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sábado, 9 de março de 2024

“Dias Perfeitos” , de Wim Wenders (2023)



INDICADO A
MELHOR FILME INTERNACIONAL


Teria muito para falar de Wim Wenders, de qualquer filme de sua extensa filmografia, de sua carreira, do namoro de seus filmes com a filosofia, das diversas fases e projetos diferentes, das obras-primas. Mas o que talvez dê mais prazer e uma alegria até ingênua é falar sobre a realização de um filme japonês de Wim Wenders. “Dias Perfeitos” é, acima de tudo, uma dessas delícias que cinéfilos admiram: um filme de um cineasta de um país realizado noutro e com total propriedade. Porque, sim, “Dias Perfeitos” é um filme japonês, produzido com verba japonesa, falado em japonês, com atores japoneses e cheio de referências ao cinema japonês. E um baita de um filme.

“Dias Perfeitos” acompanha com extrema delicadeza a história de Hirayama (Koji Yakusho, lindo e atorzaço), um homem de meia idade reflexivo que vive de forma modesta como zelador e limpando banheiros em Tóquio. Sua rotina é revelada ao espectador através da música que ouve, dos livros que lê e da apreciação das árvores, suas três paixões. À medida que os dias Hirayama avançam, encontros inesperados começam a surgir e passam a revelar um passado escondido, que jogam luz sobre os porquês da solidão, da fuga e da busca de sentido na vida moderna.

Wenders assumidamente faz uma homenagem e referencia seus mestres do Oriente: Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi e, principalmente, Yasujiro Ozu, sua grande paixão talvez apenas equiparável a Michelangelo Antonioni. É do Ozu de “A Rotina Tem seu Encanto” e “Era uma Vez em Tóquio”, cineasta já perscrutado por Wenders no documentário poético “Tokyo-Ga”, de 1985, que ele extrai o senso contemplativo de “Dias...”. Seja na extensão sem pressa do transcorrer das cenas, seja na posição baixa da câmera em determinadas tomadas, quase ao chão, seja na apreciação natural da ação, aproveitando o som direto e sem “interferência” de trilha sonora.

Tomada quase no chão ao estilo Ozu

Por falar em música, aliás, são elas que ajudam a conduzir o filme. Ou melhor: pontuá-lo. A bela seleção de K7s do personagem, a qual ele ouve no carro pelas ruas e avenidas de Tóquio (Otis Redding, Lou Reed, Nina Simone, Patti Smith, só coisa boa) geralmente indo ou voltando do trabalho, demarcam não apenas a busca dele por “dias perfeitos” como, igualmente, o conduzem a praticamente encontrá-los ao final. Como uma trilha que acompanha momentos da vida e traduz emoções. 

Como em “Paris, Texas”, “O Estado das Coisas” e “Além das Nuvens“, Wenders dá ao “decurso do tempo” (para usar outro título de filme seu) a forma e a estética, que se fundem. Mais uma vez captando com muita pertinência o espírito da terra em que se apropriou, o cineasta atribui aos silêncios (o “ma” da cultura oriental) uma função primordial para transmitir sentimentos de culpa, sofrimento, medo, frustração, angústia e, porque não, também de alegria. Em compensação, os diálogos são extremamente bem aproveitados, precisos como um golpe samurai. Vários são realmente tocantes, como o breve reencontro com a irmã abastada e de vida triste, que vai à sua humilde casa resgatar a filha, fugida de casa e de sua realidade para ter alguns dias de harmonia com o tio que tanto gosta.

Hirayama com a sobrinha: momentos
de contemplação e harmonia
A dialética entre o arcaico e o moderno é, contudo, o centro da trama. Isso faz remeter, mais profundamente analisando, a uma forma de se colocar no mundo. O anacronismo do tipo de música e a mídia que Hirayama tanto apreciava é um símbolo de algo em extinção, mas capaz de gerar uma genuína conexão do ser humano com a arte, embora isso não faça mais tanto sentido num mundo cada vez mais digitalizado e fragmentado. A busca por si próprio no isolamento e na circunspecção faz lembrar filmes em que este foi o refúgio existencial de personagens na procura pelo sentido da vida, casos de “Nascido e Criado”, de Pablo Trapero, “O Turista Acidental”, de Lawrence Kasdan, e o próprio “Paris, Texas”. Porém, assim como nestes exemplo, “Dias...”, em suas propositais repetições de cenas e na progressão emocional do protagonista ao longo da história, vota numa solução humana para as dificuldades. Perfeição não existe.

Embora torça para isso, dificilmente Wenders levará o Oscar de Filme Internacional. Sem o gigante “Anatomia de uma Queda” na disputa, uma vez que a produção francesa ganhadora da Palma de Ouro em Cannes concorre somente ao de Melhor Filme ao lado de favoritos como “Oppenheimer” e “Vidas Passadas”, o caminho para o elogiado longa alemão (mas um tanto superestimado) “A Zona de Interesse” vencer está facilitado. Porém, só o fato de ver no páreo um “Junger Deutscher” como Wenders, um verdadeiro esteta e revolucionário do cinema moderno, é quase que um prêmio adiantado a ele e a toda uma geração. Herzog, Schlöndorff, Fassbinder, Von Trotta, Kluge: estão todos representados com esta indicação. E não só eles, mas também, no caso, Ozu, Kurosawa, Mizogushi, Imamura, Oshima. Porém, talvez nem Wenders dê tanta importância a uma conquista como esta. Afinal, mesmo com o reconhecimento a uma obra de meio século como a dele, a Academia está longe de ser perfeita. Assim como os dias.

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trailer de "Dias Perfeitos", de Wim Wenders



Daniel Rodrigues


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Melhores do Ano Accirs 2024

O ano de 2024 foi desafiador para todo gaúcho por conta dos desastres climáticos de maio. A área do cinema, claro, foi bastante afetada, seja pela interrupção das atividades, seja pelo prejuízo material a espaços e salas de cinema, seja pela natural inserção no cenário local enquanto atividade cultural e econômica, Claro que, indireta e até diretamente em alguns casos, a Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs), em seu 16º ano de atividade, também foi afetada. Atividades que ocorreriam em junho não se realizaram e outras nem se pode cogitar isso. Porém, uma delas, foi mantida: a já tradicional eleição dos Melhores do Ano, que tem por base produções lançadas em mostras e festivais, no circuito comercial e também em plataformas de streaming, no caso, de 2024.

Dividida em dois turnos, a votação selecionou os melhores longas-metragens estrangeiro, brasileiro e gaúcho, além do melhor curta gaúcho do ano. Ainda, os membros da associação entregam, desde a primeira edição dos Melhores do Ano, o Prêmio Luís César Cozzatti, que reconhece filmes, projetos, instituições ou pessoas de destaque no cenário audiovisual gaúcho. Os vencedores foram revelados em primeira mão durante evento sobre crítica online e atuação internacional com o historiador e crítico de cinema Waldemar Dalenogare, realizado no dia 14 de janeiro, na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana, o qual tive o privilégio de mediar. Sala lotada, público interessado, muitas interações e selfies.

Confira, então, os vencedores do Prêmio Accirs 2024:

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Melhor curta-metragem gaúcho:
"Pastrana", de Melissa Brogni e Gabriel Motta

É hat-trick que se fala quando no esporte alguém atinge a marca de repetir três vezes o mesmo feito, né? Podemos dizer que "Pastrana", dos jovens cineastas Melissa e Gabriel, marcou esse triplete. Primeiro, no 52º Festival de Gramado, em agosto, quando nosso júri do "Gauchão", o Prêmio Accirs para curtas-metragens gaúchos dentro da Mostra Assembleia Legislativa, votou nesta produção para o filme. Mais adiante, em novembro, igual: nosso júri de crítica formado para o 2º Festival de Cinema de Canoas o escolheu. Agora, para ratificar, o grupo de membros consagra este belo documentário de montagem ágil, imagens impactantes e narrativa tocante que presta, por meio de um enfoque muito pessoal, homenagem ao skatista de downhill Allysson Pastrana, falecido trágica e precocemente em 2018 durante uma competição.



Melhor longa-metragem gaúcho:
"Até Que a Música Pare", de Cristiane Oliveira

A Accirs ainda não havia premiado Cristiane nem com o belo "A Primeira Morte de Joana", de 2023,  como também ao brilhante "Mulher do Pai", de 2017, um dos mais importantes filmes da nova cinematografia gaúcha. Agora, enfim, veio o reconhecimento ao seu terceiro longa, que conta a história de Chiara, matriarca de uma família de descendência italiana, e seu marido, Alfredo, que decide acompanhá-lo em uma de suas viagens a trabalho para não ficar só em casa depois que o último de seus filhos sai do lar para morar sozinho. A sensível história, contada com ainda mais sensibilidade pela cineasta, põe o casal diante do maior desafio de suas vidas com o casamento de 50 anos à prova. 



Longa-metragem nacional:
"Ainda Estou Aqui", de Walter Salles

O filme que arrebatou crítica e, incrivelmente, público fora e dentro do Brasil. Mas o fenômeno "Ainda Estou Aqui", embora raro para o cinema brasileiro, tendo em vista o tema e a abordagem competentes mas nada pop como as comédias da Globo Filmes, é totalmente merecido. O filme que levou Fernanda Torres ao Globo de Ouro e o Brasil ao Oscar é uma sensível e comprometida reconstrução da história real da família Paiva, que viu o pai de cinco filhos e marido da resistente Eunice Paiva ser levado pelos militares para nunca mais voltar. Obra forte e necessária - principalmente, no atual momento em que as manifestações fascistas volta a ameaçar as democracias e os direitos humanos.



Longa-metragem Internacional:
"Anatomia de uma Queda", de Justine Triet

O que os olhos enxergam? Que olhos são esses, o do espectador? O da diretora? O de um personagem cego? Os de um cão de olhos sadios, mas irracional? O olhar da Justiça? O brilhante e incomum thriller de Justine é um misto muito bem argumentado de drama familiar, filme de tribunal e análise sociocomportamental da sociedade francesa. Todas as interrogações que o filme levanta e convida o espectador a acompanhar o desenrolar da trama, ora desvendando, ora impondo novos questionamentos. Com isso, outros pontos também surgem: o cinema não seria exatamente isso, a dúvida do que se vê ou se escuta? Mesmo com outros ótimos filmes internacionais em 2024, como "Dias Perfeitos", "Os Colonos" e "Pobres Criaturas", a Accirs teve a lucidez de premiar "Anatomia de uma Queda", outra obra de cineasta mulher assim como os brasileiros "Pastrana" e "Até que...". 



Prêmio Luís César Cozzatti (destaque gaúcho):
Hélio Nascimento

Um dos mais respeitados críticos de cinema em atividade no Brasil, Hélio Nascimento assina há 64 anos uma coluna semanal sobre cinema no Jornal do Comércio, de Porto Alegre. Atualmente com 88 anos de idade, foi agraciado, em 2022, com o Prêmio Gramado 50 Anos no Festival de Cinema de Gramado, honraria destinada a pessoas cujas trajetórias em cinema se destacaram ao longo das décadas. Hélio tem dois livros lançados: "Cinema Brasileiro", de 1981, e "O Reino da Imagem", de 2002, e integra o livro "50 Olhares da Crítica Sobre o Cinema Gaúcho", publicado em 2021 pela Accirs e da qual é sócio-honorário.


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Cinema Marginal #5 - "Meteorango Kid, Herói Intergalático", de André Luiz Oliveira (1969)



Uma obra extremamente provocativa, tanto para o final dos anos 60, época de lançamento do filme, como para os dias atuais. Seu objetivo é tirar os jovens da zona de conforto e mostrar a eles que as mudanças que eles desejam tem que partir deles.
"Meteorango Kid, Herói Intergalático" narra as aventuras de Lula, um estudante universitário, no dia do seu aniversário. De forma absolutamente despojada, anárquica e irreverente, mostra sem rodeios o perfil de um jovem desesperado, representante de uma geração oprimida pela ditadura militar e pela moral retrógrada de uma sociedade passiva e hipócrita.
Lula (Antônio Luiz Martins),
o nosso "herói"
Vou ser sempre repetitivo nesta parte, não espere que as obras marginais sejam um primor técnico pois os filmes são feitos praticamente de forma amadora, a cortes bruscos, cenas onde o áudio some e mais uma vez você, amigo, vai ter que superar isso, ok?
Se não é um primor técnico o longa é no mínimo muito bem realizado. Temos ótimas escolhas de câmera, a iluminação muito boa na maior parte das vezes, e as atuações, muito reais, dão margem de comparação entre as personalidades dos personagens, sobretudo com o “Vampiro” de "A Mulher de Todos". Esse foi o primeiro longa dirigido por André Luiz Oliveira que por conta de seu ótimo trabalho acabou sendo muito bem recebido pela crítica e pelo público. Menos pela censura.
A "viagem" e o discurso.
Que cena, senhoras e senhores!
Se você analisar o filme vai ver que ele é bem direto, utiliza do seu humor estranho e exagerado para fazer suas críticas sendo a juventude um dos seus principais alvos uma vez que muitos jovens ainda se encontravam numa zona de conforto presos a sonhos utópicos, alienados à cultura de astros de cinema e música, e aí encontra-se a explicação para o título do filme. Uma obra feita no local certo no momento certo: na Bahia, no final turbulento da década de 60, repressão forte, surgimento da tropicália e um sentimento de rebeldia surgindo com força. O longa tem um momento onde podemos ouvir como "trilha" de fundo o famoso discurso de Caetano Veloso de revolta com a juventude em "É Proibido Proibir", no Festival de 1968. Muito bom! Uma das cenas mais impactantes é quando Lula e seus amigos se reúnem em pequeno apartamento para fumar maconha. É uma cena longa na qual acompanhamos toda a viagem dos rapazes desde o cigarro sendo feito até a completa loucura na qual um deles saca a arma e acaba atirando (ou não) em outro no meio da “noia”. Além da cena ser muito bem filmada, com corte perfeitos, temos uma câmera subjetiva nesta cena que dá todo o suspense necessário. É simplesmente perfeita, mostrando todo o recurso técnico do diretor. Um grande destaque para o diálogo desta cena com o fenomenal o discurso que um dos amigos faz que mesmo em meio a todo a loucura da cena e muito bom. Ao final de seu monólogo o que senti foi “Nossa!Esse maluco cheio de erva na cabeça, está certo”.
Uma sociedade totalmente presa a valores atrasados que vende falsa ideia de família tradicional brasileira, uma juventude passiva, que se recusa a se rebelar com medo da não aceitação. Não o longa não é deste ano, é de 1969, mas fala a nossa língua. É um filme do nosso tempo. Um filme forte, um manifesto pela luta que na época era fundamental que existisse. Não temos mais a ditadura, mas a repressão ainda está por aí e os falsos ídolos também. "Meterorango Kid" convida-nos, ainda hoje, a não nos conformarmos a nos revoltarmos. Aceite o convite. Assista o filme. Rebele-se.
O que seria de um filme destes se fosse feito nos dias de hoje?
Talvez não fosse proibido mas com certeza sofreria sérios problemas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ira! - "Vivendo e Não Aprendendo" (1986)


“O Edgard senta na mesa e diz assim: ‘Olha, não é nada disso, não tem nada dessa história de rebeldia juvenil. Realmente é um preconceito contra a invasão de nordestinos, era o que eu estava pensando na época e foi isso o que eu quis dizer mesmo, eu não agüentava essa coisa de música baiana, de Caetano, de Gil'. Na hora, esse foi mais um dos insights que eu tive. Puta que o pariu, defendi durante anos essa letra, carreguei essa cruz. Agora, naquele dia, eu saí de lá falando assim ‘eu nunca mais canto essa música.’ ”
Nasi, à Revista Trip em 2008
sobre a música “Pobre Paulista”


Um dos melhores discos do rock nacional.
Mais um daquela safra brilhante da metade da década de 80 que inclui o "Dois" do Legião, o "Cabeça Dinossauro" dos Titãs, o "Selvagem?" dos Paralamas, o Capital Inicial com seu disco de mesmo nome, entre outros bons que apareceram por ali.
“Vivendo e não Aprendendo” do Ira! era a afirmação de uma banda que havia aparecido bem no seu primeiro trabalho, “Mudança de Comportamento” de 1985, mas que então ganhava o respeito definitivo de público e crítica. Mais do que isso, era a afirmação Edgar Scandurra como o melhor guitarrista brasileiro dos últimos tempos e com certeza o melhor daquela geração. Músico capaz de riffs agressivos como o da espetacular “Dias de Luta”, melodias ternas como a da melancólica “Quinze Anos”, ou referenciais como em “Envelheço na Cidade”.
Nas composições de Scandurra pela voz de Marcos Valadão, conhecido como Nasi, o Ira! proporcionava com “Vivendo e não Aprendendo”, retratos urbanos recheados de imagens, sentimento coletivo e realidade cotidiana. A confusão da cidade, a violência, as multidões, as paixões e os desencontros na ótima "Vitrine Viva" com sua linha de baixo forte e matadora; a alienação, o dinheiro, a indignação na punkzinha “Nas Ruas”; o preconceito pueril de Edgar Scandurra em “Pobre Paulista (“não quero ver mais essa gente feia / não quero ver mais os ignorantes / só quero ver gente da minha terra / eu quero ver gente do meu sangue”); e o grito coletivo de desemprego, fome poluição de “Gritos na Multidão” são exemplos perfeitos desse desenho musical social proposto pelo Ira!.
No entanto, o grande sucesso do disco, muito devido ao fato de fazer parte da trilha de uma novela, foi “Flores em Você”, canção de letra curta, que nas mãos do produtor Liminha ganhou um belíssimo arranjo de cordas que lhe conferiram toda uma grandiosidade e graça.
O Ira! nunca mais conseguiu produzir um álbum como este. Fez uma coisa boa aqui, outra ali, os integrantes principais, Nasi e Edgar envolveram-se em projetos paralelos interessantes mas o grupo nunca mais foi o mesmo. A obra excessivamente diversificada, atirando em todas as direções, fez com que nunca tivessem conseguido manter uma unidade de estilo ou de intenção e não conquistassem um grande público de fãs como foram os casos de Legião, Titãs, Capital. Talvez se tivessem se fixado um pouco mais em determinada linha, ou principalmente, se tivessem feito coisas próximas a este “Vivendo e Não Aprendendo”, tivessem se consolidado posteriormente e tivessem mantido o interesse do público por seu trabalho. Mas isso não é tudo e o Ira!, por mais que tenha sumido da grande mídia, sempre teve seu público fiel. O que importa é que certamente tratou-se de uma das grandes bandas do cenário nacional e que foi fundamental no alavancamento do rock brasileiro naquela metade de anos 80. Se teve seus erros, teve, mas teve seus acertos também, e que foram muitos.
Enfim... a vida é assim, é vivendo e aprendendo.

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FAIXAS:

01.  Envelheço Na Cidade 3:17
02. Casa De Papel 3:36
03. Dias De Luta 4:26
04. Tanto Quanto Eu 2:50
05. Vitrine Viva 2:20
06. Flores Em Você 1:54
07. Quinze Anos (Vivendo E Não Aprendendo) 2:40
08. Nas Ruas 4:17
09. Gritos Na Multidão 3:08
10. Pobre Paulista 4:57


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Ouça:

quarta-feira, 19 de março de 2014

Tim Maia - "Nuvens" (1982)



“Arlênio pega a pelota/ E passa pro China/ Trindade pisa na bola/ Mas é bom menino.”
da letra de “Haddock Lobo, Esquina com Matoso”



Ed Motta, profundo conhecedor da música soul e, além de tudo, sobrinho de Tim Maia, disse certa vez: “’Nêgo’ tá de bobeira com negócio de [Tim Maia] Racional, muito menos musical. O lance é esse aqui.” O “lance” a que ele se refere é “Nuvens”, que seu tio gravara em 1982. Uma preciosidade da soul music brasileira da fase final da era black rio que Tim foi, se não o principal, um dos protagonistas juntamente com Cassiano, Hyldon, Dom Salvador, Érlon Chaves, Oberdan Magalhães, Carlos Dafé, entre outros craques. Tudo gente da maior categoria, músicos de primeira, a quem Tim, em “Nuvens”, faz questão de reverenciar de uma forma ou de outra.

O disco, assim, é uma volta às raízes da errante carreira desse junkie total chamado Tim Maia (afinal, o cara, cheirava, fumava, bebia e comia, tudo em excesso). Tim já era uma lenda desde o final dos anos 50, antes mesmo apresentar seu gogó de veludo ao mundo do entretenimento. Nos anos 60, viajou, no peito e na raça (negra), para os Estados Unidos em plena ebulição de Luther King e Black Panthers e em uma época que não era comum um preto sul-americano pobre fazê-lo (ainda não é...) para viver no gueto de Nova York fazendo música “y outras cositas mas”. Foi, evidentemente, deportado por porte de drogas... Voltou ao Brasil, foi gravado pelo já ícone Roberto Carlos e fez dueto com outro ícone, Elis Regina. Tudo isso antes do seu aguardado – e confirmado – debut solo, "Tim Maia" (1970) (já resenhado aqui no ClyBlog). Entre sucessos estrondosos ao longo da década seguinte (“Primavera”, “Não Quero Dinheiro”, “Você”, “Azul da Cor do Mar” e mais uma dezenas de hits), Tim também amargou fracassos homéricos, fosse pela sua inabilidade como empresário à frente da gravadora própria, a Seroma, fosse pelo comportamento de toxicômano ou pelo seu temperamento irascível, o que lhe indispunha diretamente com toda a indústria fonográfica. O limite da “irracionalidade” se deu em 1975, quando, em uma séria crise de abstinência, parou com todas as drogas químicas para se viciar na Cultura Racional, uma espécie de seita ocultista cuja filosofia ia do nada ao nada, mas que o motivou a gravar os dois históricos discos “Tim Maia Racional Vol. 1” e “Vol. 2”.

Após o (óbvio) fracasso do projeto (o Racional virou cult no mundo 30 anos depois sem render, no entanto, nenhum centavo ao bolso de Tim) e de um retorno com tudo às drogas, ele limpou-se de novo e ainda se recuperou nas paradas no final dos anos 70, mas tudo com mais baixos do que altos. Curiosamente, a despeito do caixa zerado, esse período de sua carreira é extremamente rico e fértil. Maduro como músico (tocava quase todos os instrumentos, do violão à bateria, além compor, arranjar e de dominar a mesa de estúdio), Tim enfileira discos excepcionais, como os homônimos de 1976 (que contém “Rodésia”) e 1978 (o todo em inglês) e “Reencontro”, de 1979 (o da linda “Lábios de Mel”). “Nuvens”, como Ed Motta ressalta, é o ápice dessa fase, e um dos segredos para tal êxito está justamente na volta às origens. Tim, então chegado aos 40 anos, parecia ter compreendido que era necessário não se afastar de todos, como fizeram na fase Racional, mas, sim, se reaproximar (física ou espiritualmente) daqueles que construíram sua história, expondo, assim, o que ele realmente era: um cara de talento ímpar, excêntrico e difícil, mas generoso e amigo.

Assim, voltam à cena Hyldon, Robson Jorge e, principalmente, o “genial Genival”: Cassiano, cuja participação já lá no primeiro álbum de Tim é fundamental. A faixa-título e de abertura, parceria de Cassiano com o “gringo brasileiro” Deny King, evidencia seu toque refinado. Como destaca Ed Motta: “tema do Cassiano lindaço, moderno harmonicamente”. De fato, a harmonia bossa-novista, com sinuosidades a la Marvin Gaye, ao mesmo tempo romântica e espacial, tem a sua cara. O paraibano contribui ainda com seu falsete e arranjo vocal no refrão, no qual forja, numa improvável alocação, a palavra “você” dentro de apenas meio tempo do compasso sobre um riff de metais matador. Genial. Genival. Cassiano.

O álbum segue com temas interessantíssimos: o sambão romântico “Outra Mulher”, ao estilo “Gostava Tanto de Você”, “Réu Confesso” e “Vou Correndo te Buscar”, característico de Tim; a foliosa “A Festa”, com uma levada de baixo em escala que é de um groove impressionante; a autoavaliativa “Ninguém Gosta de se Sentir Só”, cuja gostosa melodia lembra outra de Tim, “Brother, Father, Sister and Mother” (presente em “Tim Maia”, de 1976); e a balada quase bolero “Deixar as Coisas Tristes pra Depois”, também com a mãozinha de Cassiano no coro. Mais uma fruto de parceria com um “brother”, Robson Jorge, “Ar Puro”, de letra ecologicamente consciente numa época em que não era moda este termo (“Mas eis que estão matando o verde/ E o quê irá sobrar?/ Sujando os mares e os rios/ O volume do ar/ Ar.”), é daqueles soul super dançáveis, igualmente às versões de “O Trem”, tanto o tema instrumental (infalível em qualquer disco de Tim) quanto o “falado”, que tem improvisos super bacanas da banda Vitória Régia.

Ainda no espírito de resgates, Tim chama Hyldon para tocar na regravação do maior sucesso do amigo, “Na rua, na chuva, na fazenda (Casinha de Sapê)”, em que empresta seu vozeirão com direito a ouverdub para a pegajosa letra da canção: “Jogue suas mãos para o céu/ E agradeça se acaso tiver...”. Mas para muitos críticos e fãs é “Haddock Lobo, Esquina com Matoso” – endereço do bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio, ponto de encontro de uns moleques que se tornariam algumas maiores nomes da MPB dos anos 50 até os dias de hoje – o verdadeiro hit de “Nuvens”. “Foi lá que toda a confusão começou”, alerta Tim! Pois foi lá que Tim formou seu primeiro grupo musical juntamente com Roberto Carlos, Arlênio Lívio (aquele que “pega a pelota”), o “bom menino” Edson Trindade (um dos grandes parceiros de Tim ao longo da carreira, autor do clássico “Gostava Tanto de Você”, gravada por Tim em 1973) e Wellington Oliveira, Os Sputniks, posteriormente, renomeado The Snakes, já sem Tim e Roberto mas com as substituições de outro Roberto, o China, e de outro Carlos, o Erasmo. Ele recobra esta origem de subúrbio ao trazer situações e personagens, como Jorge Ben (“A turma estava formada/ Com lindas meninas/ E o Jorge com um camarada/ Era o Babulina”) e os próprios Roberto e Erasmo (“Erasmo, um cara esperto/ Juntou com Roberto/ Fizeram coisas bacanas/ São lá da esquina...”). Como se vê, uma das lembranças gostosas desse tempo está relacionada a futebol, nas peladas que batiam pelas ruas quando meninos. Uma menção breve acerca do esporte, mas bastante simbólica no que se refere ao conceito de resgate emocional (Tim era um jogador de futebol frustrado) que o disco carrega.

Depois dessa passagem nostólgico-futebolística, merecem atenção dois funks. O primeiro,  “Apesar dos Poucos Anos”, de Tim e Cajueiro, mas que quem dá a roupagem caprichada é Cassiano na fineza da harmonia e da linha vocal com sutilezas de Nile Rodgers e Quincy Jones. Por último, justamente a faixa que encerra o disco, “Sol Brilhante”, uma canção, simplesmente, solar, tal seu colorido e boas energias que transmite: “Vê que dia lindo/ Com muito amor, viver sorrindo/ Com este sol da manhã/ Com este sol penetrante/ Sol brilhante...”. Tudo numa execução exata da banda, num ritmo swingado e com vocal aberto, cantado pra fora. Inspiração total. O jornalista e escritor Marcello Campos, admirador e conhecedor da obra do artista, que diz: “’A musica do Sol’ é uma das coisas mais lindamente felizes e inspiradoras que eu já ouvi. Lindo demais.”

Definitivamente, “Nuvens” é um dos mais ricos e bem-acabados trabalhos da longa e sinuosa carreira de Tim Maia, seja pelas interpretações, pelos arranjos perfeitos, pela diversidade rítmica – percebida antes com tanta variedade, a bem da verdade, somente nos Racional – ou pelas referências que absorve, que vão desde Banda Black Rio até Gaye, James Brown, Curtis Mayfield e Stevie Wonder, passando pelos companheiros de rock e soul dos anos 60-70 e o samba carioca. Tudo isso não quer dizer, entretanto, que “Nuvens” tenha sido um sucesso. Marcello Campos confirma isso: “Esse disco é ensolarado como a capa, mas, por questões ‘tim-maianas’, um fracasso de mercado“. Mas, como de costume na obra te Tim Maia, virou mitológico tempo depois. Qual a validade disso? Em relação a Tim Maia, “só não vale dançar homem com homem e nem mulher com mulher”. O resto vale.

"Haddock Lobo, Esquina com Matoso" - Tim Maia


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FAIXAS:
1. "Nuvens" (Cassiano/Deny King) - 3:05
2. "Outra Mulher" - 3:11
3. "Ar Puro" – (Tim Maia/Robson Jorge) - 3:08
4. "O Trem - 1ª Parte" - 1:56
5. "A Festa" - 4:26
6. "Apesar dos Poucos Anos" (Tim Maia/Beto Cajueiro)- 3:24
7. "Deixar as Coisas Tristes para Depois" (Pedro Carlos Fernandes) - 2:58
8. "Ninguém Gosta de se Sentir Só" - 3:13
9. "Haddock Lobo, Esquina com Matoso"- 3:53
10. "O Trem - 2ª Parte" - 1:56
11. "Na Rua, na Chuva, na Fazenda (Casinha de Sapê)" (Hyldon) - 3:38
12. "Sol Brilhante" (Tim Maia/Rubens Sabino) - 2:50
Todas de Tim Maia, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO





segunda-feira, 6 de julho de 2020

Zé Leonardo Matraga Villar


Villar vivendo seu maior personagem:
Zé do Burro, de "O Pagador
de Promessas"
Sempre quando falo de grandes atuações do cinema, lembro-me de Leonardo Villar. Assim como Giulieta, Brando, Marília, Toshiro, De Niro, Pacino, Emil ou Lorre, o ator brasileiro é dos que foram além do convencional. Aqueles atores cujas atuações são dignas de entrar para o registro dos exemplos mais altos da arte de atuar. Sabe quando se quer referenciar a alguma atuação histórica? Brando em “O Poderoso Chefão”, Michel Simon  em “Boudu Salvo das Águas”, Giulieta em “A Estrada da Vida”? Pois Leonardo Villar fez isso não uma, mas duas vezes – e numa diferença de 5 anos entre uma realização e outra.

Primeiro, em 1960, ao encarnar Zé do Burro, o tocante personagem de Dias Gomes deO Pagador de Promessas, o filme premiado em Cannes de Anselmo Duarte (na opinião deste que vos escreve, o melhor filme brasileiro de todos os tempos). Na mesma década, em 1965, quando vestiu a pele a perigo de Augusto Matraga, do igualmente célebre A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de certamente o melhor filme do craque Roberto Santos rodado sobre a obra de Guimarães Rosa. Dois filmes que, soberbamente bem realizados (“O Pagador...” é daqueles que considero perfeitos em todos os aspectos), não o seriam tanto não fosse a presença de Villar na concepção e realização dos personagens centrais das duas histórias. Ainda, personagens literários que, embora a riqueza atribuída por seus brilhantes autores, são - até por conta desta riqueza, o que resulta-lhes em complexos de construir em audiovisual - desafios para o ator. Desafios enfrentados com louvor por Villar.

Augusto Matraga: 5 anos depois, o ator realizava outra
atuação história no filme de Roberto Santos
Talvez por não ser ator, mas amar cinema, sou arrebatado pela arte do ator. Por óbvio, mais do que outros elementos como a fotografia, a trilha sonora ou a edição, a atuação é o que geralmente me mais faz associar a ideia de um filme, a que mais me faz lembrá-lo como obra. A concepção de um personagem, algo tão técnico quanto sensível e, por vezes mágico, é-me o grande mistério do cinema o qual perscruto o utópico entendimento sabendo, pois utópico, nunca chegar. Por isso, quanto mais vejo, mais me fascino.

Existem vários atores de grande capacidade e inúmeras atuações bem realizadas. Mas daquelas que simbolizam a arte cênica, são poucos. Poucos capazes de gerar tamanha empatia (seja amor, raiva, dó, asco, tesão, piedade ou o que for cabível despertar nessa relação imagético-real provocada pelo cinema) numa obra artística de pouco menos de duas horas de duração. Quando ator e personagem homogeneízam-se. A pessoa e a ideia, o real e a ficção. Tão raro quando isso ocorre, que não é errado pensarmos que estamos diante de um milagre. Por isso, perdas como essa devem ser, se não lamentadas, registradas. O momento em que perdemos Zé do Burro e Augusto Matraga. Aliás, Leonardo Villar e Leonardo Villar.


Leonardo Villar
(1923-2020)

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"O Pagador de Promessas" (1960)


"A Hora e a Vez de Augusto Matraga" - parte 1 e 2 (1966)
 


Daniel Rodrigues


sexta-feira, 12 de julho de 2019

Quando o rock encontrou a bossa nova


A semana é de rock, cujo alucinante e revolucionário ritmo é comemorado dia 13, mas o que marcou mesmo esses últimos dias foi a perda da maior referência da bossa nova, João Gilberto, no último dia 6. De modo a contemplar os dois, então, o rock'n'roll e a bossa nova, trago aqui um cruzamento de algo que de muito me instiga: o samba no rock. Como bem classificou Rita Lee: "bossa 'n' roll".

Não é de hoje que os estrangeiros, seja dos Estados Unidos, Europa ou Ásia, morrem de amores por nossa música, especialmente pelo samba – e não tem estilo mais representativo deste ritmo e da música brasileira que a bossa nova, nosso maior produto-exportação depois do futebol. Mas uma coisa é certa: gringo não sabe fazer samba. Não adianta. Eles se esforçam, admiram, veneram, imitam mas não sai igual. Falta ginga, falta sol tropical na moleira, falta melanina, falta pobreza. Sei lá o que, mas falta. E um dos maiores segredos é, justamente, a batida do violão de João. Se muito brasileiro não entende, imagina eles.

O que não quer dizer, entretanto, que não saia legal o que eles fazem. Essas assimilações culturais e troca de percepções me agradam, ainda mais considerando um mundo cada vez mais conectado e de acesso fácil a conteúdos antes apenas nichados.

Mas mesmo assim – e aí que está a graça – um samba feito por alguém de fora tem uma cara diferente. Não raro, sai um troço quadrado, sem molho ou, pior, confundido com rumba ou salsa caribenhas. Tem, contudo, resultados muito legais, inovadores, globalizados. Visto pelo ângulo deles, os de fora, são contribuições do olhar do estrangeiro, a forma como eles entendem nossa cultura.

Por isso, separei aqui 13 (afinal, trata-se também de rock ‘n’ roll) sambas criados e cantados por quem não nasceu no Brasil e nem se criou aqui. Não sai nada igual ao que João fez, eles mesmos sabem. Mas tentaram e não se saíram mal.



Beastie Boys - “I Don’t Know”

Os Beastie Boys são aqueles caras que evoluíram pra caramba disco após disco, e em “Hello, Nasty”, de 1998, permitiram-se arriscar com esta bossa-nova, que ficou bem bonita. O violão, entretanto, não deixa mentir: tocado com palheta e não dedilhado tal como os mestres do instrumento no Brasil. Yuka Honda, figura claramente importante neste cenário (como boa japa admiradora de MPB que é), participa cantando. A rapaziada se saiu bem.
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Beck – “Tropicalia”

Se tem alguém que chegou bem perto de fazer igual aos brasileiros, esse cara se chama Beck. Admirador da MPB, “rato” de loja de disco e, mais do que isso, músico de bom ouvido, em 1998 mandou ver nessa homenagem ao Tropicalismo que tem, até pelas inclusões de funk e elementos modernos, a maior cara do que Caetano, Gil e Cia. Propuseram. A batida do violão, calcanhar de Aquiles pra quem não é daqui, em “Tropicalia” soa perfeito. Podia ser até um Baden ou Macalé tocando.
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Towa Tei - "Let me Know"

Tá bem que Towa Tei é parceiro costumeiro de Bebel Gilberto, que certamente lhe deu umas aulinhas de ziriguidum. Mas o resultado da leitura do samba deste músico japonês é recorrentemente admirável e pessoal. Sob a ótica de um DJ calcado nos beats dançantes, o ex-Deee-Lite tem joias como esta do disco "Last Century Modern", de 1999,, em que nem a batida eletrônica é capaz de excluir o repique típico do samba. Linda canção que muito brasileiro jamais seria capaz de compor.



The Rolling Stones - "Sympathy for the Devil"

Pode não parecer samba, mas os próprios Stones disseram que a compuseram inspirados no que presenciaram numa vinda ao Brasil. Tá na cara que eles confundiram samba com candomblé, música de ponto, mas não importa se foi numa sessão de batuque ou numa quadra de escola de samba - e sabe-se lá em que estado se encontravam. O importante é que saiu essa pérola, um hino do rock que abre o clássico "Beggars Banquet", de 1969.





Sean Lennon - "Into the Sun"

O filho de Lennon e Yoko certa vez perguntou ao Sérgio Dias de onde os Mutantes tiravam aquela musicalidade e o brasileiro sarcasticamente respondeu: "do seu pai, sua besta!" Afora o mau humor desentendido da resposta, dá pra entender a dúvida do talentoso e interessado Sean naquilo que é uma esfinge a um estrangeiro: "como se faz samba?" Do seu jeito, Sean (ao lado de Yuka Honda, de novo nessas funções) compôs essa lindeza de bossa nova, que dá título ao seu primeiro disco, de 1998. O violão é meio duro, rola um pastiche dos arranjos de Tom Jobim, mas é visível que a linda música veio do coração.



The Deviants - "Nothing Man - Bun"

Sabe-se lá o que esses malucos da cena proto-punk de Londres ouviram de samba, mas o que saiu foi algo instigante e transgressor como um bom rock deve ser. A música encerra o baita disco "Ptooff!", primeiro deles, de 1967. Nunca o samba soou tão psicodélico e garage band.






Jamiroquai - "Use the Force"

Jay Kay e sua turma são talhados em tudo que se refere ao jazz soul dos anos 70, inclusive a brasileira Azimuth. São eles a maior inspiração da Jamiroquai para esta música do celebrado "Travelling Without Moving", de 1996. Sopros e vocal perfeitos, além da percussão bem latina. Mas, convenhamos, também não é samba.  






Cornelius - "Brazil"

A célebre "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso, foi o primeiro grande cartão de visitas da música brasileira pré-bossa nova, e por isso vários músicos daqui e de fora dela se apropriaram. Um deles, Keigo Oyamada, o Cornelius (mais um japonês!), compôs, em 2002, no disco "Point", essa reverência chamada, claro, de "Brazil". Indie eletronic de alta qualidade com a sua cara e, detalhe: domínio do violão como poucos, muito próximo à batida da bossa nova.




Ryuichi Sakamoto - "Free Trading"

Mais um japa, mas não qualquer um, pois estamos falando do genial Ryuichi Sakamoto. O universal músico, conhecedor de perto da MPB e sabedor do que estava fazendo, compôs "Free Trading" em seu discaço "Neo Geo", de 1888. Bossa com toques orientais. Afinal, quem e que disse que samba não pode ter também esse sotaque?





The Kinks - "No Return"

Imagina Paul McCartney ou Brian Wilson caindo no samba? Ia dar em coisa boa certamente. Pois quem fez isso foi Ray Davies, da Kinks – o que significa praticamente a mesma coisa em termos de grandeza. Esta joia chamada “No Return”, do espetacular "Something Else" (1967) - grata lembrança do meu amigo Lucio Brancato -, é bossa nova no melhor estilo, e sem deixar a dever em nada o toque do violão. Os versos são em inglês, mas o som é brasileiríssimo.



Ambitious Lovers - "King"

Ok, ok, eu sei que é meio “migué” por a Ambitious Lovers nessa lista sendo o Arto Lindsay tão brasileiro quanto norte-americano. Mas considerando que Peter Scherer é inteiramente de lá e que a banda formou-se em Nova York, vale esse “jeitinho brasileiro”. “King”, essa joia do primeiro disco da dupla, “Greed”, de 1988, tempera na medida certa o rock underground e o ritmo das escolas de samba. Coisa de brasileiro - mas americano também.




Brian Eno - "Kurt's Rejoinder"

A visão world music de Brian Eno não o deixaria fazer um samba convencional tal e qual o que ele ouviu aqui pelo Brasil. Ele até saberia, mas iria de fato resultar em algo reprocessado e personificado. Melhor exemplo é “Kurt's Rejoinder”, essa “samba de plástico” do brilhante álbum “Before and After Science”, de 1977.
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Gabriel Yared - "Chili con Carne"

Para fechar, outros que há muito se rendem à música brasileira são os franceses. Na trilha sonora clássica do cult movie dos anos 80 "Betty Blue" o compositor Gabriel Yared versou a canção-tema, entre outros ritmos, também para a bossa nova. C'était magnifique!
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por Daniel Rodrigues