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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Música da Cabeça - Programa #158


Pra homenagear Moraes Moreira, vamos fazer o Brasil subir a ladeira no Música da Cabeça de hoje!. Além de falar do eterno Novo Baiano, também teremos Marku Ribas, Cássia Eller, Henri Mancini, U2, Leonard Cohen, Chico Buarque e mais.Também, o oitentão Herbie Hancock no nosso quadro móvel "Sete-List". Lá vem o MDC subindo a ladeira da Rádio Elétrica! É às 21h com produção e apresentação de Daniel Rodrigues (E não escutem os neogenocidas: #ficaemcasa)


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Música da Cabeça - Programa #156


É 1º de abril, mas duvido que alguém diga que é mentira que o Música da Cabeça tem o poder de alegrar esses dias de quarentena. Pelo menos, as quartas-feiras, como a de hoje, em que teremos coisas como Itamar Assumpção, The Manhattans, Sepultura, Tracy Chapman e Detrito Federal. Ainda, "Música de Fato" sobre os mentirosos que andam por aí, "Palavra, Lê" em homenagem a Riachão e "Cabeção" lembrando Krzysztof Penderecki, morto esta semana. Pode conferir às 21h o MDC, na idônea Rádio Elétrica, que não é lorota. Produção, apresentação e a mais pura verdade: Daniel Rodrigues. #ficaemcasa



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 25 de março de 2020

Música da Cabeça - Programa #155


Quem foi que disse que não dá pra dar uma bela saída mesmo estando em isolamento? Basta ouvir o Música da Cabeça, que a gente providencia esse passeio musical sem que você saia do conforto do lar. Damos uma passada na Inglaterra de Amy Winehouse e The Smiths, na Islândia de Björk, na Alemanha da Die Krupps, na Escócia da Cocteau Twins e noutros destinos. Ah, claro: não deixamos de fora os EUA de Bob Dylan e o quintal de casa, com Marisa Monte, Cazuza, Black Alien e mais. Sentiu aquela vontade louca de uma banda? Calma, a gente te ajuda. É só sintonizar às 21h na Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. All abourd! #ficaemcasacomMDC


Rádio Elétrica:
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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Música da Cabeça - Programa #151


Bolsonazis que querem acabar com a democracia, um recado pra vocês: "o pulso ainda pulsa"! Em plena quarta-feira de cinzas, o MDC sacode a poeira e dá a volta por cima com o enredo de gente como R.E.M., Tracy Chapman, Tom Jobim, Titãs, Grant Green, Renato Russo e Neil Young. Ainda, uma homenagem a José Mojica Marins e um "Cabeça dos Outros" de quadro móvel. Aqui a gente não acaba na quarta-feira: a gente começa. E é às 21h, na carnavalesca Rádio Elétrica. Produção, apresentação e estandarte de ouro: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Crosby, Stills & Nash - “CSN” (1977)



“CSN&Y nunca fará uma turnê de novo, jamais... mas eu amo esses caras.” 
Neil Young


Como falei noutra ocasião sobre o disco "Zuma", do Neil Young, pra fazer justiça pros meus velhos queridos Stephen Stills, Graham Nash e David Crosby, falo agora de “CSN”, de 1977. Aquele dos três no barco do Stills. Comprei este disco no segundo semestre de 1977, quando terminava o 2º Grau no glorioso Colégio Estadual Inácio Montanha, em Porto Alegre, e fazia o IPV (Lembram? Claro que não!). Já tinha ouvido os discos deles em casa de amigos, mas nunca tinha comprado um. E acertei na mosca. O disco é maravilhoso, talvez o melhor deles, mesmo que não tenha um sucesso estrondoso da carreira do trio. Nesta época, em plena era punk, os já veteranos apostavam na música para se manter acima da superfície do mercado. Conseguiram: o disco chegou ao segundo lugar entre os mais vendidos na ocasião.

E o que se pode dizer de um disco que começa direto com uma obra-prima como “Shadow Captain”, composta por Crosby e pelo tecladista Craig Doerge. Segundo o próprio Crosby, ela foi feita no seu barco, 220 milhas longe da costa, quando acordou num dia e resolveu escrever toda a letra numa sentada. O piano de Doerge e a guitarra slide de Stills dão o tema musical que carrega as harmonias vocais. Neste disco, uma curiosidade: Crosby ainda não tinha mergulhado nas drogas de forma absoluta. Portanto, eles não precisavam de ajuda nas vozes, como no disco posterior, “Daylight Again”, de 1982, no qual ArtGarfunkel dá uma força. No refrão, “Shadow Captain” diz “Quem guia este barco/ sonhando através do mar/ Virando e procurando/ Qualquer que seja o jeito que te agradar/ Fale comigo/ Preciso ver seu rosto/ Capitão ensombreado/ num lugar escuro”.

“See the Changes” tem o violão de Stills e aqueles vocais pelas quais eles ficaram conhecidos. Na canção, Stills fala das mudanças pelas quais um homem passa e do encontro com uma mulher que, finalmente, o entende. “Ela tem me visto mudando/ não tem sido fácil rearranjar/ E fica mais difícil à medida que se envelhece/ Ficando cada vez mais longe quanto mais perto você chega”.

“Carried Away” é a primeira contribuição de Graham Nash no disco. Uma balada com direito a solo de harmônica. De acordo com o próprio Nash, sua esposa Susan não gosta desta música, pois fala de uma paixão platônica que o compositor teve na Flórida por uma mulher que viu numa cafeteria. A letra é bem explícita: “Você veio dos céus/ Sua pele e seus olhos/ As cores do bronze/ A lua em seu ouvido/ Brilhou e resplandeceu/ Em breve, você terá ido embora... mudando através das minhas mudanças/ tão rápido quanto possa/ tentando trazer o balanço entre eu e o homem/ Parte de mim está gritando para dizer/ que quero ser carregado pra longe”. É claro que Susan não gostou. Só ver esta mulher na rua fez Nash querer ir embora. A suavidade de Nash aflorando.

A faixa seguinte, “Fair Game”, tem uma levada latina, bem ao estilo caribenho do gosto de Stills, que dá um show no violão. Na época, separado da cantora francesa Dominique Sanson, ele estava pronto pro jogo e “Fair Game” conta uma história assim. “Encontre uma maneira de chegar nela, se faça de bobo/ Mas faça com um pouco de classe, não siga as regras/ porque este cara sabe que chegar ao fundo do poço não vai te conseguir uma namorada/ o patinho feio ataca novamente e ele vai decidir seu destino/ e você é um alvo/ Nunca vai saber o que ela vai decidir/ Você é o alvo/ apenas relaxe e aproveite”.

“Anything at All” traz a ironia sempre presente de Crosby em dia. Um contestador pro bem e pro mal, David Crosby sempre fez da metáfora e da linguagem figurada o mote para suas canções. Vide “Almost Cut My Hair”, do disco “Déja Vu”, onde fala da briga do establishment com os cabelos compridos no final dos anos 60. Aqui, ele vai um pouco mais longe: “Tudo que você quiser saber/ me pergunte/ eu sou o cara mais opinativo do mundo/ Te darei uma resposta se eu puder/ pegue uma que estiver passando/ se for legal pra você... tudo que você quiser saber apenas pergunte/ vale cada centavo/ mas pra você é de graça/ liquidação especial/ Tudo que você quiser saber/ você vê apenas abaixo da superfície da lama/ tem mais lama aqui/ Surpresa...”.

Já “Cathedral” conta uma experiência de Nash na Winchester Cathedral em Londres, após tomar LSD no dia do seu 32º aniversário. Esta canção e “Dark Star” são as únicas que eles mantêm no repertório de seu show. Vi eles em SP em 2012 e pirei. A viagem literal de Nash começa na catedral, passa por um túmulo de uma pessoa que morreu em 1779 e vai terminar em Stonehenge. Põe viagem nisso! “Abre as portas e me deixe sair daqui/ Muitas pessoas mentiram em nome de Cristo/ para qualquer um considerar o chamado/ muitas pessoas morreram em nome de Cristo/ que não posso acreditar de jeito nenhum/ e agora estou sobre um túmulo de um soldado que morreu em 1779/ E o dia em que ele morreu era um aniversário/ e notei que era o meu/ e na minha cabeça não sabia quem eu era/ comecei a voltar no tempo/ e estou chapado no altar/ chapado no altar, chapado”. Tudo isso com um arranjo de cordas que dá uma sensação de grandiosidade à faixa.

O lado 2 começa com “Dark Star”, mais uma música latina de Stills com Ray Barretto nas congas e Russ Kunkel na bateria, tirando um mezzo samba de americano dos couros e pratos. A canção tem ainda os solos de piano elétrico de Doerge e do violão de Stills que valem o ingresso. Na letra, ele fala de um amor que rolou. Como namorou Judy Collins, Joni Mitchell e Rita Coolidge, não se sabe quem é a “vítima”, mas a música é ótima e os vocais vêm com tudo. “Estrela negra, te vejo pela manhã/ Estrela negra, dormindo perto de mim/ estrela negra, deixe a memória da tarde/ ser a primeira coisa que você pensa/ quando abre seus olhos e me vê, estrela negra”. A convivência, às vezes, não é pacífica, mas Stills tem esperança que as coisas se ajeitem.

”Just a Song before I Go” foi o sucesso radiofônico da época, mais uma daquelas baladas românticas de Nash. Mais uma vez, Nash se envolve com uma mulher, agora no aeroporto, depois de uma turnê. “Ela me ajudou com minha mala/ Ela parou em frente aos meus olhos/ me carregando ao aeroporto/ e pelos céus amigáveis/ passando pela segurança/ eu a segurei por muito tempo/ ela finalmente olhou pra mim com amor/ e se foi”. Um daqueles amores efêmeros que rolam durante uma turnê. Rendeu o 7º lugar na parada dos compactos da Billboard na época.

“Run From Tears” é o momento roqueiro de Stephen Stills. Mais uma vez, os amores desfeitos são o mote da canção: “Não fujo das lágrimas/ esta é a minha fraqueza/ E sei que você ainda me ama/ apesar de não acreditar nisso..você está me punindo/ pela minha fraqueza/ quando souber a meu respeito/ não vai poder bater tão forte/ e não quis te subestimar/ apenas sabia que me sentia bem em casa/ mas você me deixou tão desencantado/ estava cego é claro até que você foi embora”. A guitarra de Stills sola furiosamente sob uma base do órgão de Mike Finnigan, ex-músico de Jimi Hendrix e que integrou a banda de CS&N no final dos 70 e começo dos 80.

“Cold Rain” é mais uma música de Nash composta lembrando seus tempos de Inglaterra, quando fazia parte do grupo The Hollies. Ele fala em terceira pessoa de si mesmo. “Chuva fria cai sobre meu rosto/ ônibus se apressam/ Trabalho terminou, aí vem a turba/ Pessoas indo pra casa/ Não te conheço?/ Não te vi antes?/ Você parece com alguém que eu conheço/ ele viveu aqui, e se foi/ quando achou que tinha mais”.

A penúltima música, “In My Dreams” traz Crosby e um clima jazzístico acústico, com direito a vibrafone de Joe Vitale. Como Crosby sempre foi apaixonado por músicas com vocalize, esta realmente ter sido composta sem letra e o autor resolveu contar um pouco da história de camaradagem e desavenças do trio (ou quarteto, se lembrarmos que Neil Young entrou e saiu deste grupo milhões de vezes, ou ainda da dupla que mantém com Nash há anos). “Duas ou três pessoas entrando e saindo do ar/ como uma emissora de rádio que fico pensando/ mas não consigo ouvir/ quem traz o café da manhã?/ Quem traz o almoço?/ Quem é o líder desta turma?/ Quem vai conduzir?”

Pra encerrar a fatura, Stills volta com sua guitarra enlouquecida solando sobre uma cama de cordas arranjadas por Mike Lewis em “I Give You Give Blind”. Ele também toca o piano, que carrega a melodia. Como em todo o disco, a busca do amor não é fácil e Stepehn Stills reclama: “Ei, você gosta de ficar sozinha?/ E me diga quando vai voltar pra casa/ Por que me deixou abandonado/ Você me fez pirar... Então o amor não pode se perder tão fácil/ e viver não vai ser tão tranquilo e sereno/ olhe em meus olhos e veja o que estou falando”.

Um belo disco, com vocais maravilhosos e atuações musicais perfeitas. O que se pode querer mais? Quem não conhece, tá aqui. E pra quem já ouviu, mais uma chance de se deliciar com os três.

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FAIXAS

1. "Shadow Captain" (David Crosby, Craig Doerge) - 4:32
2. "See the Changes" (Stephen Stills) - 2:56
3. "Carried Away" (Graham Nash) - 2:29
4. "Fair Game" (Stills) - 3:30
5. "Anything at All" (Crosby) - 3:01
6. "Cathedral" (Nash) - 5:15
7. "Dark Star" (Stills) - 4:43
8. "Just A Song Before I Go" (Nash) - 2:12
9. "Run from Tears" (Stills) - 4:09
10. "Cold Rain" (Nash) - 2:32
11. "In My Dreams" (Crosby) - 5:10
12. "I Give You Give Blind" (Stills) - 3:21

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OUÇA O DISCO

por Paulo Moreira

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Música da Cabeça - Programa #139


O rock leva ao satanismo? Então, é o próprio diabo que nós queremos no Música da Cabeça. Vamos ter muito rock para desfazer tudo que é família certinha e hipócrita: Neil Young, Helmet, New Order e Beatles só pra começar. Ainda tem a MPB de Chico Buarque, Milton Nascimento e Gilberto Gil, a soul de Bill Whiters e Stevie Wonder e até o sertanejo de Leandro & Leonardo. Raulzito estava certo: o diabo é o pai do rock, e no MDC ele é sempre bem-vindo. Igual a hoje, às 21h, na satânica Rádio Elétrica. Produção, apresentação e guampinhas pontudas: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Nick Drake - "Five Leaves Left" (1969)



"O violão de Nick sempre foi perfeito, sua voz era sempre perfeita".
Joe Boyd, produtor musical

"Existe algo místico sobre Nick Drake, pois ele gravou apenas três discos e não é muito conhecido. Mas há algo mágico em sua música, uma espécie de fragilidade que muitos podem reconhecer".
Paul Weller

"Eu não acho que tencionava ser uma estrela, mas creio que ele sentiu que tinha algo a dizer às pessoas de sua própria geração, que poderia torná-las mais felizes, e ele sentiu que não havia conseguido".
Molly Drake, mãe de Nick Drake

O ano de 1969 é talvez o mais abundante da história da música moderna. Na música clássica e de vanguarda, John Cage, Dimitri Shostakovitch e sir. Maxwell Davies produziam obras referenciais como a “HPSCHD”, “Sinfonia nº 14” e “Vesalii Icones”, respectivamente. No jazz, Miles Davis trazia o duo de discos que abriria as portas para o fusion, “Bitches Brew” e “In A Silent Way”, e Manfred Eicher lançava na Alemanha o revolucionário selo ECM. No Brasil, já exportador da bossa nova, o Tropicalismo erigia seus mais pungentes manifestos ainda hoje em processo de assimilação. Se foi assim para estes gêneros, imagine para o rock! Tudo culminava naquele último ano da efervescente década de 60. A segunda geração do pós-guerra, os baby boomers, deparava-se com a emergência de uma nova sociedade num mundo em transformação, o que se expressava nas artes de maneira avassaladoramente criativa, sendo a música, especialmente o rock, a principal delas.

São deste ano, só para se ter ideia, o Festival de Woodstock, a pintura musical-impressionista “Astral Weeks”, de Van Morrison, os dois primeiros da Led Zeppelin, começo do metal/hard rock, o grito da denúncia Black Power “Stand!”, da Sly & Family Stone, a paulada inicial do punk da MC5 e da The Stooges e a perfeição do “canto do cisne” beatle, “Abbey Road”. Mais do que os dois anos anteriores, também fartos, a sensação que se tinha em 1969 era a de que se findava um ciclo sem acabá-lo. Talvez por isso a angústia gerada em artistas e músicos em simbolizá-lo, em registrá-lo, em guardá-lo para a posteridade. Uma dessas mentes impactadas pelo contexto sociocultural da época é o cantor e compositor britânico-birmanês Nick Drake. É dele um dos históricos trabalhos cunhados naquele fatídico 1969 e que está completando 50 anos de lançamento: “Five Leaves Left”.

Capaz de unir a postura transgressora do rock com a tradição dos trovadores medievais, Drake traz em seu folk uma poesia ora arcadista ora romântica. Isso aliado a uma sonoridade altamente expressiva e penetrante, reforçado por um canto sóbrio, na medida exata. Tudo numa atmosfera cult que nem Dylan e nem Donovan conseguiram atingir. Ainda, bom gosto absoluto nos arranjos de Harry Robinson e Robert Kirby, os quais, sintonizados com os gostos de Drake, traziam como referência a atmosfera vanguardista da Velvet Underground, o barroco da Beach Boys de “Pet Sounds” e o primor melódico dos mestres do folk e do blues.

Clássica sessão de fotos de Keith Morris em 1969
mostra o alto e elegante Drake
O clima sombrio e peculiar da música de Drake era fruto do gênio de um jovem alto, elegante e bonito, porém tímido e antissociável. Em contrapartida, absolutamente inventivo e capaz. Além de praticar vários esportes na adolescência, desde cedo mostrava habilidades musicais. Tocava clarinete, saxofone, piano e, com muita desenvoltura, o violão, seu instrumento-base. É do pinho que Drake tira preciosidades como “Time Has Told Me”, cuja combinação com a guitarra folk abre “Five...” numa declaração bastante confessional e sobre a passagem do tempo, tema recorrente na obra do músico: “O tempo me disse/ Você é um achado raro/ Uma cura problemática/ Para uma mente problemática”. Das mais lindas canções daquele ano – talvez da década de 60, como uma “Blackbird”, "Blowin' in the Wind" ou “Little Wing”  – “River Man” é tão melancólica e potente, que parece o escorrer de uma lágrima mansa. As cordas intensificam o sentimentalismo dos versos entoados com rara candura sobre uma sofrida personagem Betty: “Estou indo ver o homem do rio/ Indo dizer a ele tudo que eu puder/ Sobre o plano/ Pra quando desabrocharem as violetas”.

Outra de “beleza sombria e arrepiante”, como classificou o crítico musical Richie Unterberger,  vem na sequência. É “Three Hours”, um country de ares dark cujo baixo acústico mantém um tom grave enquanto o violão dedilha um riff variante, quase improvisado. As cordas orquestradas por Kirby carregam na intensidade para fazer cama à voz seca e contida de Drake, lembrando temas como “She’s Leaving Home”, dos Beatles, e aquilo que Morrissey repetiria quase duas décadas mais tarde com a igualmente arrebatada “Angel, Angel, Down We Go Together” – inclusive no final repentino.

A habilidade de criar afinações diferenciadas para o violão aparecem muito claramente em “Way To Blue”, outra cortante, e o country-rock “'Cello Song”, que tem um acompanhamento interessantíssimo de congas e, como o título indica, de um violoncelo. “The Thoughts Of Mary Jane” é, assim como “River...”, mais uma canção introspectiva que versa sobre um alter ego feminino: “Quem pode saber/ Os pensamentos de Mary Jane/ Porque ela voa/ Ou vai lá pra chuva/ Onde ela esteve/ E quem ela viu/ Na sua jornada para as estrelas”.

“Man In A Shed”, um blues “piano bar”, é cantado tão delicadamente que a voz quase se dissolve em meio ao som dos instrumentos, cujo arranjo privilegia, com muito bom gosto e economia, apenas o piano, um baixo acústico e o violão de Drake. Não dá pra dizer que seja alegre, mas é com certeza a mais animada do disco, com o arejamento jazzístico que outro contemporâneo de Drake, Tim Buckey, também apresentaria naquele mesmo ano em “Happy Sad”.

A fossa retorna, no entanto, com mais uma balada sangrenta: “Fruit Tree”. Novamente autobiográfica, como o tema de abertura, de certa forma prevê a trajetória curta que o homem/artista Nick Drake teria: “Fama é uma árvore frutífera/ Tão estática/ Que pode nunca florescer/ Até que os ramos encontrem o chão/ Alguns homens de renome/ Podem nunca encontrar um caminho/ Até que o tempo voe/ Além do dia de sua morte”. Mais uma vez o arranjo de Kirby dá cores especiais à composição sem competir com o violão cristalino de Drake, intenção esta obtida pelo produtor Joe Boyd: “Quando você ouve os álbuns dele uma das coisas que são extraordinárias é o violão, porque soa tão limpo e forte, e todas as notas são equilibradas. É muito raro isso, pois é muito complicado".

Um final digno para um disco sem ressalvas, “Saturday Sun”, a única do disco com bateria – cuja leves batidas ainda têm o acompanhamento de um elegante vibrafone –, traz em sua poesia novamente a questão do tempo emocional e a relação de seu autor com o mundo externo, revelando os elementos naturais quase como personagens: “O sol de sábado/ veio cedo em uma manhã/ Em um céu tão limpo e azul/ O sol de sábado/ veio sem aviso/ Então ninguém soube o que fazer “. E, pessimista, conclui, sua única maneira possível: “E o sol de sábado/ Se tornou a chuva de domingo/ Então o domingo cobriu o sol de sábado/ No sol de sábado/ E entristeceu-se por um dia que se foi”. De arrepiar.

Depois dessas dez obras-primas escritas para “Five...”, Drake se reclusaria cada vez mais e registaria apenas outras 21 canções, as quais compõem os discos “Bryter Layter”, de um ano depois, e "Pink Moon", de 1971. Apenas três álbuns, que, com o tempo, entraram para a história, visto que todos figuram entre os 500 Discos de Todos os Tempos da Rolling Stone, mesma consideração dada pelo livro “1001 Albums You Must Hear Before You Die”, do jornalista Robert Dimery. Que o digam Robert Smith, Paul Weller, Peter Buck, David Silvian e Renato Russo, fãs que o reverenciam e justificam a essencialidade de 100% de sua obra. A morte prematura, em 1974, aos 26 anos, por overdose, não impediu que, ao contrário dos próprios versos pessimistas, Drake se transformasse em um “homem de renome”. Desconfia-se, contudo, que tenha, na verdade, cometido suicídio - ou, talvez ainda pior, não tenha se importado em perder a vida. Como um tardio poeta romântico, o sensível e deslocado Drake morria antes do tempo para que sua obra fosse reconhecida. Fatídico, mas tragicamente procedente. Como o próprio ano de 1969: uma incompletude que não tem o que tirar nem por.

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FAIXAS:
1. Time Has Told Me - 3:56
2. River Man - 4:28
3. Three Hours - 6:01
4. Day Is Done - 2:22
5. Way To Blue - 3:05
6. 'Cello Song - 3:58
7. The Thoughts Of Mary Jane - 3:12
8. Man In A Shed - 3:49
9. Fruit Tree - 4:42
10. Saturday Sun - 4:00
Todas as composições de autoria de Nick Drake

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

sábado, 24 de novembro de 2018

III Teresópolis Blues Festival - 15 e 17 de novembro - Praça Nilo Peçanha - Teresópolis/RJ



Estive no último final de semana, de feriadaço aqui no Rio, na simpática Teresópolis, na serra fluminense, e aproveitei para dar uma conferida do III Teresópolis Blues Festival que estaria rolando na cidade por aqueles dias. Evento muito bacana de fundo beneficente, cuja entrada era doação de alimentos, com boa infraestrutura de um modo geral, considerando o porte do evento. Ótimas opções gastronômicas com food-trucks variados, muita cerveja artesanal com diversos expositores de qualidade apresentando seus produtos e, é claro, muita música.
Na quinta-feira, quando cheguei à cidade, só consegui ir assistir aos shows no final da tarde, pegando assim, ainda, o finalzinho da banda Belonave que fez um pop-rock competente apesar de um tanto óbvio e batido mas que serviu pra esquentar bem a galera. Na sequência, veio a boa RJ Café Band que fez tributo a dois grandes nomes do rock nacional, ambos com grande influência do blues em sua música: Cazuza e Celso Blues Boy. Números muito bem executados, chamando atenção, especialmente os de Cazuza pela semelhança do timbre do vocalista da RJ Café Band. No que diz respeito a Celso Blues Boys, se "Aumenta que isso aí é rock'n roll" levantou todo mundo, de outra feira, senti falta de "Mississipi", homenagem a Robert Johnson, ainda mais em um festival dedicado ao blues. Ouvi depois, de entreouvidos, que a produção teria impedido o bis da banda, por conta do atraso na programação, que provavelmente contemplaria a canção. Independente do quer tenha ocorrido, se o veto ou a ausência no set-list da banda, gostaria de tê-la ouvido lá, até pela relevância que tem dentro do contexto do blues produzido no Brasil e porque tenho certeza que seria muito bem executada, dada a competência e domínio que a banda demonstrou quanto ao repertório do bluesman brasileiro.
A RJ Café Band levou ao placo sucessos de Cazuza e Celso Blues Boy
Assim, um pouco atrasada, entrou no palco para fechar a noite a banda do músico norte-americano radicado no Brasil, Al Pratt, que do alto da experiência de seus longos cabelos brancos, só controlava tudo sentado à frente de órgão enquanto a meninada fazia o trabalho "pesado", mandando muito bem e a cantora convidada Camila Gobbi arrasava em interpretações contagiantes de soul, rock e rhythm'n blues.
Al Pratt, ao teclado, comandou sua banda, abrilahntada pelos vocais de Camila Gobbi
A sexta-feira foi, infelizmente, impraticável. A chuva impiedosa, constante e intensa, fez com que eu optasse por não ir ao evento que parecia, pela descrição dos artistas e de suas especialidades, muito interessante e promissor. Aliás, eu e mais um monte de gente, pois soube de um dos expositores que a presença de público acabara sendo bastante fraca. Mesmo com uma boa infra-estrutura, como destaquei, os poucos pontos cobertos no parque onde se realizava o festival, não teriam dado conta da chuva que batia lateralmente com o vento.
A Alphen, banda de Teresópolis, levantou o púlbico com seu metal de ótima qualidade.
Já no sábado, embora o tempo ainda não estivesse totalmente firme e confiável, pude voltar à praça da música de Teresópolis e de cara tive uma agradabilíssima surpresa. Cheguei por volta das 17 horas, e o que encontrei foi a banda Alphen, a única banda da cidade no line-up, que vigorosa e competente, despejou todo seu peso sobre a galera que respondeu com o mais alto entusiasmo e vibração a clássicos de todos os tempos do metal.
Os instrumentos
à Bo Diddley da
O Velho Bllues
Depois do êxtase causado pela Alphen, quem entrou foi a banda Corcel Mágico pra baixar a rotação e deixar tudo mais suave. Com ênfase no folk, o grupo, ainda que irretocável tecnicamente, na minha opinião poderia, para um festival, onde o público, queira ou não, é um tanto heterogêneo, ter escolhido um repertório um pouco mais popular, mais conhecido, de modo a arrebatar o público, ainda que, justiça seja feita, tenham tocado Simon and Garfunkel, Creedence, Raul, mas por outro lado, tenham executado muitas composições próprias que davam uma certa esfriada na platéia. Um Neil Young, um Dylan, um The Band, apesar de óbvios, teriam caído bem.
A noite de sábado fechou com a banda O Velho Blues, time azeitado da cidade de Petrópolis, também na serra do Rio de Janeiro, que com seus instrumentos atípicos quase rudimentares, usando caixas de charuto e uma tábua de lavar roupa fabricados pelo vocalista Bruno Fraga, ao contrário do que anunciava o nome, não tocava só os antigos nomes do blues, tendo executado "novos" clássicos de bluesman contemporâneos como Albert King, Stevie Ray Vaughan e Freddie King, mas sem deixar de lado, é claro, o bom e velho blues de mestres como Elmore James, Robert Johnson, Muddy Waters e outros. O show, que contou também com composições próprias da banda, esquentou a galera na noite fria de Teresópolis e manteve animação lá em cima.

Banda O Velho Blues

Saí de Teresópolis no início da tarde de domingo e, portanto, não pude ver os shows daquele dia, o último do festival, mas tenho certeza que, epal amostragem dos dias anteriores, mantiveram o ótimo nível do evento que me deixou com a melhor das impressões e com o sincero desejo de retornar nas próximas edições.

Apesar da chuva, quase todos os dias, o evento foi um sucesso e agradou ouvidos e paladares.







Cly Reis

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Neil Young & The Crazy Horse - "Zuma" (1975)




“Trabalhar com Neil é um privilégio,
não um direito.”
Stephen Stills


Um dos meus artistas preferidos é o cantor e compositor canadense Neil Young. Ele me foi apresentado pelo meu querido e saudoso primo José Carlos de Andrade Ribeiro, o popular Chico Caroço, em 1972, quando ele mostrou pra mim o disco “Harvest”. De cara, chapei com “Old Man” e fiquei de olho em alguma coisa que lançassem dele no Brasil. Só voltei a ouvi-lo com toda a atenção em 1975, quando o mesmo Chico Caroço me apresentou o disco favorito de hoje: “Zuma”, de Neil Young e seus fiéis escudeiros, o trio Crazy Horse (Frank Sampedro na guitarra base; Billy Talbot, no baixo, e Ralph Molina na bateria.
Com uma capa muito expressiva de Mazzeo, “Zuma” foi lançado após uma trilogia de discos muito bons, porém terrivelmente tristes (“Time Fades Away”, de 1973; “On the Beach”, de 1974, e o melhor de todos, “Tonight's the Night”, de 1975), inspirados na morte por overdose de Danny Whitten, o guitarrista original do Crazy Horse.
A viagem começa com “Don't Cry No Tears”, uma típica música de NY com Crazy Horse. As guitarras distorcidas fazem a cama para uma letra onde Neil Young pergunta: “Eu fico pensando quem está com ela esta noite?/ E eu fico pensando quem a está abraçando bem apertado/ Mas não tem nada que eu possa dizer/ para fazê-lo ir embora/ Um velho amor verdadeiro não é difícil de ver/ Não chore, sem lágrimas perto de mim”. Uma pegada country rock com ênfase no rock.
“Danger Bird” põe o dedo sujo na ferida do relacionamento de Young com a atriz Carrie Snodgress, mãe de seu filho Zeke. Como em todo o disco, as guitarras ditam o clima que iria inspirar Lou Reed a dizer que Neil tinha se tornado um grande guitarrista nesta época. E a letra é de um ressentimento absoluto: “Agora eu penso em você o dia inteiro/ Este é o momento em que ele se despedaça/ Porque você esteve com outro homem/ Há um tempo atrás no museu com seus amigos/ Aqui você está e aqui estou eu”. O homem ciumento que Neil havia se tornado lhe inspira a se comparar a um pássaro perigoso cujas asas viraram pedra. Mas mesmo assim ele consegue voar pra bem longe.
“Pardon my Heart” dá uma pausa na eletricidade e tem Neil em todos os instrumentos, especialmente guitarras e violões e percussão mais o baixista Tim Drummond e os backing vocals de Billy Talbot e Ralph Molina. Uma balada bem folk ao velho estilo. Mais um recadinho para Carrie Sondgress: “É uma triste comunicação/ Com pouca razão para acreditar/ Quando um não está dando/ E o outro finge receber”. Mais adiante, ele tenta remendar a situação dizendo: “Perdoe meu coração/ Se mostrei que me importava/ Mas eu te amo mais do que os momentos/ Que nós dividimos ou não”.
A próxima canção, “Looking for a Love”, tem uma base country music e um alívio na tristeza. “Tenho procurado um amor/ Mas ainda não a encontrei ainda/ Ela não será nada do que eu imaginei/ Nos seus olhos descobrirei/ Outra razão porque/ eu quero viver e fazer o melhor do que eu possa”. Mas ele sabe que não é moleza lhe aguentar quando, no refrão, ele garante: “Tenho procurado um amor que seja certo pra mim/ Não sei quanto tempo vai durar/ Mas espero tratá-la bem/ e não mexer com sua cabeça/ quando ela começar a ver o meu lado negro”. Autocrítica em dia, né?
“Barstool Blues” fala de um bebum num banco de bar e de sua tristeza. “Se eu conseguisse aguentar por apenas um pensamento/ o suficiente para saber/ porque minha mente está se movendo tão rápido/ e a conversa é devagar”. Lá pelas tantas, o fantasma de Danny Whitten volta a habitar – e a assombrar – Neil: “Era uma vez tinha um amigo meu/ que morreu milhares de mortes/ Sua vida era cheia de parasitas/ e incontáveis ameaças vadias/ Ele confiava numa mulher/ e nela fez suas apostas/ Era uma vez tinha um amigo meu/ que morreu incontáveis mortes”. A mulher, no caso, a heroína que causou a morte de Whitten.
Apesar do disco estar cheio de guitarras luminosas e aparentemente ser mais “solar" dos que os anteriores, “Zuma” tem sua carga de demência, ódio e ressentimento. O lado B começa com uma diatribe dirigida a uma “Stupid Girl”. Comenta-se que a canção seria direcionada à cantora e compositora canadense Joni Mitchell, com quem ele teve um namoro rápido e conturbado. E a letra é puro rancor: “Você é uma garota tão estúpida/ Realmente tem muito o que aprender/ Comece a viver de novo/ Esqueça de lembrar/ Você é uma garota tão estúpida”. E a agressão não dá refresco: “Você é um peixe muito bonito/ Pulando na areia do verão/ Olhando pra onda que perdeu/ quando outra já está chegando/ Você é uma garota tão estúpida”. Como as mensagens são diretas, a música não poderia ser diferente. Batidas simples, baixo marcando o tempo e as guitarras em distorção total. Nada de sofisticação.
A faixa seguinte abre com o que diria o meu amigo João César Nazário, o grande Alemão: uma guitarrada pra levantar defunto. “Drive Back” tem os solos mais lancinantes de todo o disco. Os puristas da guitarra acham que Neil é um mau músico, que não tem técnica. Pode até ser. Ele não é nenhum Larry Carlton, Allan Holdsworth ou Steve Vai. Mas o feeling deste homem é incrível. Carregando esta selvageria nas seis cordas, tem mais uma letra detonando: “O que te levar pela noite/ tá certo pra mim/ quando chegar a hora de dizer adeus/ Vou te fazer ver/ Que você não me conhece/ Não vou te ligar/ Não estarei aqui/ pra te lembrar/ o que você me disse/ Quando te mostrei/ pela manhã/ Deixa te dizer/ Dirija de volta pra sua velha cidade/ Quero acordar com ninguém por perto”. Restou alguma dúvida, querida?
“Cortez the Killer” é a faixa mais conhecida do disco. Ele a regravou em “Live Rust” e ainda toca em seus shows. A letra conta a história de Hernán Cortes, um conquistador espanhol que derrotou o império asteca de Montezuma, comandando um dos grandes massacres de índios da história do mundo ocidental. “Ele veio dançando através da água/ com seus galeões e arma/ À procura do novo mundo/ naquele palácio no sol/ Na praia estava Montezuma/ com suas folhas de coca e pérolas/ E nos lugares onde andava/ com os segredos das palavras... E as mulheres eram todas bonitas/ E os homens eram formes e fortes/ Eles ofereceram suas vidas em sacrifício/ para que outros pudessem continuar”. Durante sete minutos e 29 segundos, Neil e o Crazy Horse contam esta história de conquista e dizimação dos mais fracos.
Depois de tudo, a última faixa dá uma folga pras guitarras e Neil resgata uma canção do abortado projeto de reunião de CSN&Y em 1974, no Hawaii, com “Through my Sails”. Nela, os quatro cavaleiros do country rock mesclam suas vozes em harmonias perfeitas ao som do violão de Young, do baixo de Stephen Stills e das congas do convidado Russ Kunkel. As coisas realmente não estavam fáceis para eles nesta tentativa de reencontro. Os sentimentos eram conflitantes e Neil os captura bem falando de velejar, um dos esportes favoritos de seu irmão e rival de música, Stills: “Ainda fitando as luzes da cidade/ No Paraíso eu me elevo/ Incapaz de descer/ por razões que não sei explicar/ total confusão/ Desilusão/ Coisas novas que estou aprendendo... Vento soprando através das minhas velas/ Parece que estou longe/ Deixando o vento soprar/ através de minhas velas”.
Mesmo tendo as guitarras na linha de frente e dando a impressão de ser um disco ensolarado, especialmente após as tragédias de “Tonight's the Night”, “Zuma” não deixa de ser um disco carregado de uma raiva inerente a tudo que estava acontecendo na época. Além disso, esta foi uma das fases mais complicadas de Neil Young com as drogas, as mulheres, as parcerias musicais que não decolavam, o nascimento de um filho com paralisia cerebral e a morte rondando tudo o tempo inteiro. Como a carreira de Young é pontuada por momentos de rara beleza, como "Everybody Knows This Is Nowhere", “After the Gold Rush”, “Tonight's the Night”, “Rust Never Sleeps”, entre muitos outros, “Zuma” tende a ficar num patamar secundário. Mas é meu disco favorito dele por todos estes motivos relatados acima.
Dois anos depois, Neil se reúne com a nata dos músicos de Nashville mais uma colaboradora que iria acompanhá-lo por muito tempo, a cantora Nicolette Larson, e gravaria o seu disco mais conhecido e menos neurótico de todos: “Comes a Time”. Mas esta é outra história.
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FAIXAS:
1. Don't Cry No Tears - 2:34
2. Danger Bird -                6:54
3. Pardon My Heart - 3:49
4. Lookin' For A Love - 3:17
5. Barstool Blues - 3:02
6. Stupid Girl - 3:13
7. Drive Back - 3:32
8. Cortez The Killer - 7:29
9. Through My Sails - 2:41

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OUÇA O DISCO

por Paulo Moreira


quinta-feira, 17 de março de 2016

Jackson Browne – “Running on Empty" (1978)




“Se o amor precisa de um coração,
‘Running on Empty’ deixa claro que
a estrada não é um bom lugar
tanto para encontrar
 quanto para manter um.”
Paul Nelson,
para a Rolling Stone,
quando do lançamento do disco




Quem me conhece há bastante tempo sabe que eu sou fã total do som da Califórnia anos 70, a “Mellow Máfia”, como eles chamam por lá, formada por James Taylor, Carly Simon, Warren Zevon (se bem que este era nada “mellow”), Eagles e este ilustre desconhecido no Brasil: Jackson Browne, um dos meus preferidos. Em 1978, por incrível que pareça, um disco deste cara chegou ao Brasil embalado pelo sucesso nos States. Fui na Yes Discos da Rua da Praia (lembram?), comprei e me deliciei tanto que ele hoje está aqui, na lista dos meus discos favoritos.

A história deste disco começa uns anos antes. Browne, um dos compositores mais prolíficos daquela região, havia lançado o disco “The Pretender”, um sucesso absoluto de crítica. Como de praxe na época, o lançamento do disco vinha seguido de uma turnê. Só que Browne resolveu reverter as expectativas e gravar ao vivo um trabalho de músicas inéditas ou que não estavam em "The Pretender". Aí surge “Running on Empty", um disco sem precedentes na história do rock.

A faixa-título abre o disco com Browne usando a metáfora da estrada para compará-la com a vida. "Olhando pra estrada, correndo sobre minhas rodas / olhando pra trás e vendo os anos que ficaram pra trás como muitos campos de verão/ em 65 eu tinha 17 e corria um-por-um / Não sei onde estou correndo agora, só estou correndo". Mais adiante, Browne continua suas indagações: "Você tem de fazer o que pode pra manter seu amor vivo/ e tentar não confundi-lo com o que faz para sobreviver/ Em 69 eu tinha 21 e dizia que a estrada era minha/ Não sei quando aquela estrada se tornou a que estou agora". Com um refrão grudante, os vocais de Rosemary Butler e Doug Heywood e as guitarras lancinantes de Danny Kortchmar e David Lindley, o disco tem um ótimo começo. O estilo "70's California" está todo ali.

Na sequência, o bardo engata uma composição de Danny O'Keefe chamada, apropriadamente, "The Road". Durante todo o disco, Browne vai fazer uma espécie de inventário sobre a vida do músico na estrada. Nela, as alegrias e as agruras de estar em movimento sempre acabam por transformar a vida destas pessoas. "Estradas e salões de baile/ uma boa canção te leva longe/ Você escreve sobre a lua/ e sonha com as estrelas... café pela manhã cocaína na tarde/ você fala sobre o tempo e ri sobre os quartos de hotel/ ligações de longa distância/ pra dizer como você está/ você esquece as perdas e exagera as vitórias/ Mas quando você para e os deixa saber que chegou lá/ é apenas mais uma cidade na estrada". A curiosidade é que Browne começa a canção numa gravação feita num quarto de hotel e, quando chega na metade, ele mixa com uma gravação ao vivo. A estrada em dois tempos.

"Rosie", composta por Browne e seu gerente de tour, Donald Miller, conta uma história bem conhecida de quem está excursionando: a da groupie, aquela fã feminina que persegue as bandas. Browne se acompanha ao piano num backstage e tem as harmonias vocais de Heywood e do fotógrafo da excursão, o lendário Joel Bernstein. "Ela estava no descarregamento/ quando os caminhões chegaram/ ela estava farejando como se fosse uma cachorrinha nova/ Não foi difícil falar com ela/ parecia que não tinha onde ir/ então dei-lhe um passe para que ela pudesse ver o show". Depois, o astro pop se compadece da groupie e lhe diz "Rosie, você esta bem, você está com meu anel/ quando você me abraça forte, Rosie este sou eu/ Quando você desliga a luz, eu tenho de pegar de volta/ Parece que somos nós dois de novo esta noite, Rosie". Nesta época, pré-Aids, as groupies terminavam sempre na cama dos músicos.

"You Love the Thunder" retorna com o clima Califórnia, com solo de Lindley e uma letra que fala da companheira de um músico sempre com o pé na estrada. "Quando você olha sobre seu ombro/ e vê a vida que deixou pra trás/ Quando pensa que acabou chega a pensar/ O que é que segura sua vida tão perto da minha?/ Você ama o trovão, você ama a chuva/ O que você vê revelado dentro da raiva vale a dor/ E antes que a luz esmoreça e você se entregue/  tem um segundo pra olhar pro lado negro de um homem". No final, a marcha inexorável de quem está na estrada vence tudo: "Você sabe da sua fome como sabe o seu nome/ Tenho o seu número, se ele for o mesmo/ você pode sonhar/ mas não vai conseguir voltar o caminho em que veio".
Como o disco foi gravado em 1977/78, a cocaína era a droga do momento. E na estrada, então, era uma loucura. Jackson Browne adaptou um clássico blues do Reverendo Gary Davis e fez sua própria versão de "Cocaine": "Você pega Sally, eu pego Sue/ não tem diferenças entre as duas/ Cocaína, correndo no meu cérebro... ontem à noite, passava das quatro/ Ladanyi (o engenheiro de som da banda) veio ao meu quarto e perguntou/ ‘onde está a cocaína’/ eu disse que estava correndo em meu cérebro". Mas toda esta orgia tem seu preço: "Estava falando com meu médico lá no hospital/ E ele disse 'filho, aqui diz que tu tens 27, mas é impossível/ Cocaína... você parece ter 45'". Mesmo consumindo, Browne sabia dos riscos.

O lado 2 do LP começa com um tributo aos caminhoneiros composto pelo guitarrista Danny Kortchmar chamado "Shaky Town". E fala da relação dos músicos com estes profissionais. "Presenciei estes shows únicos/ deve ter tocado em milhares de bandas/ Mas estou aqui hoje, amanhã já estarei longe/ tenho visto caras mostram seus lados negros/ tenho os visto morrer apenas por orgulho bobo/ E estes motoristas sempre pedem pra ouvir a mesma canção... e segui aqueles sinais na estrada/ e corri sobre aquelas linhas brancas/ como aqueles motoristas esta velha estrada eu chamo de minha". Esta canção foi gravada num quarto de hotel. Browne se esmera em mostrar que tudo pode ser feito na estrada.

"Love Needs a Heart" é a música romântica do disco, composta por ele, Valerie Carter e seu amigo Lowell George, do grupo Little Feat, que morreria um ano depois de overdose. E a melancolia já começa na primeira estrofe: "Talvez a coisa mais difícil que jamais eu fiz/ foi partir pra longe de você/ Deixando pra trás a vida que nós começamos/ eu me dividi em dois/ Orgulhoso e sozinho, frio como uma pedra/ Descendo aquela colina dentro da noite/ Eu podia ver a surpresa e a mágoa nos seus olhos/ atrás de cada luz piscando nas cidades/ O amor precisa de um coração e preciso saber/ se o amor precisa de um coração como o meu". A backing Rosemary Butler tem destaque nesta canção, assim como o tecladista Craig Doerge, que faz um solo de mini-moog bem no clima triste inspirado pela letra. E a tristeza continua: "Orgulhoso e sozinho, frio como uma pedra/ Tenho medo de sentir as coisas que sinto/ Posso chorar com os melhores, posso descansar com o resto/ mas nunca sei quando é real/ E pode ser a coisa mais difícil que eu tenha feito/ mas longe de tudo que eu esperava encontrar/ onde está o coração que está esperando o meu?/ Espero que me encontre a tempo". A vida do músico na estrada impede que ele tenha um relacionamento normal. E é isso que Browne destaca nesta canção, uma das mais lindas do disco.

O tédio das viagens está também em "Nothing But Time", gravada dentro de um ônibus, com o baterista Russ Kunkel tocando caixas e hi-hat. No refrão, Browne fala do que acontece durante uma viagem e o vazio de se deslocar de um lugar para outro: "Tenho uma garrafa de vinho (passe adiante)/ tenho uma carreira partida (ainda estou sóbrio)/ não tem nada além de tempo entre este Silver Eagle/ e aquela estrada pra New Jersey". O interessante é que os ruídos do ônibus são audíveis durante a gravação, feita com piano elétrico, violões e as caixas de papelão de Kunkel.

Pra fechar, Jackson Browne escolheu o momento mais dramático de uma tour musical: a hora em que tudo termina e começa o carregamento para a próxima cidade. "The Load-Out" é exatamente isso. "Agora que os lugares estão vazios/ deixe os roadies subirem no palco/ empacotando e desmanchando tudo/ Eles são os primeiros a chegar e os últimos a sair/ trabalhando por um salário mínimo/ Eles vão arrumar tudo numa outra cidade/ esta noite o público foi ótimo/ Esperou na fila/ E quando levantou, fez o show/ E isso foi ótimo/ Mas posso ouvir o som de portas batendo e cadeiras sendo fechada / E esse é um som que eles nunca vão ouvir". A canção segue contando a desmontagem do espetáculo, a ida para outro lugar, a remontagem e o recomeço. "Mas a banda está no ônibus/ eles estão esperando pra ir/ Temos de viajar a noite inteira pra fazer um show em Chicago/ Ou Detroit, eu não sei/ fazemos muitos um atrás do outro/ E essas cidades todas se parecem/ Passamos o tempo em nosso quartos de hotel/ e circulamos pelos backstages/ até que estas luzes se acendam e ouvimos a multidão e lembramos porque viemos". Juntamente com esta dramaticidade, Browne encontra espaço para a alegria de tocar, de fazer música, de trazer esperança e felicidade pra quem está assistindo. "Vocês tem o poder sobre o que fazemos/ vocês podem sentar e esperar ou podem nos animai / venham junto, cantem a canção/ vocês sabem que não pode dar errado/ porque quando o sol da manhã começar a surgir/ Vocês vão acordar em suas cidades/ Mas nós estaremos programados para aparece / milhares de milhas longe daqui".

Quando parece que tudo terminou, Browne e sua banda redescobrem "Stay", uma música de Maurice Williams que se encaixa perfeitamente no clima de encerramento do disco, pedindo: "Pessoal, fique mais um pouquinho/ Queremos tocar só mais um pouquinho/ Agora o produtor não interessa/ o sindicato não interessa/ se ficarmos mais um pouquinho/ vamos jogar tudo pra cima/ e vamos cantar mais uma canção". Brilham Browne, Butler e uma aparição engraçada do guitarrista David Lindley fazendo um vocal jocoso.

"Running on Empty" é um disco que tem marcado em sua testa o carimbo inconfundível do som dos cantores e compositores californianos dos anos 70. Quem gosta, como eu, se delicia com as frequências arredondadas da bateria mixadas com Aphex Aural, um dispositivo que "limpava" o som mais sujo e deixava tudo bem clean (se não for exatamente isso, vou perguntar ao meu amigo Marcos Abreu , que ele deve ter uma explicação técnica embasada muito melhor). Pra quem não conhece – e eu acho que muita gente jamais ouviu este disco –, ele está aqui.
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FAIXAS:
1. Running On Empty - 5:20
2. The Road (Danny O'Keefe) - 4:50
3. Rosie (Jackson Browne/Donald Miller) - 3:37
4.  You Love The Thunder - 3:52
5. Cocaine (Rev. Gary Davis) - 4:55
6.  Shaky Town (Daniel Kortchmar) - 3:36
7. Love Needs A Heart (Browne/Lowell George/Valerie Carter) - 3:28
8. Nothing But Time (Browne/Howard Burke) - 3:05
9. The Load-Out (Browne/Bryan Garofalo) - 5:38
10. Stay (Maurice Williams) – 3.28

todas as composições de Jackson Browne, exceto indicadas.
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OUÇA O DISCO: