse", o mais complexo e artístico dos estrangeiros ganhando o prêmio de filme internacional, "Godzila Minjus One" desbancando os gigantes e vencendo a categoria de efeitos visuais... Até dá pra discutir um Downey Jr. ao invés de um DeNiro, uma Emma Stone e não Lily Gladstone, mas, de um modo geral, nenhum absurdo gritante, a meu ver.
Bom, quer saber como foram todos os prêmios? Dá uma olhada aí abaixo e conheça, então, todos os vencedores da noite:
📹📹📹📹📹📹📹📹
MELHOR FILME
• Oppenheimer
MELHOR DIREÇÃO
• Christopher Nolan, por Oppenheimer
MELHOR ATOR
• Cillian Murphy, por Oppenheimer
MELHOR ATRIZ
• Emma Stone, por Pobres Criaturas
MELHOR ATOR COADJUVANTE
• Robert Downey Jr., por Oppenheimer
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
• Da'Vine Joy Randolph, por Os Rejeitados
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
• Justine Triet & Arthur Harari, por Anatomia de uma Queda
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
• Cord Jefferson, por American Fiction
MELHOR ANIMAÇÃO
• O Menino e a Garça
MELHOR FILME INTERNACIONAL
• A Zona de Interesse (Reino Unido)
MELHOR DOCUMENTÁRIO
• 20 Days in Mariupol
MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM
• The ABCs of Book Banning
MELHOR CURTA-METRAGEM
• The Wonderful Story of Henry Sugar
MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO
• War is Over (inspired by the music of John & Yoko)
MELHOR TRILHA SONORA
• Ludwig Göransson, por Oppenheimer
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
• "What Was I Made For?" (Barbie)
MELHOR SOM • A Zona de Interesse
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO • Shona Heath, por Pobres Criaturas
MELHOR FOTOGRAFIA
• Hoyte van Hoytema, por Oppenheimer
MELHOR CABELO E MAQUIAGEM
• Pobres Criaturas
MELHOR FIGURINO • Holly Waddington, por Pobres Criaturas
Transcorrido um quarto do século 21, já é possível, enfim,
vislumbrar o que de melhor aconteceu no cinema neste período. E ao que se pode
extrair de amostra desses 25 anos, o século da informação ou da pós-verdade
ainda tem muito o que apresentar de bom. Afinal, foram 25 anos que o cinema viu
o mundo se transformar. O 11 de setembro de 2001 foi o estopim para uma série
de reconfigurações e a certeza de que não apenas o terrorismo se tornaria uma
ameaça constante às nações como trazia a mensagem de que ninguém mais estaria
seguro. Nem a razão mais está a salvo.
Reconfigurações, inclusive, econômicas. A China, então a
“ameaça comunista”, enfim pôs em prática seu modelo de Capitalismo Socialista e
se tornou a segunda potência do mundo. Além do enfraquecimento dos Estados
Unidos (que Trump quer agora reverter a qualquer custo), a Rússia também adere
de vez ao capitalismo, fortalecendo-se, porém com um ditador moderno à frente. Afora
isso, guerras na Europa e no Oriente Médio, aquecimento global, polarização
ideológica, avanço da extrema-direita, ecos do fascismo, crescimento dos
movimentos migratórios, pandemia... Ufa! O que mais deve vir por aí? Angustia até
de pensar.
Refletindo de forma direta ou não essas transformações, o
cinema segue firme com produções que pululam de diversos lugares do
mundo, seja nas Américas, África, Ásia ou na velha Europa. Mas com mudanças de
cenário. Alguns polos se fortaleceram, como a América Latina de Argentina e
Brasil. No Oriente Médio, o Irã, cada vez mais reprimido, continua mesmo assim
a resistir e fazer um cinema de alta qualidade expressiva. Mas também Líbano, Palestina,
Iraque, Israel, Arábia Saudita e outros.
A África é outro continente que despontou nestas duas décadas e meia. Embora não superem os aqui listados, é inegável que os países africanos, cujas descolonizações são ainda muito recentes, chegaram ao século 21 produzindo bastante, bem e em vários países, como Senegal, África do Sul, Mauritânia, Quênia, Uganda, Nigéria e outros. Títulos como "Black Tea" (2024), "Heremakono – Esperando a Felicidade" (2020), "Timbuktu" (2014) e "Atlantique" (2019), se não pareiam, deixam viva a esperança de ser ver na tela um cinema africano consolidado internacionalmente.
Em compensação, o cinema
soviético, tão abundante e diverso em todo o século 20, fragmentou-se assim
como o seu antigo território. E mesmo os Estados Unidos viram grandes alterações
de rota. Os estúdios enfrentem novos desafios, como o streaming, a serialização
e a “marvelização”. A dianteira da indústria cinematográfica estadunidense, até
então sem precisar olhar para o retrovisor, passa a preocupar-se com o desgaste
do imperialismo. Megaproduções como “Megalópolis” e “O Brutalista”,
definitivamente, não representam mais o que representavam antes.
Além da afirmação de alguns realizadores, como Jordan Peele,
Bong Joon-ho e o brasileiro Kléber Mendonça Filho, este começo de era confirma
a excelência daqueles que já vinham contribuindo com suas obras para a
construção dessa arte ao longo das últimas décadas – casos de Woody Allen, Clint Eastwood e Pedro Almodóvar. Assim, listamos 25 filmes representativos
desses 25 primeiros anos, de 2001 até o ano atual. Não necessariamente um por
ano, mas numericamente um símbolo que antecede os próximos 75 ainda a serem
lançados e descobertos.
Alguns perguntarão, com justiça: “e as mulheres?” Sim, elas
cada vez mais se tornam protagonistas. Justine Triet, Greta Gerwig, Sofia Coppola, Chloé Zhao, Samira Makhmalbaf, bem como as veteranas Jane Campion, Kathryn Bigelow e as que se foram recentemente Chantal Akerman e Claire Denis. Aqui,
cinco delas figuram, mas tranquilamente poderia haver mais. Imagine-se quantas
realizadoras ainda vêm por aí neste louco planeta em constante ebulição.
A relativa facilidade de se montar essa lista traz consigo
certa irresponsabilidade e aquela velha questão: a incompletude. É possível
abarcar tanta produção em apenas pouco mais de duas dezenas de títulos? Não
deveria haver (e possivelmente caiba) muito mais pesquisa e aprofundamento? Estes
são DE FATO os mais representativos, simbólicos ou melhores em qualidade
fílmica? Perguntas sem respostas. Talvez, precise-se de mais
um quarto de século ou mais para entender o que condiz ou não. Porém, num
primeiro momento, estes foram os filmes que saltaram à memória, e isso,
independente de um revisionismo ou limitantes, quer dizer, sim, alguma coisa. Se
poderiam ser outros? Poderiam, mas tais obras certamente brigariam para estarem
nesse rol. Quem sabe, os celebrados Gaspar Noé, Yorgos Lanthimos, Mati Diop ou Darren Aronofsky não pintem com aquele filmaço inquestionável ainda? Há tempo e
competência para isso.
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01.“Parasita”, Bong Joon-ho (2019)
Definitivamente, o melhor filme dos últimos anos – e do século. O thriller do talentoso Bong Joon-ho arrebatou em 2019, por puro mérito, não apenas a Palma de Ouro em Cannes como, mais ainda, os Oscar de Filme e de Filme Estrangeiro! Um feito jamais igualado. “Parasita”, afinal, tem tudo o que um grande filme moderno pode: drama social, crítica ao capitalismo, humor ácido, suspense e, por vezes, toques de terror gore. Tudo numa direção absolutamente criativa, fotografia precisa, roteiro cheio de reviravoltas e atuações brilhantes. Tem mais da metade de século 21 para acontecer, mas não vai ser fácil equiparar com esta obra-prima sul-coreana que redirecionou o olhar do mundo no cinema.
02.“A Cidade dos Sonhos”, David Lynch (2001)
Lynch nos deixou no último ano, mas legou uma obra tão marcante quanto explorável. Afinal, é dele o cinema mais misterioso já realizado em mais de 100 anos de arte cinematográfica. “A Cidade dos Sonhos” é, além de seu melhor neste século, possivelmente sua melhor realização, e olha que estamos falando de filmes como “Veludo Azul”, “Eraserhead” e “Coração Selvagem” neste páreo. Mas definitivamente a onírica e assustadora obra sobre a atriz que se muda para Los Angeles e tem sua memória e sonhos entrelaçados com a matéria da própria cidade é insuperável. Tanto que ocupa a 8ª posição no ranking de 250 filmes "The Greatest Films of All Time" da tradicional revista Sight & Sound e é considerado o melhor filme entre os 100 da BBC neste século, o qual mal começava e Lynch já dava as cartas.
03.“Corra!”, Jordan Peele (2017)
Quando Jordan Peele estreou no cinema com “Corra!” já se
sabia que ali nascia um ícone do cinema moderno. Negro, talentoso e com muita
coisa a dizer, Peele surpreendeu o mundo do cinema – e o gênero de terror – com
um filme que imediatamente foi elevado à categoria de obra-prima. Também
pudera: a história do jovem fotógrafo Chris, que descobre uma sinistra rede de
tráfico de negros para perturbadores finalidades rendeu ao diretor mais de 150
prêmios, incluindo o Oscar de Melhor Roteiro Original. “Corra!” redefine o
terror no cinema. Em tempos de George Floyd, o terror não vem de fantasmas, zumbis,
monstros ou extraterrestres. Vem de gente branca racista e supremacista.
04.“Retrato de uma Jovem em Chamas”, Céline Sciamma (2019)
Quanta delicadeza e força expressiva para contar uma história de algo que passou a ser um dos temas mais recorrentes dos tempos atuais, que é o LGBTQIAPN+, quando nem se pensava em classificar assim esses grupos. Céline Sciamma se esmera em contar a história de Marianne, uma jovem pintora francesa, no século 18, com a tarefa de pintar um retrato de Héloïse, com quem se vê cada vez mais próxima e atraída. As mesmas travas, os mesmos preconceitos, as mesmas opressões dos tempos atuais. Mas, otimistamente falando, a mesma possível liberdade de amar a quem se quiser mesmo que isso, necessariamente, gere consequências – ontem e hoje. Entre os diversos prêmios que "Retrato de Uma Jovem em Chamas" recebeu, o merecidíssimo César de Melhor Fotografia.
05.“Menina de Ouro”, Clint Eastwood (2004)
O velho Eastwood, hein? À época, com seus 74 (hoje, quase centenário), depois de produzir sempre bem e bastante e de já ter posto seu nome na história do cinema norte-americano com filmes como “Bird” e o oscarizado “Os Imperdoáveis”, vem com essa obra-prima ao mesmo tempo delicada e pesada, triste e tocante. Tanto é que arrebatou a Academia em 2004, levando 4 dos 7 Oscar que concorreu: Melhor Filme, Diretor, Atriz e Ator Coadjuvante. A habilidade do experiente Eastwood em lidar com a luz e o mergulho nas sombras, seja no sentido estético quanto figurado, é de abismar. Impossível sair de uma sessão de “Menina de Ouro” sendo a mesma pessoa que entrou.
Clintão com a oscarizada Hillary Swank em um dos melhores filmes do século
06.“O Pianista”, Roman Polanski (2002)
Daqueles filmes talhados a obra-prima. O tarimbado Polanski, cujo nome está gravado na história do cinema por filmes como “O Bebê de Rosemary”, “Chinatown” e “Cul-de-Sac”, acerta em tudo em “O Pianista”, uma obra pungente e necessária, inclusive para o próprio Polanski, judeu que perdera os pais no Holocausto. O filme venceu Palma de Ouro, Bafta e Cesar, mas o Academia do Oscar dos Estados Unidos, país onde Polanski é considerado fugitivo por um crime de estupro nos anos 70, não cedeu. Deu ao filme as estatuetas de Melhor Ator, Roteiro Adaptado e de Diretor, o qual o diretor recebeu e agradeceu via vídeo bem longe, na Europa. A de Filme, no entanto, não. A aclamação veio naturalmente.
07.“O Segredo dos Seus Olhos”, Juan José Campanella (2010)
A Argentina já vinha preparando o terreno para que o mundo a reconhecesse como uma das principais produtoras do cinema da atualidade desde os anos 80. O Oscar de Filme Estrangeiro para “A História Oficial”, sobre a ditadura no país, já anunciava isso. Porém, o amadurecimento do cinema local e a formação de cineastas e profissionais do audiovisual colocaram o cinema a América Latina em real evidência no século 21 pela primeira vez. Ah! tem mais um fator a favor de "O Segredo dos seus Olhos", que se chama Ricardo Darín. O grande ator do novo cinema argentino é a cara dessa geração não poderia estar de fora daquele que é, mesmo com outros grandes concorrentes, o melhor filme da Argentina do século até aqui. Tanto que o Oscar de Filme Estrangeiro veio de novo, inevitavelmente. Naquele 2009, não teve pra ninguém com esse thriller que junta suspense, policial, romance, comédia e o velho dedo na ferida dos argentinos com a ditadura.
08.“A Pele que Habito”, Pedro Almodóvar (2011)
Almodóvar é aquele diretor que é tão talentoso, que pode se
dar ao luxo de fazer filmes menos expressivos dentro daquele seu universo
kitsch e absurdo para, do nada, criar uma obra-prima surpreendente. “A Pele que Habito”, além de contar com velhos parceiros (Antonio Banderas, Marisa Paredes,
Jean-Paul Gaultier, Alberto Iglesias) é, sem dúvida, uma revitalização do
cinema do próprio cineasta espanhol, o filme que o reinventou (como se não
bastasse já haver se reinventado outras várias vezes anterior e
posteriormente). Espécie de “O Médico e o Monstro” com ares da bizarrice que
marca os roteiros de Almodóvar: sexo, culpa, vingança, problemas psicológicos.
Uma ressignificação de obras anteriores como “Matador”, “Ata-me” e “Carne
Trêmula”.
09.“Onde os Fracos não têm Vez”, Joel e Ethan Coen (2007)
Se nos anos 90, os Coen já haviam realizado sua obra-prima, “Fargo”, nos 2000 o seu grande filme é “Onde os Fracos não têm Vez”. Quase um aperfeiçoamento de “Fargo” em alguns aspectos, seja na trama errática, na câmera observante, na presença de personagens amorais ou na estética inospitaleira, o filme troca o branco da neve do primeiro pela aridez dos tons terrosos do deserto. E também volta a explorar a fragilidade do humanismo diante da brutalidade da sociedade. E ainda tem aquele que é um dos mais assustadores e marcantes psicopatas da história do cinema, o assassino de aluguel Anton Chigurh, vivido brilhantemente por Javier Barden. Arrebatou 4 Oscar: Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado e Ator Coadjuvante, além de ganhar três BAFTA, dois Globos de Ouro, American Film Institute e o National Board of Review of Motion Pictures.
10.“Cidade de Deus”, Fernando Meirelles e Katia Lund (2007)
Talvez apenas “Ganga Bruta”, “Rio 40 Graus”, “Terra em Transe”, “Dona Flor e Seus Dois Maridos” e, agora, "Ainda Estou Aqui", se equiparem em importância a “Cidade de Deus” para o cinema nacional. Determinador de um “antes” e um “depois” na produção audiovisual não apenas brasileira. Pode-se afirmar que influenciou de Hollywood a Bollywood, ajudando a provocar uma mudança nos conceitos da indústria cinematográfica mundial. Ou se acha que "Quem quer Ser um Milionário?" existiria sem antes ter existido "Cidade..."? Fernando Meirelles, bem como alguns atores e técnicos, ganharam escala internacional a partir de então. Tudo isso por conta do extraordinário filme, autoral, pop e inovador em estética, narrativa, abordagem e técnicas. Entre seus feitos, concorreu ao Oscar não como Filme Internacional, mas como Filme e Diretor, outra porta que abriu para “Ainda Estou Aqui”.
A última frase dita no filme, na voz do célebre personagem Aldo, o Apache (Brad Pitt) é: "acho que eu fiz minha obra-prima". Está certo que Aldo se referia ao ferimento a faca que marcou na testa do igualmente histórico personagem Cel. Hans Landa (Christopher Waltz), mas é inegável que a frase é propositalmente ali posta por Quentin Tarantino por este reconhecer, sem falsa modéstia, que havia chegado, sim, à sua melhor realização. Ao menos, a mais madura e a mais bem produzida entre todos os seus nove longas. Se “Pulp Fiction” marcou uma nova era do cinema de autor nos anos 90, nos 2000 não tem igual a "Bastardos Inglórios". "Éum bingo!"... é assim que se diz na América: "um bingo"?
12.“A Fita Branca”, Michael Haneke (2009)
É difícil escolher um Haneke, esse cineasta peculiar que desde os anos 80 produz um cinema marcado pelo olhar crítico dos padrões da sociedade ocidental e o consequente declínio da moral hegeliana. Porém, “A Fita Branca”, além de seu congelante p&b e as assustadoramente reais atuações dos atores mirins, tem a incisividade de identificar o "ovo da serpente", ou seja: os impulsos que levaram às Grandes Guerras, tão definidoras de caminhos do mundo no século 20, principalmente da Europa, Cannes, que não é boba, identificou a essencialidade do filme para a cinematografia moderna dando-lhe a inconteste Palma de Ouro de 2009.
13.“Roma”, Alfonso Cuarón (2019)
Há quem o considere "Roma" o filme mais injustiçado do Oscar dos últimos tempos, visto que merecedor do de Melhor Filme Estrangeiro, que venceu, como também de Melhor Filme, dado naquele 2019 ao contestado "Green Book". A triste história da empregada Cleo na Cidade do México nos anos 70 é contada com um misto de poesia, realismo e fatalismo pelo diretor Alfonso Cuarón, que também roteiriza, produz, edita, fotografa e conduz a própria câmera num p&b capaz de reinventar memórias. E quão potente é a sutil alusão à antiga cidade italiana, berço da civilização moderna. Seria mesmo uma sociedade "civilizada"? Além do Oscar, levou Leão de Ouro em Veneza, Globo de Ouro, Bafta e Chritcs Choice.
14.“Bacurau”, Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (2019)
O pernambucano Kléber Mendonça Filho realiza, sem sombra de dúvida, o cinema mais completo do Brasil nos últimos anos. Sua filmografia de longas é só acerto. Primeiro, “O Som ao Redor”. Depois, “Aquarius”, passando por este e o documentário “Retratos Fantasmas”. “Bacurau”, no entanto, é daqueles filmes sui generis, um faroeste sertanejo sobre limpeza cultural, resistência ao imperialismo e o império da violência. Um retrato do Brasil ameaçado pelo fascismo e pela consequente americanização das mentes. Com a edição característica e as marcas da maneira de filmar de Kléber (fusões, zoons, closes x planos abertos), tem na trilha e nas atuações naturais outras de suas forças. Por imperícia da Academia Brasileira de Cinema, não foi o escolhido para concorrer pelo Brasil ao Oscar de Filme Estrangeiro, feito que somente agora “Ainda Estou Aqui” atingiu. Se tivesse ido, tinha boas chances. O próprio Bong Joon-ho, vencedor dessa categoria com “Parasita”, disse que ‘Bacurau” “tem uma energia única, traz uma força enigmática e primitiva.” É.
15.“A Vida dos Outros”, Florian Henckel von Donnersmarck (2006)
Retratos da Alemanha Oriental ainda hoje não são muito comuns no cinema. Talvez por vergonha do que acontecia de ruim do lado vermelho do Muro, talvez porque a vida fosse, de fato, muito monótona que não inspirasse filmes sobre aquela realidade. Este brilhante filme de Florian Henckel von Donnersmarck é, de certa forma, um pouco dessas duas coisas: uma mostra de que não era uma maravilha a vida sob o regime socialista alemão e que, sim, os dias não tinham muito sabor. Ao vigiar 24 horas a vida do escritor Georg Dreyman e de sua namorada a mando do governo, o militar Gerd Wiesler começa aos poucos a se dar conta da existência do amor, do companheirismo e da dor existencial de viver num país coercitivo e punidor que ele mesmo ajudava a manter. "Abaixo às ditaduras", sejam elas do lado que for. Oscar, César, British Academy e Donatello de Melhor Filme Estrangeiro, entre outros, "A Vida dos Outros" foi apontado pela revista National Review como o "O Melhor Filme dos Últimos 25 anos". Não podemos estar tão errados em elencá-lo também.
Memorável filme de von Donnersmarck reflexiona aquilo que o séc. 20 não ousou, que é a crítica à ditadura - inclusive, as de esquerda
Iñarritu apareceu para o mundo do cinema no seu México natal, mas em seguida foi absorvido pela indústria dos Estados Unidos. Entre erros e acertos, completou sua trilogia iniciada em “Amores Perros” com “21 Gramas” e “Babel”, derrapou no confuso “Biutiful” e conquistou o Oscar com o ousado “Birdman”. Mas foi na narrativa tradicional de "O Regresso", ao contar a história real de vingança do personagem Hugh Glass, num inóspito Oeste norte-americano do século 19, que o cineasta foi só acerto. Teve como aliados, bem verdade, Leonardo DiCaprio atuando e Ryuichi Sakamoto na trilha. E a cena do ataque do urso?! O que é aquilo?! Só ela, já valia.
17.“Zona de Interesse”, Jonathan Glazer (2024)
Somente a abertura do filme, com quase 1 minuto de tela preta sobre um som tenso, insistente e inconclusivo, já demostra a personalidade deste impactante filme. Difícil, aliás, encontrar alguém que não guarde o impacto que o filme lhe causou ao mostrar com crueza a comparação entre desumanidade e a normalidade da vida de uma abastada família alemã vizinha do campo de concentração de Auschwitz. “Zona de Interesse” não tem, inclusive, muito enredo. E um roteiro de poucos acontecimentos, que se presta a evidenciar sem filtros a perversidade humana. Filme que encerra a linha de títulos pós-Segunda Guerra inaugurado simbolicamente em 1947 com “Alemanha Ano Zero”, de Roberto Rosselini. O Oscar de Melhor Filme Internacional era-lhe certo, como de fato foi.
18.“Match Point”, Woody Allen (2024)
Woody Allen é como Paul McCartney ou Caetano Veloso na música: não precisa provar nada depois do que já realizou. O cineasta dos geniais “Manhattan”, “Hannah e suas Irmãs”, “Crimes e Pecados” e outros já deixou sua contribuição para a história do cinema há muito tempo. Mas ele entrou os anos 2000 produzindo. E bastante. Após um período um tanto oscilante em termos de qualidade, Allen vem com este filme surpreendente, que começa parecendo uma comédia romântica, vira um drama, passa a ser um policial, até tornar-se um suspense eletrizante. Há outros de Allen de até mais sucesso deste período, como “Vicky Cristina Barcelona”, “Para Roma com Amor” e o queridinho “Meia-Noite em Paris”, mas nenhum bate “Match Point”, um filme único em sua extensa filmografia.
19.“Melancolia”, Lars Von Trier (2011)
Lars Von Trier surgiu na Dinamarca dos anos 80 com um cinema autoral, criou e passou pelo Dogma 95 nos anos 90, chegou a Hollywood nos anos 2000 e tornou-se uma lenda viva do cinema mundial. “Melancolia”, seu 22º longa, parece arrecadar todas essas experiências, mas de uma maneira ainda assim particular. Estão nele o cinema de arte dos primeiros filmes, a câmera na mão e a montagem naturalista do Dogma e a convocação de grandes astros (Kirsten Dunst, Kiefer Sutherland, Charlotte Gainsbourg). Mas mais do que isso: "Melancolia" tem uma narrativa absolutamente instigante em uma ficção científica que faz uma metáfora da insustentabilidade dos cansados padrões sociais. O que isso resulta? Em catástrofe. Questionamentos urgentes que os novos tempos de pós-verdade exigem.
20.“O Pântano”, Lucrecia Martel (2001)
O cinema argentino conta com vários outros cineastas talentosos. Porém, nenhum deles possui um estilo tão pessoal como o de Lucrécia Martel. Dona de um cinema de linhagem moderna carregado e perspicaz, ela vale-se da dificultação do olhar e da fragmentação narrativa para expressar sentimentos e angústias da sociedade contemporânea, adentrando nas profundezas de seus personagens. Exímio em expressar esse universo, “O Pântano” fala sobre duas famílias que, em meio a um verão infernal na cidade de La Cienaga, entram em conflito. Texturas, sensorialidades e densidade se homogeinizam para expor tensões interpessoais, que se encaminham fatalmente para o pior. Uma reflexão visceral sobre classe, natureza, sexualidade e política, e uma das mais aclamadas estreias de realização contemporâneas. Prémio para Melhor Primeira Obra no Festival de Cinema de Berlim.
21.“Holy Spider”, Ali Abbasi (2022)
Asghar Farhadi, Jafar Panahi, Mohammad Rasoulof, Nafiseh
Zare e Peivand Eghtesadi são todos realizadores iranianos com grandes obras e que
mantêm o alto nível do cinema deste complicado país islâmico. Outro cineasta,
Ali Abbasi, no entanto, foi quem produziu aquele que pode ser considerado o
mais impressionante filme desta safra do século 21 no Irã. "Holy Spider" acompanha a aterrorizante história real do serial killer mais temido do Irã,
"Spider Killer", que atuou entre os anos de 2000 e 2001, vitimando 16
prostitutas em nome de uma jornada "espiritual" de limpar a cidade da
corrupção e imoralidade. Este thriller policial desvela uma série de padrões
sociais muito arraigados na sociedade islâmica com os quais a jornalista Arezoo
Rahimi precisa se deparar. O anseio pela mudança da condição da mulher vem
novamente à tona como em diversos outros filmes iranianos. Porém, parece que
algo está evoluindo – mesmo que ainda seja mais vontade que realidade.
22.“Encontros e Desencontros”, Sofia Coppola (2003)
Pode-se contar nos dedos os cineastas que, de largada, fizeram seu melhor filme. Nem Renoir, nem Pasolini, nem Ophuls, nem Wilder, nem Kubrick. Nem mesmo Francis Ford Coppola, pai de Sofia que, esta sim, conseguiu tal feito. “Encontros e Desencontros”, o apaixonante e originalíssimo romance passado numa Tóquio tão populosa quanto inóspita, é um marco do cinema feminino neste século. Referências a Ozu, a Tati, a Tarkowsky, a Wenders. Mas, principalmente, a própria Sofia, que formula um cinema com a sua cara: profundo, plástico e autoral. Um dos grandes vencedores do Globo de Ouro daquele ano, ganhou como Melhor Filme em Comédia ou Musical, Ator em Comédia ou Musical (Bill Murray) e Roteiro, categoria na qual foi também premiado no Oscar. Que debut!
23.“Drive my Car”, Ryūsuke Hamaguchi (2021)
Contar bem uma história é a essência do cinema. Agora, contar bem uma história longa e cheia de detalhes e encadeamentos sem perder a fruição é digno de aplauso. É o que o cineasta Ryūsuke Hamaguchi fez ao adaptar para a tela o conto do renomado escritor japonês Haruki Murakami. Em suma, embora todos os minutos das praticamente 3 horas de duração de "Drive my Car" sejam totalmente aproveitáveis, o filme nada mais é do que a narração da história de duas pessoas solitárias que encontram coragem para enfrentar o seu passado. Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, não teve pra outros em 2022. O Japão, aliás, sempre tão essencial para o cinema, segue rendendo bons frutos. Filmes como “Assunto de Família”, “Pais e Filhos” e “Monster” bem podiam estar aqui também.
24.“O Cavalo de Turim”, Béla Tarr e Ágnes Hranitzky (2011)
O velho fazendeiro Ohlsdorfer e sua filha dividem um cotidiano dominado pela monotonia. A realidade dos dois é observada pela vista da janela e as mudanças são raras. Enquanto isso, o cavalo da família se recusa a comer e a andar. O filme é uma recriação do que teria ocorrido com o animal após ter sido salvo da tortura pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche durante uma viagem a Turim, na Itália. Este "épico do nada" foi o canto-do-cisne do aclamado diretor húngaro Béla Tarr, que disse que o filme aborda “o peso da existência humana”. Takes longos, poucos diálogos, trilha econômica e plasticidade carregada e altamente poética, marcas que Tarr dividiu a direção em sua última obra com a esposa e constate colaboradora Ágnes Hranitzky. Prêmio FIPRESCI e do Grande Júri em Berlim.
25.“Ainda Estou Aqui”, Walter Salles Jr. (2024)
Muito se falou nos últimos meses do filme que, enfim, conquistou o tão
almejado Oscar para o Brasil. Somente por isso, o longa de Walter Salles já
garantiria seu posto entre os mais importantes deste quarto de
século 21 ao recolocar a América do Sul no mapa mundial da indústria do cinema.
Porém, "Ainda Estou Aqui" é mais do que somente sua simbologia. De um roteiro cirúrgico e
atuações marcantes, principalmente da oscarizável Fernanda Torres, tem
o poder de tocar o espectador e de saber contar com sensibilidade uma história
real e tão universal, que trata, antes de tudo, sobre liberdade. Além do Oscar e do Globo de
Ouro para Fernandinha, vários prêmios de fina estirpe assinalam isso, como Veneza, Goya e Miami.
E fechamos com Fernandinha, que fez história no cinema brasileiro (e latino-americano) neste final de primeiro quarto de século 21
PS: Mesmo não incluídos na lista acima, merecem “menção honrosa” estes outros 25, pois são todos excelentes filmes, que bem podiam estar ali: