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sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Weezer - "Weezer" ou "The Blue Album" (1994)


por Roberto Sulzbach Cortes

“Se você quiser destruir meu suéter, 
segure esse fio enquanto vou embora.”
da letra de "Undone (The Sweater Song)"


Olá, Clybloggers! Antes do ano acabar, venho aqui para falar de um clássico que está completando três décadas em 2024! Sabe aqueles álbuns que, quando você coloca na vitrola (ou onde quer que você escute música), transportam você para aquele tenebroso local de insegurança e incerteza na vida chamado adolescência? Pois é: apesar de eu ter nascido mais de seis anos depois dessa obra ser lançada, o disco de estreia do Weezer, que completa 30 anos e que também se chama "Weezer", mas é comumente conhecido como "The Blue Album" (devido à cor predominante em sua capa), é um dos que mais me vêm à mente.

O ano é 1986 e Rivers Cuomo conhece o baterista Patrick Wilson, e logo, se muda para a casa dele e de seu amigo baixista, Matt Sharp. Cuomo era um rapaz tímido, que não falava direito com meninas, era fissurado em heavy metal e Role-Playing Game (RPG). Ou seja, um “nerd clássico” a la "Vingança dos Nerds". Aliás, uma curiosidade: o nome Rivers vem do inglês e se traduz como “rios”. Segundo sua mãe, é porque ele nasceu em Manhattan, entre o Rio Hudson e o Rio East. Contudo, seu pai, Frank Cuomo (também músico, tocou bateria no "Odyssey of Iska", do jazzista Wayne Shorter), dizia que era por conta de três jogadores da Copa do Mundo de 1970: os italianos Riva e Rivera, e o brasileiro Rivelino. Ao residir com os futuros colegas de banda, o metaleiro foi se afastando do gênero e se aproximou do grunge, que estava borbulhando na costa oeste, por meio de bandas como Soundgarden, Mudhoney, Pearl Jam e, claro, Nirvana, além de umas pitadas de artistas precursores, como Pixies e Sonic Youth.

Em 1992, os três roommates se juntaram ao guitarrista Jason Cropper (que, durante as gravações do primeiro álbum, foi trocado por Brian Bell por divergências pessoais) e formaram a Weezer. Àquela altura, já tocavam canções que viriam a integrar o "Blue Album", como "Sweater Song" e "Say It Ain’t So", mas ainda não tinham a aderência que viriam a conquistar. Até que Rivers gravou uma K7 que chamou a atenção da Geffen Records. Das oito músicas contidas na fita, cinco apareceram no eventual disco de estreia.

Em agosto de 1993, o quarteto entrou no Electric Ladyland, em Nova Iorque, junto do produtor Rick Ocasek, vocalista do The Cars. Praticaram muito as harmonias, que fariam parte integral da sonoridade do álbum, e definiram que as guitarras precisavam soar tão altas quanto as de "Creep", do Radiohead, lançada um ano antes. O resultado foi um hit atrás do outro, daqueles discos que podem tocar inteiros no rádio sem causar tédio em nenhum ouvinte.

A abertura é com o dedilhado de violão de "My Name is Jonas" e, na prática, explica que a tônica é o power pop direto, sem firulas. Além disso, pouco mais de 10 anos depois, ela fez parte da infância e adolescência de uma nova geração, por meio do jogo de videogame Guitar Hero III. Machismo nunca foi tão pegajoso quanto em "No One Else", em que o locutor terminou com sua namorada porque ela ria das piadas de outros homens e ele desejava alguém que não risse para ninguém além dele, e que ficasse em casa enquanto ele estivesse fora.

"The World Has Turned and Left Me Here" é o completo oposto da faixa anterior. O refrão fala que “o mundo girou e me deixou aqui, onde eu estava antes de você aparecer” e que “no seu lugar, um espaço em branco preencheu o vazio atrás do meu rosto”. Além disso, destaco a abertura da bateria de Patrick Wilson: sempre me pega. "Buddy Holly" é o "hit dos hits". Referenciando o ícone do rock dos anos 50, é um hino atemporal, cultuado por jovens e adultos ao redor do globo e que ganhou o célebre videoclipe de Spike Jonze, sucesso na MTV à época. Seu riff é meme no TikTok, e é impossível achar algo que esteja errado na música. Steve Baltin, da Cash Box, disse que você deve amar uma música que faz referência a Mary Tyler Moore. Eu não poderia concordar mais.

"The Sweater Song" começa a explorar as ansiedades e inseguranças que nosso narrador apresentou em "No One Else". A canção inicia com diálogos de dois amigos em primeiro plano (interpretados por Sharp e Karl Koch, amigo de longa data do grupo e considerado “o quinto Weezer”), enquanto sons de festa são perceptíveis ao fundo. Cuomo começa a cantar versos curtos sobre o suéter que está se despedaçando com as interações que ele tem com as pessoas - uma metáfora para sua própria saúde mental frente à fobia social que sofria. "Surf Wax America" acelera a batida novamente e aborda o distanciamento que amizades e relações sofrem com o desgaste do tempo.

Talvez a música mais interessante do projeto seja "Say It Ain’t So". A canção surgiu de um momento em que Cuomo chegou em casa, encontrou uma garrafa de cerveja no congelador e entrou em pânico. O trauma da separação dos pais, causada pelo alcoolismo de Frank, seu pai, fez com que ele temesse pela relação de sua mãe com o padrasto, a quem tinha grande apreço. Em um trecho, a letra se traduz: “Como pai, padrasto, o filho esta se afogando da avalanche”. "Say It Ain’t So" surge dessa angústia, desse pedido para que a história não se repetisse.

Em "In the Garage", Cuomo fala sobre como “dentro da garagem”, ele se sente seguro, junto de seu jogo de tabuleiro RPG Dungeons and Dragons, da Kitty Pryde, do Noturno (ambos, dos X-Men) e de sua guitarra, e como “ninguém se importa com o seu jeito”. Lembrando algo que disse no começo do texto: Cuomo é um nerd, esquisitão e que não se encaixa direito na sociedade em que vive. Em "Holiday", o objetivo é fugir para um lugar distante, em uma batida harmônica, parecendo uma versão eletrificada dos Beach Boys.

Assim como "My Name Is Jonas" tem um "cheiro de abertura”, "Only In Dreams" foi fabricada para finalizar a obra. A linha de contrabaixo de Matt Sharp é afiadíssima (com o perdão do trocadilho em inglês: sharp é “afiado”) e é protagonista na melodia durante seus 7 minutos e 59 segundos de duração. A tônica do álbum é encerrada com a história de um jovem que gosta de uma menina, mas não tem a coragem de ir atrás dela; portanto, é apenas nos seus sonhos que ele fica com ela. A narrativa é, proporcionalmente, pequena perto da duração dos seus quase oito minutos, mas os arranjos nos contam até mais da história do que a própria letra. Da metade para o final, um épico musical é formado e se torna a despedida perfeita para um álbum que gira em torno da esquisitice que é ser adolescente, a busca por aceitação e a procura do amor perfeito que os hormônios mais ladinos provocam nos jovens de geração em geração.

As gravações foram finalizadas em setembro de 1993, com o lançamento previsto para maio de 1994. Kurt Cobain faleceu tragicamente em abril de 1994 e, com ele, toda a onda grunge perdeu um de seus principais expoentes. Contudo, a música “alternativa” estava espalhada por todo o mainstream, e a porta estava aberta para quem quisesse a atenção das massas, algo que, talvez, possibilitou que o "Blue Album" (lançado menos de um mês depois) se tornasse o sucesso que se tornou. Além de, claro, clipes produzidos pelo Spike Jonze são sempre bem-vindos.

Clássico clipe de "Buddy Holly", da Weezer, 
com direção de Spike Jonze


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FAIXAS:
1. "My Name Is Jonas" (Jason Cropper, Patrick Wilson, Rivers Cuomo) - 3:23
2. "No One Else" - 3:14
3. "The World Has Turned And Left Me Here" (Wilson, Cuomo) - 4:26
4. "Buddy Holly" - 2:40
5. "Undone - The Sweater Song" - 4:55
6. "Surf Wax America" (Wilson, Cuomo) - 3:04
7. "Say It Ain't So" - 4:18
8. "In The Garage" - 3:56
9. "Holiday" - 3:26
10 "Only In Dreams" - 8:03
Todas as composições de autoria de Rivers Cuomo, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Música da Cabeça - Programa #346

O que você está levando aí, hein, seu guarda? Se está pela paz, pode seguir adiante como o MDC de hoje: pela paz. No Dia Internacional da Solidariedade com o Povo Palestino, a genialidade de Bansky nos ajuda a contar que teremos também Elis Regina, Luiz Melodia, Vince Guaraldi, Xande de Pilares, Nirvana e mais. Armado mas de arte e amor, o programa vai ao ar hoje na pacífica Rádio Elétrica. Produção e apresentação devidamente revistadas: Daniel Rodrigues.

www.radioeletrica.com

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Música da Cabeça - Programa #337

 

Quem disse que as tintas também não emitem sons? Quando a gente fala de Mark Rothko, artista letão que completaria 120 anos, não há como duvidar. É o que o MDC desta semana prova com todas as tintas. Nossa paleta também traz cores de Milton Nascimento, The Beatles, Moreno Veloso, Erasmo Carlos, Nirvana e outros. A verinssage abre às 21h na expositiva Rádio Elétrica. Produção e apresentação sobre tela: Daniel Rodrigues.


www.radioeletrica.com

quinta-feira, 13 de julho de 2023

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Charly Garcia - “Clics Modernos” (1983)



 

por Roberto Sulzbach 

- I want to make a record ("Eu quero fazer um disco").

- Your dad is rich or what? ("Seu pai é rico ou o quê?"


Nova Iorque, 1983, entrada do lendário Eletric Ladyland Studio, fundado por Jimi Hendrix. Batem à porta, dois argentinos com uma maleta e acontece este diálogo descrito acima.

Enquanto isso, o homem de bigode bicolor abre a maleta e pega um dos maços de notas de 100 dólares: "Do you want it, or not?" ("Você quer, ou não quer?"). Então, a porta se abre. 

Trinta anos atrás, os argentinos eram Charly García e Pedro Aznar. Os dois já eram lendas do rock de seu país. O primeiro, possuía o status de gênio musical por ser cantor, tecladista e protagonista em 3 grandes bandas do cenário portenho: o duo-folk Sui Generis, e as bandas de rock progressivo La Máquina de Hacer Pájaros e Serú Giran. O segundo, foi baixista de Charly na Serú Giran, e já era membro junto ao Pet Metheny Group. Lógico que, em Nova Iorque, ninguém sabia disso. 

Começaram os preparativos para as gravações do que seria, segundo muitos, a Magnum-opus do Rock Argentino, e quiçá, do idioma espanhol. A ideia inicial era se chamar “Nuevos Trapos”, mas depois de Charly se deparar com uma pixação escrita “Modern Clix” pelas ruas de Nova Iorque, não havia como não se chamar “Clics Modernos”. Foi-lhe entregue uma lista, contendo o nome de todos os produtores que trabalhavam regularmente no estúdio, onde encontraram o nome perfeito. Constava como: "Joe Blaney – The Clash"

Joe Blaney havia acabado de trabalhar no projeto mais ambicioso e criticamente aclamado do conjunto punk londrino, o "London Calling", e buscava um novo desafio. Nas palavras dele, quando chegou ao estúdio, não possuía a dimensão de com quem estava, e aos poucos foi percebendo o talento e a estatura dos músicos que estava prestes a produzir. Charly estava tão na vanguarda, que praticamente toda a parte de percussão foi feita em uma TR808, da Roland. Criada por Ryuichi Sakamoto, García apelidou o equipamento de “La Ryuchi”

O disco abre com "Nos Siguen Pegando Abajo", já demonstrando a forte influência do new wave. Musicalmente, é uma composição fenomenal, mesclando sintetizadores, a bateria da Ryuichi, somada de uma base em 4 tempos, enquanto a guitarra, toca o riff em 7 tempos, sendo assim, 2 compassos simultâneos. Apesar de ser um tema para tocar em festas, a música cita "los hombres de gris" ("homens de cinza", como referência à polícia), e o próprio título, que pode se traduzir como “seguem nos reprimindo”, referência à ditadura ainda vivida na Argentina.

"No soy um extraño" é uma balada dançante, impulsionada por batidas e palmas digitais, e carregada pelo baixo simples e certeiro de Aznar. A música aborda a história de dois homens buscando ver um tango antigo, tipo em que a dança era realizada apenas por rapazes, não envolvendo uma mulher, como hoje é popularmente conhecido. O tom expressado, tanto pela melodia, tanto pela letra, nos transmite o medo da homossexualidade ser descoberta publicamente.

Aznar e Charly: amigos e parceiros de Buenos Aires
a Nova Iorque para produzir uma obra-prima
"Dos Cero Uno" é a canção mais minimalista do disco, e que tem como base, além das batidas eletrônicas, a Tabla, instrumento popular na Índia e similar a um bongô. Nos traz quase um relato autobiográfico de Charly, falando sobre sua maturidade e mudança, o colocando como um personagem. "Nuevos Trapos" é uma balada new wave, uma canção moderna de amor, colocando piano e sintetizadores, que se sobrepõe harmoniosamente. 

A letra de "Bancate ese Defecto" trata de lidar com defeitos que todos têm, erros que todos cometem e a dificuldade da autoaceitação, mas que errar faz parte da experiência de ser humano (incluindo um trecho em que chama o ouvinte de narigudo). Quando chegamos à metade da música, Charly engata uma quinta, e em ritmo alucinado, dispara mais “verdades” aos nossos ouvidos. Finaliza com os sintetizadores imprimindo um tom de mistério, ao lado da linha de baixo de Aznar, finalizando, de forma magistral, o lado A. 

O lado B arranca com um sample (direto da Ryiuchi) de um grito de James Brown em “Hot Pants Pt.1”, para iniciar "No me Dejan Salir", sendo esse apenas um dos samples do cantor de soul utilizados na música (temos a adição de trechos de "Please, Please, Please" e "Super Bad" no decorrer da canção). Certamente, a música “más bailable del disco”, com pontes bem estruturadas e refrão grudento, além de ser a única música que contém uma bateria verdadeira, além do TR808. Vale a pena também conferir o icônico clipe da música, gravado um ano depois, e que conta com a participação do então tecladista, e futuro artista globalmente conhecido, Fito Paez, segurando um mocassim para a câmera. 

Um acorde grave dá início ao tema mais profundo da obra. Uma acorde que arrepiou, arrepia, e arrepiará gerações de argentinos, e (por que não?) latino-americanos em geral. "Los Dinosaurios" é uma eulogia aos desaparecidos da sanguinária ditadura que matou, perseguiu e reprimiu milhões de pessoas no país vizinho, e que também é válido para o nosso caso. Charly fez questão de dizer que vizinhos, artistas, jornalistas e nem mesmo seu amor está seguro, e podem desaparecer. “Clics” foi lançado um mês antes do retorno à democracia na Argentina, e imediatamente, se tornou um hino sobre os acontecimentos dos anos anteriores, convertendo-se em uma espécie de memória viva, em forma de hit, em forma de arte. O piano é tocado com sutileza, expressando o pesar do passado, ao mesmo tempo que vislumbra um futuro esperançoso. 

"Plateado Sobre Plateado (Huellas En El Mar)" continua o tom de protesto, tratando sobre o exílio, tanto autoimposto quanto compulsório, nos transportando para aquela realidade. O contrabaixo sedimenta a melodia, apenas em duas notas, enquanto o teclado coloca, em sincronia, acordes em dissonância, para explodir em um refrão harmônico repleto de riff de guitarras rompantes. Finalizando o álbum, "Ojos de Videotape" nos introduz uma novidade: um piano acústico! Sintetizadores, uma ampla capacidade vocal de Charly e uma preocupação com o vício das pessoas no escapismo digital. Em um mundo sem smartphones, tablets, internet, parece até bobo que a televisão fosse um grande problema na concentração e na própria concepção de mundo da sociedade. 

García disse que: "K7´s são para as praias, CD´s para os shoppings, e os discos são discos". Esse álbum tem uma “artesania” de disco, não somente músicas gravadas e compiladas. E definitivamente, se trata de um disco, uma obra-prima, que o estúdio construído por Jimi Hendrix, teve a honra de conceber, e não o contrário.

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FAIXAS:
1. "Nos siguen pegando abajo (pecado mortal)" - 3:30
2. "No soy un extraño" - 3:18
3. "Dos cero uno (transas)" - 2:09
4. "Nuevos trapos" - 4:08
5. "Bancate ese defecto" - 4:56
6. "No me dejan salir" - 4:21
7. "Los dinosaurios" - 3:28
8. "Plateado sobre plateado (huellas en el mar)" - 5:02
9. "Ojos de video tape" - 3:37
Todas as músicas de autoria de Charly García

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OUÇA O DISCO:






Roberto Sulzbach Cortes é porto-alegrense, gosta de viajar (principalmente a Buenos Aires) e possui alma de baby boomer. Futuro jornalista, cresceu escutando de tudo. De Nirvana a Chico e de Notorious B.I.G a Miles Davis.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Underworld - "Second Toughest the Infants" (1996)

 



" 'Second Toughest in the Infants' 
perdura como um álbum marcante,
destacando o Underworld em seu
auge criativo e
permanecendo um documento importante
de uma época em que a 
música eletrônica dançante
experimental cerebral recebeu atenção
significativa do mainsteam."
Paul Simpson, da AllMusic



Conhecia o Underworld, basicamente do filme "Trainspotting, de 1996, e embora curtisse a intensa "Born Slipy", da trilha do longa, com seu vocal desalinhado e sua batida pesada, nunca procurei conhecer outras coisas dos caras. Só há pouco tempo, mais de vinte anos depois, resolvi ir atrás do disco que tinha a música do filme. E por que diabos eu esperei tanto tempo? "Second Toughest in the Infants" é incrível! Um dos grandes álbuns de música eletrônica já feitos. Uma viagem que passeia por diversos subgêneros do eletrônico ao longo da obra e, muitas vezes na mesma música, até mesmo porque como a maior parte das faixas são quilométricas, permitem idas, voltas, acelerações, recuos, desenvolvimentos, evoluções, inspiradas, criativas, surpreendentes e excitantes. 
A viagem já começa com o transe alucinante de mais de 15 minutos da "ópera eletrônica" "Juanita: Kiteless: To Dream of Love", um petardo altamente dançante, composto de três partes que se juntam e vão se somando à estrutura inicial, proporcionando algo entre a loucura e o deleite. "Banstyle / Sappys Curry" é um trance mutante que faz o ouvinte mergulhar numa verdadeira imersão sensorial. Sensualidade, mistério são as marcas mais destacadas de "Confusion the Waitress"; na minimalista "Rowla", a repetição, seria perturbadora se não fosse genial; e "Air Towel", muito viajandona, leva a uma espécie de nirvana."Blueski", a mais curtinha, tem uma pegada mais americana, meio country; "Stagger" é um caleidoscópio de sensações; e a espetacular "Pearls Girl", que lembra muito a clássica "Born Slippy", praticamente desenvolvida sob o mesmo conceito, é daquelas coisas de enlouquecer qualquer um numa pista de dança. Como diz sua letra, "Crazy, crazy, crazy..."!
"Born Slippy", que no fim das contas, foi minha motivação para ouvir mais do Underworld, na verdade nem era do álbum. Foi um single da época que, devido ao enorme sucesso, saiu numa reedição ampliada com mais quatro faixs e, posteriormente, numa reedição em disco duplo. Dos extras, todas merecem destaque. Além do hit que estimulou o relançamento, temos a ótima "Rez", muito kraftwerkiana, as atmosferas psicodélicas de "Cherry Pie", e "Pearls Girl (Carp Dreams)", uma boa remixagem da já destacada "Pearls Girl", uma das melhores faixas do disco.
Como o Underworld estará por aqui, por esses dias, para o festival C6 Fest, o momento não poderia ser mais propício para destacar um trabalho do grupo nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, embora seja uma justiça bastante tardia de minha parte. Demorei quase 30 anos para conhecer o valor desse disco... Bom, é sinal que realmente sua qualidade permaneceu intacta durante todo esse tempo.



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FAIXAS:
  1. Juanita: Kiteless:To Dream Of Love 
  2. Banstyle / Sappys Curry 
  3. Confusion The Waitress
  4. Rowla
  5. Pearl’s Girl 
  6. Air Towel 
  7. Blueski 
  8. Stagger 
  faixas extras da 1ª reedição

     9. Born Slippy - Instrumental Version 
    10. Rez
    11. Cherry Pie 
    12. Pearls Girl (Carp Dreams) 

Disco 2 (reedição)
  1. Born Slippy - Instrumental Version 
  2. Cherry Pie 
  3. Oich Oich 
  4. Puppies 
  5. Mosaic
  6. Deep Arch 
  7. Confusion The Waitress (She Said)
  8. Rowla A1806
  9. Pearls - Version 2
  10. Born Slippy - Nuxx 

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Ouça:

Cly Reis

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Lou Harrison - "La Koro Sutro" (1972)

 

Nem Reed, nem George

"Forma não é mais que vazio.
Vazio não é mais que forma.
Forma é exatamente vazio.
Vazio é exatamente forma.
Sensação, conceituação, diferenciação, conhecimento
Assim também o são."
Trecho do “Sutra do Coração da Grande Sabedoria Completa”, da filosofia budista Mahayana, século I

Pode-se entender como um impulso natural por parte de músicos modernos que queiram sair do óbvio o movimento em direção à música do Oriente. O esgotamento do sistema harmônico tonal, adotado pelo Ocidente a partir do século XVIII, levou artistas mais antenados a naturalmente procurarem saídas para esta armadilha diatônica. De Claude Debussy a David Bowie, de Dave Bruback a Philip Glass, a milenar cultura oriental vem servindo de baú de descobertas para aqueles que tentam suplantar as limitações impostas por aquilo que está estabelecido. Esta inquietação, claro, contaminou profundamente a música pop. Tanto é que as duas bandas mais influentes do rock, The Beatles e Velvet Underground, tiveram, cada uma a seu modo, a contribuição diferenciada das sonoridades vindas do outro lado do mundo, mastigando estes elementos para a música pop. E se George Harrison, pelos ingleses, e a dupla Reed/Cale, para com os nova-iorquinos são os principais mobilizadores desta busca, antes deles uma figura foi fundamental para que o Oriente chegasse ao Ocidente já depurado: Lou Harrison.

Nascido em Portland, no Oregon, em 1917, Harrison é um dos mais inovadores e influentes compositores da vanguarda norte-americana, tornando-se, junto a Iannis Xenakis, uma referência na música percussiva na vanguarda do século XX. Ex-aluno de Arnold Schöenberg, sua carreira inclui trabalhos como compositor, performer, professor, teórico musical, etnomusicólogo, maestro, fabricante de instrumentos, poeta, calígrafo, crítico, dançarino, marionetista e dramaturgo. O interesse música para percussão data da década de 1930, quando começou a apresentar concertos com o mestre John Cage. Nos anos 40 e 50, já um referencial professor universitário e diversas vezes premiado (inclusive com um Pulitzer), Harrison sentia que precisava buscar novos horizontes. E o achou. No Oriente. Passa a se interessar pela música asiática e seu sistema de afinação de “entonação justa” e muda radicalmente sua concepção musical, introjetando uma leitura original desses elementos a seu trabalho.

Obra temporã, “La Koro Sutro”, de 1972, que completou 50 anos de lançamento em 2022, é fruto de todos os elementos estilísticos, teóricos e conceituais construídos por Harrison ao longo de então cinco décadas. Porém, diferentemente do que poderia ocorrer a um autor acadêmico, “La Koro Sutro” não resulta carregada de elementos, que tornariam facilmente sua audição hermética e difícil. Pelo contrário: Harrison depura as influências orientais e a incrementa à sua música, tornando “La Koro Sutro” algo bastante pop aos ouvidos. Se o termo já era comum ao enterteinment naqueles idos de geração hippie, há de se supor, no entanto, que constituir uma obra palatável ao público menos especializado é um grande mérito vindo de um teórico.

A veia popular de “La Koro Sutro”, no entanto, explica-se de uma forma menos óbvia. Contrariando o que seria bem mais fácil a qualquer compositor, Harrison não recruta elementos da música do Ocidente para “poptizar” o “exótico”, facilitando a vida do receptor. Estudioso profundo, ele encontra na sonoridade oriental tais pontos de aproximação com o ouvinte. Essas observações vinham sendo percebidas por Harrison fazia tempo. No início dos anos 60, incentivado por uma conferência em Tóquio, inicia um estudo mais sistemático da música do Leste Asiático, viajando para a Coréia e Taiwan. Peças como “Pacifika Rondo” (1963) revelam a maneira altamente original com que Harrison empregou esses estilos. Em 1967, ele conhece Bill Colvig, um eletricista e músico amador que se torna seu parceiro de vida. Colvig projeta instrumentos para a ópera “Young Caesar” (1971), de Harrison. No início dos anos 1970, a dupla já estudava e tocava música tradicional chinesa em conjunto.

Harrison e o parceiro de vida e obra Colvig
comandando seus instrumentos inventados
Para “La Koro Sutro”, é fundamental a contribuição de Colvig, desta vez na construção do gamelão americano. Incitado pelo amigo e igualmente importante compositor da vanguarda norte-americana Harry Partch, Harrison buscou na feitura manual dos próprios instrumentos os sistemas de afinação que não só lhe conferisse personalidade como, igualmente, trouxesse esse arejamento à desgastada música ocidental. Caso do gamelão, instrumento musical coletivo típico da Indonésia composto por uma série de metalofones, xilofones, tambores e gongos, podendo algumas variantes incluir ainda flautas de bambu e instrumentos de cordas percutidas ou tocadas com arco. Harrison, então, estuda com o mestre javanês K.R.T. Notoprojo, com quem soube identificar aquilo que queria: adaptar a sonoridade complexa do instrumento para a sua realidade. Eis o gamelão americano, usado pela primeira vez na obra de Harrison em “La Koro Sutro”.

O título da peça é a tradução da língua universal esperanto para “Sutra do Coração”, que é um dos textos sagrados da tradição budista Mahayana, que descreve o caminho que se deve seguir para alcançar a destilação pura da sabedoria (Nirvana). O uso que Harrison faz do esperanto é uma clara declaração social e política que reflete sua esperança em um mundo unido e na transcendência das fronteiras étnicas e nacionais. Esse texto é brilhantemente ornado de corais, que se atrelam a uma orquestra de formação única (composta, conjuntamente ao coro, para percussão, harpa, órgão e gamelão americano), que extrai sonoridades improváveis.

Certa vez, o compositor e amigo Bill Alves escreveu que “como compositor, artista, poeta, calígrafo, ativista pela paz, Lou Harrison dedicou sua vida a trazer beleza ao mundo”. Com o potente e poético “La Koro Sutro”, Harrison atingiu este objetivo, formal e conceitualmente. A pequena obra, capaz de agradar os ouvidos mais incultos aos mais exigentes, é uma síntese de décadas de trabalho musical, acadêmico é uma declaração de amor de um artista que buscou incessantemente militar por uma arte mais democrática num campo em que facilmente os colegas se escudam no hermetismo inatingível. E ainda de quebra abriu portas para que o rock, a música mais pop do século 20, tirasse de si o exemplo da “ocidentalidade”. Os Beatles jamais teriam buscado Ravi Shankar ou os cantos orientais não fosse George Harrison pegar essa trilha, o mesmo que a dupla Reed e Cale fez com a Velvet Underground quando encontrou o oriente em La Monte Young. Reed e George, pode-se afirmar que, sim, ambos são, além da coincidência linguística, um pouco de Lou Harrison.

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FAIXAS:
La Koro Sutro
1. Kunsonoro Kaj Gloro - 2:27
2. Strofo 1 - 4:42
3. Strofo 2 - 3:45
4. Strofo 3 - 1:24
5. Strofo 4 - 4:08
6. Strofo 5 - 4:27
7. Strofo 6 - 2:27
8. Strofo 7 - Mantro Kaj Kunsonoro - 5:04

Varied Trio*
9. I. Gending 3:15
10. II. Bowl Bells 3:07
11. III. Elegy 3:29
12. IV. Rondeau In Honor Of Fragonard 3:12
13. V. Dance 2:05

Suite For Violin And American Gamelan**
14. First Movement - 7:20
15. Estampie - 5:28
16. Air - 3:58
17. Jhala - 2:24
18. Jhala II - 1:19
19. Jhala III - 2:00
20. Chaconne - 5:29

* ** Faixas presentes na versão do CD de 1987, com The Chorus and Chamber Chorus of University of California at Berkeley com regência de Philip Brett, Karen Gottlieb, arpa, Agnes Sauerbeck, órgão, William Winant, American Gamelan


OUÇA O DISCO:
:

Daniel Rodrigues

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Th’ Faith Healers - "Lido" (1992)

 

"Eu estava dirigindo para o meu trabalho estúpido e me vi preso em um engarrafamento gigantesco na estrada. De repente, algo novo flutuou sobre as ondas do rádio... um vocal feminino rosnado e sensual serpenteando em uma batida thumpa-thumpa... furtivo, legal... De repente a coisa toda se tornou selvagem. A cantora sibilou entre os dentes, as guitarras (soavam como 50 delas) gaguejavam e cuspiam, e a maldita coisa toda entrou em hiperdrive. A tempestade se estabeleceu em um ritmo pesado, hipnótico e caótico ao mesmo tempo, a música se agitou e se agitou e só terminou quando caiu no chão com um estrondo. Meu trabalho (e o resto do dia), desnecessário dizer, empalideceu em comparação com esse ataque auditivo. Totalmente perfeito... Eu estava apaixonado."
Dave Ehrlich, músico e produtor


A música é das poucas coisas nesse mundo capazes de me provocar paixões arrebatadoras. E que podem acontecer a qualquer momento. Se ainda é assim comigo hoje com todos os recursos e facilidades que a internet traz, imagine-se antigamente, antes da era digital, quando muita coisa era de difícil acesso, se não, impossível. Tudo era mais complicado e mágico. Podia estar a qualquer lance no rádio, na tevê, nas revistas, nos sebos, na discoteca de amigos e familiares. Pois houve um tempo, nos anos 90, em que um desses locais de pesquisa e reconhecimento eram as locadoras de CD’s. A pouca grana que dispunha de mesada ou estágios mal remunerados era boa parte reservada a gravar em K7 as coisas que vasculhava nas prateleiras das locadoras reforçando antigas paixões e descobrindo novas. Numa dessas ocasiões, lá pelos idos de 1994, uma se revelou para mim. 

Logo que entrei na loja, num início de tarde de um sábado, notei que estava rodando, como sempre faziam, algo interessante, mas que não conhecia. Aliás, não conhecia, mas reconhecia ali elementos que me agradavam muito. Rock alternativo forjado nas guitarras distorcidas, base de baixo bem pronunciada, vozes masculina e feminina se intercalando, bateria forte marcando um ritmo pulsante. Algo entre o indie, o shoegaze, o dream pop, o college, o experimental e o noise rock. Era atmosférico, ruidoso, visceral, melodioso... Lembrava muito Sonic Youth, mas não era, isso eu tinha certeza. Havia algo de Lush, de My Bloody Valentine, de Pixies, mas também dava para ver que não era nenhum deles. De boas, o rapaz da loja me sanou a dúvida: “é este CD aqui”. A capa em si me chamou atenção: uma foto vintage de um camping e as letras em fonte de máquina de escrever, tipo Courier New, escrito apenas o nome do disco e da banda cujo artigo “Os” (“The”), vinha sem a letra “e”: apenas “Th". Era um detalhe, mas muito esquisito e interessante. Tudo aquilo, som, estilo, atmosfera, me cativaram imediatamente. Pronto: paixão. Deu tempo de escolher algum outro disco para levar, mas, claro, não poderia deixar de adicionar à minha sacola também “Lido”, aquele álbum do grupo de rock alternativo londrino ao qual acabava de conhecer Th’ Faith Healers, formado por Roxanne Stephen e Tom Cullinan, nos vocais e guitarras; Ben Hopkin, baixo, e Joe Dilworth, bateria.

Como grandes bandas do underground dos anos 90, a Th’ Faith Healers, tal a Whale, a The La’s e a brasileira 3 Hombres, tem uma carreira curtíssima, mas totalmente assertiva. Tanto que talvez goste até mais do segundo e último disco de estúdio deles, “Imaginary Friend”, de 1994, o qual me motivou, inclusive, a concepção de um conto literário, “Heart Fog”, baseada na música homônima, presente na antologia “Conte uma Canção – Vol. 2”, publicada em 2016 pela Multifoco. Mas “Lido”, além de estar completando 30 anos de seu obscuro lançamento, lá nos idos de 1992, guarda consigo a primazia de ser o trabalho inaugural da banda e o que me fez descobri-la. Além de, claro, merecer estar nesta lista de fundamentais, inclusive já tendo sido responsável pelo primeiro nome do Clyblog, que se chamou por um breve espaço de tempo, em 2008, pelo nome da sua última faixa, a apoteótica “Spin ½”, uma minissinfonia de guitarras altamente distorcidas de quase 10 minutos com samples que sobrevoam, batida cadenciada e loopada a e voz de Roxanne cantarolando um único verso: “Into the sea you must be in the water”. Hipnótica, sensual, inebriante, caótica, tempestuosa, onírica, algo hinduísta. Uma oração ruidosa e barulhenta de um dos melhores finais de discos do rock de todos os tempos, sem exagero.

Mas voltemos ao começo com a música que me fez vidrar na Faith Healers logo que os escutei: “This Time”. Exemplar no que se refere ao estilo da banda, tem letra curta, geralmente repetida várias vezes (“Let's do it, whereby/ this time, you die/ if not, quite soon/ maybe by this afternoon”), como um mantra nas vozes em uníssono de Roxanne e Cullinan, sobre uma massa de ruídos eletrificados. O minimalismo abre espaço para o experimentalismo e, principalmente, as melodias muito bem criadas pela banda. Pode ser um riff simples, repetido, dissonante, mas invariavelmente muito inspirado, de quem sabe o que está fazendo e explora suas bagagens musicais.

Bem produzidos por eles próprios, os Faith Healers exploram ao máximo na faixa "A Word of Advice" os detalhes do som metalizado das guitarras, enquanto as vozes, despretensiosas, cantam sem muito alarde. Isso, até a música explodir no refrão em barulho. A mixagem orgânica da gravação, sensível a qualquer ruído, dá a sensação de uma banda tocando ao vivo, inclusive na captação dos "defeitos", como o do som de um nariz aspirando o ar, o que lembra o conceito de produção de Flood para PJ Harvey em “To Bring you my Love”, de três anos mais tarde. Parecido com este trabalho de PJ também é “Hippie Hole”. Pós-punk com umas quebradas funkeadas, traz essa fórmula sintética infalível da Faith encapsulada por uma timbrística cirurgicamente suja. Nela, aliás, Roxanne canta com fúria, com o microfone rascante, longe da sutileza desafetada do começo.

Com subidas e descidas (ao paraíso da melodia e ao inferno do barulho), “Don’t Jones Me” retraz a letra sucinta que mais serve de cama para o rock livre da Faith, espécie de Can dos anos 80. Aliás, o clima é bastante parecido com esta e outras bandas da kratrock alemã, como a Neu! e a Harmonia. Não à toa eles versam a clássica alternativa “Mother Sky” da Can, a qual ouvi com os ingleses primeiro. Embora a original seja incomparável, até pela ousadia visionária dos alemães, a leitura da Faith Healers é daquelas que não deixam a desejar. Coisa de banda realmente identificada com seus ídolos, como a Living Colour fez para com “Memories Can’t Wait”, da Talking Heads, ou a Nirvana com “The Man Who Sold the World”, de David Bowie.

“Repetile Smile” e “Moona-Ina-Joona”, na sequência uma da outra, têm riffs tão consistentes quanto improváveis. Ninguém, não fosse uma banda forjada na sonoridade atípica do shoegaze e com referências muito próprias, ousaria criar. Que sonzeira! Se em “Moona...” valem-se do uníssono infalível de “This Time” e "A Word...”, em “Repetile...” é a voz sensual e cativante de Roxanne que prevalece. Ela sabe que não é uma grande cantora. Mas quem disse que é esta a intenção? Aliás, é justamente esta postura insolente roqueira que faz com que ela passeie naturalmente por diferentes formas de cantar com um lirismo espontâneo e encantador. É isso que se vê na balada "It's Easy Being You", a mais “calma” do disco (embora também não se contenham em adicionar guitarras pesadas bem ao final): um timbre jovem e solar. Porém, já na rascante “Love Song”, que de balada romântica só tem o nome, ela vai do doce à sujidade. Principalmente no refrão, quando sua garganta faz soltar gritos carregados de tesão e lamento.

Quando conheci a Th’ Faith Healers, Sonic Youth, Pixies, My Bloody Valentine, Lush, The Breeders e muitas outras bandas já eram realidade para os meus ouvidos. Tanto que ouvi-los não foi uma novidade e, sim, um reconhecimento. Neles eu ouvia todas essas bandas e conseguia entender com mais acuidade aquilo que a Velvet Underground propunha 30 anos antes – inclusive, nas dobradinhas das vozes de Cale e Reed com a de Moe Tucker. Com a Th’ Faith Healers eu descortinaria a Can, tão fundamental para o rock moderno. E descobri depois, que não fui apenas eu que me surpreendi com a Th’ Faith Healers na primeira vez que os escutei, bem como que havia uma legião de fãs escondida nos subterrâneos da internet com relatos muito parecidos com o meu. Mas o mais importante foi a descoberta de que, para mim, a Th’ Faith Healers era a banda que eu sempre gostei, mas não sabia ainda. Era como se eles já estivessem na minha vida desde sempre: bastava apenas que eu me deparasse com aquele CD rodando na locadora para que este laço nunca mais se desfizesse.

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FAIXAS:
1. "This Time" (Tom Cullinan/ Th' Faith Healers) - 05:09
2. "A Word of Advice" - 06:22
3. "Hippy Hole" - 03:20
4. "Don't Jones Me" - 06:18
5. "Reptile Smile" (Th' Faith Healers) - 04:57
6. "Moona-Ina-Joona" (Cullinan/ Th' Faith Healers) - 03:14
7. "Love Song" (Cullinan/ Th' Faith Healers) - 05:38
8. "Mother Sky" (Holger Czukay/ Michael Karoli/ Jaki Liebezeit/ Irmin Schmidt/ Damo Suzuki) - 04:17
9. "It's Easy Being You" - 02:12
10. "Spin 1/2" - 09:34
Todas as composições de autoria de Tom Cullinan, exceto indicadas


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Daniel Rodrigues

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Rock HQ

 




Ramones - arte inspirada na canção "Pet Sematary"

Nirvana - arte inspirada na canção
"Francis Farmer Will Take Her Revenge on Seattle"

Guns 'n Roses - arte inspirada na canção
"Welcome to the Jungle", com menção 
à canção "Paradise City"


Queen - arte inspirada na canção 
"Who Wants to Live Forever" com
menção à canção "Killer Queen"

U2 - arte inspirada na canção "The Fly"

Jimi Hendrix - arte inspirada na canção "Fire".
com menção à canção "Foxy Lady"

David Bowie - arte inspirada nas canções
"Starman", "Blackstar" e "The Man Who Fell on Earth",
com menção à canção "Five Years"




Rock HQ
ilustrações digitais de Cly Reis


quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Música da Cabeça - Programa #236

 

Despertando a criança que há dentro de cada um, o MDC 236 brinca com as sonoridades hoje. Vai de Paralamas do Sucesso a Robert Plant & Jimmy Page, de David Bowie a Noriel Vilela, de Nirvana a Stephen Stills. Tem ainda "Cabeça dos Outros", "Palavra, Lê" e "Música de Fato". Melhor que playground, o programa vai ao ar 21h na divertida Rádio Elétrica. Produção, apresentação e fotinho fofa: Daniel Rodrigues. E não e te esquece de votar na gente para o Prêmio Press: Música da Cabeça (Programa de Rádio) e em Daniel Rodrigues (Apresentador de Rádio): www.revistapress.com.br/premiopress/ 


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Protagonistas coadjuvantes

Michael dando um confere bem de perto no que seu
mestre Stevie Wonder faz em estúdio, nos anos 70
Não é incomum artistas da música que, mesmo sendo astros, têm por hábito participarem de projetos de outros, seja tocando em gravações, shows ou como convidados. George Harrison, por exemplo, muito tocou sua slide guitar em discos dos amigos John Lennon e Ringo Starr. Eric Clapton, igualmente, além da carreira solo e de bandas próprias como Cream e Yardbirds, também emprestou sua guitarra para Beatles, Yoko Ono, Tina Turner, Phil Collins e vários outros. Como eles, diversos: Brian Eno, Robert Wyatt, Flea, Eddie Van Halen ou brasileiros como Herbert Vianna, Gilberto Gil, Frejat e João Donato. Todos comumente contribuem com seus instrumentos e/ou voz na música que não somente a deles próprios.

Há também aqueles que dificilmente se supõe que fariam algo fora de seus trabalhos pelos quais são mais conhecidos. Mas vasculhando com atenção as fichas técnicas dos discos, acha-se. Vez ou outra se encontra um artista que geralmente é visto apenas como protagonista atuando, deliberadamente, como um coadjuvante. E não estamos nos referindo àqueles principiantes que, posteriormente, tornar-se-iam ilustres, caso de Buddy Guy em “Folk Singer”, de Muddy Waters, de 1959, na primeira gravação do jovem Guy, então com 18 anos, com o veterano bluesman, ou Jimi Hendrix nas gravações de 1964 com a Isley Brothers anos antes de transformar-se num ícone do rock.

Aqui, referimo-nos àqueles que, já consagrados, abriram mão de seu status em nome de algo que acreditavam seja para um disco, um projeto, uma música ou um show. São momentos em que se vê verdadeiros mitos descerem de seus altares para, humildemente, colaborarem com a música alheia, seja por admiração, amizade, sentimento de dívida ou o que quer que explique. O fato é que esses “protagonistas coadjuvantes”, mesmo que estejam escondidos ou somente encontráveis nas miúdas letras da ficha técnica, abrilhantam com seus talentos peculiares a obra de outros.


Robert Smith para Siouxsie & The Banshees

Os anos 80 foram de inquietude para Robert Smith, líder da The Cure. Sua banda já era uma das mais celebradas do pós-punk britânico em 1983 quando ele, que havia lançado um ano anos o disco único “Blue Sunshine”, da The Glove, projeto em parceria com Steven Severin, decide dar um tempo com o grupo. Mas para quem estava a pleno naquela época, Bob “descansou carregando pedra”, como diz o ditado. Ele decide fazer parte da Siouxsie & The Banshees, banda coirmã da The Cure, mas estritamente como integrante. Com os vocais e o palco já devidamente preenchidos por Siouxsie, Robert assume as guitarras e une-se a Severin (baixo) e Budgie (bateria) para compor a melhor formação que a Siouxsie & The Banshees já teve. Não deu outra: dois discos, duas pérolas, para muitos os melhores da banda: “Hyenna” e o ao vivo “Nocturne”




Miles Davis
para Cannonball Adderley
Mais do que na música pop, é comum no jazz grandes astros e band leaders tocarem na banda de colegas. Isso não funciona, entretanto, para Miles Davis. O talvez mais exclusivo músico do jazz havia tocado no início da carreira para Sarah Vaughan, mas depois jamais fez nada que não fosse tão-somente seu. Até que, com jeitinho, em 1958, o amigo Cannonball Adderley convida-o para participar das gravações de um disco que ele estava por lançar e no qual teria ainda Art Blakey, na bateria, Hank Jones, no piano, e Sam Jones, no baixo. Uma sessão de gravação apenas, só cinco números, algumas horinhas de estúdio com Rudy Van Gelder na mesa, engenheiro com quem Miles tanto estava acostumado a trabalhar. "Não vai custar nada. Diz, que sim, diz que sim!" Tanto foi, que Miles topou, e saiu "Somethin' Else", aquele que é o disco que antecipa a obra-prima “Kind of Blue”, em que, reassumido o posto de front man, aí é Miles que conta com o parceiro saxofonista na banda. Tudo de volta ao normal.


Paul McCartney para Foo Fighters
É conhecida a versatilidade de Paul McCartney. Multi-instrumentista, ele é capaz de tocar, em apenas um show, vários instrumentos ou gravar um disco inteirinho sozinho sem precisar de mais ninguém no estúdio. Quem também fez isso foi Dave Grohl, líder da Foo Fighters, que, no álbum de estreia da banda, em 1995, toca não apenas a bateria, que era seu instrumento na Nirvana, como todos os outros. A amizade e talvez essa semelhança tenham feito com que chamasse o eterno beatle para uma empreitada 12 anos depois. Fã de Macca, ele convidou o veterano músico para gravar para ele não a guitarra, o piano ou a voz. Isso, muita gente já havia feito. Ele pediu para Paul tocar justamente bateria. A “brincadeira” deu super certo, como se vê na canção "Sunday Rain" presente no disco "Concrete And Gold".


Michael Jackson para Stevie Wonder
É uma música apenas, mas considerando o tamanho deste “coadjuvante”, vale por um disco inteiro. A linda e melodiosa “All I Do”, que Stevie Wonder gravaria em seu “Hotter than July”, de 1980, conta com ninguém menos que Michael Jackson nos vocais. E não se trata da voz principal, e sim do backing vocals! Surpreende ainda mais que o Rei do Pop já havia lançado à época o megassucesso “Off the Wall”, de um ano antes, com o qual revolucionaria a música pop e que quebrara os paradigmas de vendas da música negra no mundo. Mas a devoção de Michael para com Stevie era tamanha, que ele nem se importou em fazer um papel secundário. Para quem era conhecido pela habilidade de canto e arranjos de voz, no entanto, o que seria uma mera participação contribui sobremaneira para a beleza melódica da canção.



David Bowie
 para Iggy Pop
Em meados dos anos 70, Iggy Pop e David Bowie estavam bastante próximos. Bowie havia chamado o amigo para uma temporada em Berlim, na Alemanha, onde desfrutariam do moderno estúdio Hansa para erigir alguns projetos, dentre estes, “The Idiot”, no qual dividem todas as autorias e gravações. O período foi tão fértil, que rendeu também uma turnê, registrada no álbum ao vivo “TV Eye Live 1977". Acontece que, no palco, não dá para apenas os dois se resolverem com os instrumentos. Foi então que chamaram os Sales Brothers para o baixo e bateria, Ricky Gardiner, para a guitarra, e... quem assumiria os teclados? Ah, chama aquele cara ali que tá de bobeira. O próprio David Bowie. Quando se escuta as versões ao vivo de “Lust for Life”, “I Wanna Be Your Dog” e “Funtime”, acreditem: os teclados que se ouvem são do Camaleão do Rock. 



Phlip Glass
 para Polyrock
O cara já tinha composto de um tudo: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata, estudos. Faltava uma coisa: música pop. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, o gênio da vanguarda californiana Philip Glass “apadrinhou” junto com este a new wave art rock Polyrock. Dizem nos bastidores, que o cérebro da banda é Glass e não só os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação com a música minimalista do autor de "Einsten on the Beach". Seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. O que consta, sim, é a participação do maestro tocando piano e teclados nos dois discos do grupo, “Polyrock”, de 1980, e “Changing Hearts”, de um ano depois, no qual, inclusive, assina oficialmente o arranjo de cordas da faixa-título. Daqueles raros momentos em que a música de vanguarda se encontra com o rock.





João Gilberto para Rita Lee
Se hoje a participação de João Gilberto tocando violão para Elizeth Cardoso em duas faixas de “Canção do Amor Demais”, de 1958, é considerado o pontapé inicial para o movimento da bossa nova, àquela época o gênio baiano era apenas um músico iniciante ao qual não se havia ouvido ainda toda sua arquitetura sonora de instrumento, voz e harmonia. 24 anos depois, já um mito, João dificilmente repetia uma ação como aquela do passado. Quisessem tocar com ele, ele que convidava. Exceção feita nos anos 80 para sua então esposa, Miúcha (e somente o violão), mas especialmente para Rita Lee. Admirador confesso da Rainha do Rock Brasileiro, João topou o convite de gravar ele, seu violão e sua atmosfera única a faixa “Brasil com S”, do disco “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, autoria dos dois. Pode-se dizer que, como todo o cancioneiro de João, é mais uma obra-prima, porém a única em que põe sua voz à serviço de um outro artista fora da sua discografia. Privilégio.


Daniel Rodrigues