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segunda-feira, 3 de março de 2025

Oscar 2025 - Os Vencedores

Walter Salles com o NOSSO inédito Oscar: que vitória!
Não poderia deixar de começar qualquer comentário sobre a edição de 2025 do Oscar falando não sobre o principal premiado, mas da premiação inédita conquistada pelo filme brasileiro "Ainda Estou Aqui". Sim: o Brasil pode dizer que tem um Oscar para chamar de seu! O longa de Walter Salles, que ainda concorria a Filme, ganhou a tão sonhada estatueta de Filme Internacional, alcançando aquilo que outros filmaços brasileiros anteriores, como "O Pagador de Promessas" e "Central do Brasil", não conseguiram. Um feito histórico e de gigantesca simbologia para o cinema nacional.

Em compensação, o Oscar de Fernanda Torres, aquele para o qual se criou uma enorme celeuma e expectativa Brasil inteiro, não veio. E não veio de uma forma um tanto frustrante, o que tem a ver, agora sim, com o destaque desta edição: a supremacia de "Anora". O drama/comédia de Sean Baker foi o principal vencedor da noite, conquistando 5 das 6 estatuetas as quais foi nomeado: Filme, Roteiro Original, Edição, Direção e aquele que, surpreendente, tirou o prêmio de Fernanda, o de Atriz para Mikey Madison.

O gosto amargo fica porque, se fosse para Fernanda perder, que fosse para Demi Moore por seu papel em "A Substância". Por tudo que representa o papel de Demi, toda a carga anti-etarismo e anti-sexismo que carrega e também por toda a falada retratação com a artista, nunca indicada a nada. Mas não foi o que houve. Teria sido mais justo com Demi, a favorita, e com Fernanda, que, tête-à-tête com Mikey, desempenha melhor num papel dramático. Não que seja um prêmio descabido, pois a protagonista de "Anora" está muito bem no filme. Mas papel por papel, Fernanda como Eunice Paiva é, sim, um nível acima em expressividade e consistência como atuação. Mas é premiação, e isso faz parte.

Tanto faz parte que o superindicado "Emilia Pérez", depois das polêmicas sobre sua realização e roteiro e de uma desastrosa campanha que o desidratou diante dos jurados, tinha 13 chances e amargou apenas 2: Atriz Coadjuvante (para Zoe Saldaña, ótima) e Canção Original. Até mesmo "O Brutalista", outro favorito (inclusive a Filme), das 10 nomeações teve de se contentar com somente 3: Ator (Adrian Brody), Fotografia e Melhor Trilha Original.

O fator político, que se imaginava talvez mais exacerbado, falou menos, mas bem. Corajosa, a atriz Daryl Hannah, que apresentou a categoria de melhor Edição, fez a saudação nacionalista ucraniana com os dedos e "V" e disse a frase: "Glória a Ucrânia", lema das forças armadas e nacionalistas do país invadido pela Rússia. Aplaudida. Outro momento anti-belicismo foi quando da vitória do documentário "No Other Land", dirigido por Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, ou seja, cineastas palestinos e judeus juntos pela mesma causa: a paz e o olhar humanista para os povos. No discurso, críticas à forma como o governo dos Estados Unidos atua na Guerra em Gaza, colaborando com a manutenção do ódio entre os povos. A gafe, no entanto, ficou por conta da não menção a Cacá Diegues no momento In Memorian. Esses norte-americanos jecas...

Quem também recebeu justos aplausos foi Paul Tazewell, que fez história ao se tornar o primeiro homem negro a ganhar o Oscar de Melhor Figurino pelo seu trabalho no musical "Wicked", filme que ainda levou o prêmio de Design de Produção. Fora isso, "A Substância" pegou o merecido de Maquiagem e Cabelo, "Conclave" o plausível de Roteiro Adaptado e "Duna - parte 2" levou os dois técnicos: Som e Efeitos Visuais.

Para além da felicidade de ver "Ainda Estou Aqui" no mais alto posto da maior premiação do cinema mundial, é legal ver também um cult "pequeno" vencer. Em contraposição ao cinemão de "O Brutalista" e a alegoria musical de "Emilia Pérez", ambos estilos por muito tempo consagrados pela Academia, ficaram pra trás em detrimento de "Anora", um filme profundo sem precisar de grandiloquência e que deixa um recado: nunca duvidem de um Palma de Ouro de Cannes.

Confira todos os premiados:

📹📹📹📹📹📹📹📹


MELHOR FILME

Anora


MELHOR FILME INTERNACIONAL

Ainda Estou Aqui


MELHOR DIREÇÃO

Sean Baker (Anora)


MELHOR ATRIZ

Mikey Madison (Anora)


MELHOR ATOR

Adrien Brody (O Brutalista)


MELHOR ATRIZ COADJUVANTE 

Zoe Saldaña (Emilia Pérez)


MELHOR ATOR COADJUVANTE

Kieran Culkin (A Verdadeira Dor)


MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Anora


MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

Conclave


MELHOR EDIÇÃO

Anora


MELHOR DOCUMENTÁRIO

No Other Land


MELHOR DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM

The Only Girl in the Orchestra


MELHOR ANIMAÇÃO

Flow


MELHOR ANIMAÇÃO EM CURTA-METRAGEM

In the Shadow of the Cypress


MELHOR CURTA-METRAGEM EM LIVE-ACTION

I'm Not a Robot


MELHOR FOTOGRAFIA

O Brutalista


MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO

Wicked


MELHOR FIGURINO

Wicked


MELHOR MAQUIAGEM E CABELO

A Substância


MELHOR TRILHA ORIGINAL

O Brutalista


MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

“El mal" - Emilia Pérez


MELHOR SOM

Duna - Parte 2


MELHORES EFEITOS VISUAIS

Duna - Parte 2


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

"Emilia Pérez", de Jaques Audiard (2024)

 

GANHADOR DO OSCAR DE
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE (ZOE SALDAÑA) MELHOR CANÇÃO ORIGINAL (“EL MAL”)

Ao contrário da maioria dos brasileiros que foi assistir "Emilia Pérez" já  com a faca nos dentes, prontos para desqualificar o rival de "Ainda Estou Aqui", fui com toda a boa vontade e a recomendação de um filme de sucesso em diversos festivais e que conta com a admiração de personalidades relevantes do mundo do cinema.

No entanto, nem tudo isso seria suficiente  para me convencer que trata-se de um grande filme digno das incríveis 13 indicações ao Oscar.

Sem entrar no mérito das polêmicas de representatividade, lugar de fala, estereotipação, que tem cercado o longa desde que se instaurou uma verdadeira guerra nas trincheiras das redes sociais, o produto final "Emilia "Pérez" me parece uma obra sem brilho. Um filme comum cujo grande diferencial é ser um musical dentro de uma trama de máfias e cartéis, mas cuja proposta é  tão mal aplicada que deixa de ser virtude.

Os números musicais, além de maçantes, inoportunos, são utilizados em momentos pouco propícios, mais atrapalhando o desenvolvimento do enredo do que ajudando. Um diálogo bem elaborado seria mais produtivo do que quatro minutos de música com coreografia.

Sem falar que as canções não são nada cativantes. Nada que a gente venha a lembrar daqui a vinte anos, quando escutar de novo, e dizer, "Olha, aquela música do filme 'Emilia Pérez'!".

Gosto muito do filme enquanto um 'policial' de gangues com uma reviravolta inesperada do tipo "mafioso coisa ruim que quer mudar de cara, de vida, desaparecer mas cujo passado não permite essa nova chance", mas até isso a gente encontra em qualquer filmezinho de ação  hollywoodiano do John Woo. E quanto à parte dramática, do remorso, dos desaparecidos, dentro do quadro todo, parece mais uma colagem mal aplicada, e quanto ao tema, o assunto em si, a denúncia, bom...aí o diretor que se entenda com os mexicanos que, pelo jeito, não gostaram nada de um francês metendo o nariz no que não lhe diz respeito.

Não achei um lixo, uma porcaria como muitos compatriotas torcedores consideram. Mas na minha visão, é MUUUITO menor do que parece ser, da ideia que venderam do filme e do tamanho que alcançou. Treze indicações?! Convenhamos, mesmo com todos os méritos que possa ter, é um exagero.

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trailer de "Emília Pérez"



"Emilia Pérez"
Título Original: "Emilia Pérez"
Direção: Jaques Audiard
Gênero: Musical/ Comédia /Drama/ Crime
Elenco: Zoë Saldaña, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez
Duração: 130 min
Ano: 2024
País: França / México
Onde assistir: Cinemas

🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬


por Cly Reis 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

"Anora", de Sean Baker (2024)

GANHADOR DO OSCAR DE
MELHOR FILME
MELHOR ATRIZ
MELHOR DIREÇÃO
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
MELHOR EDIÇÃO

A campanha do Oscar está sendo a mais louca e acirrada dos últimos anos, o que tem favorecido alguns filmes e desfavorecido outros. Na categoria de Melhor Filme, muito se falou até então do favoritismo de “O Brutalista” e “Emilia Perez”, os dois de maiores nomeações da edição de 2025 da premiação (10 e 13 respectivamente). Porém, com a corrida maluca que se tornou o pré-Oscar deste ano (o que, inclusive, vem pondo o brasileiro “Ainda Estou Aqui” em boa posição nas categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz), tanto um quanto outro andaram, por motivos vários, perdendo musculatura nas últimas semanas desde que os indicados foram anunciados. Nisso, acabaram dando espaço para que um terceiro filme viesse na contramão e despontasse como um novo candidato: “Anora”.

O “O Brutalista”, filmão típico hollywoodiano, drama histórico, longo, filmado em Panavision, perdeu credibilidade desde a descoberta do uso de inteligência artificial em algumas cenas. Já “Emilia Perez”, queridinho do público e crítica, passou a sofrer uma campanha de difamação pela ausência de atores mexicanos em um filme que se passa no México e pela suposta superficialidade na abordagem da questão LGBTAPQN+. Esses dois aspectos se refletem direto noutra crítica: o desrespeito ao “lugar de fala”, uma vez que o diretor francês é um homem abordando uma questão trans e de um país que não é o seu.

Nessa briga entre favoritos, o cult “Anora”, belo drama com toques de comédia dirigido pelo jovem cineasta norte-americano Sean Baker, aparece como um novo possível vencedor. Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2024, o filme conta a história da jovem Anora (Mikey Madison), uma trabalhadora do sexo da região do Brooklyn, nos Estados Unidos, que descobre, numa noite de trabalho aparentemente normal, que pode ter surgido a oportunidade de mudar seu destino quando conhece e se casa impulsivamente com o filho de um oligarca russo, Ivan (Mark Eidelshtein). Em pouco tempo a notícia chega à Rússia e o conto de fadas termina quando os pais de Ivan entram em cena, desaprovando totalmente o casamento. 

O ótimo Yura Borisov no papel de Ygor com a inocente Ani
Afora a ágil edição e as seguras atuações, em especial de Yura Borisov (concorrente ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por seu papel como capanga Ygor), “Anora” se sobressai mesmo pelo roteiro, fio condutor para uma história inventiva e crítica ao mesmo tempo. Os desdobramentos da situação inicial, o romance entre o mimado ricaço russo e a protagonista, leva o espectador a caminhos surpreendentes, pois é escrito de modo a desfazer expectativas daquilo que geralmente quem assiste espera que ocorra. Afinal, todos são condicionados, por influência justamente do cinema feito nos Estados Unidos, que as coisas descambem para a violência explícita. Mas não. Baker, também roteirista (e que concorre na categoria de Melhor Original), quebra as expectativas mais óbvias, amplificando outra violência: a psicológica. A protagonista, dotada da ingenuidade daqueles que jamais conviveram com quem detém o poder, é sujeita a uma série de brutalidades inerentes à sua condição de mera ”prostituta”, tal como imputam a ela, com exceção do consciente Ygor. Por trás da terrível cosmologia dos personagens, está uma crítica ao que a antiga União Soviética legou de ruim desde sua dissolução: uma sociedade ora pobre e impelida à migração, ora rica por vias impróprias. O solo norte-americano, a ilusão da América, é o lugar perfeito para a existência destas duas “classes” de migrantes, bem como para o desvelamento de seus conflitos.

Mesmo com sua pegada de humor às vezes um pouco a mais do que precisava, “Anora” é profundo e bastante revelador da natureza humana em suas relações de poder, a qual envolve aquilo que move o mundo capitalista: sexo e dinheiro. Não há lugar para meninas sonhadoras e despreparadas como Anora, e isso fica muito claro na forma como é construída a personagem de Mikey, uma pessoa à mercê do sistema opressor em suas diversas esferas, seja econômico-social, seja pela misoginia ou pelo machismo imperantes. Perto de “Emilia Perez”, inconsistente na construção de seus personagens (entre outras fraquezas que apresenta), “Anora” é uma aula de como abordar sentimentos humanos em uma narrativa de um filme para grande público. 

Enquanto outros enfraquecem em sua caminhada para o Oscar, “Anora”, recentemente vencedor dos prêmios de filme no Writers Guild Awards e Producers Guild of America, se robustece. “Emilia Perez” ganhou o Bafta a poucos dias, mas na categoria de Filme em idioma não-inglês, desbancando “Ainda Estou Aqui”, inclusive. Porém, esse reconhecimento tem muito mais a ver com a disputa entre estes dois no Oscar pelo Filme Internacional. Em Filme, “Anora” pode, sim, surpreender. E convenhamos: nunca duvidem de um Palma de Ouro. O exemplo de “Parasita” está aí para provar que isso é possível.

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trailer de "Anora"


"Anora"
Título Original: "Anora"
Direção: Sean Baker 
Gênero: Drama/Comédia
Duração: 2h18min
Ano: 2024
País: EUA
Onde encontrar: Amazon Prime Vídeo

🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Gilberto Gil - "Dia Dorim Noite Neon" (1985)

 


"Só quem não amar os filhos/ Vai querer dinamitar os trilhos da estrada/ Onde passou passarada/ Passa agora a garotada, destino ao futuro".
Da letra de "Roque Santeiro, O Rock"

Os anos 80 foram de instabilidade na carreira de Gilberto Gil. Assim como com seus companheiros de Tropicalismo Caetano Veloso e, ainda mais, Tom Zé – este, relegado a um ostracismo graças a Deus interrompido tempo depois – a década com a pecha de "perdida" parece ter influenciado com seu mau agouro os consagrados músicos da MPB. O BRock de Legião Urbana, Barão Vermelho, Blitz, Titãs, Lobão, RPM e outras bandas da época ocupavam as rádios, o que, somado com o que vinha de fora, quase não deixava espaço para o "produto nacional". 

Gil, exímio compositor que é, até emplacou sucessos no começo da década de 80. "Andar com Fé" e "Vamos Fugir" tocaram bastante, é bem verdade. Em compensação, seus álbuns passavam longe de terem a mesma regularidade e reconhecimento de crítica e público frente a seus clássicos dos anos 60 e 70, como o disco de 1968, "Expresso 2222", de 1972, ou a revolucionária trilogia "Re" ("Refazenda"/"Refavela"/"Realce", 1975, 1977 e 1979 respectivamente). Também, o baiano tentara, por duas vezes quase sequentes, entrar no mercado norte-americano. Ao contrário de alguns de seus pares, como Djavan, Ivan Lins, Tânia Maria e Milton Nascimento, ele não obteve o êxito esperado e se recolheu ao nicho já conquistado: o Brasil. O destino, no entanto, reservaria mais um abalo ainda maior a Gil naquele final de década de 80: o filho Pedro, baterista de sua banda desde 1984, se acidentaria de carro no Rio de Janeiro e morreria em janeiro de 1990. Aos 19 anos.

Mas os tropicalistas têm uma vantagem sobre outros artistas da música brasileira, mesmo para com os da mesma estirpe: eles ditam tendência. E se nos anos 80 a tendência estava posta pela indústria, então o negócio era passar a ratificá-la. Como já vinha ocorrendo desde os Mutantes, Gil e Caetano tornaram-se totens de certificação a toda a geração mais jovem, de A Cor do Som a Chico Science & Nação Zumbi. "Dia Dorim Noite Neon", lançado por Gil em 1985 para comemorar os 20 anos de carreira e que completa 40 em 2025, além de trazer excelentes composições, estabelece essa consciência quase benta do velho artista para com os súditos. Porque, sim: o rock brasileiro deve muito a MPB, ao contrário do que já se tentou negar ou esconder. Um privilégio que só o Brasil tem, mas algo desqualificado pela imprensa por muito tempo.

A bela vinheta de abertura e encerramento, "Minha Ideologia, Minha Religião", traz o violão dedilhado de Gil e seu vocal acompanhando as vozes infantis em coro, que cantam uma prece universal de pureza aos deuses para iniciar a jornada – e, lá na última faixa, agradecer pela mesma. Logo na sequência, vem o hit do disco, o reggae "Nos Barracos da Cidade", um canto de contestação social de um Brasil recém saído da ditadura. “Barracos”, seu subtítulo, abriria também portas a outra música com características parecidas e de ainda maior sucesso, que é "Alagados", marco do pop rock brasileiro, gravada pelos Paralamas do Sucesso com Gil um ano depois no mesmo estúdio, Nas Nuvens.

Sem muito respiro, Gil emenda o rockasso "Roque Santeiro, o Rock", um hard rock enfezado de dar inveja a muita bandinha poser que esteve no Rock in Rio naquele ano. Gil que, aliás, havia feito uma apresentação histórica no festival meses antes com a mesma banda mas ainda com o repertório do disco anterior, "Raça Humana". Na música em questão, a excelente produção do mutante Liminha dá protagonismo à bateria potente de Pedro Gil e à guitarra de outro e original mutante, Sérgio Dias, sintonizado com a sonoridade que o vanguardista produtor norte-americano Bill Laswell estava se apropriando e que cristalizaria no referencial "Album", da Public Image Ltd., de um ano depois. Ou seja: era o auge do rock'n’roll na mídia dos anos 80.

Gil e o filhão Pedro, falecido anos depois, mas 
fundamental para a atmosfera rocker de "Dia Dorim..."
Captando todas essas pulsões, inclusive o sucesso popular da novela de Dias Gomes de mesmo nome que rodava à época na Globo, Gil se vale de sua experiência e visão tropicalista para escrever uma música altamente simbólica para aquele período. Ele sintoniza, com olhar sábio, generoso e até paternal aquilo que a juventude ansiava, do esporte radical a uma nova compreensão da religiosidade. ”Deixa ele tocar o rock/ Deixa o choque da guitarra tocar o santeiro/ Do barro do motocross/ Quem sabe ele molde um novo santo padroeiro", diz a letra. Tudo isso, claro, simbolizado na potência do rock. O filho Pedro, aliás, é fundamental neste processo. Rapaz cheio de vitalidade, foi ele quem motivou o pai a entrar na onda roqueira. Gil identificava nele um representante daquela geração a qual faz referência na música, como os Paralamas, Ultraje a Rigor, Titãs e Lobão. Era como se dissesse: "Meus filhos musicais, eu abri caminho pra vocês lá atrás. Agora, é com vocês, mas eu estarei aqui, sempre perto".

Atentando também à cena pop do momento de nomes como Marina, Zizi Possi e Vinícius Cantuária, Gil diminui a rotação e traz a bela 'Seu Olhar", que conta com a guitarra do "Paralama" Herbert Vianna antes deste se tornar seu parceiro em "A Novidade", o que ocorreria meses depois no celebrado "Selvagem?", terceiro disco da banda. A faixa antecede a bossa-nova introspectiva "Febril", das melhores e mais desconhecidas canções do repertório gilbertiano. Espécie de reverso de 'Palco", que exorciza os males do mundo no instante sagrado do encontro do músico com o público, "Febril", ao contrário, revela o lado solitário da existência do artista, a qual pode imperar mesmo diante de uma vasta plateia. "Tanta gente, e estava tudo vazio/Tanta gente, e o meu cantar tão sozinho". Gil e sua profundidade capaz de revelar o avesso das coisas.

A próxima faixa vem noutra sintonia, mas sem perder coerência com a atmosfera pop do álbum: o french-afoxé "Touches Pas A Mon Pote". Noutra excelente produção de Liminha, Gil, dono de um francês impecável, ressignifica, nos ritmos essencialmente afro-brasileiros, a África francófona, ou seja, Senegal, Benin, Costa do Marfim, de onde parte dos escravos vieram para o Brasil e a sua Bahia séculos antes. Esta primeira aproximação simbólico-sonora Brasil-França de Gil, vista em uma série de canções dele a partir de então, o próprio redimensionaria 23 anos depois em outra música igualmente cantada na língua de Hugo (mas também de Mbougar Sarr): "La Renaissance Africaine", originalmente do disco “Banda Larga Cordel”.

O lado B do vinil começa com mais uma agitada, mas desta vez sob a batida do funk: "Logos Versus Logo". Sob inspiração da sonoridade típica do pop soul da época de Prince, Marcus Miller, Patti LaBelle e outros artistas – bateria eletrônica, baixo em slaps, guitarra suingada e ritmo soul –, Gil aborda o papel de resistência do poeta no mundo capitalista, problematizando a questão com poesia e lucidez. Outra música que, assim como “Febril”, é de suas melhores mas também das mais esquecidas. E que bela letra: "E o bom poeta, sólido afinal/ Apossa-se da foice ou do martelo/ Para investir do aqui e agora o capital/ No produzir real de um mundo justo e belo". Só que Gil não se presta a simplesmente copiar o som da moda tocado nos Estados Unidos: ele o enriquece. Como poucos ousavam fazer naqueles idos de embate "rock x MPB", o baiano, do meio para o fim da faixa, adiciona-lhe percussões de samba, fundindo de forma empolgante o ritmo mais brasileiro de todos ao groove do funk. Pouco tempo depois, Lobão, Os Engenheiros do Hawaii e The Ambitious Lovers fariam semelhante. 

Com a autoridade de um dos pioneiros do reggae no Brasil, Gil traz um outro ainda mais raiz do que “Barracos”: “Oração Pela Libertação da África Do Sul”. Mais uma de teor espiritualista mas que, desta vez, clama por outro problema social que o mundo vivia naquele então, que era o Apartheid na África do Sul, o regime de segregação que retirou os direitos da população negra do país. Valendo-se da força de resistência e denúncia que o ritmo do ídolo Bob Marley carrega, Gil torna a atuar politicamente através da música, unindo-se, neste caso, ao movimento global de solidariedade com a luta anti-Apartheid, que aumentou a conscientização sobre a injustiça dessa política e ajudou a impulsionar a mudança 5 anos depois com a queda do regime.

Voltando ao pop, na sofisticada “Clichê Do Clichê” Gil conta com a parceria do já mencionado amazonense Vinícius Cantuária, à época estourado nas rádios com o hit “Só Você”. Ligações com “Touches...” nas diversas referências à cultura francesa, como Brigitte Bardot, Jean-Paul Belmondo e o cinema francês. Quase fechando o disco, a música que justifica a referência à personagem Diadorim do título: “Casinha Feliz”. Esse doce xote sertanejo (visivelmente uma inspiração para “Madalena”, gravada com sucesso por Gil em “Parabolicamará”, de 1992) contém os versos motivados pelo universo de Guimarães Rosa: “Onde resiste o sertão/ Toda casinha feliz/ Ainda é vizinha de um riacho/ Ainda tem seu pé de caramanchão”. E completa: “De dia, Diadorim/ De noite, estrela sem fim”.

Encerrando, outra belíssima composição, esta, do amigo Jorge Mautner. “Duas Luas” fecha com a poesia lírica e estelar própria do “maldito” num ijexá moderno, a se ver pelo elegante sax solo de Zé Luis. ”Estou adorando andar pelas ruas/ Como quem não quer nada/ Debaixo do sol/ Debaixo das luas/ Que são mais de duas”, numa referência às luzes de neon que também compõe o título deste disco precioso.

Num período em que vinha um tanto inconstante, “Dia Dorim Noite Neon” ajustou a rota e elevou novamente a régua de Gil diante da própria obra. E muito se deve ao vigor contagiante de Pedro Gil, que deixou este plano bem cedo, mas não antes de reenergizar seu próprio pai com o espírito do rock. Vieram, na sequência, “O Eterno Deus Mu Dança”, de 1989, álbum de estúdio em que aproveita algumas receitas do antecessor, a trilha do filme “Um Trem para as Estrelas”, em inédita parceria com Cazuza, e dois ótimos discos ao vivo: “Live in Tokyo” e “Gilberto Gil em Concerto”, todos os três de 1987. Mas “Dia Dorim...” pode tranquilamente ser considerado seu melhor trabalho em toda aquela década. Antenado com seu momento histórico em letras, melodias, atmosfera e sonoridade, mas sem soar datado como muita coisa dos anos 80 – a começar pelo próprio álbum anterior, “Raça Humana” –, o disco serviu, inclusive, para ajudar a quebrar preconceitos entre música popular e o então fortalecido rock, como se o primeiro fosse coisa de velho e o segundo de jovens. Sem divisar. O Rappa, Planet Hemp e Skank são fruto dessa mentalidade arejada nos anos 90. 

Gil provou que, como diz na vinheta do disco, sua forma de pensar/ser é aceitar a impermanência das coisas e conectar-se à espiritualidade. No caso, a igreja do rock. "Outrora, o reino do Pai/ Agora, o tempo do Filho com seu novo canto." Esse tal de rock'n'roll pode até ser coisa do diabo, mas também sabe muito bem ser divino.

🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵

FAIXAS:
1. “Abertura: Minha Ideologia, Minha Religião” – 0:26
2. “Nos Barracos Da Cidade (Barracos)” (Gilberto Gil, Liminha) - 4:11
3. “Roque Santeiro, O Rock” - 4:25
4. “Seu Olhar” - 4:02
5. “Febril” - 3:41
6. “Touches Pas A Mon Pote” - 3:45
7. “Logos Versus Logo” - 3:05
8. “Oração Pela Libertação Da África Do Sul” - 3:28
9. “Clichê Do Clichê” (Gil, Vinicius Cantuária) - 4:20
10. “Casinha Feliz” - 3:14
11. “Duas Luas” (Jorge Mautner) - 3:32
12. “Final: Minha Ideologia, Minha Religião” – 0:25
Todas as composições de autoria de Gilberto Gil, exceto indicadas


🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵

OUÇA O DISCO:
Gilberto Gil - "Dia Dorim Noite Neon" 


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

"A Substância", de Coralie Fargeat (2024)

GANHADOR DO OSCAR DE
MELHOR MAQUIAGEM E PENTEADOS


Único, mas inescapável
por Daniel Rodrigues


Uma das frases emblemáticas de "A Substância" é: "Não se esqueça que você é único". É o caso do filme da cineasta Coralie Fargeat. Só o fato de colocar o gênero terror entre os candidatos ao Oscar se Melhor Filme já o fazem uma realização histórica. Este body horror une-se a uma pequena lista de outros filmes, como "O Silencio dos Inocentes" e "Corra!", que, somados, não preencheriam duas mãos. Isso porque, historicamente, Hollywood - que vem tentando mudar seus (pré)conceitos - considera terror um gênero menor diante de dramas, filmes de guerra, romances e até ficções científicas. Isso explica porque clássicos como "O Exorcista" levaram o prêmio de Melhor Diretor para William Friedkin em 1973, mas não o de Filme, embora fosse favorito à época.

Mas "A Substância" é, com suas qualidades e defeitos, um filme inteligente, provocante e, sim, gore. A história se baseia na vida de Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma renomada apresentadora de um programa de aeróbica, que enfrenta um golpe devastador quando seu chefe a demite por considerá-la velha para os padrões da mídia. Desesperada, ela encontra um laboratório, que lhe oferece a juventude eterna por meio de uma substância, que a transforma em uma versão aprimorada e jovem (Margaret Qualley). Tudo lindo, maravilhoso - mas nem tanto. No capitalismo, há regras inarredáveis.

As referências a filmes e diretores admirados por Coralie são evidentes e muito bem dispostas na narrativa, como a Stanley Kubrick ("O Iluminado", "2001- Uma Odisseia no Espaço"), Brian de Palma ("Carrie: A Estranha", "Irmãs Diabólicas"), Dario Argento ("Phenomena") e Alfred Hitchcock ("Psicose", "Marnie"). Isso sem ser apenas uma emulação, visto que a diretora consegue imprimir uma estética muito original e bem elaborada. Ponto para "A Substância". Mas o que particularmente funciona muito bem no longa e tornar a sociedade do espetáculo e seus padrões tortos como argumento para um filme de terror. Neste sentido, "A Substância" faz parecido com o já citado "Corra!": a apropriação de um tema sociológico real, no caso do filme de Jordan Peele, o racismo e a sexualização do negro. Não é mais de monstros extraterrestres ou de experimentos científicos malévolos que se extrai o verdadeiro terror. É da vivência social.

Em atuação excepcional, Demi Moore, forte concorrente ao Oscar de Melhor Atriz (categoria na qual pode desbancar, infelizmente, a brasileira Fernanda Torres), equilibra a personalidade de uma mulher amedrontada pelo etarismo e pela perda de seu espaço simbólico no mercado com lances de humor ácido. Difícil equação a qual Demi, no entanto, num papel representativo de sua imagem no mundo do entretenimento, se sai muito bem. Outro aspecto positivo é a montagem, ágil mas também observacional, pontuada pelos letreiros gigantes que evidenciam as etapas do experimento, bem como a divisão em capítulos da narrativa. Igualmente, a atmosfera sonora (ruidosa, diria), é muito bem criada. Dinâmica, sensorial, acompanhando a estética de plasticidade "publicitária" usada por Axel Baille na fotografia. 

Porém, o filme peca é naquilo que vários filmes de terror também se complicam, que é precisamente o desfecho. Desnecessária aquela sangueira toda no teatro a la "Carrie". Mais do que desnecessário: improvável. Não se está aqui defendendo realismo numa obra claramente fantástica, nem muito menos que um filme gore se abstenha, justamente, de mostrar sangue. 

Porém, há em "A Substância", na maior parte do filme, uma condução narrativa que se constrói para justificar a dicotomia beleza X feiura, velho X novo, essência X artificial. Ou seja, a ideia crítica central do longa. Ocorre que essa construção é abandonada na sequência final em detrimento das consequências das decisões das personagens (previstas no roteiro) sem considerar a própria lógica que se vinha edificando. Fazer a versão "velha carcomida" de Elizabeth, depois de mal conseguir dar dois passos entre a poltrona e a cozinha, correr feito um zumbi enfezado e lutar com a habilidade de Chuck Norris é, além de ilógico, pobre. Ou pior: desconsiderar o deslocamento do "monstro" entre o apartamento e o estúdio de TV como se a distância entre os dois imóveis fosse de 5 metros (mesmo que fosse), bem como ninguém estranhar (ou abater) aquela coisa andando na rua. Isso é de uma inconsistência de roteiro considerável. 

O filme faz o espectador acreditar no argumento fantasioso do experimento científico com argumentos plausíveis de tempo/espaço para, no final, desdizê-los em detrimento de uma nova lógica mais do que fantasiosa: irreal. É de se perguntar, por exemplo, se não havia nenhum segurança ou policial pra dar um tiro naquela criatura como os norte-americanos tanto gostam. Isso é o lógico,

Por isso, a referida sequência derradeira, com ela/s no palco banhando de sangue a plateia, não se sustenta, o que faz prejudicar um filme na sua maior parte muito bom. Acaba por soar como um arremedo, neste caso mal copiado, do mestre do gore horror David Cronenberg. É compreensível o anseio de se lançar aquele discurso feminista ao final, mas não havia necessidade, visto que o próprio filme já o exalta de outras formas críticas. Bastava que Coralie - que mesmo assim ganhou Palma de Ouro de Roteiro e Cannes por "A Substância" - desse como solução algo menos mirabolante: esmagar a criatura sobre a sua própria placa na calçada da fama, como ocorre na última cena, logo após que esta sai de casa e sem ter chegado ao teatro. Teria sido mais simples e, substancialmente (com o perdão do trocadilho), melhor.

Se "A Substância" vai levar algum Oscar não se sabe. Dos cinco pelo qual concorre, Maquiagem e até Roteiro Original lhe sejam bem prováveis. Entre Demi e Fernanda, não desmerecendo a primeira, por atuação em si a da brasileira é mais essencial para o seu filme, "Ainda Estou Aqui". De Direção, no entanto, Coralie merece. Já em Filme, não deve ser desta vez que o terror vai quebrar o tabu diante da indústria cinematografia estadunidense. Afinal, aproveitando outra sentença do próprio filme: "você não pode escapar de si mesmo", não é?

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trailer original de "A Substância"


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Um chute nos padrões.
(de beleza e do Oscar)

por Cly Reis


Um manifesto cinematográfico sobre a ditadura da beleza, a escravidão da imagem, da crueldade dos padrões, da perfeição e sobretudo, do peso da idade. Pode se aplicar a qualquer um, uma vez que muita gente se sente desvalorizada por uma barriguinha, preocupada com o início das rugas e pressionada com a chegada de determinada faixa de idade, mas é inegável que essa pressão ocorre de um modo mais constante e cruel com as mulheres, desde sempre consagradas como modelos de apreciação estética. O filme da francesa Coralie Fargeat, dentro desse arco temático, aborda especificamente figuras públicas que por sinal, acabam sendo sistematicamente julgadas e rotuladas por nós, o público. "Está velha", "Tá ficando feia", "Olha só as rugas", "A bunda dela tá caindo". O que faz quem quer satisfazer o público? Coloca alguém mais jovem, mais vibrante, mais gostosa. É o que acontece em "A Substância". Elisabeth Sparkle, uma atriz outrora consagrada se vê nessa encruzilhada de aproveitamento público. Aos 50 está 'velha' até para um programa matinal de ginástica ao qual fora relegada, já como sinal claro de decadência profissional. Ciente da intenção dos donos da emissora em se desfazer dela, de sua queda de prestígio, do desgaste de sua imagem atual, ela é tentada a usar uma novidade experimental que chega a seu conhecimento chamada A Substância que promete uma nova versão dela mesmo melhorada em vários aspectos. Com algumas 'regrinhas' a seguir, a droga cumpre o que promete e faz surgir da própria Elizabeth, a deslumbrante Sue, jovem, vívida, voluptuosa, e a nova versão, irresistível como é, não  tarda a ocupar o lugar da antiga estrela na emissora, no programa, no gosto do público, em tudo. O problema é que a duplicata tem fome de vida, quer mais, se , e não lhe bastam os sete dias que as regras de uso lhe impõe antes de trocar novamente com sua matriz. As orientações da substância deixam claro que AS DUAS são UMA SÓ, mas mesmo assim Sue, egoísta e fascinada com o estrelato, com os holofotes, passa a burlar as regras e que quem acaba sofrendo as consequências dessa indisciplina é a matriz, Elisabeth.

A diretora com toda sua riqueza de linguagem e recursos é muito sagaz em propor esse conflito. Uma espécie de guerra interna entre ser o que é, o que tiver que ser, encarar a idade, os julgamentos, ou agradar aos outros, se transformar, mudar para manter ou atingir seus objetivos. Para tal, Coralie Fargeat é corajosa, ousada e se utiliza do grotesco, do chocante, do assustador, uma vez que possivelmente, seu recado não teria a mesma intensidade e a mesma capacidade de ser transmitida de forma tão impactante por outra linguagem senão pelo terror. E nesse universo ela desfila referências que cinéfilos reconhecem e se deliciam: KubrickDe Palma, Lynch e claro, todo o horror corporal característico de David Cronenberg.

Associado a um excelente roteiro, soluções narrativas inteligentes, , uma edição ágil, uma maquiagem impressionante, e atuações incríveis das duas partes da mesma pessoa, Margareth Qualey, a jovem Sue, e, especialmente Demi Moore, indicada ao Oscar de melhor atriz, cuja similaridade com a situação da personagem Elizabeth, afastada dos holofotes depois de deixar de ser a 'gatinha' de Hollywood, é inegável.

Bem como sua protagonista parte de um original para criar uma versão renovada, "A Substância" se vale de núcleos como "O Iluminado", "A Mosca", "Carrie, A Estranha", para trazer um terror revitalizado, fresco, abusado, replicando desses clássicos algumas de suas melhores virtudes para criar em si um novo elemento que, se não faz uma versão melhor que suas matrizes (e não chega a tanto), irrefutavelmente cria algo singular. Único!

"A Substância" é um terror de primeira e que, desde já, inscreve seu nome no panteão das grandes obras do gênero. E para os que torcem o nariz para esse tipo de filme, resta aceitar que um horror gore, sangrento, chocante, feito sem a pretensão de agradar ninguém,  tenha sido indicado a um Oscar de melhor filme. Pode não  ganhar, é acho que não vai, mas seu reconhecimento é uma vitória do cinema de horror.

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referências a filmes clássicos em "A Substância"


"A Substância"
Título Original: "The Substance"
Direção: Coralie Fargeat
Gênero: Terror
Duração: 2h20min
Ano: 2024
País: EUA
Onde encontrar: Amazon Prime Vídeo

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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Melhores do Ano Accirs 2024

O ano de 2024 foi desafiador para todo gaúcho por conta dos desastres climáticos de maio. A área do cinema, claro, foi bastante afetada, seja pela interrupção das atividades, seja pelo prejuízo material a espaços e salas de cinema, seja pela natural inserção no cenário local enquanto atividade cultural e econômica, Claro que, indireta e até diretamente em alguns casos, a Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs), em seu 16º ano de atividade, também foi afetada. Atividades que ocorreriam em junho não se realizaram e outras nem se pode cogitar isso. Porém, uma delas, foi mantida: a já tradicional eleição dos Melhores do Ano, que tem por base produções lançadas em mostras e festivais, no circuito comercial e também em plataformas de streaming, no caso, de 2024.

Dividida em dois turnos, a votação selecionou os melhores longas-metragens estrangeiro, brasileiro e gaúcho, além do melhor curta gaúcho do ano. Ainda, os membros da associação entregam, desde a primeira edição dos Melhores do Ano, o Prêmio Luís César Cozzatti, que reconhece filmes, projetos, instituições ou pessoas de destaque no cenário audiovisual gaúcho. Os vencedores foram revelados em primeira mão durante evento sobre crítica online e atuação internacional com o historiador e crítico de cinema Waldemar Dalenogare, realizado no dia 14 de janeiro, na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana, o qual tive o privilégio de mediar. Sala lotada, público interessado, muitas interações e selfies.

Confira, então, os vencedores do Prêmio Accirs 2024:

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Melhor curta-metragem gaúcho:
"Pastrana", de Melissa Brogni e Gabriel Motta

É hat-trick que se fala quando no esporte alguém atinge a marca de repetir três vezes o mesmo feito, né? Podemos dizer que "Pastrana", dos jovens cineastas Melissa e Gabriel, marcou esse triplete. Primeiro, no 52º Festival de Gramado, em agosto, quando nosso júri do "Gauchão", o Prêmio Accirs para curtas-metragens gaúchos dentro da Mostra Assembleia Legislativa, votou nesta produção para o filme. Mais adiante, em novembro, igual: nosso júri de crítica formado para o 2º Festival de Cinema de Canoas o escolheu. Agora, para ratificar, o grupo de membros consagra este belo documentário de montagem ágil, imagens impactantes e narrativa tocante que presta, por meio de um enfoque muito pessoal, homenagem ao skatista de downhill Allysson Pastrana, falecido trágica e precocemente em 2018 durante uma competição.



Melhor longa-metragem gaúcho:
"Até Que a Música Pare", de Cristiane Oliveira

A Accirs ainda não havia premiado Cristiane nem com o belo "A Primeira Morte de Joana", de 2023,  como também ao brilhante "Mulher do Pai", de 2017, um dos mais importantes filmes da nova cinematografia gaúcha. Agora, enfim, veio o reconhecimento ao seu terceiro longa, que conta a história de Chiara, matriarca de uma família de descendência italiana, e seu marido, Alfredo, que decide acompanhá-lo em uma de suas viagens a trabalho para não ficar só em casa depois que o último de seus filhos sai do lar para morar sozinho. A sensível história, contada com ainda mais sensibilidade pela cineasta, põe o casal diante do maior desafio de suas vidas com o casamento de 50 anos à prova. 



Longa-metragem nacional:
"Ainda Estou Aqui", de Walter Salles

O filme que arrebatou crítica e, incrivelmente, público fora e dentro do Brasil. Mas o fenômeno "Ainda Estou Aqui", embora raro para o cinema brasileiro, tendo em vista o tema e a abordagem competentes mas nada pop como as comédias da Globo Filmes, é totalmente merecido. O filme que levou Fernanda Torres ao Globo de Ouro e o Brasil ao Oscar é uma sensível e comprometida reconstrução da história real da família Paiva, que viu o pai de cinco filhos e marido da resistente Eunice Paiva ser levado pelos militares para nunca mais voltar. Obra forte e necessária - principalmente, no atual momento em que as manifestações fascistas volta a ameaçar as democracias e os direitos humanos.



Longa-metragem Internacional:
"Anatomia de uma Queda", de Justine Triet

O que os olhos enxergam? Que olhos são esses, o do espectador? O da diretora? O de um personagem cego? Os de um cão de olhos sadios, mas irracional? O olhar da Justiça? O brilhante e incomum thriller de Justine é um misto muito bem argumentado de drama familiar, filme de tribunal e análise sociocomportamental da sociedade francesa. Todas as interrogações que o filme levanta e convida o espectador a acompanhar o desenrolar da trama, ora desvendando, ora impondo novos questionamentos. Com isso, outros pontos também surgem: o cinema não seria exatamente isso, a dúvida do que se vê ou se escuta? Mesmo com outros ótimos filmes internacionais em 2024, como "Dias Perfeitos", "Os Colonos" e "Pobres Criaturas", a Accirs teve a lucidez de premiar "Anatomia de uma Queda", outra obra de cineasta mulher assim como os brasileiros "Pastrana" e "Até que...". 



Prêmio Luís César Cozzatti (destaque gaúcho):
Hélio Nascimento

Um dos mais respeitados críticos de cinema em atividade no Brasil, Hélio Nascimento assina há 64 anos uma coluna semanal sobre cinema no Jornal do Comércio, de Porto Alegre. Atualmente com 88 anos de idade, foi agraciado, em 2022, com o Prêmio Gramado 50 Anos no Festival de Cinema de Gramado, honraria destinada a pessoas cujas trajetórias em cinema se destacaram ao longo das décadas. Hélio tem dois livros lançados: "Cinema Brasileiro", de 1981, e "O Reino da Imagem", de 2002, e integra o livro "50 Olhares da Crítica Sobre o Cinema Gaúcho", publicado em 2021 pela Accirs e da qual é sócio-honorário.


Daniel Rodrigues

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Oscar 2025 - Os Indicados

 


Podemos dizer que 23 de janeiro de 2025 foi um dia de glória para o cinema brasileiro. Afinal, nunca antes na história deste país um filme nacional havia recebido a indicação ao Oscar de Melhor Filme. “Ainda Estou Aqui”, o excelente filme de Walter Salles sobre a família Paiva durante o período da Ditadura Militar no Brasil, foi anunciado hoje ao Oscar 2025 junto com mais uma centena de outros títulos a esta e outras várias categorias do maior prêmio do cinema mundial.

Mas não só isso: além da inédita indicação, o filme de Waltinho concorre também a Melhor Filme Internacional – no qual tem boas chances de ganhar – e na de Melhor Atriz para Fernanda Torres, que interpreta Eunice Paiva no filme. A vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama e que desbancou daquela premiação para esta ninguém menos que Kate Winslet, Angelina Jolie, Tilda Swinton e Nicole Kidman, tem agora à frente, no Oscar, outras quatro candidatas. Porém, também passa a encarar de frente Demi Moore, destacada em seu papel em “A Substância” e que carrega em si e em sua personagem um discurso de feminismo e etarismo que pode convencer Hollywood a reconhecê-la depois de tantos anos. Porém, Fernanda está melhor. Que se faça justiça.

Nas outras categorias, sem grandes surpresas: várias indicações ao franco-mexicano “Emilia Perez” (13, o de mais nominações), “Wicked” e “O Brutalista” (10 cada), além de “Um Completo Desconhecido”, “Conclave” (8 cada), “Anora” (6), “Duna: Parte 2” e “A Substância” (5 cada). Destes, parece sair na frente em Filme “O Brutalista”, mas “Anora”, Palma de Ouro em Cannes, pode surpreender nesta categoria na qual “Ainda...” tem certamente menos chances. Mas em Filme Internacional, o brasileiro tem outro rival: “Emilia Perez”. O confuso filme de Jacques Audiard, embora campeão em indicações, tem recebido críticas das comunidades mexicana e latina e LGBTQIAPN+ por sua narrativa superficial e sem “lugar de fala”, o que pode influenciar os jurados em favor de “Ainda...”. Tomara.

De resto, aquelas coisas de sempre do Oscar: falta de algo aqui, excesso de algo ali, ausência de um outro acolá. Críticos dizem que “Sing Sing”, que retrata uma história verídica do sistema prisional norte-americano, merecia mais reconhecimento além das apenas duas indicações que teve (Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Canção Original). Sobrando, o bruxesco “Wicked”, que aparece em vários dos prêmios técnicos, mas desnecessariamente em Filme, Atriz e Edição. E Clint Eastwood, com seu genial “Jurado nº 2”, quem viu? A Academia não dá nem as horas pro velho cowboy, e justo em sua obra de despedida... Fazer o quê? Só torcer por “Ainda...“ e conferir a lista completa dos indicados, que a gente traz aqui abaixo e segue acompanhando os filmes até a premiação em 2 de março. E viva o cinema brasileiro!

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Melhor Filme
“Anora”
“O Brutalista”
“Um Completo Desconhecido”
“Conclave“
“Duna: Parte 2”
“Emilia Pérez”
“Ainda Estou Aqui”
“Nickel Boys”
“A Substância”
“Wicked”

Melhor Direção
Sean Baker por “Anora”
Brady Cobert por “O Brutalista”
James Mangold por “Um Completo Desconhecido”
Jacques Audiard por “Emilia Pérez”
Coralie Fargeat por “A Substância”

Melhor Ator
Adrien Brody, por “O Brutalista”
Timothée Chalamet, por “Um Completo Desconhecido”
Colman Domingo, por “Sing Sing”
Ralph Fiennes, por “Conclave”
Sebastian Stan, por “O Aprendiz”

Melhor Atriz
Cynthia Erivo, de “Wicked”
Karla Sofía Gascón, de Emilia Pérez
Mikey Madison, por “Anora”
Demi Moore, por “A Substância”
Fernanda Torres, por “Ainda Estou Aqui”

Melhor Ator Coadjuvante
Yura Borisov, por “Anora”
Kieran Culkin, “A Verdadeira Dor”
Edward Norton, “Um Completo Desconhecido”
Guy Pearce, de “O Brutalista”
Jeremy Strong, de “O Aprendiz”

Melhor Figurino
“Um Completo Desconhecido”
“Conclave“
“Gladiador II”
“Nosferatu”
“Wicked”

Melhor Cabelo e Maquiagem
“Um Homem Diferente”
“Emilia Pérez”
“Nosferatu”
“A Substância”

Melhor Trilha Sonora Original
“O Brutalista”
“Conclave”
“Emilia Pérez”
“Wicked”
“Robô Selvagem”

Melhor Curta-Metragem em Live-Action
“A Lien”
“Anuja”
“I’m Not a Robot”
“The Last Ranger”
“The Man Who Could Not Remain Silent”

Melhor Animação em Curta-Metragem
“Beautiful Men”
“In the Shadow of the Cypress”
“Magic Candies”
“Wander to Wonder”
“Yuck!”

Melhor Roteiro Original
“Anora”
“O Brutalista”
“A Verdadeira Dor”
“A Substância”
“September 5”

Melhor Roteiro Adaptado
“Um Completo Desconhecido”
“Conclave”
“Emilia Pérez”
“Nickel Boys”
“Sing Sing”

Melhor Atriz Coadjuvante
Monica Barbaro, por “Um Completo Desconhecido”
Ariana Grande, por “Wicked”
Felicity Jones, por “O Brutalista”
Isabella Rossellini, por “Conclave”
Zoe Saldaña, por “Emilia Pérez”

Melhor Canção Original
“El Mal”, de “Emilia Pérez”
“The Journey”, de “The Six Triple Eight”
“Like a Bird”, de “Sing Sing”
“Mi Camino”, de “Emilia Pérez”
“Never Too Late”, de “Elton John: Never Too Late”

Melhor Documentário
“Black Box Diaries”
“No Other Land”
“Porcelain War”
“Soundtrack to A Coup D’Etat”
“Sugarcane”

Melhor Documentário de Curta-Metragem
“Death By Numbers”
“I am Ready, Warden”
“Incident”
“Instruments of a Beating Heart”
“The Only Girl in the Orchestra”

Melhor Filme Internacional
“Ainda Estou Aqui”
“The Girl with the Needle”
“Emilia Pérez”
“The Seed of the Sacred Fig”
“Flow”

Melhor Animação
“Flow”
“DivertidaMente 2”
“Memoir of a Snail”
“Wallace e Gromit: Vengeance Most Fowl”
“O Robô Selvagem”

Melhor Design de Produção
“O Brutalista”
“Conclave”
“Duna: Parte 2”
“Nosferatu”
“Wicked”

Melhor Edição
“Anora”
“O Brutalista”
“Conclave”
“Emilia Pérez”
“Wicked”

Melhor Som
“Um Completo Desconhecido”
“Duna: Parte 2”
“Emilia Pérez”
“Wicked”

Melhores Efeitos Visuais
“Alien: Romulus”
“Better Man”
“Duna: Parte 2”
“O Reino do Planeta dos Macacos”
“Wicked”

Melhor Fotografia
“O Brutalista”
“Duna: Parte 2”
“Emilia Pérez”
“Maria”
“Nosferatu”


Daniel Rodrigues